Projeções Luminosas e os métodos fotográficos dos Panoramas na pintura da Batalha do Avahy (1875-1876): O “espetáculo das artes”

Vladimir Machado


MACHADO,Vladimir. Projeções Luminosas e os métodos fotográficos dos Panoramas na pintura da Batalha do Avahy (1875-1876): O “espetáculo das artes”. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 1, jan. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_pa_avahy.htm>.

*     *     *

INTRODUÇÃO

Do esboço pictórico à rotunda dos Panoramas: a Fotografia nas Pinturas de Batalhas de Pedro Américo

Antes de repetir conceitos teóricos ou presunções da historiografia, um dos nossos objetivos, neste estudo, foi optar pela tarefa investigativa de pesquisar nas fontes de primeira e primeiríssima mão nos arquivos públicos e pelo olhar direto das obras-de-arte, nas coleções dos museus e particulares, confiando na nossa intuição e prática na criação de pinturas. O contato com as fontes, em uma abordagem sócio-cultural, nos permitiu compreender melhor como a sociedade do Segundo Reinado olhava as pinturas e as fotografias e revelar a interação entre a fotografia e a pintura na obra de Pedro Américo, o que modificaria seus métodos tradicionais de trabalho, em sintonia com as mudanças nas formas de sensibilidade coletiva de boa parte dos habitantes da cidade do Rio de Janeiro.

Nossa perspectiva de análise, portanto, não é definir estilos - até porque o que dominava na época era o ecletismo camaleônico - nem fazer uma biografia do artista, mas sim buscar compreender o caráter singular da produção da pintura histórica das batalhas de Pedro Américo desse período. Nesse passo, examinamos as pinturas, as fotografias, os seus discursos, as cartas, as crônicas, a prosa de ficção, os jornais da época, a recepção crítica, de meados do século XIX, anterior às definições modernistas do final do século XIX e início do séc. XX.  Essa análise permitiu uma nova avaliação da obra de Pedro Américo. Normalmente a historiografia mantém os conceitos de pintor acadêmico, pompier, reacionário, tradicionalista,oriundos de uma critica  modernista do séc. XX ,ou seja bem posterior à época de Pedro Américo. O historiador Prof. Mario Barata avançou um pouco, considerando-o um pintor “romantico-academico”. Mas durante a pesquisa, o que avultava  era um pintor disposto, desde a primeira hora, a abraçar os novos procedimentos característicos no novo império industrial do território da fotografia. O que é notável é que o artista transformou significativamente a sua própria técnica pictórica, portando-se como um pintor anti-acadêmico e escrevendo aos 20 anos, um virulento manifesto contra a Academia de Belas Artes francesa, quando vivia em Paris, em 1863. O que passou despercebido à historiografia modernista era o fato de que, entre as décadas de1860 e 1870, o que era realmente  mais moderno e alvo de polêmica, não eram as posturas impressionistas, que ainda eram desconhecidas, mas o uso da fotografia “científica” pelos pintores de história.

Nesta perspectiva, na Parte 1, Fotografias, projeções luminosas e panoramas: o uso clandestino da Lanterna Mágica na pintura da Batalha do Avahy  a nossa preocupação, foi descobrir a verdadeira originalidade pictórica de Pedro Américo do ponto de vista técnico, defendendo  a tese de que o pintor utilizou-se não só da fotografia para pintar os retratos na representação do movimento, mas também de instrumentos óticos como um projetor, chamado na época de Lanterna Mágica. Recuperamos na cidade do Rio de Janeiro no séc. XIX um espantoso universo industrial de instrumentos óticos e de tecnologias dos fotógrafos, oferecidas tanto para diversão como para fins profissionais dos pintores que bem poderiam ter sido utilizadas por Pedro Américo.

Na Parte 2, Pedro Américo, Marc Ferrez e o entusiasmo pela Lanterna Mágica analisamos uma dimensão oculta na pintura de Pedro Américo que foi a da utilização de fotografias como modelos para pintar os temas de batalhas e seguimos de perto as pistas que nos levaram a sua franca amizade com o fotógrafo Marc Ferrez, um devoto das projeções da Lanterna Mágica. Além disso, o conhecimento dos métodos dos Panoramas por P. Américo, que recorriam à Lanterna Mágica  para ampliações de fotografias e esboços, só vieram   fortalecer a tese de que o pintor tenha recorrido ao expediente comum entre os pintores práticos em usar as projeções desse instrumento ótico. O eixo da nossa reflexão foi tentar seguir o processo possível de construção da pintura, e das atitudes avançadas de Pedro Américo contra o sistema acadêmico, terminando por expor, de maneira inédita e espetacular. a Batalha do Avahy em uma rotunda de Panorama no RJ.

Na edição de seu livro Arte e Fotografia, Aaron Scharf, um tanto quanto inconsolável diante de tantas obras publicadas, indagava de que serviria mais um estudo sobre este tema. Sua indagação, acreditamos, continua válida. Basta um olhar de sobrevôo na bibliografia publicada no nosso país, sobretudo referente à arte do século XIX a qual vivenciou a chegada da fotografia, para acompanhar nossa opinião de que, no Brasil, esta relação entre arte e fotografia está praticamente inédita e ainda tem muita coisa a ser estudada. Existe de fato, uma grande lacuna sobre esse assunto que modestamente desenvolvemos aqui, e que esperamos , seja um estímulo a que pesquisadores desenvolvam novas pesquisas sobre esse tema.

O estudo pormenorizado do impacto da fotografia nas pinturas de história das batalhas em Pedro Américo, que é objeto desse trabalho, pretende portanto, dar uma contribuição muito particular à compreensão da história mais geral das relações entre arte e fotografia na cultura brasileira

PARTE 1

FOTOGRAFIAS, PROJEÇÕES LUMINOSAS E PANORAMAS: O uso clandestino da Lanterna Mágica na pintura da Batalha do Avahy

1.1 - Olhando o invisível: a restauração

O uso de fotografias na pintura de história trouxe inúmeras inovações, inclusive as de ordem técnica, na feitura de uma obra. O processo de composição do painel Batalha do Avahy, embora não sirva para explicar toda a complexidade da época, como observou Francastel, serve para apontar como as novas tecnologias e os recursos de instrumentos óticos mecânicos, usados pelos pintores para facilitar o trabalho artístico, alteraram a percepção dos artistas e do público.

Portanto, nossa preocupação, neste pequeno estudo, será descobrir a verdadeira originalidade pictórica de Pedro Américo do ponto de vista técnico, defendendo a tese de que o pintor utilizou-se não só da fotografia como aides-memoire (auxílio-memória) para pintar os retratos na representação do movimento, mas também de instrumentos óticos como um projetor, chamado na época de Lanterna Mágica. A lanterna mágica era, em substância, o antepassado dos modernos projetores e compunha-se de uma caixa de ferro com um espêlho côncavo no interior e um tubo com duas lentes convergentes. Seu funcionamento consistia em colocar uma  fonte luminosa - vela, lamparina, luz oxietérica e, a partir de 1885, a lâmpada elétrica - que refletiam-se pelo  espelho  na lente  convexa, por trás de uma imagem desenhada, pintada sobre  vidro, ou um clichê fotográfico de vidro (colódio úmido e, depois de 1871, as chapas secas), ou outro material transparente.

Desse modo, obtinha-se a visão do desenho ou fotografia ampliados pelas lentes sobre uma parede, lençol  ou tela  branca, e acreditamos ser possível que P. Américo tenha  se auxiliado desse instrumento ótico para pintar a Batalha do Avahy.[1] Porém, uma imensa dificuldade surgiu na nossa investigação: não temos os estudos, desenhos ou clichês fotográficos de vidro que provavelmente foram feitos para serem projetados para a ampliação e execução dos esbôços na tela, o que nos possibilitaria fazer uma articulação precisa entre as intenções iniciais e a forma final da obra. O uso de instrumentos óticos do arsenal técnico-industrial se torna, assim, uma das mais instigantes questões sobre a produção da pintura brasileira no século XIX e aguarda ainda uma pesquisa mais ampla. No entanto, nenhuma pesquisa sobre a arte da pintura de história da Guerra do Paraguai poderá esquecer que o acesso da sociedade brasileira a um ritmo de vida cosmopolita e a vontade de ser moderno era um dos  significados históricos mais notáveis após o fim da guerra. Por enquanto, podemos dizer que as pistas levantadas sobre as profundas mudanças que a fotografia e os recursos tecnológicos trouxeram à pintura prenunciam futuras descobertas importantes.

Tomando como base a investigação sobre as mudanças ocorridas no meio sociocultural da Corte, torna-se necessário penetrar o mais possível em um  universo menos aparente, até mesmo clandestino, no domínio da produção da obra. Mas como fazer para compreender o significado possível do uso de fotografias e dos novos procedimentos com maquinismos técnicos dos panoramas em um painel como a Batalha do Avahy? Pode-se aceitar, como primeiro passo, a sugestão proposta por Bourdieu de se romper com a visão de leitura iconológica da obra acabada, o que ele chamou de modus operatum e, em seguida, analisar o modus operandi, o processo de pintar, o métier do pintor (do grego métis: manha; sabedoria prática), essa longa experiência em um sistema prático desenvolvido que caracteriza um estilo, uma nova forma de saber, enfim, como o artista chegou  a ser o que é.[2] Esperamos que, assim, ao nos voltarmos para a experiência prática do pintor de história, possamos chegar a uma concepção alargada do problema do diálogo entre pintura de história narrativa e a fotografia descritiva, examinando os claros indícios do uso da lanterna mágica para projeções de fotografias e desenhos na pintura de batalhas de P. Américo.

É sabido que a fotografia e seu instrumental técnico alteraram profundamente a prática tradicional dos métodos dos pintores na pintura de retratos. Cabe, então, perguntar: o mesmo teria acontecido na ampliação dos esboços, na marcação do desenho prévio e na pintura de retratos em uma grande tela de pintura de história? Como era a prática tradicional e como esta ficou depois da apropriação dos artefatos óticos mecânicos e os procedimentos ligados à  fotografia?

Uma tentativa de responder a estas perguntas encontra-se no resultado das análises quando da restauração das batalhas de Pedro Américo e Victor Meirelles no MNBA, e também no uso das fotografias e nos métodos dos populares panoramas. A pintura da Batalha do Avahy, obra exemplar de pintura histórica feita na década de 1870, oferecia um extraordinário testemunho do ambiente cultural e da diferença nos procedimentos técnicos de Pedro Américo em relação à pintura de Victor Meirelles, por exemplo. Vamos centrar nossa atenção, aqui, sobre o processo de ampliação, por Pedro Américo, de uma imagem desenhada, pintada ou fotografada em uma tela de grande formato.

