As pinturas indianistas de Rodolfo Amoedo

Marcelo Gonczarowska Jorge

JORGE, Marcelo Gonczarowska. As pinturas indianistas de Rodolfo Amoedo. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 2, abr. 2010. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/ra_indianismo.htm>.

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INTRODUÇÃO

                     1.            Ao pesquisar Rodolfo Amoedo, percebemos que as pinturas do artista são belas, sofisticadas, instigantes. São trabalhos que sempre atraíram e provavelmente continuarão exercendo fascínio sobre as pessoas. A historiadora Maria Eurydice Ribeiro defende que qualquer trabalho intelectual tem que envolver prazer para funcionar. A satisfação de pesquisar as obras de Rodolfo Amoedo, portanto, é total.

                     2.            A escolha específica pelas pinturas indianistas realizadas durante do período de pensionato é devida à qualidade dessas obras, as melhores de toda a carreira de Amoedo. O historiador Francisco Acquarone (1930, p. 207) afirma que “lá [na Europa, Amoedo] executou suas melhores obras”, e o próprio Amoedo confirma: “Em Paris, eu pintava bastante. Posso dizer mesmo que apenas lá vivi em toda a sua plenitude a minha vida de artista” (TAPAJÓS GOMES apud CAVALCANTI, 2007, p. 64). Dentre elas, as mais misteriosas e estimulantes são as indianistas, que cativam a curiosidade do público de hoje, desacostumado a ler livros como O Uraguai e O Guarani.

                     3.            Neste trabalho, será feito primeiramente um panorama do indianismo, com especial atenção para as artes brasileiras, e depois faremos um apanhado das circunstâncias nas quais Amoedo pintou Marabá [Figura 1], O último Tamoio [Figura 2] e A Morte de Atalá [Figura 3]. Talvez, cientes do universo que cercava o artista, possamos encontrar pistas sobre a sua motivação. Em seguida, cada uma das pinturas supracitadas será analisada individualmente. Por último, com base neste percurso, tentaremos fazer a união entre a personalidade de Amoedo, o caráter de suas obras e o contexto em que elas foram produzidas, buscando compreender os resultados dessa alquimia.

                     4.            Infelizmente, por questões logísticas, eu não tive acesso a todos os estudos de Amoedo para as obras, assim como a nenhum material autográfico do artista sobre as mesmas, e essa lacuna da pesquisa, se preenchida, poderia nos aproximar mais do Amoedo pintor. Sabemos que a metodologia de um artista diz tanto sobre sua personalidade quanto o trabalho final em si. De qualquer forma, espero que a pesquisa exaustiva e o raciocínio sirvam como paliativo para essa falta.

O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO PARA ARTE INDIANISTA

                     5.            O que é arte indianista? Qual é o seu conceito? Essas questões foram colocadas para mim pelo meu orientador quando o trabalho de pesquisa e redação deste artigo (que foi produzido originalmente como um projeto de iniciação científica) já estava bem avançado. Ao começar a pesquisar o trabalho de Rodolfo Amoedo e suas telas indianistas, minha primeira preocupação foi saber o quê é arte indianista e quais são as suas características. Contudo, a maior parte dos livros de história da arte, catálogos e livros de arte brasileira que citavam o termo esquivou-se de conceituá-lo ou importou da literatura a definição para indianismo. Tendo isso em consideração, eu resolvi seguir com o trabalho sem trazer essa definição, mas acreditando que uma convenção para “arte indianista” poderia substituir um conceito, da mesma forma como não há uma definição perfeitamente abrangente para cultura, mas mesmo assim qualquer um tem uma idéia mais ou menos abstrata do que é.

                     6.            Entretanto, o questionamento levantado pelo meu orientador me trouxe uma dúvida ainda mais pertinente: realmente existiu uma arte que pode ser chamada de indianista nas artes plásticas brasileiras? Ou esse é um título que se atribuiu comumente às pinturas com figuras de índios e que não partilham de outro denominador comum? O fato de o auge da produção de pinturas com temática indianista ter acontecido bem após sua voga na literatura é um dado que suscita a dúvida sobre o quanto os pintores e escultores compartilhavam do espírito do indianismo romântico, aquele que resolvera elevar o índio ao status de alter ego nacional.

                     7.            Na América Latina e mais especificamente no México, a arte indianista foi um movimento político e de grande força, com um caráter nacionalista bem mais acentuado do que o que percebemos nas artes plásticas do Brasil. Dawn Ades (1997) explica que a produção artística mexicana de meados do século XIX demonstrava o despertar do interesse pele a história americana, tanto pretérita quanto contemporânea [Figura 4]. A autora ainda explica que a

                     8.                                                  unidade nacional, a suma preocupação do momento, cada vez mais era considerada como dependendo do sentido de identidade, de ‘mexicanidad’, com fortes raízes históricas. Os anos de regime colonial passaram a ser vistos como uma selvagem interrupção da história mexicana, enquanto a continuidade com o passado pré-conquista era enaltecida. (1997, p. 31)

                     9.            Os astecas já eram uma civilização bem avançada quando da chegada dos espanhóis ao México, que invadiram o território com grande violência e crueldade, submetendo os índios a um estado de servidão. Os intelectuais mexicanos (assim como os brasileiros fariam depois) projetaram no índio a história do próprio país, e os estrangeiros tornaram-se os vilões. O México foi invadido durante toda a sua história, e só para os Estados Unidos perdeu metade do seu território. Ades (1997, p. 31) aponta que com a restauração da república mexicana em 1867, “foi pintada uma grande quantidade de imensas telas que reproduziam cenas do passado pré-colombiano, como o democrático Parlamento de Tlaxcala, de Rodrigo Gutiérrez, ou a Descoberta de Pulque [Figura 5], de Obregón. No último quartel do século, porém, passou-se a dar preferência à agressividade contida nas imagens dessa história [Figura 6], aquelas que punham em evidência os aspectos violentos e perversos da conquista espanhola e os 300 anos de regime colonial que se seguiram; são exemplos o Frei Bartolomeu de Las Casas (1875) [Figura 7] e os Episódios da conquista (1877) [Figura 8], de Félix Parra.”

                  10.            A representação com caráter heroico de um episódio da história indígena pode ser encontrada até no trabalho do inglês Millais [Figura 9], mas em nenhuma das pinturas indianistas brasileiras encontramos um discurso político tão evidente, ou uma celebração do indígena e sua civilização. O último tamoio (1884), de Amoedo, talvez seja a pintura indianista que mais se aproxima desse caráter nativista, mas a presença de Anchieta - europeu - atenua o maniqueismo dos papéis.

                  11.            O indianismo na pintura e na escultura brasileiras foge do caráter heroico e cheio de movimento que a literatura prezou em grande parte, principalmente nos textos de Gonçalves de Magalhães e José de Alencar. Aqui, os artistas plásticos privilegiaram os episódios e o tratamento lírico e trágico do tema, bem romântico, tanto que a maior parte dos índios é representada em situações trágicas - mortos ou morrendo (Aimbire, Atalá, Lindóia, Moema) ou afogando-se em lágrimas (Marabá, Iracema). Quase nunca encontramos o índio guerreiro, do naipe de um Peri ou Jaguarê, e talvez a única representação pictórica de um índio guerreiro em ação seja o Felipe Camarão expulsando os holandeses do Nordeste [Figura 10] na Batalha dos Guararapes (1879) de Vitor Meirelles.

                  12.            Para Lucas de Monterato, o caráter acadêmico de boa parte das obras de arte também seria um impedimento para a produção de uma arte verdadeiramente indianista, como ele aponta em História da arte, com um apêndice sobre as artes no Brasil (1978, p. 284): “Romance, pintura e escultura, sob a influência do academismo, chegaram a criar um Indianismo superficial, contraditório entre a linguagem formal clássica e os enfeites indígenas”. Bardi (1975, p. 178) reconhece que a pintura brasileira de temática indianista serviu para “desenganchar a pintura da época em relação à rotina da temática de gênero do academismo francês. É o único período em que a pintura e a literatura se contatam”, mas em seguida afirma que “os esforços nos dois setores parecem mais de químicos preocupados em realizar um determinado produto, não dispondo dos elementos indispensáveis ou os tendo tão deficientes quanto adulterados”, compartilhando com Monterato a opinião de haver um aspecto artificial nessas obras.

                  13.            Mas a corrente de crítica a que esses autores pertencem (não podemos esquecer que os dois escreviam na década de 70, período em que a arte acadêmica pairava na mais baixa estima) dificilmente veria mais do que artificialismo na arte do período, como fica claro no trecho abaixo, de autoria de Bardi (1975, pp. 178 e 179), em que ele defende que os pintores acadêmicos brasileiros,

                  14.                                                  ignorantes de etnografia, não dispunham de contato com os indígenas, nem eram leitores crédulos de A Confederação dos Tamoios, de Domingos José Gonçalves de Magalhães, confluíam suas especulações indigenísticas para um maneirismo decaído [...]. Autêntica pintura indianista é a dos desenhistas que integravam as comitivas de explorações, pois eles observam o aborígene com curiosidade e interesse científico.

                  15.            Aqui, Bardi confunde pintura indianista com etnografia, esquecendo a diferença básica de que enquanto aquela possui um cerne poético e artístico, o objetivo desta é primordialmente científico, documental. Além disso, os pintores brasileiros não estavam tão preocupados com arqueologia (tendo em vista a dificuldade de se encontrar índios com costumes, roupas e acessórios tradicionais no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, quanto mais submetê-los às longas horas de pose necessárias para a conclusão de uma pintura histórica), assim como os pintores franceses não estavam preocupados em reproduzir cortes de cabelos e indumentária do período grego arcaico ao representar a guerra de Tróia. A ideia era criar uma ilusão suficientemente convincente para atingir ou superar o grau de exigência e o gosto do público da época.

                  16.            Mas, afinal de contas, seria o indianismo nas artes plásticas apenas uma versão “acadêmica” e sem vida de seu homônimo literário? Não, não devemos pensar assim. As artes plásticas e a literatura são duas linguagens diferentes, e assim será com suas respectivas abordagens. Francisco Acquarone definiu o indianismo como nada mais que “uma reação da alma brasileira contra a influência espiritual da ex-metrópole” (1939, p. 58) mas, enquanto esse parece ser o caso da literatura, a pintura parece estar mais preocupada com o lado lírico e idílico do indianismo, em detrimento do lado heroico e epopeico.

                  17.            Luciano Migliaccio parece ter encontrado um dos fios da meada para a solução da nossa questão. Ao comentar a Moema de Vitor Meirelles [Figura 11], ele defende que o artista

                  18.                                                  reformulou em termos nacionais um outro gênero: a paisagem histórica, que, unindo o indianismo ao romance sentimental e ao erotismo por meio da imagem feminina, tornou-se característico da pintura brasileira durante toda a segunda metade do século. (MIGLIACCIO, 2000, p. 105)

                  19.            De fato, a maioria das obras indianistas brasileiras são nus ou semi-nus femininos, em que a paisagem recebe grande destaque - o que torna ainda mais evidente a validade do comentário. Migliaccio (2000, p. 106) segue defendendo que, em sua fórmula clássica, o tema do nu feminino na paisagem “busca uma harmonia entre forma humana e paisagem, entre erotismo e contemplação da natureza. Moema [de Vitor Meirelles] é, portanto, um idílio, mas um idílio trágico” e completa lembrando que as “Iracemas e Marabás de Rodrigo Duarte, de Amoedo e de Parreiras ecoam a mesma triste poesia, que Meirelles soube, primeiro, intuir. Demonstram que Meirelles tocou um nervo sensível da imaginação do povo brasileiro.” Talvez nosso indianismo seja, por um lado, um orientalismo à brasileira, só que na nossa arte, ao invés de escravas e odaliscas nuas em haréns, encontramos moças nuas com o tempero exótico da paisagem (o tema do nu feminino na paisagem também apareceu em outros países latinos, como na Caçadora dos Andes [Figura 12], de1891, do mexicano Felipe Gutiérrez).

                  20.            Mas, e no caso de trabalhos como O Último Tamoio, de Amoedo, o Rio Paraíba do Sul (1866) [Figura 13] de Almeida Reis e Alegoria do império brasileiro (1872) [Figura 14] de Chaves Pinheiro? O Último Tamoio, assim como o Felipe Camarão na Batalha dos Guararapes (1879) de Meirelles, parece ser representante do raríssimo tipo de pintura que coloca o índio como herói, ou herói-guerreiro na composição, e, agora sim, eles representam a ideia de “herói típico da nacionalidade, como tal anteposto ao colonizador europeu”, como diz José Roberto Teixeira Leite (1988, p. 256) em seu dicionário de pintura. Já as esculturas são alegorias, sendo que no trabalho de Chaves Pinheiro a identificação entre o Brasil e o índio é explícita, e dessa identificação podemos captar as características tradicionais do índio romântico: forte, robusto, viril, sereno, tranquilo e bonito. Se é um trabalho que usa a imagem do nativo como alegoria, também não deixa de ser uma celebração do índio rousseauniano.

                  21.            Tendo em vista tantas abordagens diferentes para o tema do índio na arte nacional, tanto do ponto de vista da crítica quanto do ponto de vista artístico, fica evidente que talvez uma única definição para arte indianista seja impossível ou, se houvesse, seria genérica demais. Ainda assim, podemos depreender do conjunto de trabalhos que o indianismo nacional, que era tudo menos coeso, foi uma forma de expressão lírico-trágica da natureza - tanto em relação à paisagem quanto ao caráter - nacional, e o índio um personagem selvagem, distante e mítico o suficiente para personificar toda uma gama de sentimentos estoicos, raros e dignos, sem parecer demasiadamente artificial ou irreal. Tão grande é o índio (brasileiro) que pode demonstrar grandeza e serenidade mesmo na derrota[1]. O indianismo é a projeção do caráter brasileiro na nossa pintura mais no que se refere às escolhas em cima do tema do que sobre o tema em si.

INDIANISMO NA ARTE BRASILEIRA

Romantismo e indianismo

                  22.            Após declarar a independência e assumir o trono do império brasileiro, D. Pedro I adotou como símbolo da monarquia tupiniquim o dragão, que passou a decorar o cetro [Figura 15], a ordem de D. Pedro I e muitos outros acessórios cerimoniais.

                  23.            Com o passar do tempo, a imagem do dragão foi caindo em desuso e outros símbolos foram sendo assumidos pela monarquia para representar seu caráter oficial e para simbolizar a ideia de nacionalidade recém-adquirida pelos cidadãos do país.

                  24.            O grande símbolo em torno do qual girava a identidade nacional era o próprio imperador. Primeiro Pedro I, mas, logo em seguida - e com muito mais propriedade -, o carioca Pedro II. Mesmo como figura simbólica, o imperador-criança manteve a unidade territorial do país em meio às turbulências do período regencial e dos primeiros anos do segundo reinado.

                  25.            Enquanto D. Pedro II amadurecia e tomava as rédeas do Império, vinha penetrando no país uma tendência artística e cultural chamada de Romantismo, reconhecida na arte europeia desde o final do século XVIII. Esse movimento tinha como cerne a valorização do emocional sobre o racional e um renovado interesse em temas medievais e místicos que pudessem incorporar uma boa dose de idealização misturada a um sentimentalismo à flor da pele. A natureza voltou a ganhar um espaço que havia perdido com a ascensão do neoclassicismo, e seus fenômenos e efeitos sobre o homem foram buscados com insistência pelos artistas. A regra geral era a fantasia e a imaginação, assim como a busca por um universo íntimo em oposição ao mundo público do movimento neoclássico. Outra grande característica do Romantismo foi seu exacerbado nacionalismo, especialmente perceptível em países como o a Itália, a Grécia e a Alemanha. No Brasil, os primeiros sinais desse movimento artístico vieram com a literatura, em romances como A Moreninha e Cinco Minutos e em poemas de autores como Gonçalves Dias, Manuel de Araújo Porto-Alegre e até do próprio D. Pedro II.

                  26.            As tramas heroicas eram uma grande vertente do romantismo literário europeu; elas eram ambientadas muitas vezes em cenário medieval, onde um rapaz forte e incorruptível lutava bravamente para defender belos princípios, proteger seu reino e salvar donzelas indefesas. As histórias dos Cavaleiros da Távola Redonda e de Tristão e Isolda ganharam importantes versões nesse período, especialmente pela pena do inglês Lord Tennyson.

                  27.            Contudo, nosso país tem o inconveniente de ter sido “descoberto” depois da Idade Média, o que nos priva de um passado povoado por cavaleiros e castelos. Como a separação de Portugal deixou cicatrizes e mágoas, estava fora de cogitação assumir Portugal como cenário para uma literatura brasileira medievalista, até porque o Brasil ainda estava nas primeiras décadas de sua independência e em busca de traços e características que pudessem refletir o caráter da nação como ente de corpo e personalidade independentes da antiga metrópole colonial.

                  28.            Em busca de um símbolo que pudesse ser incorporado à nossa literatura como meritório representante dos mais altos ideais, do mais nobre espírito guerreiro, da mais inquebrantável ética e da personificação da moral e da virilidade, os artistas brasileiros o encontraram na figura do índio, o verdadeiro filho da terra - o homem primitivo de Rousseau -; aquele que não fora corrompido pela maligna sociedade e que se guiava apenas pelos seus instintos mais primordiais e pela perfeita comunhão com a natureza.

                  29.            No século XIX, muitos dos brasões da nobreza brasileira passaram a trazer a imagem do índio e, à época da independência, diversos políticos trocaram seus nomes portugueses por outros de origem tupi. Talvez esse destaque do índio fosse, nessa época, uma tentativa de valorização daquilo que o Brasil tinha de seu, de próprio, em oposição ao estrangeiro, ao importado. E como característica única nossa, não compartilhada com os europeus e apenas em graus diferentes com os outros países latinos, o índio brasileiro tivesse que ser celebrado como um troféu da nossa nacionalidade.

                  30.            Por mais que a visão do índio fosse idealizada, foi dela que se utilizaram aqueles homens do século XIX que precisavam criar para si um herói de cujos princípios pudesse ser extraída a essência dos valores que acreditavam ser os mais inspiradores. Vale a pena recuar um pouco no tempo para perceber qual o caminho percorrido pela literatura indianista antes de ser apropriada pelos nossos românticos.

O Indianismo na Literatura

                  31.            Para entender o indianismo nas artes plásticas, é fundamental que se conheça o indianismo nas letras brasileiras, pois aquele é, em parte, produto deste. Eu destacarei apenas os textos de conteúdo ficcional, na tentativa de compreender como a figura do índio se integrou à imaginária romântica e foi assimilado pelos autores ficcionistas.

                  32.            Por incrível que pareça, o primeiro texto a tratar do indígena brasileiro de forma literária foi produzido pelo francês Ronsard, que em 1559 publicou Ode contre Fortune, inspirado no índio brasileiro[2]. Lope de Vega, espanhol, escreveu no começo do século XVII El Brasil restituido, que tem uma personagem índia chamada Brasília. Os autores portugueses, entretanto, sempre mantiveram estranho silêncio em relação ao tema. O jesuíta José de Anchieta, que vem ao Brasil em meados do século XVI para catequizar os índios e converter as almas, escreve o auto Fala aos índios pelo padre José de Anchieta, em língua tupi, que põe no palco personagens índios, anjos e demônios.

                  33.            Na literatura brasileira, o primeiro poema que opõe o herói índio ao vilão europeu foi escrito ainda durante o período colonial, mais precisamente em 1769, e seu título é O Uraguai. Basílio da Gama, autor deste poema épico, descreve um episódio ocorrido em meados do século XVIII, quando jesuítas e índios estabelecidos nos Sete Povos das Missões no Rio Grande do Sul se recusaram a obedecer ao Tratado de Madrid, o qual dispunha sobre a nova organização do território português e espanhol naquela região. Basílio da Gama defende que os jesuítas usaram os indígenas para defender seus próprios interesses, submetendo-os a um verdadeiro massacre por parte das tropas luso-espanholas, destacadas para fazer valer a nova lei. O protagonista é Cocambo, que além de lutar contra os europeus ainda é vítima das maquinações do jesuíta Balda, que deseja que seu filho ilegítimo Baldeta assuma a liderança dos nativos.

                  34.            O poema assume o lado dos silvícolas como vítimas da disputa de poder entre os europeus, e ainda destaca-lhes um papel heroico e central na história. Haroldo Paranhos (1937, p. 151), em sua História do Romantismo no Brasil, afirma que embora não caiba a Basílio da Gama a

                  35.                                                  introdução do índio americano na literatura [...] pois, antes do autor do Uruguai [sic], Alonso de Ercilia em La Araucana, Diego de Aguilar e Córdoba no El Marañon, e Hernando Alvarez no Puren Indômito, já haviam iniciado o indianismo na literatura espanhola, foi todavia Basílio da Gama o iniciador da poesia americana no Brasil, gênero que mais tarde tomaria entre nós uma feição acentuadamente nacional.

                  36.            O Caramuru (1781), de Santa Rita Durão, é considerado o segundo livro brasileiro de temática indianista. Seu protagonista é Diogo, um homem branco, náufrago, que passa a viver com os índios e é disputado por duas virgens nativas, Moema e Paraguassú. Quando Diogo - chamado Caramuru pelos silvícolas - embarca num navio e parte de volta pra a Europa, as duas jovens se jogam ao mar atrás do amado. Contudo, apenas Paraguassú consegue subir ao navio e Moema morre na tentativa. Aqui, o foco é diferente daquele projetado por Basílio da Gama no seu poema e daquele usado futuramente pelos escritores românticos, já que conta as peripécias de um náufrago português no Brasil do século XVI; mas este ainda é considerado um poema de temática indianista.

                  37.            Em 1785, Souza Caldas escreve Ode ao Homem Selvagem, em que celebra “os doces anos de vida primitiva dos humanos” (SOUZA CALDAS apud COUTINHO, 1997, p. 73). O poema é de cunho essencialmente rousseauniano, sendo mais uma crítica à sociedade europeia que uma loa ao silvícola brasileiro. Essa abordagem baseada no índio como o “bom selvagem” estava em voga na Europa iluminista do século XVIII, que

                  38.                                                  exaltava as virtudes familiares, e especialmente maternais, dos índios, assim como a fidelidade conjugal. No início do século XIX, o índio se viu atribuído dos traços do herói romântico: gosto da solidão, profundeza das paixões, melancolia [...]. Pertencendo a uma raça que se dizia a ponto de ser extinta, o índio tornou-se o símbolo do desamparo humano diante da marcha do progresso material. (HONOUR, 1977, p. XXV, tradução nossa)

                  39.            Até a década de 1840, a nossa literatura indianista sofreria um grande hiato. No exterior, entretanto, foram publicadas algumas das obras mais conhecidas sobre o tema, como as do francês René de Chateaubriand, que em 1801 publica a famosa Atalá, que trata do amor impossível entre o índio Chactas e a mestiça Atalá. Depois, escreveu Les Natchez (1826) e Voyage em Amérique (1827). Também é desse período O último dos Moicanos, de 1826, escrito pelo americano Fenimore Cooper, sendo considerada sua obra-prima.

                  40.            Voltando ao Brasil, apenas em meados do século XIX vemos surgir na literatura os primeiros indícios da retomada da temática indianista. Em A Moreninha (1844) - considerado o primeiro romance brasileiro - Joaquim Manuel de Macedo dedica um capítulo a contar uma lenda indígena sobre a origem de uma nascente, e por meio de uma personagem declama todo um canto indígena. Coutinho e Coutinho (1997, p. 76) dizem que no mesmo ano “Teixeira e Souza (1812-1861) inicia a nova fase do indianismo brasileiro com o poema em cinco cantos Os três dias de um noivado, tomando por base uma lenda indígena [...]. Tratava-se de um indianismo com sentimento nativista, como sinônimo de independência [...]”. No mesmo ano, o Barão de Paranapiacaba escreve Cântico do Tupi, Prisioneiro índio e Imprecação do índio.

                  41.            Quem aparece em seguida é o grande poeta do indianismo no Brasil, Gonçalves Dias. Em 1846, 1848, 1851, 1857 - e ainda postumamente -, ele publica livros com diversos poemas indianistas, como O canto do índio (1846), Tabira (1848), I-juca-pirama (1851) e Canção do Tamoio (1851). Em grande parte desses poemas Gonçalves Dias celebra o poder guerreiro do índio, destemido e corajoso. Seriam os valores que o brasileiro teria herdado dessa raça.