Na restauração da Batalha do Avahy e Guararapes, em 1993, sob a coordenação do pintor Cláudio Valério Teixeira, além da implantação de um Núcleo Histórico/Crítico, foi criado também um Núcleo Científico, concebido pelos restauradores para estudar e documentar cientificamente as obras em tratamento.[3] Nesse Núcleo, foram realizados exames de radiação ultravioleta para detecção de repinturas, análises das camadas de verniz e prospecção, através de radiação infra-vermelha, para a melhor observação das áreas de pintura e descoberta de possíveis arrependimentos [termo técnico que designa uma modificação feita pelo pintor em uma forma já pintada na mesma tela]

Na Batalha dos Guararapes, a equipe encontrou muitos arrependimentos de Victor Meirelles, revelando os métodos tradicionais da quadrícula e de hesitação, tentativa e erro. Na tela da Batalha do Avahy, no entanto, a análise demonstrou que a pintura foi feita sem hesitação, de forma direta. A equipe do pintor Cláudio Valério não encontrou nenhum sinal dos métodos de ampliação praticados pelas escolas de pintura, acadêmicas ou não. Encontrou apenas um “X”, feito a carvão, no centro da pintura, bem no encontro das diagonais que atravessam a tela. A que se deve esse enigmático “X”, único traço a carvão encontrado na pintura? Uma resposta possível é que essa marca correspondesse a um eixo-guia em que, a partir dele, o pintor dispusesse as cenas, concluindo a composição.[4]

Pedro Américo poderia ter seguido os métodos tradicionais de ampliação se não fosse por um detalhe intrigante. Graças à minuciosa restauração, podemos ver que há, com efeito, uma numeração nas bordas ocultas da tela, na parte que envolve o chassi de madeira, fora da pintura. Encontra-se ali, inscrito a pincel, um número 6, no detalhe da borda vertical direita e um número 8 na borda vertical esquerda. Na borda inferior direita existe um outro número 6, seguido de um número 7, numa distância aproximada de 1.50m. Devido aos diversos rasgos, fissuras e manchas, os outros números não são visíveis, pressupondo-se que havia uma seqüência: 6, 7, 8, 9 e assim por diante. O mais intrigante disso tudo é o inusitado da numeração. Por que a numeração na borda inferior direita começa com 6 e não com o número 1? E por que, na borda lateral direita e esquerda há um 6 e um 8, respectivamente?

Se correspondessem ao traçado da quadrícula tradicional, a numeração deveria começar com o número 1 acompanhado de uma letra do alfabeto, como 1A, seguido do 2B e assim sucessivamente, compondo as coordenadas verticais e horizontais, para o artista ampliar seus projetos. A hipótese de que Pedro Américo tenha começado do número 6 e não do número 1 é descartada. Por que ser original, mudando aleatoriamente a numeração? A originalidade da obra certamente não estaria nesse recurso prosaico.

Outra possibilidade é uma hipótese mais arriscada, mas aceitável, se considerarmos em profundidade algumas fortes pistas de que Pedro Américo tenha se utilizado das projeções luminosas da lanterna mágica. Nessa hipótese, os números referiam-se às cenas desenhadas sobre clichês de vidro ou negativos em vidro de retratos fotografados e projetados na tela, com as respectivas numerações. Por exemplo: a cena da carreta seria a de número 6, a cena de Osório a de número 7 e assim por diante. Mas suponhamos que a pintura tenha sido feita com quadrículas e ampliações pelo método semelhante ao de Portinari, que não deixavam marcas de carvão. Ainda assim, temos a análise do Núcleo Científico da restauração que, através da radiação infravermelha, constatou uma pintura direta, sem hesitações e que encontrou apenas um arrependimento relacionado a um chifre na cabeça do boi da carreta. É lógico pensar que, em uma tela complexa como essa, seria razoável encontrar não um, mas vários registros de modificações, como foram encontrados na pintura de Victor Meirelles.

E se, conforme mais se defende, não houve a ampliação por quadrícula, e a tela foi pintada confiando em uma habilidade absoluta? Nesse caso, deveria haver, pelo menos, uma grande quantidade de estudos preparatórios, de arrependimentos e correções inevitáveis durante a execução, como ocorreu na pintura de Victor Meirelles, que mesmo seguindo o método tradicional de ampliação, deixou centenas de desenhos para a Batalha dos Guararapes. O pintor espanhol Diego Velásquez (1599-1660), que também não deixou nenhum esboço, nenhum desenho ou estudo de suas composições, seguia as lições de seu mestre Francisco Pacheco que o aconselhava a pintar sem o auxílio da quadrícula, pressupondo-se que as suas pinturas eram feitas diretamente na tela, a partir de esboços reduzidos. Ou, como sugeriu David Hockney, com as imagens projetadas a partir de um espelho côncavo, provavelmente para poupar trabalho e terminar mais rápido a pintura, não seguindo as regras comuns de fazer um esboço, quadricular e transferir as quadrículas ampliadas na obra definitiva, como já foi referido.[5]

No entanto,  apesar de toda a estupenda habilidade do pintor, em algumas pinturas célebres vários arrependimentos são visíveis, como na mão do Papa Inocêncio X; nas cabeças e patas dos retratos eqüestres; nos retratos de Felipe IV e na pintura de história Las Lanzas; sendo que estas pinturas são bem menores que a Batalha do Avahy.

O que ficou claro nas análises de laboratório feitas na restauração da Batalha do Avahy é que ela foi feita sem recuos, em golpes únicos e imediatos, sem marcas de desenho prévio e sem marcas de quadriculação na tela. Mas o que é ainda mais surpreendente, é a semelhança com os procedimentos da pintura de panoramas. Em uma análise semelhante com raios infra-vermelhos (reflectography) feita para o panorama Mesdag em Haia, na Holanda, também não foi encontrada na tela a presença de esboços prévios, nem foi detectada qualquer hesitação ou arrependimento abaixo da pintura terminada.

No entanto, tudo indica que o pintor Willem Mesdag e seus auxiliares usaram fotografias e projeções com a lanterna mágica. Infelizmente, também não se conhecem os estudos preparatórios de outros pintores da equipe. Há claros indícios, nos esboços do pintor Breitner, que colaborou no panorama Mesdag, de que ele tenha copiado detalhes da paisagem urbana de Scheveningen, tema do panorama, traçando os contornos projetados pela lente de uma câmara-escura ou se apoiando em fotografias posteriormente ampliadas na tela.[6] É de se lamentar que, no caso de Pedro Américo, não haja um registro, por menor que seja, de nenhum estudo sequer em ponto grande de uma cena, de uma figura localizada dentro da composição total da obra, para se fazer as relações necessárias.

Araújo Porto-alegre, em carta enviada de Lisboa (24/02/1874) provavelmente ao Duque de Caxias, fazia apenas uma alusão a um esboço da batalha. Neste esboço, segundo a descrição de Porto-alegre, o Duque de Caxias estava de sabre na mão em uma elevação, a dar ordens ao seu estado-maior, localizado do lado esquerdo do painel. O sabre heróico desapareceu da mão de Caxias na versão final, mas confirmava a localização, esta sim heróica, do general Osório “também a cavalo, a mandar que avancem para o inimigo no meio de tiros, fogo e tortuosa(?), fumaça”.[7] Esse esboço, normalmente sumário, sem detalhes e em escala reduzida, serviria como um guia apenas para manter a visão do conjunto das várias cenas no painel. Esse esboço sem dúvida existiu e serviu, com algumas variantes, para o esboço da Batalha de San Martino em 1886, mas não resolve a questão que nos interessa, de saber como foi feita a ampliação, nem esclarece a questão da realização de uma pintura direta, imediata, sem recuos, para usar as palavras de Cláudio Valério.

Os poucos estudos que restam, feitos muito tempo antes, em 1865, são estudos de anatomia de cavalos, detalhes de pés e cabeças de animais, sendo que alguns, de 1875, não têm nenhuma relação efetiva com as figuras pintadas no painel. Talvez somente a cabeça do boi poderia ter sido usada, mas está invertida, o que não seria problema se fosse desenhada no clichê de vidro e projetada. É importante notar que estes desenhos são todos lineares, contornados, sem claro-escuro, como se fosse necessário apenas o contorno, para um posterior preenchimento com pintura direta.

1.2 - Buscando a facilidade dos instrumentos óticos

Todas essas evidências contribuem para reforçar nossa hipótese de que Pedro Américo pintou o painel do Avahy segundo os métodos dos pintores de panoramas, com desenhos ou fotografias em clichê de vidro projetados pela lanterna mágica sobre a tela, pintando depois diretamente, sem esboço prévio e sem quadriculação. A lanterna mágica, conhecida desde tempos remotos, projetava imagens que ampliavam desenhos lineares ou pinturas coloridas, e que era possível serem copiados, manualmente, sem necessidade de ter um grande domínio visual e artesanal, como veremos adiante. O que desejamos mostrar é que, o que era considerado uma heresia pelas academias tradicionais, constituía-se em uma prática comum entre os artistas, para criar uma pintura ilusionista e realista, muito antes da invenção da fotografia.[8]

Pedro Américo estava usando a novidade da fotografia e seu instrumental na esteira da longa busca pelos artistas de um automatismo na criação e reprodução das imagens, desde o quattrocento, com o aperfeiçoamento da perspectiva de projeção central, das projeções da lanterna mágica e da câmara-escura. Essa busca da perfeição e da rapidez “impulsionou toda a dinâmica em busca do automatismo analógico, sendo a perspectiva científica um momento decisivo na história desse automatismo, como observou Edmond Couchot.[9]

Para os pintores que dependiam de seu olho e de suas mãos, os aspectos automáticos da produção da imagem pela fotografia e dos instrumentos do contexto industrial, aperfeiçoados pelos fotógrafos para projetá-las, facilitavam a realização do difícil problema da ampliação, feitas à mão, em telas de grandes dimensões. Os artistas profissionais mais criativos logo se apropriaram desse procedimento para ampliar desenhos decalcando a imagem projetada na tela. Afinal, a origem mítica do desenho, tanto no Egito como na Grécia, se devia ao decalque para delimitar “automaticamente” o contorno da projeção da sombra, como a de um cavalo, que depois se coloria; ou humana, como o do amante da filha de Butades, de Corinto, que depois do decalque do desenho, encheu com argila o contorno, dando origem ao primeiro baixo-relevo.[10]

É relevante destacar também que os recursos mecânicos para pintar foram praticados nos ateliês dos artistas, muito antes das academias, dos panoramas e da fotografia. Leonardo da Vinci (1452-1519) foi dos primeiros artistas a louvar a invenção da câmara-escura.[11] A câmara-escura, que esperaria o desenvolvimento da química para se tornar câmera fotográfica, serviria ao “olhar fotográfico” de Vermeer e Canaleto para pintar cenas e paisagens, e seria usada na pintura dos panoramas, no século XIX.[12] Pietro  Bardi observou que as paisagens do Rio de Janeiro feitas pelo pintor austríaco Thomas Ender (1793-1875), no início do séc. XIX, (1817-1818), eram “de um realismo antecipador da fotografia”.[13]