                  42.            Logo depois, Gonçalves de Magalhães lança seu grande poema épico A Confederação dos Tamoios (1856). Gonçalves de Magalhães era o poeta oficial do Império, tendo publicado A Confederação sob patrocínio de D. Pedro II, que também lhe concederia a graça do título de Visconde do Araguaia. Diz Alfredo Bosi (1982, p. 108) em sua História Concisa da Literatura Brasileira que Gonçalves de Magalhães,

                  43.                                                  tendo-nos dado o lírico e o dramático, faltava-lhe o épico; fê-lo retomando Durão e Basílio, lidos sob um ângulo enfaticamente nativista [...]. A essa altura, o indianismo já caminhara além das intuições dos árcades e pré-românticos e se estruturava como uma para-ideologia dentro do nacionalismo.

                  44.            O seu poema descreve um episódio da história colonial em que os índios da região onde hoje fica o Rio de Janeiro se aliaram aos invasores franceses contra os colonizadores portugueses, que escravizavam os nativos e dizimavam as tribos rebeldes.

                  45.            Já o escritor José de Alencar retoma o caráter guerreiro do índio mas assume um discurso mais lírico nos seus poemas, livros e folhetins. Em 1857, escreve o famoso folhetim O Guarani e em 1863 redige o poema Filhos de Tupã - nunca concluído, e que só seria publicado postumamente. Em seguida, publica seus dois grandes romances indianistas, Iracema (1865) e Ubirajara (1874). Em O Guarani e em Iracema, ele celebra a miscigenação das raças - nativa e europeia - como formadora da nacionalidade brasileira.

                  46.            Daí em diante, a temática indianista entraria em flagrante declínio, sendo sucedida pela segunda geração romântica, à qual pertence Álvares de Azevedo, e logo depois pelo realismo, a partir do final da década de 1870. Contudo, podemos citar ainda O Evangelho nas Selvas (1875), de Fagundes Varela; Americanas (1875), de Machado de Assis; e, por último, A Morte do Tapir (1888), de Olavo Bilac, poeta do Parnasianismo.

                  47.            Deste ponto em diante, afigura-se o ocaso do indianismo como tema literário e mesmo da visão do índio como arquétipo ideal do bom selvagem. Daí para frente, a imagem do índio na literatura assumiria outros simbolismos ligados a uma ideologia completamente diferente daquela em voga durante o Império.

O Indianismo na pintura e na escultura até 1884

                  48.            O indianismo na arte brasileira é herdeiro tardio do indianismo literário. E, ao contrário da literatura, essa temática ainda não foi suficientemente abordada nos estudos sobre a história da arte no Brasil, mas apenas em caráter superficial, o que torna um desafio qualquer texto que procure investigar esse segmento temático. Contudo, com base nas poucas informações das quais se dispõe, traço em seguida uma “história” da arte indianista no Brasil, fazendo uma ponte para o que acontecia em outros países na mesma época.

                  49.            O período colonial foi rico em imagens dos indígenas americanos, não só no Brasil como no resto do continente. Essas imagens, entretanto, são de cunho etnográfico e documental, caráter completamente diverso daquele que é objeto do nosso estudo e que viria a ocorrer no Brasil apenas na segunda metade do século XIX - de aspecto literário e histórico, mas não antropológico e científico. De qualquer forma, parece importante apontar que o primeiro documento em que aparece a imagem do índio brasileiro é o livro acompanhado de ilustrações Viagens e Aventuras no Brasil, escrito por Hans Staden em 1557 [Figura 16].

                  50.            Nos trabalhos marcantes de Albert Eckhout, um holandês convocado pelo conde Maurício de Natal para registrar conquista do Brasil pela Companhia das Índias Ocidentais holandesa no século XVII, ainda é central a preocupação documental, mas já encontramos uma certa “inserção” no universo artístico [Figura 17]. Não havendo ele feito escola no Brasil ou na Europa, seu caso é único na história da arte brasileira.

                  51.            Ainda na época colonial, encontramos diversas vezes a representação alegórica da América como uma índia, tanto no Brasil quanto na Europa, mas esse tipo de trabalho dificilmente pode ser considerado indianista.

                  52.            Já no final do século XVIII, Benjamin West, pintor americano radicado em Londres, pinta algumas telas de temática histórica representando episódios da história americana. Em duas delas, ele agrega personagens indígenas: na primeira, A Morte do General Wolfe (1770) [Figura 18] - que mostra a cena de uma batalha que acontece no que é hoje o Canadá - o índio é apenas um acessório que, junto com outros representantes do império britânico (como ingleses e escoceses), amparam o moribundo general no momento em que ele recebe a notícia de sua vitória; a segunda, que destaca aos silvícolas um papel de muito mais relevância na composição, é O Tratado de Penn com os índios (1772) [Figura 19], cujo tema é o tratado de paz assinado pelo colono Willian Penn e os índios, permitindo a colonização do estado norte-americano da Pensilvânia. Essas pinturas, no entanto, têm uma abordagem completamente diferente daquela que seria escolhida pelos indianistas brasileiros e latino-americanos no século seguinte, em que o índio seria celebrado como uma força guerreira e moral. As pinturas de West, apesar de serem provavelmente as primeiras realizadas por artista americano em que o índio está representado além da alegoria, não são indianistas, mas históricas, e o nativo ali assume o papel de coadjuvante dos grandes atos perpetrados pelo homem branco.

                  53.            Porém, nesta pesquisa, a primeira obra que pude encontrar de temática literária ligada ao índio foi produzida nos Estados Unidos, em 1804. O título do quadro é A morte de Jane McCrea [Figura 20] e foi pintado pelo americano John Vanderlyn, inspirado no poema épico de Joel Barlow Vision of Columbus (1787). A pintura retrata a história, passada no período colonial, de Jane Mccrea, que procura por seu namorado fora do forte dos colonizadores mas é capturada por dois moicanos; estes, após discutir selvagemente sobre quem ficaria com ela, matam-na de forma brutal. A abordagem da questão indígena é diversa daquela utilizada pelos brasileiros, mas é consistente no que se refere à realidade do que foi a colonização nos Estados Unidos, além de ser um tanto mais realista do que a idealização imposta pelos românticos tupiniquins (já que no próprio Brasil são vastos os relatos de massacres provocados pelos índios em aldeias e vilas no período colonial).

                  54.            Em 1808, Girodet-Trioson pintou em Paris o célebre Sepultamento de Atalá [Figura 21], já imbuído de ares românticos e em conformidade com o estilo do livro de Chateaubriand. Delacroix pintaria Les Natchez [Figura 22], em 1835, também inspirado em Chateaubriand.

                  55.            Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808, começa-se a liberalizar o acesso de estrangeiros ao território nacional, o que produz uma onda de desenhos e gravuras de essência etnográfica e antropológica sobre os índios brasileiros. A chamada Missão Francesa aporta no Rio de Janeiro em 1816 e funda o que se tornaria a futura Academia Imperial de Belas Artes. Entretanto, na produção desses artistas, ainda não encontramos arte indianista.

                  56.            Francisco Pedro do Amaral, discípulo de Debret, pintou uma representação alegórica da América como uma índia [Figura 23], na segunda metade da década de 1820 (ARAÚJO, 2008). Mas seu caráter é indiscutivelmente alegórico e decorativo.

                  57.            Para as décadas seguintes, o melhor guia no assunto são os catálogos das Exposições Gerais realizadas no Rio de Janeiro a partir de 1840. Carlos Levy compilou as obras de cada exposição num volume lançado em 1990, que abrange as Exposições Gerais realizadas pela Academia Imperial entre 1840 e 1889. Essa será a fonte principal da cronologia que usaremos a partir de agora, mas vale frisar que vamos destacar apenas aquelas obras que não sejam etnográficas ou antropológicas. O foco serão trabalhos nos quais o índio é o tema principal ou um dos elementos de destaque[3].

                  58.            Na Exposição Geral de 1842, Rafael Mendes de Carvalho expõe o pequeno esboço Plantação da Cruz pelos Selvagens. Rafael ganharia uma bolsa de estudos do Senado do Império para estudar na Europa em 1845, sendo o primeiro estudante da Academia Imperial a receber esse privilégio.

                  59.            Entre 1845/46, Rugendas pinta A primeira missa celebrada em São Vicente (São Paulo) no ano de 1532. A pintura, apesar de não ser propriamente indianista, é uma das primeiras a colocar em destaque a figura do índio na construção da nação, ao mostrar Anchieta batizando os nativos. O próprio Rugendas havia pintado em 1836 uma cena de rapto pelos índios chilenos, baseado numa história real, El rapto de Trinidad Salcedo [Figura 24].

                  60.            Nesses mesmos anos, a Academia de São Carlos da Cidade do México já está produzindo profusamente pinturas em que os índios, principalmente os grandes personagens do passado azteca, assumem o papel de símbolo da Nação, em contraposição ao europeu colonizador. Cenas de massacres perpetrados por Hernán Cortez e outros foram retratados em obras comoventes.

                  61.            Podemos citar como artista do indianismo mexicano, por exemplo, Manuel Vilar, que esculpe nas décadas de 1840 e 1850 Montezuma, o imperador azteca no tempo da conquista espanhola; La Malinche, índia azteca que assessorou Cortez; e Tlahuicole, guerreiro tlaxcala.

                  62.            Voltando para o cenário brasileiro, encontramos o artista francês François Biard, que viveu aqui entre 1858 e 1860 e escreveu um livro sobre sua experiência brasileira. Biard produziu algumas obras indianistas, como Dois índios numa canoa [Figura 25] e Índios adorando o sol.

                  63.            Vitor Meirelles, ainda usufruindo do pensionato em Paris, expõe em 1859 um esboceto para a Primeira Missa, e no ano seguinte Frederico Tirone (ou Tironi) expõe as pinturas Enterro de Atalá e Fuga de Atalá, sendo esta última a primeira versão brasileira deste tema, que ainda seria muitas vezes retomado pelos artistas brasileiros.

                  64.            Em 1862, Jules Le Chevrel, futuramente professor interino de desenho na Academia Imperial, apresenta na Exposição Geral a tela Paraguassú e Diogo Álvares Corrêa, inspirada na história do Caramuru, escrita em versos por Santa Rita Durão. Esta é provavelmente a primeira representação em artes plásticas de um tema indianista baseado na própria literatura brasileira. Leon Deprés de Cluny, escultor, expõe Família de selvagens atacada por uma serpente na mesma ocasião.

                  65.            É ainda neste ano que é apresentada no Rio de Janeiro a grande tela A Primeira Missa no Brasil [Figura 26], de Vitor Meirelles. A pintura não é tão propriamente indianista quanto é histórica, nem os índios recebem um papel de grande destaque. Mas esta é a primeira pintura brasileira de grandes dimensões - pintada para forjar o momento de “batismo” do Brasil - na qual o índio assume o papel de co-fundador da identidade nacional. A pintura é simbólica dos esforços que estavam sendo feitos durante o Império para alçar a imagem dos indígenas a símbolo do país.

                  66.            Vitor Meirelles pintaria Moema [Figura 11] em 1866. O quadro, de tamanho natural, representa a infeliz amante de Caramuru que pereceu afogada ao tentar alcançar o navio do amado. No trabalho de Meirelles, o corpo da índia é mostrado estendido sobre a praia após ser devolvido ao continente pelas vagas do mar. O quadro, construído em torno de tons terrosos, é um dos mais belos nus realizados por artista nacional e aqui, como na Primeira Missa, a paisagem assume papel preponderante. Toda a cena é carregada de ares românticos e idealizada. Na Moema, como em quase todas as pinturas do artista, o ar, a atmosfera, são elementos essenciais para o conjunto.