Analizando as “características típicas” das aquarelas inacabadas  de Thomas Ender (linhas precisas como um decalque à lápis, “preenchidas” depois com aquarela), consideramos que o pintor de fato poderia ter usado a câmara escura  para fazer o registro exato dos desenhos e pintar as precisas e “documentais” aquarelas do Rio de Janeiro. Robert Wagner, levantou a possibilidade de que Thomas Ender, ainda a bordo do navio em 1817, tenha  utilizado um intrumento ótico - talvez um binóculo - para pintar um panorama circular de 360 graus de toda a Baía de Guanabara ou, como pensamos, a câmara-escura ou  lunetas invertidas  como usavam os paisagistas holandeses, como Franz Post, ao documentar as paisagens brasileiras.[14]

Além da perspectiva científica, da quadrícula e da câmara-escura, os artistas utilizavam instrumentos para reproduzirem à mão, mecanicamente na superfície, a ilusão de profundidade utilizando aparelhos com direcionamento ótico-mecânico, como o anteparo de vidro, a câmara-lúcida e o panoramagraph.[15] Com a invenção da fotografia, desde 1840, os pintores como Vernet, Delacroix e Courbet, para citar apenas os mais célebres, utilizavam-se de daguerreótipos e fotografias como modelos. Delacroix chegou a lamentar que “uma tão admirável invenção” como a fotografia tenha chegado a êle tão tarde.[16]

No Brasil, em 1847, oitos anos depois da descoberta da fotografia por Daguerre, já se encontravam disputando clientela, no Rio de Janeiro, três estabelecimentos de daguerreotipistas: um anunciando a rapidez da fotografia - menos de um minuto -, outro que ensinava a tirar fotografias por preços módicos e o terceiro que tirava retratos em preto e branco (a “fumo”, como se dizia) e coloridos a mão. Este também vendia daguerreótipos, dava aulas “da nova máquina”, alugava e vendia litografias e cabeças de gesso de personalidades para estudo de desenho e pintura e o mais importante para nosso tema: “...também há para se vender instrumentos para desenhar o natural quase sem estudos preliminares”.[17]

Não estava especificado quais eram esses instrumentos, mas sabe-se quais eram os existentes: a câmara-escura e a câmara-lúcida; o pantógrafo e a lanterna mágica . Certamente, alguns destes poderiam estar sendo oferecidos ao público. O anúncio deixava claro que, com estes instrumentos, qualquer um, sem “estudos preliminares”, poderia desenhar do natural. É  lícito então imaginar, que um pintor profissional, poderia se utilizar destes instrumentos para facilitar seu trabalho. Era  o que sugeria, pelo caráter comercial e especializado, a oficina fotográfica Galeria de Retratos, dirigida pela dupla Bruschetti-Leuri.[18] Leuri fazia as fotografias de retratos em ambrótipos e melanótipos, em medalhões e sobre encerado, para enviar em cartas e outros fins. Já G. Bruschetti se encarregava de pintar as fotografias ampliadas em tamanho natural ou reduzidas em miniaturas. Por tratar-se de um estúdio fotográfico, certamente deveria utilizar instrumentos de ampliação como a lanterna mágica ou o pantógrafo, visando a rapidez da “pronta-entrega”.

PARTE 2

PHANTASMAGORIAS” NA CIDADE IMPERIAL

2.1 - Ao Grande Mágico: o intenso comércio das ilusões óticas

Durante todo o século XIX, com o desenvolvimento da indústria, surgiram vários modelos mais aperfeiçoados de aparelhos de projeção para serem usados também nas vias públicas, em teatros, salas escuras ou em rotundas de Dioramas e Panoramas  destinados à diversão coletiva e que fascinavam a população carioca. A idéia de manipulação de imagens pintadas com realismo para provocar ilusões  fez com que as projeções com a lanterna mágica  produzissem espetáculos pré-cinematográficos associados ao assombroso, ao onírico, à magia, chamados de Fantasmagorias, como o construído pelo físico e aeronauta belga E. G. Robert (1763-1837), conhecido como Robertson. Aperfeiçoando os conhecimentos da  Camara escura de Della Porta e da Lanterna Mágica, montada em um carrinho que se movia, Robertson inventou no séc. XVIII, o aparelho Fantascópio [19], que se encontrava à venda, como veremos, nas principais lojas de óticas no Brasil.

A idéia de uma visão cósmica (Cosmorama),  bela (Kalorama), a visão total (o Panorama de Barker) o  Diorama de Daguerre, o Teatro Ótico de Reynaud, acompanhava uma riqueza enorme de novos nomes exóticos para designar os lugares e equipamentos de projeções luminosas como o Lampascope, Betamiorama, Cyclorama, Giorama, Pleorama, Kineorama, Poccilorama, Neorama, Eidophisikon, Nausorama, Physiorama,Typorama, Udorama,Uranorama, Octorama, Diaphanorama,  onde em alguns, se faziam gigantescas e circulares pinturas ilusionistas ou “projeções de sombras chinesas, transparências e até mesmo fotografias, fossem elas animadas ou não”.[20] As Lanternas mágicas, polioramas, estereoscópios, graphoscópios, kinetoscópios, agioscópios ou projectoscópios; as câmeras fotográficas das marcas “sucess” e “aparatos, eram importados dos EUA.[21] Além disso, milhares de  vistas, pintadas ou fotografadas em vidro para serem vistas nos estereoscópios ou projetados pela Lanterna Mágica,  eram anunciados no Rio de Janeiro e deviam se constituir em uma boa opção de diversão. O Armazém de Óptica, de José Vieitas, anunciava desde 1865 que tinha “um completo sortimento de objetos pertencentes à ótica, entre os quais encontrava-se instrumentos para “fantasmagorias” que faziam uso da lanterna mágica para projetar imagens.[22] Esse armazém, entre vários outros, era muito conhecido pelos artistas, e na ausência de galerias de arte, muitos expunham pinturas nas suas vitrines, o que é uma evidência da intimidade dos pintores com esses fantásticos instrumentos.

O que é notável é que a lanterna mágica usada para “fantasmagoriastinha uma presença marcante na sociedade carioca muito tempo antes. Em 1863, José M. dos Reis sustentava em um anúncio que, se o seu estabelecimento não excedia, pelo menos rivalizava “com os mais notáveis deste gênero na Europae oferecia um completo e aperfeiçoado sortimento de “todos instrumentos de ótica” para astronomia, marinha, e, entre dezenas de outros produtos, encontrava-se a lanterna mágica para “ fantasmagorias.[23]

Vale destacar um traço marcante da cultura portuguesa que era o “olhar de navegante”, que necessitava de instrumentos científicos: bússulas, cartografia, sextantes, lunetas, binóculos. Pode-se avaliar a importância da posse desses instrumentos para a navegação onde antes a única referência eram as estrelas para deslocar-se no vazio dos oceanos. O Imperador Pedro II, que detinha o “leme” do Império, chegou a ser retratado com uma luneta nas mãos. O escritor Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882), que era um observador atento dos costumes e interesses da sociedade carioca, editava, em 1869, a bem humorada A Luneta Mágica. Macedo utilizava-se, para criticar a realidade sociocultural de seu tempo, o símbolo dos instrumentos óticos para ver melhor. No caso dessa ficção, o personagem de posse de uma luneta mágica, poderia ver além das aparências visualizando as hipocrisias sociais.[24] Esse livro, era muito semelhante à um jornal  satírico chamado “Lanterna Mágica: periódico plástico-filosófico ” editado em 1845, ao que parece, o primeiro jornal ilustrado com  caricaturas feito no Brasil, por Araujo Porto-alegre , mais tarde mestre de Pedro Américo e diretor da Academia imperial de Belas Artes no RJ.[25] Como a Lanterna Mágica era o ancestral do projetor de slides, ela servia para “projetar” ampliando com fidelidade imagens que podiam parecer reais e enganar o olhar. Porto-alegre usava a metáfora desse instrumento com o objetivo de mostrar que os dois  personagens trapaceiros da história, Laverno e Belchior , pela imitação  perfeita, enganavam  os clientes que  eram iludidos pela aparencia de real como nas projeções luminosas.

Nessa mesma época, o sucesso da invenção da fotografia serviu como nome para a criação de um jornal satírico, o  “Daguerreótipo, editado em 1845. A característica de fidelidade ao real da fotografia, foi aproveitada como símbolo  de crítica social, justamente porque se propunha a “fotografar” os costumes com realismo e exatidão . A primeira “fotografia” de crítica social do jornal Daguerreótipo era a do “empenho, ou seja, o que mais tarde seria conhecido como a prática brasileira do “pistolão”: todos precisavam de empenhar-se com os pistolões para conseguir empregos, cargos públicos, etc.[26] Essa vontade de ver com perfeição “científica” e “verdadeira” cenas feitas com máxima ilusão da realidade ou oníricas e desconhecidas, se estendia à área da cultura. O público brincava de deixar-se enganar, não na vida real, mas sómente pelos divertidos instrumentos óticos da lanterna mágica, das “fantasmagorias”, das ilusões dos dioramas, cosmoramas e das máscaras nas cenas teatrais, ampliadas pelas lunetas ou os binóculos para teatro. Paradoxalmente esse universo permitia o conhecimento para defender-se de um mundo de enganos, mas tambem entregar-se a um mundo de maravilhas dos truques e das novas técnicas.

Os estereoscópios por sua vez produziam uma ilusão visual, mostrando as imagens perfeitas das fotografias bidimensionais como se fossem em três dimensões. Para satisfazer essa demanda, existiam armazéns que anunciavam um sortimento variado e impressionante de instrumentos tanto para os divertimentos visuais como  os científicos, náuticos, astronômicos, matemáticos e de ótica, sempre atualizados com a produção inglesa e francesa.[27]

Um exemplo claro dessa riqueza de ofertas estava em um antigo anúncio de 1859, do Armazém de Óptica, de Severino e Magallar, onde vendia-se “instrumentos de todos os tamanhos e de diversos fabricantes, tanto ingleses como franceses, de punho, e telescópios; vidros para óculos de alcance e nariz, para todas as vistas e de todas as qualidades, brancos e de cor e também de cristal, lentes, microscópios para relojoeiro e botânica”  e o que é mais importante, a venda de lanternas mágicas.[28]

Podemos ver que esse instrumento estava anunciado desde 1859, mas é certo que já estava à venda e fazia parte da vida social, muito tempo antes. No relato das Memórias de  Luis Gonçalves (1764-1844) em 1818, sôbre o casamento de D. Pedro I  no Campo de Santana,  ao final das encenações teatrais em  homenagem aos noivos,“... foram  vistos transparentes retratosprojetados sem dúvida pela lanterna mágica.[29] Nos teatros ou em “galerias ópticas”, faziam-se projeções fixas de pinturas com a lanterna mágica, como a anunciada pelo Jornal do Commércio, em 20/06 e 11/08/ de 1843.