                  67.            Na Exposição Geral do ano seguinte, Almeida Reis, pensionista na Europa, mostrou O Rio Paraíba do Sul [Figura 13], que é a imagem de um índio como uma alegoria do dito rio. A estátua causou comoção entre os professores, pois “não foi bem aceita pela Academia e o artista perdeu sua ‘bolsa de pensionista’, retornando ao Brasil” (FERNANDES, 2002-2002, p.27). Na verdade, Almeida Reis vinha sistematicamente desobedecendo à Academia e já havia entrado em atrito com o professor de escultura Chaves Pinheiro. Na década de 1880, ele tentaria a vaga de professor de escultura na Academia Imperial, mas seria unanimemente recusado pelo colegiado (que ainda era basicamente o mesmo da década de 1860). A obra em si é essencialmente romântica, com uma superfície pouco polida, o que se tornaria uma característica do artista, no que lembra o estilo de Rodin.

                  68.            É possível que Almeida Reis tenha decidido pela alegoria - e não por uma das enfadonhas esculturas de temática mitológica - influenciado por duas obras de Louis Rochet, seu professor em Paris, que também são alegorias a rios e que usam a imagem do índio: Rio Madeira e Rio São Francisco, de 1856, que fariam parte de um monumento no Brasil.

                  69.            Karl Linde levou para a mostra de 1868 um Combate de dois índios feito em cera.

                  70.            Em 1872, Chaves Pinheiro produz o projeto para uma grande escultura em bronze intitulada Alegoria do Império Brasileiro [Figura 14], em que um índio segura o cetro imperial e um escudo com o brasão do Império, declarando abertamente a identificação entre a Pátria e o índio. Sônia Pereira (2008, p. 38) lembra que “[...] em Alegoria ao Império Brasileiro, de 1872, de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, é o próprio Império que se faz representar como um índio. A postura ainda é clássica, como representação de um guerreiro antigo, mas o indígena é imediatamente reconhecível”.

                  71.            Em 1875 Rodolfo Bernardelli expõe Um índio em repouso, e em 1876 nenhuma obra de temática puramente indianista[4] é apresentada.

                  72.            Já a exposição de 1879 tem um boom de obras indianistas. Antônio Firmino de Monteiro expõe a paisagem histórica A Confederação dos Tamoios: Exéquias de Camorim, que representava o funeral de um índio morto pelos caçadores de escravos. Almeida Reis esculpe o busto do Marquês de Herval com uma inscrição em tupi, prestando homenagem ao general. Leôncio da Costa Vieira pinta A catequese: paisagem histórica. Pedro Peres expõe A elevação da cruz [Figura 27], que seria um momento anterior à Primeira Missa de Vitor Meirelles. A obra também é mais propriamente histórica que indianista, mas os índios têm um destaque muito maior aqui do que aquele atribuído aos mesmos na pintura de Meirelles, de vinte anos antes. Por fim, de Meirelles, é exposta a Batalha dos Guararapes, que celebra a união das três raças - negra, índia e portuguesa - contra o invasor holandês, episódio que é considerado o marco fundador do exército brasileiro. O índio é representado na tela por Felipe Camarão [Figura 10], que auxiliou na expulsão dos holandeses de Olinda e Recife e foi agraciado com diversas distinções pelo rei de Portugal.

                  73.            Em 1882, o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro realizou uma exposição famosa, à qual José Maria de Medeiros compareceu com Lindóia [Figura 28], que em muitos aspectos lembra a Moema de Vitor Meirelles. A cena, baseada no poema O Uraguai, de Basílio da Gama, mostra a índia caída no chão após ser picada por uma serpente. A bela Lindóia havia preferido o suicídio ao casamento com Baldeta, filho do vilão Balda. O corpo, sensual, está estirado na metade inferior do quadro, enquanto a parte superior é ocupada pela paisagem selvagem de onde alguns índios correm para acudir Lindóia. A organização é a mesma da Moema, apesar de a abordagem ser um pouco menos romântica e o quadro um tanto menos bonito.

                  74.            De acordo com Laudelino Freire, seria desse período - entre 1878 e 1882 - o pequeno painel Moema, pintado por Pedro Américo, mas não há fontes suficientes para confirmar essa data.

                  75.            A última exposição do império, de 1884, parece ter sido, por ironia, a mais prolífica em obras destacadamente indianistas. Podemos citar em primeiro lugar Exéquias de Atalá [Figura 29], de Augusto Rodrigues Duarte, que na verdade foi pintada em Paris em 1878 e exposta no Liceu em 1882. Até hoje é considerada a melhor pintura do artista. Aurélio de Figueiredo expôs Ceci no banho, personagem tirada do romance O Guarani, de José de Alencar. José Maria de Medeiros participa com a sua Iracema [Figura 30], cuja figura da índia é universalmente considerada feia, mas a pintura em si é muito bem concebida e de paisagem realizada com esmero. Esta pintura e a de Augusto Duarte seriam recomendadas pela congregação para serem adquiridas pelo governo imperial. Leopoldo Joaquim Teixeira de Faria expõe uma cópia de Atalá (provavelmente da obra de Girodet-Trioson) e Rodolfo Bernardelli traz A Faceira [Figura 31], escultura que retrata uma índia assanhada, mas sem nenhum traço indígena.

                  76.            Ainda em 1884, Rodolfo Amoedo expõe Marabá [Figura 1] e O último Tamoio [Figura 2], que, de uma forma geral, recebem boas críticas. Na Revista Ilustrada, “X”, um crítico anônimo (provavelmente o próprio Angelo Agostini), faz os seguintes comentários:

                  77.                                                  O Sr. José Ferraz de Almeida Junior e Rodolpho Amoedo são os que maior sensação tem causado n’esta exposição.

                  78.                                                  Ex-alumnos e pensionistas da Academia foram para a Europa estudar o que esta não lhes podia ensinar; e pelos quadros que mandaram, vê-se que elles não perderam o seu tempo.

                  79.                                                  Estudaram bastante estudaram muito até em razão do pouco tempo que lá estiveram. Por isso não se póde deixar de admirar os seus grandes progressos.

                  80.                                                  [...]

                  81.                                                  O Sr. Rodolpho Amoedo, muito tem concorrido em abrilhantar esta exposição com os seus trabalhos. Alguns d’estes também foram expostos no salão em Paris. São quatorze telas entre grandes e pequenas, constando de estudos, composições e duas cópias. Só uma d’estas telas não presta: é um estudo de cabeça de um menino napolitano. As outras, apezar de terem alguns senões, possuem qualidades que muito as recommendam. (“X”, 1884)

                  82.            O crítico da Revista Illustrada termina sua análise afirmando que “estes dois jovens pintores [estão] em primeiro lugar entre os artistas brasileiros” (“X”, 1884), demonstrando a boa impressão que as obras de ambos causaram na exposição.

                  83.            Amoedo havia pintando em Paris ainda Morte de Atalá, de 1883, que não foi exposta na Academia em 1884.Com a queda da monarquia, a temática indianista entraria explícito declínio. Nos anos seguintes, ainda haveriam de ser produzidas mais algumas obras de temática indianista, como a Iracema (1909) [Figura 32] de Antônio Parreiras e a Moema (1894) de Rodolfo Bernardelli [Figura 33]. Tadeu Chiarelli (2002, p. 155), em Arte Internacional Brasileira, afirma que, “Nos primeiros anos da República, terminara a necessidade nítida no Império de forjar os mitos da nacionalidade, quer na literatura, quer nas artes visuais”. A República estaria preocupada em forjar seus próprios mitos, como Tiradentes e outros heróis[5].

                  84.            A temática indianista jamais foi tão forte e presente na arte brasileira como o foram a temática histórica ou o retrato. Foi mais uma “tendência” que atingiu seu pico entre as Exposições Gerais de 1879 e 1884. Súdita num reino romântico, a arte indianista via nos temas da literatura uma fonte plena de assuntos trágicos e tocantes. Talvez por isso sejam raros os exemplos de índio-guerreiro, que vemos tão bem plasmados na literatura de Gonçalves Dias e José de Alencar.

RODOLFO AMOEDO (1857-1941)

                  85.            Diz Francisco Acquarone (1939, p. 206) que diante “[...] deste nome [Rodolfo Amoedo] devem descobrir-se todos os que estudam pintura no Brasil. [...] Sua obra vigorosa de desenho e opulenta de cor garante-lhe sem contestação um dos primeiros lugares na arte nacional”.

                  86.            Rodolfo Amoedo foi um dos professores mais longevos da Escola Nacional de Belas Artes. Era considerado ótimo conhecedor do metier e dava grande importância ao aprendizado da técnica, introduzindo na Escola Nacional de Belas Artes as técnicas de encáustica e afresco. Foi professor de grandes nomes da arte nacional, entre eles Eliseu Visconti e Candido Portinari. Era famoso por ter uma personalidade forte e se envolver em diversas brigas, sendo uma das mais famosas aquela que teve com Rodolfo Bernardelli, o que o levaria a abandonar a ENBA em 1905 e a voltar apenas depois que seu desafeto deixara a direção da instituição, em 1915.

                  87.            Amoedo nasceu em 11 de dezembro de 1857, num vilarejo na Bahia. Passou a infância em Salvador, na Bahia, mas foi ainda adolescente para a capital do Império. Ingressou no Colégio D. Pedro II mas teve que abandonar os estudos para ajudar na renda familiar. Assim que pôde ingressou no Liceu de Artes e Ofícios (1873) e depois na Academia Imperial de Belas Artes (1874), onde estudou com Agostinho da Mota, Zeferino da Costa e Vitor Meirelles. Pouco se sabe sobre esse período. Em 1878, Rodolfo Amoedo concorreu e ganhou o Prêmio de Viagem ao Exterior.

2.1. Prêmio de Viagem e pensionato em Paris

                  88.            Os Prêmios de Viagem foram instituídos na Academia Imperial em 1845. O diretor nesse período, F. E. Taunay, que fora professor de francês e de desenho do Imperador D. Pedro II, conseguiu promover a ideia junto ao governo. O prêmio consistia em bancar os estudos na Europa do aluno vencedor. Essa bolsa de estudos visava principalmente renovar a própria Academia e atualizar o mundo artístico do Rio de Janeiro por meio dos estudantes que voltavam do Velho Mundo.

                  89.            Planejado inicialmente para premiar anualmente um aluno, a regra foi seguida apenas na década de 1840. Nos anos seguintes, o Prêmio era organizado apenas quando a conjuntura permitia, pois a verba dependia do governo tanto para a realização do certame quanto para o pagamento das bolsas. Em alguns casos especiais, quando a Academia não realizava os concursos, o próprio Imperador custeava pessoalmente os estudos de alunos talentosos.

                  90.            As regras eram rígidas: os alunos deveriam matricular-se em instituições aprovadas pela Academia no Rio de Janeiro; deveriam realizar um mínimo de cópias de obras de arte europeias indicadas pelos professores no Brasil (e também obras de sua própria escolha); e deveriam ainda produzir algum número de trabalhos originais. Ao desobedecer a essas regras, o pensionista (como eram chamados os bolsistas) corria o risco de ter sua bolsa de estudos cortada e ter que abandonar a Europa. Talvez devido a isso, a maioria dos alunos tentou manter-se na linha, o que não impediu que uma bolsa ou outra fosse suspensa, como no caso do escultor Almeida Reis.

                  91.            De acordo com Ana Cavalcanti (2001-2002, p.75), o júri que selecionava os vencedores tendia a escolher pintores na maioria das vezes[6]:

                  92.                                                  Quanto às especialidades dos pensionistas, nota-se uma nítida predominância dos pintores. Entre os pensionistas da Academia, contam-se oito pintores, quatro arquitetos, três escultores e dois gravadores de medalhas. A predominância de pintores se faz ainda mais forte se acrescentarmos a estes dados as especialidades dos cinco pensionistas do imperador, pois todos eram pintores.[7]

                  93.            O concurso que escolheu Rodolfo Amoedo aconteceu em 1878. Nessa época, a Academia já tinha em seu quadro docente vários pintores ex-pensionistas. Essa realidade denota um grau de exigência muito elevado sobre os postulantes ao Prêmio. Como aponta Cybele Fernandes (2001-2002, p. 21), “[...] a produção da Academia em pintura histórica encontrou, após a década de setenta, o seu momento mais significativo na obra de três artistas: Victor Meirelles, Pedro Américo e João Zeferino da Costa”, sendo que Victor Meirelles e Zeferino da Costa foram professores de Amoedo e estavam na comissão de seleção do Prêmio de Viagem em 1878. Rodolfo Amoedo ainda teve a oportunidade de presenciar a grande polêmica gerada pela exposição da Batalha do Avaí, de Américo, e da Batalha dos Guararapes, de Meirelles, 1m 1879, cada uma representante de uma vertente completamente diferente da arte acadêmica, preparando o jovem artista para o universo de estilos e vanguardas que haveria de encontrar no Velho Mundo.