Por “500 réis a entrada e com direito a uma cadeira”, se poderia entrar nesta “galeria óptica” que estava “instalada por cima da Praça do Commércio” e assistir a um espetáculo que propiciava viagens imaginárias, através de um artefato mecânico-ótico, certamente a Lanterna Mágica. As projeções luminosas  ocorriam  em duas sessões, “todos os dias das 10 h. da manhã, às 3 h. da tarde, das Ave Marias às  9 da noiteprojetando imagens pintadas do Rio Tâmisa em Londres; da Gruta Azul, em Capri, na Itália; “... e uma batalha de Napoleão”. [30] Era, sem dúvida, um espetáculo coletivo muito popular e que impressionava pelo realismo das imagens projetadas pela lanterna mágica, tanto dos lugares distantes como pelas cenas de batalhas. Como já mencionamos, Porto Alegre escreveu um jornal satírico, em 1845, tendo como recurso simbólico o nome de Lanterna Mágica, o que sinalizava que as projeções luminosas e seu instrumental eram bem conhecidos e continuariam a ter importância em vários níveis até o final do século XIX.  Até mesmo como marca “logotipo” no frontispício de capa da Semana Ilustrada, editada desde 1866, aparecia o projetor da lanterna mágica ainda como símbolo de projetar fielmente o retrato crítico da sociedade  com o dístico “Ridendo castigat Mores[31]

Em 1877, durante a exposição na rotunda de panorama da Batalha do Avahy, podia-se ver um anúncio de página inteira da casa Ao Grande Mágico, de F. Rodde, ilustrado com uma xilogravura, anunciando ser introdutora, no Império, das “campainhas elétricas”. Oferecia as novidades que apareciam na Europa e tudo o que pertencia aos aparelhos óticos que estavam à venda, como os polioramas e as lanternas mágicas com “vistas separadas”, certamente de fotografias em clichês de vidro, para projeções luminosas[32] Os artistas, “grandes mágicos” da ilusória perspectiva e das cores, aí também expunham suas pinturas nas vitrines .

Em 1867, a fotografia teve um lugar privilegiado em um pavilhão na Exposição Universal de Paris, onde se podia ver experiências de projeções com a lanterna mágica. Se a demanda por “divertimentos” coletivos das projeções luminosas contribuiu para a criação de novos aparelhos e por boa parte das inovações no campo da fotografia, esta também passou a ter uma função mais pragmática voltada para as necessidades profissionais dos artistas[33] Várias outras inovações de instrumentos no campo da fotografia se deram para facilitar o trabalho dos pintores e atingir maior “perfeição” icônica, aliada a uma maior rapidez, nas ampliações de retratos e de composições artísticas. As pesquisas para o uso de novos equipamentos com o objetivo de se atingir efeitos ilusionistas, tendo como modelo a fotografia, prosseguiram até no campo da escultura. François Willème conciliava a precisão da fotografia e do pantógrafo esculpindo de modo muito rápido um modelo em gesso, a fim de se obter um retrato “verdadeiro”, com o ilusionismo tridimensional[34] Sua exposição foi visitada por Araújo Porto-alegre, sogro e mestre de Pedro Américo, que concluiu que o resultado era “perfeito”, mas observava que para alguém ser “foto-escultor”, teria que ser antes de tudo “um habilíssimo  escultor[35]

Mas nem só para diversão e arte se destinava o uso da lanterna mágica. Ela também foi útil na Guerra da Comuna, de 1871, em Paris. A microfotografia foi utilizada como recurso de espionagem: as microfotos eram carregadas pelos pombos-correios e depois projetadas em uma parede pela lanterna mágica, que as ampliavam, possibilitando a leitura das mensagens[36] . No episódio da Guerra de Canudos (1896/97), segundo Kossoy, o governo queria direcionar o povo para uma leitura ideológica, conforme a ótica da vitória do “bem sobre o mal”. A vitória da guerra precisava ser mostrada publicamente, espetacularmente. Como ainda não existia imagens cinematográficas do conflito, ela foi mostrada com o recurso pré-cinematográfico das projeções luminosas de fotografias fixas, pela lanterna mágica, agora já com a luz elétrica. O público do Rio de Janeiro, assistia às cenas da guerra, “tiradas no campo de ação pelo fotógrafo expedicionário Flávio de Barros...”, à rua Gonçalves Dias, 46, conforme anúncio num jornal local. A atração, que custava mil réis e gratuita às crianças, era anunciada como “Curiosidade! Assombro!! Horror!!! Miséria!!!! Tudo apresentado ao vivo e em tamanho natural por PROJEÇÕES ELÉTRICAS”. Acrescentava ainda o anúncio que, dentre os 25 quadros que seriam projetados para compor o espetáculo, o público poderia ver “o verdadeiro e fiel retrato do fanático Conselheiro, fotografado por ordem do general Artur Oscar...”.[37]

O drama distante e já dominado tornou-se uma “curiosidade” em virtude das imagens serem “verdadeiras e fiéis” que só a fotografia poderia permitir e a projeção luminosa da lanterna mágica transformava em um espetáculo “assombroso”, já que a verdade fotográfica era exibida em “tamanho natural”, como se fosse ao vivo. Este anúncio das “projeções elétricas” de 25 fotografias, que seguramente eram as chapas de negativos de vidro - os diapositivos da época - mostravam o amplo uso dessa forma espetacular de ver fotografias e imagens, desenhadas ou pintadas e projetadas em uma parede pela lanterna mágica, para apreciações coletivas e “educação” das crianças. Por volta de 1885, em Paris, eram populares as ilustrações que apregoavam os bons “serviços à sociedadetrazidos pela fotografia. Algumas dessas ilustrações mostravam o uso da fotografia para a identificação de criminosos e também para o estudo, por meio da projeção ampliada em uma parede, de “todas as maravilhas microscópicas da criação”.[38]

A lanterna mágica possibilitou a invenção de um precursor dos desenhos animados, o equipamento praxinoscópio, aperfeiçoado por Émile Reynaud e patenteado como Teatro Ótico. Utilizando o princípio básico do praxinoscópio, acoplado a um sistema de espelhos e da lanterna mágica, retroprojetava-se em uma tela seqüências desenhadas por Reynaud, que chegou a fazer, entre 1896 a 1900, projeções animadas até com foto-pinturas, certamente devido à concorrência da insuperável animação de máxima ilusão fotográfica do cinema, que fez do Teatro Ótico mais uma vítima, assim como os panoramas e a pintura de história baseada nos mesmos princípios da ótica.[39]

2.2 - O uso da lanterna mágica para pintar

É inegável que a prática das projeções luminosas se tornaram mais conhecidas e práticas a partir de 1880, com o advento industrial da luz elétrica. Em 1882 foi aberto, em Paris, o panorama da Batalha de Champigny, dos pintores Edouard Detaille e Alphonse de Neuville, que foi pintado com o uso de fotografias sobre clichês de vidro projetadas com a lanterna mágica sobre a tela, para fazer as ampliações e os desenhos prévios.[40] Podemos afirmar, com certeza absoluta, o uso da lanterna mágica na feitura desta obra, já que o pintor portugues Manuel Périer (Pereira), que foi colaborador nesse panorama, havia patenteado esse método em 24 de março de 1882.[41] O fato de Périer ter patenteado o método apenas dá uma certeza científica de seu uso, mas não quer dizer que ele tenha sido o primeiro a usar as projeções, como afirmou Yvonne Eekelen. Ele foi o primeiro a patentear, mas as projeções de desenhos e fotografias já eram amplamente utilizadas, principalmente para pintar ou desenhar os contornos projetados nos detalhes da composição.[42]

Embora não se saiba exatamente como essas técnicas eram aplicadas, já que muitos panoramas desapareceram -- como os de Victor Meirelles, no Rio de Janeiro -, em termos gerais, pode-se reconstruí-las por aproximação com as práticas adotadas por fotógrafos e pintores não canônicos. Uma xilografia da época, mostrando dois pintores de panoramas com um projetor, é reveladora de que não era segredo para ninguém o uso muito prático desses novos equipamentos.[43] Em 1872, a imagem do cavalo a trote fotografada por Muybridge, em clichê de vidro e projetada com a lanterna mágica sobre a tela, foi pintada por John Koch,  um conhecido pintor de retoques fotográficos de São Francisco[44] Como vimos, estas técnicas eram muito conhecidas pelos pintores que buscavam soluções práticas e eficazes e foram usadas, sobretudo, pelos panoramistas. No Panorama Mesdag, o próprio pintor construiu um cilindro de vidro em que desenhou os contornos da paisagem em 360o, que ele podia observar estando dentro deste aparato.[45] Recentemente, foram feitos testes com uma lâmpada de alogênio projetando o desenho do cilindro na tela do panorama e os contornos corresponderam precisamente com a pintura. Mas o que se apresenta ainda mais notável e importante é que um outro teste foi feito com a lanterna mágica, usando uma lâmpada comum de 200 watts. Ao projetar slides com antigas fotografias do panorama, esta “... projeção produziu contornos muito satisfatórios na tela”.[46]

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, no final do século XIX, incrementaram-se as diversões mecânicas oferecidas ao público como os presépios movimentados, os fonógrafos, as fantasmagorias, as projeções fixas da lanterna mágica e a  anunciada “maravilha do século XIX”: as projeções luminosas de fotografias animadas, ou seja o cinema, patenteado  em 1895, pelos irmãos Louis e Auguste  Lumière. Um ano depois, em 1896, o Rio de Janeiro já podia “...admirar o cinematógrapho, uma das maravilhas deste fim de século”. Em uma nota de jornal , um folhetinista fazia as devidas diferenças entre o cinema e o aparelho Kinetoscópio de Thomas Edison  o qual reproduzia o movimento  por meio da passagem rápida de uma série de fotografias instantâneas “Mas no Kinetoscópio as figuras eram pequeninas e só uma pessoa de cada vez podia apreciá-lo . O cinematógrapho, inventado pelos irmãos  Lumière apresenta-nos figuras em tamanho natural, podendo ser vistas por um número qualquer de espectadoressendo o cinema  considerado como uma “... maravilhosa lanterna mágica  da Ciência.[47] Como se vê, as projeções cinematográficas eram consideradas diversões das mais maravilhosas e assombrosas das invenções “modernas”, fruto do “Progresso” e da “Ciência” e pode-se compreender  o deslocamento das atenções do público diante desses espetáculos em relação à  arte da pintura histórica , dos panoramas e dos aparelhos mais tradicionais.