                  94.            O concurso de que participou Amoedo foi muito polêmico. O tema era O Sacrifício de Abel [Figura 34], e, no primeiro parecer da comissão julgadora, Amoedo e Henrique Bernadelli - pintores históricos -, foram classificados em primeiro lugar, enquanto o rendimento de Antônio Firmino de Monteiro, pintor de paisagens, foi julgado inferior. Considerando os dois concorrentes restantes como de altíssimo nível, os professores se pronunciaram incapazes de escolher um só vencedor e sugeriram que se tirasse a sorte para se decidir o ganhador. O diretor da academia se recusou a proceder de tal forma e determinou que a Comissão chegasse a um só vencedor. Os professores jurados repetiram que era impossível escolher entre os candidatos e procedeu-se então a uma votação secreta para a escolha de um único candidato. O resultado da votação empatou novamente, e o diretor foi obrigado a dar seu voto de Minerva a favor de Amoedo.

                  95.            Assim, em 1879, partia Amoedo para Paris. Contudo, ele ainda não pôde respirar aliviado. Conta Tapajós Gomes (apud CAVALCANTI, 2001/2002, p.78) que

                  96.                                                  [...] apesar de vitorioso, [Rodolfo Amoedo] não se livrou desde logo da má vontade dos que ficaram. Se o regulamento dos prêmios de viagem já era por si mesmo exigente, para Rodolfo Amoedo se tornou escorchante. O prêmio durava cinco anos; mas as autoridades de Belas Artes podiam, dentro dos três primeiros anos, de um momento para outro, cortar a pensão ao pensionista cujos progressos não correspondessem à sua expectativa. Bastava, pois, uma simples resolução das autoridades de Belas Artes [...].

                  97.            E não era só isso;

                  98.                                                  Há relatos que identificam as grandes dificuldades enfrentadas pelos alunos na Europa, ao se descobrirem com dificuldades referentes ao desconhecimento do idioma do país, à fragilidade dos conhecimentos específicos da sua área, à engrenagem de ensino nas academias europeias, à dificuldade de vencer todos esses obstáculos no prazo determinado pela instituição [Academia do Rio de Janeiro]. (FERNANDES, 2001-2002, p.14)

                  99.            A preferência entre os estudantes era por estudar na França, que tinha a mais prestigiada instituição da época no campo do ensino artístico: a Escola de Belas-Artes de Paris. Dos treze pintores agraciados com bolsas do Prêmio de Viagem e do Imperador[8], sete escolheram Paris como destino, enquanto quatro escolheram Roma e dois estudaram em Paris e Roma[9].

              100.            Ao chegar à capital francesa, Rodolfo Amoedo matriculou-se na Académie Julien como aluno no ateliê de Cabanel e depois no estúdio chefiado por Boulanger e Lefebvre. Era muito importante para os candidatos a uma vaga na École de Beaux Arts (antiga Academia de Belas-Artes de Paris) garantir uma boa preparação para os testes. A École, que admitia alunos estrangeiros, exigia exames de

              101.                                                  anatomia e perspectiva, desenho ornamental ou história geral. As respostas para essas provas tinham que ser dadas em francês, claro, o que já era um funil para alguns dos pretendentes. Se um candidato passasse da primeira etapa, a próxima era mais crítica - execução do desenho de um gesso de alguma escultura antiga ou do modelo vivo, a ser completado em duas sessões de seis horas cada uma, num cubículo privado. (WISSMAN, 1996, p. 109, tradução nossa)

              102.            Assim que passou nos exames de admissão para a École de Beaux Arts, Amoedo ingressou na classe do professor Cabanel. Ainda de acordo com Tapajós Gomes (apud CAVALCANTI, 2001/2002, p. 78), “Nos concursos mensais para frequentar as aulas de Cabanel, o primeiro lugar nunca saía de um destes três alunos: Rivemale, Lavalay e Amoedo, entre quarenta condiscípulos”. A importância de ficar entre os primeiros lugares não se resumia apenas ao orgulho ou ao prestígio do aluno, mas porque “o mérito de um estudante relativo ao dos outros determinava sua posição em frente ao modelo no estúdio. [...] [Uma colocação aceitável], mas entre as últimas no grupo, significava que o estudante era colocado longe do modelo [Figura 35]”(WISSMAN, 1996, p. 109, tradução nossa).

              103.            Ciente de que deveria seguir estritamente as regras ditadas pela Academia brasileira, Rodolfo Amoedo atravessou seus três primeiros anos em Paris sem sobressaltos. Em 1882, Amoedo começou a preparar uma pintura para apresentar no Salon, a grande vitrine artística da época.

              104.            Essa grande exposição era realizada desde o século XVIII em Paris, e era uma ótima oportunidade para um jovem artista ganhar fama. O Salon foi controlado pelo governo até 1881, quando passou para as mãos da Societé des Artistes Français, e daí em diante era organizado pelos próprios artistas. As obras candidatadas a integrar a exposição eram submetidas a um júri formado pelos professores da Escola de Belas-Artes, que as julgavam em termos de qualidade técnica, temática e decência. O controle rígido exercido por esses acadêmicos começara a criar muita polêmica desde meados do séc. XIX. O primeiro sinal de insatisfação apareceu em 1848, quando

              105.                                                  o descontentamento da classe artística em relação à intransigência dos júris de seleção se uniu ao calor revolucionário  e o novo Ministro de Belas Artes republicano, Charles Blanc, atendeu às reivindicações de um salão sem júri de admissão, e em que os próprios artistas se responsabilizariam pela instalação das obras. [...] Mas prevaleceu a impressão de fracasso [da tentativa] e em 1849 o júri de seleção voltou à ativa. (ALVIM, 2008)

              106.            Todavia, a insatisfação continuou, culminando em 1863 com a criação do Salon des Refusés, composto pelas obras recusadas no Salão oficial e, daí em diante, foram sendo criados vários outros espaços para mostras; inclusive para a exposição dos impressionistas em 1874.

              107.            “Contudo, apesar de haverem muitas reclamações sobre a sua organização e políticas, o Salão permaneceu no centro da vida artística parisiense e era a principal arena na qual a arte contemporânea era exibida e pela qual ideias e opiniões sobre arte moderna eram ventiladas e debatidas (ORMOND; KILMURRAY, 1998, p.11, tradução nossa). Além do status derivado da aprovação por parte do Salon, havia também a questão econômica, pois os artistas que tivessem seus trabalhos exibidos no Salon sofriam uma poderosa valorização[10], além de terem a oportunidade de angariar prêmios e se tornarem conhecidos do público:

              108.                                                  Os Salões anuais recebiam extensa cobertura da imprensa nas revistas de artes e nos jornais franceses da época, e era nesse meio que reputações eram forjadas e futuras comissões asseguradas. O caráter do Salão mudou pouco a pouco à medida que foi se tornando um palco econômico e comercial, onde artistas exibiam seus talentos individuais para potenciais patronos e colecionadores. (ORMOND; KILMURRAY, 1998, p.11, tradução nossa)

AS PINTURAS INDIANISTAS DE RODOLFO AMOEDO

Marabá

              109.            A pintura que Rodolfo Amoedo decidiu apresentar no Salon era um nu, que chamou de Marabá [Figura 1]. O título refere-se a um poema de Gonçalves Dias, de mesmo nome, em que o poeta romântico descreve a angústia de uma mestiça filha de um branco e uma índia, detentora de cachos loiros e olhos azuis, e que por isso era considerada feia e exótica pelos índios da sua aldeia[11]. Ainda remetendo-nos a Ana Cavalcanti, descobrimos que a pintura de

              110.            Amoedo foi aprovada pelo júri do Salon e por Cabanel, que fazia parte do comitê de seleção naquele ano. Contudo, a recepção da pintura no Brasil não foi a mesma que na Europa.

              111.            Rodolfo Amoedo tomou a liberdade de representar Marabá com cabelos e olhos castanhos, contrariando a fonte literária[12]; e isso pareceu um crime para uma parte dos críticos. Gonzaga Duque (DUQUE ESTRADA, 1888) revela sua opinião sobre o tratamento dado à mestiça:

              112.                                                  [...] o poeta dos Timbiras nos descreve a Marabá um tipo louro, de olhos azuis como o mar; e o pintor, afastando-se dessas características, dá-lhe à tez o tom queimado das folhas secas, aos olhos o negro do jacarandá, aos cabelos a cor dos frutos do tucum. [...] É um tipo de mestiça, esse que aí figura na tela. Mas, não é o tipo da Marabá, a filha do estrangeiro, odiada pelos gentios.

              113.            Oscar Guanabarino (1884) continua na mesma linha: “[Marabá] devia representar um tipo de raça mestiça, mas o seu colorido está muito longe disso”. Como se não bastasse, Guanabarino (1884) passa a criticar a anatomia da figura:

              114.                                                  [...] dir-se-ia que o tronco foi copiado de um modelo que não concluiu o número necessário de sessões para o acabamento da obra, recorrendo o pintor a outro modelo para obter um par de pernas que por felicidade estão encolhidas. [...] A tradição diz-nos que os indígenas não se casavam com as marabás; se a cópia do natural fosse de uma autêntica, de uma verdadeira representante do tipo, poderíamos concluir que a repugnância desses selvagens era devida às formas desproporcionadas daquela gente e à enfermidade, não menos deformante, da anchylose, sendo certo que nesta pobre mestiça o joelho tem o volume de uma bala de artilharia antiga de calibre 68.

              115.            Nesse ponto, o crítico encontra eco na própria Academia de Belas-Artes: “[o] desenho deixa ainda alguma coisa a desejar; pois sendo essa qualidade estudada com cuidado desde a cabeça até a região peitoral, não acontece o mesmo dessa região até as pernas, que é um tanto descurada”, escreveriam os professores Zeferino da Costa e José Maria de Medeiros, ao fazer uma avaliação sobre as obras enviadas pelo pensionista (CAVALCANTI, 2001-2002, p.73).

              116.            As críticas têm razão. O quadril é de fato imenso, e não parece pertencer ao mesmo corpo que o tronco. Os joelhos, que à primeira vista passam por “normais”, após uma observação mais detida parecem inchados. Mas poder-se-ia argumentar que, por estar a figura em escorço, algumas partes de seu corpo parecem maiores que outras, devido à perspectiva. E isso seria realmente possível se Amoedo tivesse pintado a modelo de muito perto, sem dar a distância necessária para que as deformações da perspectiva se anulassem. Contudo, é difícil acreditar que um artista como ele, que passou anos de sua vida desenhando modelos vivos, não estivesse ciente de que deveria haver uma distância mínima entre o pintor e o modelo. Outra possibilidade é a de que ele não tenha percebido a desproporcionalidade, ou mesmo que não tenha se importado. Os pintores acadêmicos estavam acostumados a manipular as proporções de seus modelos para que se encaixassem numa estética pessoal. Ingres é o melhor exemplo dessa abordagem artística. Basta lembrarmo-nos de sua Grande Odalisca [Figura 36].

              117.            Outra possibilidade é a de que a própria modelo tivesse aquele corpo, o que é improvável, mas não impossível. Veja-se, por exemplo, O rapto de uma mulher herzegovina (1861) [Figura 37], do tcheco Yaroslav Cermak. Nesta obra, o quadril e a cocha da mulher causam estranheza, parecendo indiscutivelmente grandes, especialmente porque a figura também está em escorço. Na segunda metade do século XIX, as mulheres eram submetidas às demandas estéticas mais extremas e o espartilho causava consideráveis deformações. Em geral, as costelas ficavam esmagadas, o tronco era projetado para frente e as vísceras eram pressionadas para baixo. Na escultura Dançarina (1904) [Figura 38] de Alexandre Falguière, algumas dessas deformações ficam claras.