No entanto, o aparelho mais acessível nas casas de família continuava a ser  a lanterna mágica, que desapareceu no século passado substituída pelo aparelho de televisão, mas sobreviveu como um útil e versátil projetor de slides, tanto os mecânicos como os digitais. Mesmo depois do “assombroso” cinema, no final do século XIX  era freqüente, em São Paulo, encontrar anúncios vendendo aparelhos de cinematógrafos, fonógrafos e “lanternas mágicas de vários tamanhos”.[48]

Envolvidos como estamos hoje, na rede da magia sofisticada da mídia eletrônica, fica fácil esquecer de que a lanterna mágica era um equipamento de uso corrente, muito estimada por todo o século XIX, usada tanto para diversão como para uso prático. Portanto, não era algo esotérico e de difícil acesso, podendo ser usada pelos pintores.

A técnica híbrida da photo-painting, de fotografias ampliadas pelo fotógrafo diretamente sobre tela de pintor e depois coloridas a óleo, aquarela ou pastel, havia se tornado uma moda febril, participando, inclusive, das exposições da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Porém, a técnica da photo-painting não estava destinada somente aos retratos, mas igualmente também a “quadros de gênero, grupos de família, cenários para teatro, e inclusive paisagens, em uma palavra, não há nada que esteja fora das possibilidades da photo-painting”.[49] A  possibilidade de ampliação para os grandes telões de teatro era clara, podendo incluir-se, também, a dimensão gigantesca, “cenográfica”, da tela do Avahy.

Em 1868, na busca por mais automatismo, rapidez e facilidade para pintar, Claudet inventou um instrumento adaptando a lanterna mágica à fotografia, o qual chamou de “foto-esquiagrafia”, “que permitia projetar um retrato fotográfico sobre tela ou papel enquanto o artista trabalhava”, ou seja, um precursor do projetor de slides.[50]

Como estamos vendo, foi notável o amplo e variado uso pelos pintores, das transparências e das projeções luminosas como um novo instrumento para facilitar a ampliação também nas obras-de-arte. Esta lista está longe de ser completa  e seria enfadonho continuar a elencar todas as variantes possíveis dessa prática. Temos, assim, uma boa idéia geral da presença tão popular desses instrumentos de projeções na cultura visual da sociedade  carioca do séc.XIX, e de como seu uso estava disseminado, incluindo as projeções luminosas de fotografias e desenhos com a lanterna mágica.

Esses instrumentos eram “modernos”, práticos, rápidos e a preços convidativos e que bem poderiam fazer parte das práticas pictóricas de Pedro Américo. Não estamos afirmando que Pedro Américo tenha se valido de todos estes recursos, mas certamente ele tinha conhecimento de que havia novas possibilidades técnicas que não as tradicionais. As relações entre arte e fotografia, arte e indústria, eram de longa data motivos de atenção combativa por parte de Pedro Américo e eram centrais nas reflexões do seu mestre e sogro Porto-alegre.

Em seu discurso de posse como diretor da Academia em 1854, Araújo Porto-Alegre já mencionava a preocupação com as mudanças sociais que adviriam com a rapidez da eletricidade, com a luz a gás e com a diminuição das distâncias pela velocidade da locomotiva e dos bondes; enfim, mudanças que acarretariam em um encurtamento de tempo e de espaço trazidas pelo progresso industrial.

Outro aspecto que reforça nosso argumento é que, para uma parte das elites brasileiras, a formação de uma nação civilizada passava pela imposição dos modelos de progresso industrial, científico e da livre iniciativa liberal da cultura burguesa. É preciso tornar a frisar que a década de 1870, no Rio de Janeiro, foi marcada por um desejo crescente de inovações tecnológicas e de “atualidades” com o que ocorria pelo mundo. E, nesse sentido, Pedro Américo contribuiu não só com a atualização das questões sobre o realismo fotográfico e o idealismo na pintura de história, que agitavam a vida intelectual tanto na Europa como na capital do Império, mas também com as conferências das suas aulas de História da Arte e Arqueologia, cadeira criada na Academia na reforma de Porto Alegre (1854-1857) e somente instaurada em 1870.[51] Além disso, como já mostramos, Porto-alegre foi um dos primeiros a preocupar-se com o impacto e as conseqüências que os mecanismos óticos e o desenvolvimento tecnológico cada vez mais mimético da fotografia traria nas relações entre a arte figurativa dos pintores retratistas e paisagistas.

Por essa via indireta, através de Porto Alegre, Victor Meirelles e, principalmente, da amizade com grandes fotógrafos como Marc Ferrez, podemos nos aproximar do universo de Pedro Américo, que evidentemente compartilhava  da aceitação positiva de Porto Alegre em relação à era industrial, quando este  indicava claramente que os artistas deveriam mudar de hábitos diante desta nova realidade, aproveitando-se das facilidades que ela oferecia aos pintores em termos de artefatos e de imagens:  

Não há mais segredos d’arte; nenhum pintor prepara seus painéis e suas tintas; as fábricas e o comércio fornecem tudo; Roma já importa pincéis de Paris, tintas de Dresden e Munique e telas de Londres. Os modelos viajam e a fotografia transporta  para todos os centros  artísticos  os diferentes caracteres arquitetônicos e as fisionomias e trajes de todos os povos.[52]

A idéia de rapidez, em que o “tempo era ouro”, levava o pintor a não perder tempo em preparar tintas nem telas; nem ficar horas diante do modelo, mas sim diante de fotografias que “viajavam” até ele, trazendo as poses e paisagens culturais que desejasse. Graças às facilidades oferecidas pelo comércio da indústria ótica, nem precisava se preocupar com as dificuldades das ampliações, porque a foto-esquiagrafia, a photo-painting ou a lanterna mágica facilitariam seu trabalho que, em última instância, contrariavam a pura técnica artesanal dos valores formais neoclássicos. Não custa lembrar o quanto Pedro Américo criticava essa “idolatria da forma” e a severidade tradicional da doutrina acadêmica.

O jovem pintor considerava um fracasso os métodos de ensino acadêmico das escolas de Beaux-Arts na França, devido a seus professores  defenderem com ardor uma “antiguidade bastarda e desencorajante”, contra o “l’esprit nouveau” da arte integrada com a era industrial.[53] Portanto, seria um absurdo pensar que um defensor apaixonado por esse “espírito novo” deixasse a oportunidade de vivê-lo integralmente, não se apropriando das novas tecnologias propiciadas pela indústria fotográfica, fora dos valores fundamentais da doutrina  acadêmica que o pintor considerava “tirânica”.

EPÍLOGO

PEDRO AMÉRICO, MARC FERREZ E O ENTUSIASMO PELA LANTERNA MÁGICA

Pedro Américo teria, então, utilizado-se das projeções luminosas da lanterna mágica para acelerar e facilitar seu trabalho? Somos levados a crer nesta hipótese, embora não haja nenhuma prova concreta desse procedimento pictórico pelo artista. Que usou fotografias é certo, como as encontradas na Biblioteca Nacional. Além disso, temos o depoimento do seu genro e biógrafo, Cardoso de Oliveira, de que o pintor teria embarcado para Lisboa com desenhos e fotografias; e também uma carta do Duque de Caxias a Pedro Américo (10/out/1873) em que participava o envio de um caixote com vários objetos coletados no Arsenal da Guerra e fotografias.[54]

Esse fato do uso indispensável das fotografias foi reforçado por uma importante e inédita carta de Pedro Américo ao Conselheiro Imperial L. de C. Paranaguá, em que o pintor agradecia a remessa de desenhos para pintar A Independência do Brasil: “Tenho disso dolorosa experiência de quando pintei o Avahy, cujos modelos foram em grande parte tirados de desenhos e fotografias”.[55]

Mas foi Gilberto Ferrez quem nos deu uma importante e forte pista de que o pintor pudesse ter se utilizado da lanterna mágica, ao lembrar que na casa-estúdio do fotógrafo Marc Ferrez, no Rio de Janeiro, “amigos, artistas, viajantes, vinham procurá-lo para conselhos e estudos”, como o Barão do Rio Branco, o paisagista Glaziou, os pintores Fachinetti, Tasso Fragoso, Victor Meirelles e Belmiro de Almeida. Entre os vários artistas que visitavam o estúdio de Marc Ferrez em busca de conselhos (ou de boas fotografias para ter como modelo), encontrava-se Pedro Américo, que tinha a mesma idade do fotógrafo.[56] Mas o detalhe mais essencial e que devo chamar a atenção é que Marc Ferrez não era só um fotógrafo com grandes conhecimentos artísticos e técnicos da fotografia, mas um entusiasta das projeções luminosas: 

[...] desde os primitivos ensaios da famosa lanterna mágica adaptada à fotografia, substituindo os vidros pintados a nanquim ou as tintas translúcidas por chapas fotográficas diapositivas, representando retratos, vistas, e até o que naquela época era bem difícil, fotomicroscopia dos seres infinitamente pequenos vistos em lâminas de microscópio. Nas projeções luminosas, fosse em teatros, conferências ou mesmo na via pública, usava a luz oxietérica.[57]

Cabe ressaltar que as projeções da lanterna  mágica eram famosas e se davam em teatros e na via pública, ou seja, eram projeções destinadas a grandes platéias e, portanto, não poderiam ser de proporções diminutas, nem a imagem sem detalhes. Segundo Turazzi, em 1876, “o fotógrafo Marc Ferrez projetava, por meio da luz Drummond [oxietérica] sobre um pano branco, vistas de Pernambuco relativas à expedição do cientista americano C. F. Hartt.[...] Essa luz era obtida pela incandescência do óxido de cálcio e empregada desde 1840  na daguerreotipia, e passou a ser usada também em ampliações e em projeções fotográficas”.[58] Outro fotógrafo, Cristiano Júnior, entre outros exemplos, em um anúncio no verso de um carte-de-visite oferecia, em 1866, o serviço de retratos em vidro para ver por transparência, ou seja, os precursores dos diapositivos, projetados pela lanterna mágica.

É mais do que provável que Pedro Américo estivesse bem familiarizado com esse uso amplo das projeções luminosas e tivesse se informado minuciosamente com seu amigo Marc Ferrez, vendo nesse equipamento um emprego legítimo na pintura. Poderia projetar através da lanterna mágica os esboços prévios, desenhados a nanquim nas chapas de vidro, ou as fotografias, fazendo uma ampliação direta na tela para pintar as cenas no painel.  Os pintores de história, extremamente profissionais, não hesitavam em procurar as novas tecnologias que permitissem o sucesso final do trabalho, como as praticadas pelos panoramistas .