              118.            Quanto ao tipo físico da Marabá, é importante salientar que o poema fala explicitamente de cabelos loiros “cor d’oiro fino” e de olhos azuis como “as vagas do mar”. Amoedo, ciente das críticas que receberia por não ater-se fielmente ao texto, só poderia ter escolhido muito conscientemente representar a Marabá morena e de olhos escuros. Agora, resta-nos tentar decifrar o porquê. Na verdade, o artista pode ter dado um título ao quadro após terminá-lo, o que explicaria muitas das discrepâncias em relação ao poema. Se não foi este o caso, é razoável imaginar que ele tenha feito referência às “marabás” de uma forma geral[13], e não à do poema.

              119.            A composição da pintura é muito sóbria. A jovem está deitada na relva de um bosque com a cabeça apoiada nas mãos, olhando longe, como a se lamentar. A economia de elementos e cores no cenário, e a luz crepuscular que aparece entre a vegetação no fundo, potencializam a sensação de solidão da protagonista, simbolizada pela florzinha vermelha solitária com a qual deparamos em frente à rocha em que Marabá se apoia. O enquadramento escolhido por Amoedo transmite a sensação de confinamento, de opressão sobre a figura da mestiça. A perfeição da modelagem e das cores atribui um realismo impressionante para o nu e, isso somado à pose que ressalta o eixo diagonal da tela, nos faz segurar o fôlego esperando ver Marabá mexendo as pernas, alisando os cabelos ou suspirando lamentos de tristeza.

              120.            Luciano Migliaccio (1997b) acredita que, na verdade, a intenção de Amoedo não era representar Marabá como uma vítima, mas sim de pintá-la de acordo com o “tema da mulher perdida: a flor do mal da poesia de Baudelaire, para sermos mais claros. Que Amoedo incline-se por essa solução, parece evidente, mais ainda que na obra acabada, no estudo à óleo [...], feito no ateliê parisiense, a partir do modelo vivo [Figura 39].” Esse estudo tem de diferente do original a posição da cabeça e a iluminação mais sombria que recebe. Nesse sentido, é curioso ver a semelhança entre este quadro e Eva após a queda [Figura 40], de Alexandre Cabanel, e a Phryne [Figura 41], de Boulanger, professores de Amoedo em Paris.

              121.            Talvez, mais que ligado à ideia da “mulher como perdição” tão popular na arte europeia do fin-de-siécle, o jovem artista quisesse representar a mágoa e a desconfiança da jovem repelida pela sociedade em que vivia. Na tela final, a expressão parece um tanto serena, pedindo mais olhares compassivos que olhares de volúpia. É a mulher estoica que enfrenta com coragem as desventuras de uma vida solitária.

O Último Tamoio

              122.            Estimulado pelo sucesso do ano anterior, em 1883 Amoedo preparou outra pintura para apresentar no Salon. Esta é a pintura mais comumente ligada ao seu nome, e uma das mais representativas do indianismo nas artes plásticas brasileiras: O Último Tamoio [Figura 2].

              123.            A pintura corresponde a um episódio pouco conhecido da história nacional. Ao promover a colonização na capitania de São Vicente, na primeira metade do século XVI, o capitão Brás Cubas deu início à captura e escravização dos indígenas da região, principalmente os da etnia tupinambá. Entre os cativos, estavam o chefe tupinambá Kaiçuru e seu filho Aimbire[14]. Kaiçuru morreu no cativeiro, devido aos maus tratos perpetrados pelos colonizadores portugueses. Aimbire, agora cacique da tribo, insuflou uma revolta dos índios e organizou a fuga das propriedades pertencentes a Brás Cubas.

              124.            Livre, Aimbire uniu-se a outros chefes indígenas (entre eles tupinambás, goitacazes e aimorés) e formou a Confederação dos Tamoios em 1554 (tumuya quer dizer “os mais velhos” no idioma tupinambá), cujo território se estendia desde o sul do litoral fluminense até a área onde hoje está a cidade de São Paulo. O objetivo dos índios era expulsar os portugueses e impedir a escravização dos indígenas, e para isso conseguiram o apoio dos franceses que haviam invadido o Rio de Janeiro e montado uma base na Baía da Guanabara.

              125.            O primeiro chefe da Confederação, Cunhambebe, morreu devido a doenças transmitidas pelo contato com os brancos[15], e Aimbire foi eleito para sucedê-lo na chefia. Os tamoios conquistaram grandes vitórias, o que obrigou os portugueses a enviar os jesuítas Anchieta e Nóbrega para selar um acordo de paz com a Confederação. Obedecendo às cláusulas da negociação, os portugueses tiveram que libertar todos os seus escravos índios[16].

              126.            Em 1565, Estácio de Sá, sobrinho do governador-geral Mem de Sá, chegou à capitania de São Vicente com reforços e impôs pesadas derrotas aos tamoios e aos franceses. Os tupinambás tiveram que se retirar para o interior e os franceses foram expulsos do Rio de Janeiro. Em 1567 Aimbire morreu numa batalha, que também deixou Estácio de Sá mortalmente ferido.

              127.            Um dos resultados mais importantes da guerra contra os tamoios é que os portugueses ficaram cientes de que a escravização dos nativos seria uma política arriscada, e decidiram intensificar a escravidão negra no Brasil.

              128.            A história dessa guerra foi plasmada no já citado poema Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. O seu livro, no entanto, dá um enfoque explicitamente romântico ao episódio, o que nos ajuda a entender algumas escolhas de Amoedo ao pintar o quadro.

              129.            Os primeiros versos de Gonçalves de Magalhães têm por objetivo celebrar a natureza brasileira e sua ligação com os índios. Em seguida ele descreve (1856, p.15) a sanha destruidora dos portugueses - tomados como vilões - e lamenta que a influência dos jesuítas fosse inócua frente à cobiça e à sanha maligna do colonizador português, que

              130.                                                  Levava o captiveiro, o horror, o estrago,

              131.                                                  O incendio e a morte às tabas indianas.

              132.                                                  Homens justos, apóstolos de Christo,

              133.                                                  Anchieta e seus irmãos em vão bradavam

              134.                                                  Contra tão fera usança e ruim costume:

              135.                                                  Conselhos de dever, de honra, que valem

              136.                                                  P’ra as almas encharcadas na cobiça?

              137.            Nos versos seguintes, o poeta introduz Aimbire, que seria o herói incontestável da história. Gonçalves de Magalhães (1856, p.15) decidiu começar o enredo no ponto em que Aimbire já era chefe dos tamoios:

              138.                                                  Aimbire, o mais audaz entre os Tamoyos,

              139.                                                  Meditava projectos de vingança

              140.                                                  Contra a Lusa colonia Vicentina,

              141.                                                  Donde p’ra seus irmãos o mal saía.

              142.                                                  De sertão em sertão, de taba em taba

              143.                                                  Andava elle incansável incitando

              144.                                                  As tribus dos tamoyos à revolta.

              145.            Aimbire é o herói que lidera seu povo contra uma força opressora estrangeira. Um herói à altura de um Aquiles ou um Tristão.

              146.            Nos cantos seguintes, Gonçalves de Magalhães descreve as batalhas e a disputa entre índios e portugueses. Narra que Aimbire ataca Piratininga apenas para poder recuperar sua amada, Iguassu, que havia sido sequestrada.

              147.            Outro aspecto importante para nossa pintura é entender o destaque que o poeta dá ao papel dos jesuítas no conflito. No poema, Nóbrega e Anchieta foram para os territórios tamoios levar uma proposta de paz dos portugueses e, enquanto Nóbrega voltou para São Vicente para levar os termos do armistício, Anchieta se voluntariou para ficar de refém dos índios, como garantia. Nisso, aproveitou para apostolar entre os gentios e tentar neutralizar a influência dos franceses protestantes sobre os nativos. Oportunamente, o padre foi libertado.

              148.            O poema segue contando que, alguns anos depois, os portugueses retomaram as hostilidades e empreenderam uma guerra sangrenta contra índios e franceses. Na batalha que expulsa os últimos da Baía da Guanabara, Iguassu é ferida no coração e morre aos pés de Aimbire, que se vinga dando uma flechada em Estácio de Sá - que acabaria morrendo dali a alguns dias. No calor do momento, o cacique pega o cadáver da esposa e brada feroz (GONÇALVES DE MAGALHÃES, 1856, p.338):

              149.                                                  Tamoyo sou, Tamoyo morrer quero,

              150.                                                  E livre morrerei. Comigo morra

              151.                                                  O ultimo Tamoyo; e nenhum fique

              152.                                                  Para escravo do Luso: a nenhum delles

              153.                                                  Darei a gloria de tirar-me a vida.”

              154.                                                  Nisso, lançou-se ao mar com o corpo de Iguassu.

              155.            O suicídio era um tema favorito entre os românticos, e considerado uma saída dramática e até digna de uma situação que não apresentasse esperanças de melhora. Werther, o personagem de Goethe, lançaria a moda do suicídio entre os jovens românticos, tendência que ficou conhecida como o “mal do século”. Marco Antônio se matou ao saber que perdera a batalha final para Augusto, e Romeu se suicidou ao encontrar a amada morta. “Comigo morra o ultimo Tamoyo”. Está aí o título do nosso quadro.

              156.            Ainda de acordo com a Confederação dos Tamoios (GONÇALVES DE MAGALHÃES, 1856, p.339), no dia seguinte, com a vitória selada, os portugueses

              157.                                                  Viram nas ondas fluctuar dous corpos,

              158.                                                  Que o mar na enchente arremessára às praias.

              159.                                                  De Aimbire e de Iguassú os corpos eram!

              160.                                                  Vio-os Anchieta com chorosos olhos:

              161.                                                  Para a terra os tirou; e nessa praia,

              162.                                                  Que inda depois de mortos abraçavam,

              163.                                                  Sepultura lhes deo, p’ra sempre unidos.

              164.            Ao contrário do poema, Amoedo resolveu ignorar a presença do corpo de Iguassu, no que podemos especular que a imagem da índia pouco ia agregar para o tema heroico do quadro. Contudo, alguns críticos não suportaram a falta de fidelidade ao texto e Guarabarino (1884) é um exemplo deles: “A tradição nos obriga a procurar o corpo de Iguassú, mas em vão. Debalde percorre-se todo o quadro esperando ver indicado em algum ponto, ainda mesmo remoto, o vulto da companheira de Aimbire”. Outro detalhe que deixou alguns críticos de cabelo em pé foi o hábito que veste Anchieta, “representado como Capuchinho, quando era Jesuíta” (GUANABARINO, 1884).

              165.            De uma forma geral, no entanto, o quadro agradou bastante os críticos. Gonzaga Duque escreveu em 1888 que o “cadáver de Aimbire está pintado com profundo sentimento de realidade [...]. A composição agrada muito, sem parecer pedante e preocupada; e a execução é franca e audaciosa, porém simples e severa”. O crítico anônimo da Revista Illustrada diria ainda que “o Sr. Amoedo surprehendeu-nos devéras, pela maneira brilhante como se sahiu de um assumpto tão difficil quanto ingrato. Com certeza não esperavamos tanto”(“X”, 1884).

              166.            A composição é simples, mas muito bem construída. Sônia Gomes Pereira (2008, p.25) defende que o uso de uma escala restrita de cores reforça a “ideia de integração entre o índio e a natureza”, no que encontra suporte em Walmyr Ayala (p.120), que aponta que “a paisagem e a figura principal do tamoio se integram como elementos de uma mesma natureza, primitiva, desnuda e indefesa”. A pintura toda se desenvolve em torno de roxos, ocres e marrons. A cor do mar é um verde sujo, e as nuvens do céu são roxo-azuladas, escuras. Nelas, é sugerido o reflexo da luz alaranjada do Sol nascente. A atmosfera fica ainda mais pesada devido à cadeia de montanhas e ao hábito religioso de Anchieta - muito escuros e localizados na metade superior da pintura -, que transmitem uma sensação de opressão.

              167.            Amoedo aplica nesta pintura todo o seu talento: não nos conta a história apenas, mas até nos indica como devemos nos sentir: a economia de elementos, a paleta reduzida e o clima pesado dão à cena a impressão de uma profunda desolação, que fica ainda mais lúgubre devido às esparsas sugestões de movimento (e de som), que vêm das gaivotas brancas, da onda que quebra na praia e do movimento de aproximação desenvolvido por Anchieta. Francisco Acquarone afirmou em História da Arte no Brasil que O Último Tamoio “é uma das mais vigorosas, das mais pujantes telas que se contam na pintura brasileira” (1939, p. 207).

              168.            Anchieta é belissimamente pintado. Apesar do erro na reconstituição histórica, Amoedo deu atenção a vários detalhes na caracterização do padre: a anatomia dos pés e das mãos é invejável; a cor da pele do padre em relação ao cadáver de Aimbire; o peso da roupa que indica seriedade; as chinelas que indicam humildade; a areia espalhada sobre o manto, sugerindo a pressa de Anchieta em resgatar o copo sem que pudesse se preocupar com suas roupas.

              169.            Já a imagem do índio... é a glória de qualquer artista acadêmico. Rodolfo Amoedo não se furta ao desafio e não escolhe apenas uma pose difícil, como também uma iluminação complicada, que bate sobre o cadáver numa direção em que os artistas não costumam usá-la, por ser quase o negativo da luz natural, que normalmente vem de cima da figura, projetando as sombras sob as sobrancelhas, nariz, queixo etc. Aliás, a iluminação de Aimbire é o único pecado compositivo da pintura, já que, apesar de incrementar o realismo do corpo, diminui no mesmo grau a dramaticidade da cena, ao iluminar muito e tudo, como um cadáver sendo examinado numa aula de anatomia.

              170.            De fato, as pernas, a mão, o rosto - todo o conjunto - são representados com uma verdade assustadora. Gonzaga Duque (1929, p. 12) defende mesmo que “a figura principal, admiravelmente desenhada quase d'escorço, é um acabado estudo de afogado, de acordo com os rigores da reproducção naturalista [...]. A verdade [...] do cadaver sorprehende em seus detalhes [...]”. A cor, pálida, amarelada, corresponde fielmente à cor que os mortos assumem. O penacho sobre o ventre do índio é estrategicamente colocado, pois, no escorço em que o personagem foi representado, a genitália é quase “oferecida” ao espectador. Os cabelos negros, desgrenhados, são representados ainda úmidos, destacando o rosto empalidecido. As sobrancelhas foram raspadas, como é hábito de algumas tribos brasileiras até hoje. Tudo, inclusive a própria pose de braços estendidos perpendicularmente ao corpo, nos leva a acreditar que Amoedo fez intencionalmente um paralelo entre Aimbire e Cristo crucificado.

              171.            A pose dos personagens nos lembra uma pietá [Figura 42]. Essa pose é usada na arte desde a Idade Média, quando a intenção do artista é demonstrar lamento e sacrifício. Podemos reconhecê-la em obras de temáticas completamente diferentes, como no quadro Ivan, o Terrível, e seu filho em 16 de novembro de 1581 (1885) [Figura 43], do russo Repin, que mostra o Czar Ivan arrependido por ter assassinado o herdeiro do trono num acesso de raiva; e n’O cavaleiro ferido (1855) [Figura 44], de W. S. Burton, que retrata uma cena da Guerra Civil britânica.

              172.            Walmir Ayala (p.120) acredita que o papel do padre na pintura - e, portanto, no texto de Gonçalves de Magalhães - reflete a “tendência de harmonizar as raças a partir da interferência cristã, o que não deixa de ser altamente idealista e romanesco”. A celebração da religião católica, que liga índios e portugueses na construção da nova nação, está presente na Primeira Missa, de Meirelles, na Primeira Missa em São Vicente, de Rugendas, e na Elevação da Cruz, de Pedro Peres. Apesar de o Último Tamoio ser uma pintura bem diferente daquelas, o padre cumpre aqui o papel de representante da fé cristã, fé essa que seria - de acordo com a mentalidade do homem vitoriano - um dos lados positivos da civilização que aportou em nossas praias a partir dos 1500, trazendo valores como a caridade e a solidariedade. A importância do papel de Anchieta no conflito entre índios e brancos, atuando como pacificador e conciliador, é destacada durante todo o poema de Gonçalves de Magalhães, e não poderia ser diferente na pintura.

              173.            A união entre o índio e o religioso é suavemente realçada na mão (de Anchieta) que segura a outra (de Aimbire), cuidadosamente colocadas próximas ao centro do quadro. As mãos formam o vértice de um triângulo, cujos outros vértices estão nas cabeças das figuras. Esse triângulo corresponde a outro maior, que tem por vértices a mão direita de Aimbire, a cabeça de Anchieta e os pés dos personagens [Esquema 1]. Essa construção serve de legenda para a própria história: o índio devolvido pelo mar (a mão direita) é acudido pelo padre (cabeça de Anchieta) que vai prestar-lhe seus deveres cristãos e sepultá-lo na terra onde tinha suas raízes (representado pelos pés descalços do nativo, que apontam para a terra).

              174.            Aparentemente, na época em que foi exposto no Rio pela primeira vez,  o quadro não despertou a mesma curiosidade que desperta hoje. Apesar de ter sido citado na maioria dos artigos de imprensa sobre a Exposição Geral de 1884, ele não foi discutido nas reuniões da congregação da Academia que versavam sobre a exposição. Talvez, a imagem daquele índio que lutou até a morte pelos seus ideais e pela liberdade do seu povo nos toque muito mais hoje do que há 120 anos.

A Morte de Atalá

              175.            A Morte de Atalá [Figura 3] é a pintura menos conhecida daquelas de temática indianista de Amoedo. Até onde minha pesquisa pode ir, não há evidência de que o quadro tenha sido exposto no Brasil. Hoje pertence a uma coleção particular em São Paulo.

              176.            O livro de François René de Chateaubriand conta a desventurada história do amor de Chactas e Atalá. Na região do rio Mississipi[17], onde hoje está a Louisiana, a tribo de Chactas - os natchez - foi dizimada por uma tribo inimiga - os muscolugos. Ainda criança, o índio foi vendido para o espanhol López, que o criaria como um filho. Ao crescer, Chactas sentia cada vez mais falta da vida selvagem, e recebeu a permissão de López para viver na natureza. Contudo, desacostumado à vida na floresta, foi capturado pelos muscolugos, e condenado à morte. Atalá, a filha do chefe da tribo, apiedou-se do jovem e o ajudou a fugir. Nisso, os dois acabaram se apaixonando e tentaram consumar o amor diversas vezes, mas vários fenômenos naturais impediram a consumação do ato. Atalá conta ao amado que é filha de espanhol e índio, e que apenas havia sido adotada pelo chefe dos muscolugos. Ao continuar a fuga, depararam-se com o padre Aubry, um missionário que havia passado a vida catequizando índios. Atalá aproveitou para revelar que era cristã, e Chactas foi então batizado para poder casar-se com a amada. Nesse momento, a jovem mestiça faz outra revelação: prometera no leito de morte da sua mãe manter-se virgem por toda a vida, para expiar o pecado daquela, que se deitou com um espanhol. Não podendo consumar seu amor, e fiel à promessa feita à sua mãe, ela se vê impossibilitada de ser feliz e toma um veneno. O padre Aubry tenta em vão salvá-la, e explica-lhe que sua promessa fora um erro e que ela não estava obrigada a cumpri-la. Atalá arrepende-se do suicídio, mas já é tarde demais, e morre na esperança de ser contemplada pela misericórdia divina.

              177.            Nesta obra, a referência à importância do cristianismo é ainda mais explícita que na de Gonçalves de Magalhães. Diz o estudioso Antônio Soares Amora (1966, p. 130) que a intenção de Chateaubriand era

              178.                                                  demonstrar, em termos dos fins morais de uma obra, que a verdadeira Filosofia e a verdadeira Religião, implícitas no drama dos protagonistas e por vezes expostas nos seus diálogos, e claramente desenvolvidas no Epílogo do romance, eram em essência uma única verdade.

              179.            Mas a Morte de Atalá de Amoedo, apesar de tocante e magistralmente realizada, não transmite toda a carga simbólica e dramática que existe no Último Tamoio. Mesmo em comparação com as pinturas de Girodet e de Duarte, ou com a de Cesare Mussini [Figura 45], a Atalá de Amoedo é pouco sensível, incapaz de comover. Migliaccio acerta ao classificar a pintura como “quase um exercício de escola” (2007b), muito semelhante aos trabalhos que os candidatos tinham que apresentar na fase final do Prix de Rome.

              180.            Como eu não tive a oportunidade de ver a pintura pessoalmente, qualquer consideração em relação à cor, e em boa parte em relação à luz, é prejudicada. Quanto à composição, podemos julgá-la muito boa, especialmente no que concerne à distribuição dos elementos. A ação acontece na metade direita da tela, quase no canto. Essa arrumação transmite a ideia de intimidade, de uma cena íntima, pois todos os personagens se reúnem numa pequena parte do espaço. Do lado esquerdo, as páginas brancas da bíblia equilibram a massa clara formada do lado oposto pelos corpos iluminados das figuras, mas sem disputar a atenção, e contribuindo simbolicamente para o significado geral. Padre Baudry está maravilhosamente caracterizado, tanto pelas roupas quanto pelo modelo. A figura do frade nos remete a artistas como Ribera e Zurbarán. Em Chactas, Amoedo teve o cuidado de trabalhar os traços indígenas, assim como os acessórios. Sua cor e seus braços fortes dão a perfeita caracterização do “herói índio”, o homem primitivo, viril, conectado à natureza. Mas a situação em que se encontra suga-lhe as forças, e seus traços são um tanto inexpressivos.

              181.            Atalá jaz no chão e aguarda contrita o sacramento. Sua pele branca, que já demonstra a ação do veneno que se apodera de seu organismo, faz contraste com seus cabelos de cor sanguínea, o vermelho, a cor dos mártires católicos. Como ainda está viva, Amoedo representou-a recebendo a eucaristia, enquanto nas pinturas de Duarte e Girodet a mestiça morta já segura um crucifixo, que é o sinal tumular dos cristãos.

              182.            Amoedo, ao contrário de seus colegas, destacou a ação sendo desenrolada entre a suicida e o monge, enquanto nos outros quadros o grande foco é o sofrimento do jovem Chactas. Inclusive, na pintura do francês Raynaud [Figura 46], a única figura é a do jovem índio. Talvez, a intenção do artista não tenha sido ressaltar o lado emotivo, dramático, sentimental da cena; mas sim o aspecto racional, o caráter transcendental do fato. Ora, a jovem Atalá já estava irreversivelmente condenada à morte. O que fazer? Prantos? Lamúrias? Não... Calma, ordem, paz. O desejo de estar com a pessoa querida até o último instante, numa ligação que dispensa o drama, exige a mais pura ternura e o mais sincero amor.

CONCLUSÃO

              183.            É de se imaginar que Cabanel tenha ficado orgulhoso da Atalá de Amoedo, pois é um perfeito exemplar de pintura histórica. Amoedo tinha um estilo mais sério, mais grave e mais reservado que seu mestre francês. Em Ofélia [Figura 47], do mesmo ano de Atalá, Cabanel mostra a jovem dinamarquesa no momento em que cai na água; mas ele parece se esquecer que essa queda causaria a morte da pobre moça, e representa a figura numa pose sensual e com uma expressão lânguida.

              184.            Já em A morte de Francesca da Rimini e Paolo Malatesta (1870) [Figura 48], a iluminação é muito semelhante à do quadro de Amoedo, mas a questão da morte é tratada de forma muito mais dramática, traduzida principalmente na contorção dos corpos. Do pintor francês, o artista brasileiro herda a técnica apurada e a valorização do desenho, mas sua personalidade tende muito mais para uma arte sem espetáculo, mais próxima daquilo que Vitor Meirelles havia produzido.

              185.            Não seria demais acreditar que a intenção de Amoedo ao produzir suas pinturas indianistas tenha sido atingir dois objetivos. Um na França e outro no Rio de Janeiro. No Salon de Paris, era fundamental que o artista fosse capaz de produzir pinturas impactantes, que causassem uma impressão duradoura no espectador. Quando um iniciante pretende se destacar numa exposição que já conta com grandes celebridades; salas e mais salas com obras de arte empilhadas até o teto; e milhares de artistas procurando um lugar sob os holofotes; ele deve ter alguma qualidade que seus colegas não possuem. Não me surpreenderia se a necessidade de ser notado fosse um dos principais motivos que levaram Rodolfo Amoedo a investir tanto em pinturas indianistas. Destacar-se na multidão era fundamental para um artista ambicioso e decidido como ele, e nunca seria demais apelar para o exótico.