A máxima capitalista de que o “tempo é ouro” que se iniciava nos anos 1860, direcionava toda a produção dos panoramas, visando a rapidez de execução apoiada não só nos ajudantes, artistas hábeis e talentosos, mas também na ajuda, tornada indispensável, da projeção de esboços transparentes ou fotografias feitas a partir da natureza, e  transcreviam seus contornos...”.[59] Seguindo esses métodos, Pedro Américo de fato também não pintou sòzinho a tela da Batalha do Avahy, tendo como ajudantes dois pintores.Um era seu irmão o pintor do Baile da Ilha Fiscal, Aurélio de Figueiredo e outro, o pintor Décio Vilares. Com esses ajudantes e o uso de projeção de esboços e fotografias com a lanterna mágica, Pedro Américo atingiria assim, o seu objetivo profissional de pintor de história: ganharia tempo, precisão e rapidez na execução e um resultado eficaz.

Acreditamos que foi esta tecnologia conhecida da lanterna mágica E amplamente utilizada por artistas dos panoramas, que Pedro Américo  provavelmente recorreu, para ampliar os esboços e terminar a tela de grandes dimensões da Batalha do Avahy . O uso da Lanterna Mágica explicaria a ausência de quadrículas, desenhos prévios, ausência de arrependimentos e, de certa forma, a rapidez da execução da pintura, levada a cabo praticamente em dois anos, de 1875 ao final do ano de1876.

ILUSTRAÇÕES







Prancha 1 - No retrato de Osório na Batalha do Avahy, Pedro Américo utilizou-se desta fotografia (rep. em Osório, edit. Biblioteca do Exército-1978-RJ), que devia ser popular, porque outros pintores a utilizaram, como Courtois e Rocha Fragoso em 1870/71, além de ser reproduzida em litografias. Esta foto, provavelmente estava à venda nos vários “armazéns de óticas” e nos estúdios dos fotógrafos como na Galeria Photographica e de Pintura do fotógrafo Cristiano Junior, de acordo com um anúncio no Almanak Laemmert, em 1866, em que oferecia “grande coleção dos homens mais célebres da guerra atual...” (Biblioteca Nacional-RJ).









Prancha 2 - Completando 12 anos de publicações em 1872, a Semana Illustrada tinha como marca na capa essa ilustração, com o dístico em Latim “Ridendo castigat mores(“É rindo que se castiga os costumes) em que o símbolo da Lanterna Mágica (foto no alto da página), significava uma ampliadora perfeita das questões críticas da realidade socio-cultural. As projeções luminosas da Lanterna Mágica com desenhos, pinturas e com fotografias constituiram-se em um interesse permanente na sociedade carioca, por todo o século XIX.









Prancha 3 - A fotografia acima serviu de modelo a Pedro Américo para pintar o retrato do Duque de Caxias, em seu cavalo branco na colina do Avahy. A fotografia, que ainda hoje serve de modelo nos livros de história, foi muito reproduzida na época em litografias e em pinturas. (Retrato do Duque de Caxias, Icono-Ret 1- Fotografia sem data e de autoria desconhecida. Biblioteca Nacional, RJ. Seção de Iconografia).









Prancha 4 - Este cavalo, sem dúvida, foi pintado a partir da fotografia ao lado, de um cavalo branco de costas, pertencente ao arquivo de Pedro Américo. O movimento do cavalo na Batalha do Avahy, pintado a partir dessa curiosa fotografia, criava uma imagem fora dos padrões idealistas da academia, causando grande polêmica em 1877. (Fotografia de C. Famin - Photographe - Paris - 12 X 15 cm. Vendido na Photographie Artistique de A. Foucelle 6, Rue du seine, 6 - Paris. Pasta 44, Arquivo MNBA-RJ).

Horace Vernet - painel, Chateau de Versalles / França (Foto: Vladimir Machado). Mesmo que P.Américo tenha visto essa pintura de Vernet, o uso da fotografia como aides-memoire para pintar alterava a representação ventre-a-terre. Colocando as patas dianteiras sob o abdomem do cavalo, na cena da Batalha do Avahy, o pintor dava ênfase a um realismo fotográfico na pintura do movimento.









Prancha 5 - A Batalha do Avahy sem o chassis de madeira, durante o processo de restauração, em 1993, no Museu Nacional de Belas Artes - RJ.

Observe-se a numeração nas bordas laterais, nas partes que envolvem o chassis de madeira e que normalmente ficam ocultas pela moldura. Na Foto 1, encontra-se inscrito a pincel um n. 6, no detalhe da borda vertical direita, e na Foto 2, um n. 8, na borda vertical esquerda. Na borda inferior direita, Foto 3, verifica-se existir um n. 6, seguido de uma distância aproximada de 1.50m, o n. 7 , sendo que devido à diversos rasgos, fissuras e manchas os outros números não são visíveis, pressupondo-se que havia uma seqüência: 6, 7, 8, 9, 10, etc.

(Fotos: Nucleo Científico de restauração - Coord.: Claudio Valério Teixeira - 1993 - MNBA-RJ)









Prancha 6 - As várias formas da lanterna mágica.









Prancha 7 - Acima, um artista desenhando em uma câmara escura; do lado direito, retrato do pintor F. Beich (1744), como uma oferenda ao deus do comércio Mercúrio, tendo ao lado a prática câmara-escura portátil, que facilitava a produção, para um comércio mais rápido das pinturas. Abaixo, as várias formas da Câmara-escura.









Prancha 8 - Abaixo, “A Origem da Pintura”, de David Allan, 1745, ilustra a lenda grega; ao lado, a mulher mítica retrata Stalin em “ A origem do Realismo Socialista” na pintura pós-moderna de Komar & Melamid, 1982-1983, ambas com a idéia de fixar uma imagem referente à alguém real, que esteve diante da luz.

Abaixo, Máquina de retratar perfis de sombra projetada (séc. XVIII) e a Câmara Lúcida/Clara inventada em 1807 por W. H. Wollaston: mecanismos “automáticos” para desenhar “facilmente”, sem esforço, sem “estudos preliminares”.

As projeções luminosas de fotografias, nas décadas de 1870-80, auxiliariam com muito mais eficácia os pintores.









Prancha 9 - As projeções luminosas da Lanterna Mágica permitiam a realização de truques óticos, como as Fantasmagorias, realizados por E. G. Robertson no séc. XIX. No Brasil, na capital do Império, havia espetáculos semelhantes de “Phantasmagorias”, anunciados desde a década de 1850. (Fonte: Machado,Arlindo. Pré cinemas e pós-cinemas. Campinas, SP: Papirus Editora, 1997, 303 p.:il. p.19. Coleção Campo Imagético).









Prancha 10 - Ilustrações de Lanternas mágicas

Anúncios de Polioramas, Lanternas Mágicas e tudo o que pertencia a estes aparelhos, na famosa loja de produtos óticos “Ao Grande Mágico” de F. Rodde, Rio de Janeiro, 1877-8 (Acima, Almanaque Laemmert, 1877, vol. 34, p.970 e abaixo, 1878, vol.35, pp.804-05 - Acervo do Arquivo Nacional, RJ).

Lâmpada de arco voltaico, usada para projeções luminosas, fabricada por V. Serrin Brevets Français & Etrangers (Há um exemplar no Museu de Engenharia-UFRJ).









Prancha 11 - Pedro Américo é caricaturado como se fosse um pintor intelectual (ou de Panoramas), que utiliza 8 assistentes para realizar a obra. Diz a legenda dessa charge de Angelo Agostini: Podem os críticos inimigos de Pedro Américo dizerem cobras e lagartos da Batalha do Avahy, nunca conseguirão fazer com que esse belo quadro desagrade ao público. Revista Ilustrada, 10 de Maio de 1879, n.160, p.4. Biblioteca Nacional-RJ.









Prancha 12 - Os panoramas, que não eram considerados arte, mas um negócio para divertir, desenvolveram sistemas práticos de trabalho, incorporando as novas tecnologias: a lanterna mágica com fotografias com negativos em vidro e, a partir de 1885, projeções com a luz elétrica.

O primeiro pintor a usar fotografias em colódio úmido sobre vidro foi Langlois, para pintar o Panorama sobre a Guerra da Criméia em 1860. O sucesso dos panoramas não poderia passar despercebido a P. Américo, nem o sistema das projeções fotográficas com a lanterna mágica com luz Drummond ou oxietérica. Não temos provas materiais de que P. Américo a tenha usado, mas temos pistas e fortes evidências para sustentarmos nossa hipótese. Uma delas é a amizade com Marc Ferrez, “um devoto das projeções luminosas, desde os primitivos ensaios da famosa lanterna mágica adaptada à fotografia “e a quem os artistas procuravam para “conselhos e estudos” (ver Gilberto Ferrez, A fotografia no Brasil ..., p.279-280).

P. Américo era frequentador de seu estúdio fotográfico no RJ, assim como outros artistas entre eles, Antonio Parreiras (que usava fotografias como modelo), V. Meirelles e o pintor belga Langerock, que juntos efetivamente pintaram o Panorama do Rio de Janeiro em 1890. A outra evidência vem da caricatura de Agostini, na Revista Ilustrada de 10 de maio de 1879, em que mostra P. Américo, mais como um intelectual, dirigindo uma equipe de vários pintores, para executar o painel monumental da Batalha do Avahy. A comparação com a imagem de Paul Philippoteaux e de Langlois dirigindo a equipe de pintores de seus panoramas, não é despropositada: os grandes murais sempre contaram com uma equipe e o que é certo é que P. Américo não pintou sózinho o painel. Sabe-se que pelo menos seu irmão, o pintor Aurélio de Figueiredo e Décio Villares foram seus colaboradores.










[1] A lanterna mágica tem sua origem obscura, sendo que, em 1645, o jesuíta alemão Athanasius Kircher (1601-1680) fez uma descrição precisa deste aparelho ótico, na sua obra Ars Magna Lucis et Umbrae, divulgando amplamente seu funcionamento. Atualmente os historiadores do cinema  consideram como inventores da Lanterna Mágica o físico e astrônomo holandês Christiaan Huygens e o matemático dinamarquês Thomas Walgenstein, contemporâneos de Kircher. As projeções luminosas da lanterna mágica nas suas multiplas funções, tornaram-se populares na cultura visual do século XIX. Cf. SALGUEIRO,Heliana, “A Lanterna Mágica, síntese de uma época dominada pela imagemin A Comédia Urbana: de Daumier a Porto-Alegre, catálogo da exposição na Fundação Armando Alvarez Penteado de 26 de abril a 22 de junho de 2003, S. Paulo, 233 pp.:il.,p.18 a 27. Coordenação do catálogo, textos e curadoria de Heliana Angotti Salgueiro. Colaborações de Anna Maria Kieffer (Música) e João R. Faria (Literatura) e  Nós e o cinema. SP, Melhoramentos, 1980,125 p.il., p.12,. Tit. original Noi e il Cinema. A Mondadori Edit., Milão, 1978. Trad. J. C. Ismael. O Abade J.A. Nollet  descrevia a popularidade exagerada  da Lanterna Mágica : “... Andam com ela pelas ruas, brincam com ela as crianças e o povo. Isto demonstra, como o nome  que lhe deram, que seus efeitos são realmente curiosos e surpreendentes. ORTIZ, Carlos. O romance do Gato Preto ( História Breve do Cinema). Rio , 1953, p.26, citado por Vicente Araújo, 1976,p.55.

[2] BOURDIEU, Pierre. 2001, in: site www.sas.ac.uk/irs/bourdieusummar/html

[3] Ver relatório de Cláudio Valério Teixeira sobre a restauração. Setor de Restauro do MNBA, 11p. Agradecemos imensamente ao pintor Cláudio Valério o acesso a esse documento e um generoso depoimento sobre o processo de restauração dessa obra, em sua casa-ateliê, em Niterói-RJ.

[4] Claudio Valério afirma que presenciou um pintor francês, cenógrafo, executar o telão de boca do Teatro de Niterói segundo este método, sem marcação de desenho preliminar, traçou um “X” e desenvolveu as formas segundo um desenho em escala menor (depoimento ao autor, 1999). Tratava-se, porém, da cenografia de uma pintura abstrata e não de uma composição figurativa como a tela da Batalha do Avahy, com uma exigência de exatidão histórica precisa e singular, com mais de 400 figuras, acrescidas de animais e incontáveis acessórios e, além disso, com vários retratos. Por outro lado, a ausência de desenho prévio e de quadrículas para ampliação poderia também ser explicada pelo uso da prática renascentista recuperada por Cândido Portinari. O pintor José Moraes (1921-2003) trabalhou auxiliando Portinari (1903-1962) na pintura do painel S. Francisco, na Igreja da Pampulha, MG, em 1945. Neste grande painel, a ampliação se fazia numerando-se a quadrícula no desenho em escala reduzida, e transpondo-se esta numeração a carvão, ampliando o desenho no painel. Fixava-se, na numeração, um barbante impregnado de pó de carvão. Em seguida, esticava-se o barbante, como uma corda em um arco, soltando-se em seguida, de modo a marcar suavemente a quadriculação por todo o painel. Tal método permitia desenhar-se a carvão, ampliando-se o desenho e terminar a pintura sem deixar a marca das  quadrículas (depoimento escrito de José Moraes, ao autor, 2001).

[5] HOCKNEY, David. O conhecimento secreto. Cosac & Naify Edições. Título original: Secret Knowledge - Rediscovering the Lost Techniques of the Old Masters. São Paulo, 2001, 298p:il; p.126-127 e BRASIL, Jaime. Velásquez. Portugália Editora, Lisboa, Portugal, 1960, 264p.:il p.23 e 213.

[6] EEKELEN, Yvonne van (org.). vv.aa. The Magical Panorama. Ed. Waanders publisher, Zwolle/ B.V. Panorama Mesdag, The Hague, Holanda, 1a ed. 1996 - 2a ed. 2000. 200p.:il.p.93-94. Trad. para a língua inglesa de Arnold e Erica Pomerans.

[7] Carta manuscrita de Araújo Porto Alegre ao Duque de Caxias. Arquivo IHGB, RJ.

[8] Em 1981, foi realizada uma exposição em Nova Iorque, organizada por Peter Galassi, chamada Before Photography (Antes da fotografia). O argumento central da mostra era que as pinturas e desenhos continham elementos “fotográficos” muito antes da invenção da fotografia e a relação entre pintura e fotografia deveria ser julgada por critérios mais sutis e não pelo fato dos pintores usarem ou não fotografias como modelo. BOOM, Mattie. The photographic likeness of the Mesdag Panorama. In: EEKELEN, Yvone, op.cit., 2000, p.111. Ver também análise desse texto de Galassi por MELLO, Maria Tereza Bandeira de. Arte e fotografia: O movimento pictorialista no Brasil.  Ed. Funarte, 1998, 216p:il p.47-9 (Coleção Luz e Reflexão; 7).

[9] COUCHOT, Edmond. Da Representação à Simulação: Evolução das Técnicas das Artes da Figuração. In: PARENTE, André (org.). Imagem-Máquina. Editora 34, RJ, 1993, 300p., p.37-48.

[10] Para mais detalhes ver DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. SP, Papirus, 1993/1998, 362p:il., principalmente o brilhante ensaio do cap.3: História de sombra e mitologias de espelhos, p.116-121.

[11] O mais antigo registro do uso da câmara-escura, precursora da máquina fotográfica, pode ser encontrado nos escritos de Leonardo da Vinci (1452-1519). Nesse mesmo período, Daniel Barbaro, um veneziano, descrevia a câmara-escura como uma ajuda para desenhar perspectivas. Ele escreveu: "Feche todas as venezianas e portas até nenhuma luz entrar na câmara-escura,  excluindo o orifício com a lente, e defronte segure um pedaço de papel que você avança até que a cena aparecerá no detalhe mais fino. Lá no papel você terá a visão inteira como é realmente, com suas distâncias, suas cores, sombras e movimento; as nuvens, a água centelhando, os pássaros voando. Segurando o papel firme você pode desenhar a perspectiva inteira com uma caneta e delicadamente passe a colorir igual à natureza". Apud © Robert Leggat, 1999.

[12] Ver ALPERS, S., op.cit.,1999, p.87-89; ZOETMULDER, op.cit., 1981, p.23; BOOM, Mattie, op.cit., 2000, p.117; EEKELEN, Y., op.cit., 2000, p.94.

[13] BARDI, P., op.cit, 1975, p. 165-166.

[14] WAGNER, Robert. “Thomas Ender e a Expedição Austríaca ao Brasil, in CATÁLOGO da Exposição Thomas Ender no Brasil  no MASP - Museu de Arte de São Paulo: Maio-Junho,1997 e MNBA- Museu Nacional de Belas Artes , RJ, Junho- Julho de 1997. Ed. Akademische Druck-u. Verlagsanstalt , Graz, Austria, 1997, 110p: il. p.37. Curadoria no Brasil de Ana Maria Belluzzo.

[15] Cf. COUCHOT, op.cit.,1993, p.40 e EEKELEN,Y., op.cit., 2001, p.89. O muralista mexicano Davi Siqueiros, que exaltou, como insuperáveis no século XX, o uso do instrumental da câmera fotográfica e do projetor elétrico de diapositivos, observava que os pintores da Antigüidade careceram desta extraordinária colaboração. Para ele, a falta da câmera fotográfica e do projetor elétrico é que havia impedido o desenvolvimento de um realismo mais integral e que viria modificar os métodos tradicionais das academias a respeito da composição, da perspectiva e da ampliação. Com a lanterna mágica, agora transformada em projetor elétrico de diapositivos, a ampliação do pequeno esboço se tornava “infinitamente mais simples, mais rápido e de maior inspiração plástica...”  SIQUEIROS, David A. Como se pinta un mural. Ediciones Mexicanas S.A., 1951, México, 170p.:il. p.87-8 e166.

[16] O pintor considerava a fotografia “... la demonstrations palpable du dessin d’après nature, dont nous n’avons jamais autrement que des idées bien imperfaites”.Lettres,t.II,p.103. Diante disso,não é surpresa saber que Delacroix possuía “um album composto de poses de modelos, homens e mulheres” fotografados por Durrieu sob orientação do pintor, e que lhe serviam para desenhar durante suas viagens. Cf. Journal,t.II,p.401 e “Notes inédites de C. Dutilleux, communiqués par Mmme. M. Tournex” citações de  ESCHOLIER, Raymond. Delacroix. H. Floury, editeur, Paris, 3 Volumes, vol.III (1848-1863), 1929, 296p.:il p.201-202. Ver também SCHARF, A., op.cit., 1994 e BOOM, M., op.cit., 2001.

[17] Almanak Laemmertz, 1847, Seção Indústrias, Artes, etc., “Daguerreotypos”. R. do Cano, 146. P.379-380. Grifos meus.

[18] Idem, 1860, Seção Notabilidades-Profissões, p.19.

[19]  Marcel Lapierre  descreveu seu funcionamento: “... A medida em que o carrinho se afastava da tela, a projeção aumentava. Ao  deslocamento do carrinho correspondia um leve deslocamento das lentes  do projetor , assegurando à imagem uma nitidez constante. Esta imagem sem se alterar, crescia e decrescia à vontade”.in ORTIZ, Carlos, op.cit., p.27, citado po ARAÚJO, V. ,op.cit., 1976, p 56.Ver também TURAZZI, A., op.cit., 1985, p.66. BRAIVE, Michel. L’age de la photographie de Nièpce à nous jours. Ed. de la Conaissance S. A., Bruxelas, Bélgica, 1965, 367p.:il, p.192; GERNSCHEIM, op.cit., 1971; e MACHADO, A., op.cit., 1997, p.7.

[20] MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e pós-cinemas. Papirus Editora, Campinas,SP, 1997,303 p.:il. p.19.( Coleção Campo Imagético).

[21] Anúncio da M. T. Anthony e Cia., Nova Iorque, USA. “A maior fábrica do mundo para importação, exportação e mercadores em materiais fotográficos”, in Almanak Laemmertz,1880, “Artes e Ofícios”, p.1005.

[22] Cf. Almanak Laemmertz, 1872, Seção Notabilidades, p.42, no site http://wwwcrl.uchicago.edu/info/brazil/pindex.htm

[23] Almanak Laemmert, 1863, Seção Notabilidades, p.14.

[24] MACEDO, Joaquim Manuel de. A Luneta Mágica. Porto Alegre, RS, L&PM, 2001, 230p.

[25] Ver SQUEFF, Letícia, op.cit., 1999, p 88-92. Inúmeras pesquisas nos anos 1990, ajudaram a contextualizar a relação metafórica dos instrumentos óticos como a lanterna mágica em relação aos textos literários, jornalísticos e das artes plásticas. Além dessa nossa pesquisa sobre o uso das imagens técnicas na pintura de história de P. Américo,concluída em 2002, uma das contribuições mais significativas foi a exposição A Comédia Urbana: de Daumier a Porto-Alegre, no Museu de Arte Brasileira da FAAP-SP, fruto da exaustiva pesquisa multidisciplinar, de Heliana  Angotti Salgueiro em 2003, já citado.Tomando como ponto de partida a comparação entre o jornal ilustrado A Lanterna Mágica, de P-Alegre e a série de caricaturas Les Robert Macaire,de Honoré Daumier a autora refletiu sobre a complexidade de transferência de modelos, nas relações culturais entre Brasil e França no séc.XIX.

[26] Cf. jornal O Daguerreótipo, p. 1., 1845-PSOR - BN.-RJ.

[27] Havia, em 1864, 10 estabelecimentos anunciando que vendiam instrumentos científicos e para diversões. Os principais Armazéns de Ópticano RJ eram os de Santos & Barata, Severino & Magallar, Agostinho Neves & Cia (depois de 1865, de J.Vieitas), Vannet & Silva, J.M. dos Reis (segundo o anúncio,o primeiro  do Império). Cf. Almanak Laemmertz, de 1859 a 1872, p.42 no site http://wwwcrl.uchicago.edu/info/brazil/pindex.htm

[28] Almanak Laemmertz, 1859, Seção Notabilidades, 92p., p.31 no site http://wwwcrl.uchicago.edu/info/brazil/pindex.htm

[29] Citado por BARDI, Pietro M. ,op.cit., 1975, p 153-154.

[30] RENAULT, Décio. O Rio antigo nos anúncios de jornais.  Ed. Francisco Alves, RJ, 1984, 302pp. : il p.241. Era tão forte a  presença constante por todo o século XIX das projeções luminosas com a lanterna mágica que ainda em 1900 , um anúncio do Panorama da Descoberta do Brasil  de Vitor Meirelles insistia para o público  não confundir  a pintura do Panorama “com exposições de quadros  por meio de lentes!” in Gazeta de Notícias, 17-06-1900,p.4. citado por ARAÚJO,V. op.cit, 1976,p.36.

[31] Capa da Semana illustrada, 1872,Ano XII, nº 605, Biblioteca Nacional. Helena Salgueiro lembra que esse frontispício  é semelhante à vinheta do jornal Le Charivari e que  a divisa do jornal La Caricature, ambos dos anos de 1830, era : “Castigat ridendo mores”, muito conhecido dos intelectuais brasileiros. Basta ver que Pedro Américo, quando foi editor de caricaturas , elaborou um frontispício para o  jornal satírico A Comédia Social, de 1870, apropriando-se de uma vinheta de Paul Gavarni e Bertall: “Panteão do diabo em Paris - Literatura”. Cf. SALGUEIRO, H., op.cit., 2003,p.27 e 38 e COTRIM, Álvaro. Pedro Américo e a Caricatura. RJ, Edições Pinakotheke, 1983. 79p. il. p.23 e 33.

[32] Almanak Laemmert, 1877, Indústrias e Fábricas, p.968 a 970.

[33] Cf. TURAZZI, op.cit.,1995, p.66. Vicente Araújo  recolheu anúncios no RJ de aparelhos com denominações estranhas como  o Telegraphone ou phonographo-magnético-elétrico; o ”Agioscópio de Kruss”  que anunciava na Gazeta de Notícias - RJ de 15-05-1898, p.6,  uma “grandiosa coleção de vistas fotoscópicas e coloridoscópicase que tinha uma força de projeção luminosa de “600 velas”.ARAUJO, V. Op.cit., 1976, p.56-57.

[34] Esse realismo era também conseguido com as moldagens diretas sobre o corpo, como se fosse uma fotografia tridimensional, fixando até a sensação de frio da pele em contato com o gesso. BAJAC, Quentin. Les procédés compromettants - Moulage sur nature et photographie face à la loi, 1830-1900. In: Catálogo da exposição itinerante: À fleur de peau. Le moulage sur nature au XIX  siècle, de 29 out. 2001 a 27 jan. 2002 no Musée d’Orsay, Paris / de 16 fev. a 19 maio 2002 no Henry Moore Institute, Leeds, Inglaterra / de 14 jun. a 1 de set. 2002 no Hamburguer Kunsthalle, Hamburgo, Alemanha / de 14 set. a 17 de nov. no Museo Vela, Office Fédérale de la Culture, Ligornetto, Italia. Editions Réunions des Musées Nationaux - Paris, França, 2001, 187p.:il., p.85.

[35] Cf. TURAZZI, A., op.cit., 1999, p.113.

[36] GERNSHEIM, Helmuth (in colaboration with Alison Gernsheim). A Concise History of Photography. Ed. Thames and Hudson, Londres, 1a ed.1965/ 2a ed. revisada 1971, 314p.:il.

[37] in Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 2 fevereiro de 1898, p.4, citado por ARAÚJO,V. Op.cit, 1976,p.41. Ver também VÁSQUEZ, Pedro, O.cit., 2002, p.38 e KOSSOY, B. Estética, Memória e Ideologia Fotográfica: decifrando a realidade interior das imagens do passado, in: Revista do Arquivo Nacional. Acervo, v.6, nº 1-2, p.13-24, p.18/19. Rio de Janeiro, jan/dez/1993.

[38] BRAIVE, Michel, op.cit, 1965, p.192.

[39] GUIDI, A., op.cit., 1998, p.155-6 e CÈZAN, Claude. Le Musée Grévin. Ëditions Rombaldi, Paris, França, 1947, 140p.:il.p.73-77.

[40] Germain Bapst. Essay sur l’histoire des panoramas et des dioramas. 1891, cit. por BOOM, Mattie. The photographic likeness of the Mesdag Panorama, in: Eekelen,Y. (org.), op.cit., 2000, p.114.

[41] Na Bibliothèque Nationale, Paris. Cf. EEKELEN, Y. (org.), op.cit., 2000, p.89.

[42] Cf. SCHARF, A., op.cit.,1994,p.61; Hendricks,G., op.cit., 2000, p.99-100 e LEVY, op.cit.,1990 p.113.

[43] ZOETMULDER, op.cit., 2001, p.23.

[44] HENDRICKS, op.cit., 2000, p.99-100.

[45] A originalidade na aplicação do método pode ser uma adaptação do método de Leonardo da Vinci que automatizava um desenho sem a perspectiva e que diz o seguinte: “... Para representar uma cena corretamente, pegue um copo do tamanho de meia folha de papel folio real e fixe-o bem diante de seus olhos, ou seja , entre seu olho e o que você quiser representar. Depois afaste seu olho em dois terços de braça do vidro e fixe a cabeça por meio de um instrumento de modo a impedi-lo de fazer qualquer movimento; feche ou abra um olho e, com um pincel ou um lápis apontado fino, marque no vidro o que é visível além dele; reproduza-o em seguida decalcando o vidro num papel, depois transporte-o para um papel de qualidade superior e pinte-o se quiser. Ms 2038, Biblioteca Nacional da França, 24r - Apud. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. 362p., p.156-7. Trad. Marina Appenzeller, SP, Papirus, 1993, 2a ed.il.

[46] EEKELEN,Yvone. The Making of the Mesdag Panorama: a reconstruction. In: The Magical Panorama. Ed. Waanders publisher, Zwolle / B.V. Panorama Mesdag, The Hague, Holanda, 1a ed. 1996, 2a ed. 2000. Trad. para a língua inglesa de Arnold e Erica Pomerans. 200p.il. p.93, já citado.

[47] Nota assinada por “G.” no Jornal do Commércio, RJ, 21-06-1896, p.1. Em 8-7-1896, segundo Vicente Araújo, era exibido pela primeira vez em uma sala na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, um aparelho então chamado Omniógrapho, que projetava “sobre uma tela colocada ao fundo da sala diversos espetáculos e cenas animadas, por meio de uma série enorme de fotografiase o mesmo jornal  fazia  uma detalhada descrição dessa exibição em 9-7-1896, p.3. Em outro anúncio (Jornal do Commércio, 21-7-1896, p.10) continuava “as maravilhosas exibições  de projeções à luz elétrica, de vistas animadas em tamanho natural , que tem provocado ultimamente em Paris e Europa inteira uma assombrosa admiração.” Nos intervalos das cenas cinematográficas, além da novidade do  “phonógrapho”, continuava o antigo encanto das “projeções fixascom a Lanterna Mágica. Citado por ARAÚJO, V., op.cit, 1976, p.74-75-76.

[48] Anúncios no jornal O Estado de São Paulo de 1898-99 e 1903, Cf. ARAÚJO, Vicente. Op.cit.,1981,.42-47 e p.99, respectivamente. Araújo recolheu nesse livro uma infinidade de anúncios de espetáculos com lanterna mágica e de vendas de aparelhos.

[49] Cf. SCHARF, A., op.cit, 1994, p.60. Grifos meus. Sobre a técnica revolucionária da fotopintura na academia do RJ, ver comunicação do autor no CD-ROM (vv.aa) “1859: fotografias sobre tela de pintor, coloridas à óleono Simpósio “(In)Visível” do Laboratório de Representação Sensível , PUC-RJ,2005.

[50] Idem, ibidem, 1994, p.60, grifos meus.

[51] Essas conferências pedagógicas de Pedro Américo, em que ele professava as idéias de 1864 sobre “o espetáculo das artes”, já referidas, contavam com a presença do Imperador Pedro II e  expressavam um interesse que resultaria na criação das “Conferências Populares, criadas pela portaria de 30 de agosto de 1872. Segundo Turazzi, as conferências abordavam assuntos os mais variados da “atualidadedo que ocorria no mundo, e basta citá-las para se ter um painel das questões de “interêsse públicoque agitavam a vida intelectual da Corte nessa época: “instrução pública, ”darwinismo, “como cumpre escrever a história pátria, “aclimatamento dos europeus  nos países quentes, “educação da mulher, “riqueza intelectual, “Exposições industriais, entre outras. TURAZZI, op.cit., 1995,p.141. Sobre as inovações tecnológicas e a ampla presença da fotografia, ver o capitulo “Brasil: o ser e o vir-a-ser(p.93-163). Sobre as conferências pedagógicas de Pedro Américo, ver AMÉRICO, Pedro. Discurso acadêmico proferido em presença de Sua Majestade, o Imperador, no dia 22 de Março de 1870, por ocasião da abertura do curso de Esthética professado pela primeira vez no Brasil. RJ, Typographia Nacional, 1870, p.3. Discurso Acadêmico Proferido Na Augusta Presença De Sua Majestade, O Imperador, no dia 26 de setembro de 1870. Edição Tipografia Paula Brito, Rio de Janeiro, R. do Sacramento, 10, 1870. Já citadas.

[52] Apud TURAZZI, op.cit., 1995, p.113. Grifos meus.

[53] Não custa insistir,que para o pintor, a fraqueza desses princípios idealizados da doutrina acadêmica foi eloqüentemente constatado por ele ao ver a “inferioridade” dos premiados para a viagem a Roma no Salon de 1862, em Paris. Cf. Américo, op.cit.,1863, p.13.

[54] Arquivo dos descendentes do pintor, in Rosemberg, Liana, op.cit, 1998, p.50.

[55] Carta enviada de Florença em 9/8/1880 (Via di Mezzo, nº 4). Arquivo do MIP, grifos meus.

[56] Pedro Américo e Marc Ferrez  nasceram no ano de 1843.Ferrez, Gilberto. A fotografia no Brasil. Revista do IPHAN, 1943, p.279, já citada.

[57]  Idem, ibidem, 1943, p. 280, grifos meus.

[58]  TURAZZI, Op.cit., 1995, p.253 e 284.

[59] ZOETMULDER, Op.cit., 1981, p.23.