              186.            Já quanto ao Brasil, é possível que Amoedo nutrisse pretensões ainda mais ousadas. A primeira pista são as obras literárias nas quais ele se inspirou. Marabá, Confederação dos Tamoios, Atalá. Gonçalves Dias era por mérito o “poeta nacional”. A Confederação era um poema épico, com claras intenções de ser um símbolo da nacionalidade, tendo recebido apoio financeiro até do próprio imperador para ser publicada. Já o romance de Chateaubriand era a obra indianista internacional mais popular da época, unindo “bom selvagem” e catolicismo, o homem puro e a religião de Cristo. A segunda pista é o papel de representante da brasilidade atribuído ao índio, o verdadeiro herói americano, como já foi exaustivamente demonstrado aqui. E a terceira pista é a popularidade do tema entre as Exposições Gerias de 1879 (que Amoedo presenciou) e a de 1884, da qual participou.

              187.            Baseados nisso, podemos acreditar que Amoedo apostava que os textos indianistas formariam algum tipo de mitologia nacional, e enquanto Gonçalves Dias, o bardo da brasilidade, seria um novo Homero, livros como a Confederação dos Tamoios e O Guarani formariam a nossa Ilíada e a nossa Odisseia. Um exemplo melhor seria o que Os Lusíadas de Camões representa para a identidade portuguesa. Nessa lógica, os índios seriam os novos Aquiles e Odisseus, ou, dependendo do momento, Spartacus e Brutus. É possível que Amoedo acreditasse que a literatura e a arte indianista haveriam de ter sobre a cultura brasileira o mesmo efeito que a Antigüidade Clássica e suas lendas tiveram sobre cultura europeia. E claro, vendo nessa situação uma oportunidade de deixar sua marca para a posteridade, desejou se candidatar ao posto de um dos retratistas da herança indianista. É provável que se inspirasse no papel que desempenhou Vitor Meirelles ao pintar A Primeira Missa.

              188.            Seu estilo sério e severo, no que tange à sua produção indianista, assemelha-se ao das obras da Antiguidade Clássica ou ao de classicistas como David - são imagens de uma ideologia, de uma crença. Outras pinturas do mesmo período demonstram que Amoedo era capaz de pintar temáticas mais leves ou menos sérias, como no Estudo de mulher (1884) [Figura 49] e Amuada (1882).

              189.            Contudo, diversos fatores acabaram pesando contra suas pretensões (caso as nutrisse, de acordo com nossa hipótese). Em primeiro lugar, naquele momento, todas as atenções estavam voltadas para Almeida Júnior, que voltara ao Brasil em 1882 e causara sensação na exposição de 1884. Em segundo lugar, deve ter sido decepcionante para o jovem pintor a pouca repercussão que suas pinturas de temática indianista tiveram entre críticos e a congregação da Academia Imperial. Em último lugar, o próprio status quo brasileiro na década de 1880 já não alimentava a necessidade de se forjar mitos nacionais. Essa busca entrava em nítida decadência, assim como o próprio romantismo no país. A pintura histórica era considerada uma herdeira do academicismo que vinha sendo ferrenhamente combatido pelos críticos e por alguns estudantes da Academia de Belas Artes. O realismo de artistas como Almeida Júnior e Eliseu Visconti (que apareceria alguns anos depois) já estava se tornando a tendência artística mais capaz de refletir uma “escola nacional”, de acordo com críticos de arte como Gonzaga Duque.

              190.            Decepcionado com a recepção que as pinturas tiveram no Brasil, Amoedo não produziu outras telas com o tema após 1883. Preferiu trabalhar com com uma temática mais tradicional, no que obteve muito mais sucesso junto à crítica e à Academia. Duas telas exemplares da sua mudança de foco são Jesus em Cafarnaum (1887) [Figura 50] e A Narração de Filetas (1887) [Figura 51], ambas em grandes dimensões e terminadas no último ano do seu pensionato. A técnica continuou primorosa, e as telas são muito bem-sucedidas, mas pouco têm em comum com o ar monocromático e melancólico das pinturas indianistas.

              191.            No futuro, experimentaria com o realismo, o simbolismo e o impressionismo. Os críticos e estudiosos costumam ser unânimes em considerar sua produção pós-pensionato em Paris como inferior, e podemos perceber até um certo desleixo na produção de algumas telas, como no Bandeirante, de 1929, em que cor, pincelada, perspectiva atmosférica e desenho parecem ter sido realizados sem muito esmero.

              192.            Com a ascensão dos movimentos de vanguarda no século XX, os trabalhos de Amoedo começaram a ser vistos como datados, sem merecer grandes pesquisas, no oposto do que aconteceu com Almeida Júnior - celebrizado por suas telas caipiras, como verdadeiro artista imbuído do espírito brasileiro. Recentemente, entretanto, com a reavaliação da arte acadêmica produzida no século XIX, plasmada em publicações de autores como Letícia Squeef, Jorge Coli, Sônia Gomes Pereira, Rafael Cardoso e Lília Schwarcz - para citar apenas autores de obras publicadas depois do ano 2000 -, renovou-se o interesse sobre o trabalho de Amoedo, que vem ganhando enorme destaque.

              193.            O espírito único das obras indianistas de Rodolfo Amoedo são testemunho do esforço de um jovem estudante para vencer barreiras tanto na Europa quanto no Brasil. Ao plasmar artisticamente aquilo que o nosso país acreditava ser especialmente seu, Amoedo acreditava fazer sua contribuição não apenas para a arte como para a sociedade. Injustiçado pelo esquecimento e abandono a que foi submetido por um mundo cujos parâmetros foram virados de ponta-cabeça, talvez a sina de Amoedo fosse mesmo ser compreendido apenas muito tempo depois. Se acreditarmos que produziu suas melhores obras projetando o papel que desempenhariam no futuro, talvez seja a hora de dar a essas pinturas o destaque que elas merecem, unindo passo e presente para compreendermos a sua lição.

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_________________________

[1] Sobre o caráter passivo dos heróis e heroínas indígenas da nossa pintura, vale lembrar a voga na arte acadêmica europeia da representação dos heróis e grandes homens do passado no momento de sua morte. Para citar apenas alguns exemplos, podemos lembrar do Marat (1793) de David, do Leonardo (1818) de Ingres e da Rainha Elizabeth (1828) de Delaroche.

[2] Para a história do indianismo na literatura brasileira, baseei minha pesquisa principalmente no livro de Afrânio Coutinho e Eduardo F. Coutinho, A Literatura no Brasil: Era Romântica.

[3] Como não se sabe o paradeiro de boa parte das obras inclusas na compilação que Carlos Levy fez do conteúdo das Exposições Gerais, tive que fazer a seleção entre arte “indianista” e o “não indianista” baseado muitas vezes apenas no título ou na descrição das obras. Advirto que a cronologia que eu apresento aqui não pode ser exaustiva no que se refere à arte indianista do período, pois as informações sobre a produção artística brasileira dessa época ainda são bastante exíguas.

[4] É exposta uma “Paisagem com acampamento de índios”.

[5] Sobre este assunto, ver: CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 17ª reimpressão.

[6] As disputas eram realizadas entre estudantes de várias áreas artísticas diferentes, concorrendo a um único prêmio de viagem pintores, escultores, arquitetos, gravadores etc. Ver Laudelino Freire: Um século de Pintura(1816-1916). Disponível em: <http://www.pitoresco.com.br/laudelino/> . Laudelino cita o ofício de 14 de setembro de 1845 escrito pelo diretor da Academia Felix Taunay: "O concorrente que for julgado superior, não só na sua classe, mas também aos melhores de outras classes (pintura histórica, paisagem, arquitetura, escultura, gravura de medalhas), será escolhido o proposto à aprovação do Governo de Sua Majestade Imperial”.

[7] Ver ainda as tabelas organizadas por Ana Cavalcanti nas p. 72-74.

[8] “Quando Raphael Mendes de Carvalho foi enviado para estudar na Itália[1845], os concursos de Viagem ainda não existiam. Este pintor obteve sua pensão após a resolução da Assembléia Geral Legislativa. À exceção de Mendes de Carvalho, todos os outros estudantes receberam suas pensões após terem sido premiados nos concursos da Academia”. (CAVALCANTI, 2001/2002, p.73)

[9] Vitor Meirelles e Pedro Weingartner, sendo que este estudou ainda em várias escolas da Alemanha.

[10] Aqui vale citar Renoir, numa correspondência ao marchand Durand Ruel, em que ele justifica porque ainda expunha nos Salons: “Eu vou tentar lhe explicar por que eu envio [pinturas] ao Salon. Em Paris, , se muito, quinze colecionadores capazes de apreciar um artista sem o Salon. Há oitenta mil que não comprarão nada se o artista não está no Salon. Por isso eu envio todos os anos dois retratos, se possível [...]. Meu envio ao Salon é absolutamente comercial. Em todo caso, é como alguns remédios. Se não faz bem, também não faz mal.” (Citado por Lionello Venturi, Les Archives de l'Impressionisme, 1939, Ruel Ed., Paris-N.York, vol. 1, p. 115, tradução nossa) 

[11] Eu vivo sozinha; ninguém me procura

Acaso feitura

Não sou de Tupã?

Se algum dentre os homens de mim não se esconde,

- Tu és, me responde

- Tu és Marabá!

- Meus olhos são garços, são cor das safiras,

- Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar,

- Imitam as nuvens de um céu anilado,

- As cores imitam as vagas do mar!

- Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:

Teus olhos são garços,

Responde anojado; ‘mas és Marabá:

Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,

Uns olhos fulgentes,

Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!’

- É alvo meu rosto da alvura dos lírios,

- Da cor das areias batidas do mar;

- As aves mais brancas, as conchas mais puras

- Não têm mais alvura, não tem mais brilhar. -

Se ainda me escuta meus agros delírios:

- ‘És alva de lírios,

Sorrindo responde; ‘mas és Marabá:

Quero antes um rosto de jambo corado,

Um rosto crestado

Do sol do deserto, não flor de cajá.

- Meu colo de leve se encurva engraçado,

- Como hástea pendente do cactos em flor;

- Mimosa, indolente, resvalo no prado,

- Como um soluçado suspiro de amor! -

Eu amo a estatura flexível, ligeira,

Qual duma palmeira,

Então me respondem; ‘tu és Marabá:

Quero antes o colo da ema orgulhosa,

Que pisa vaidosa,

Que as flóreas campinas governa, onde está.’

- Meus loiros cabelos em ondas se anelam,

- O oiro mais puro não tem seu fulgor;

- As brisas nos bosques de os ver se enamoram.

- De os ver tão formosos como um beija-flor!

Mas eles respondem: ‘Teus longos cabelos,

São loiros, são belos,

Mas são anelados; tu és Marabá:

Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,

Cabelos compridos,

Não cor d’oiro fino, nem cor d’anajá.

--------------

E as doces palavras que eu tinha cá dentro

A quem nas direi?

O ramo d’acácia na fronte de um homem

Jamais cingirei:

Jamais um guerreiro, da minha arazóia

Me desprenderá:

Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,

Que sou Marabá!

(GONÇALVES..., 1966. pp. 169-170)

[12] E essa incoerência entre a Marabá do poema e a da pintura poderia inclusive nos levar a questionar se o pintor escolheu um nome para o quadro apenas depois de terminá-lo.

[13] O próprio Gonçalves Dias inclui a seguinte nota no seu poema: “Marabá: encontramos na ‘Crônica da Companhia’ um trecho que explica a significação desta palavra e a idéia desta breve composição. ‘Tinha certa velha enterrado vivo um menino, filho de sua nora, no mesmo ponto em que o parira, por ser filho a que chamam ‘marabá’, que quer dizer de mistura (aborrecível entre esta gente)’.” (GONÇALVES..., 1966, p. 169)

[14] Também chamado Aimberê. Eu adoto aqui a ortografia utilizada por Gonçalves de Magalhães n’A Confederação dos Tamoios.

[15] Acredita-se que de varíola.

[16] Hans Staden foi testemunha ocular desses acontecimentos, pois foi contratado para lutar pelo lado português nessa guerra. Nisso, foi feito prisioneiro pelos índios e passou meses cativo entre os tupinambás. As memórias desse episódio estão em seu livro Viagens e Aventuras no Brasil (1557), no qual relata em detalhes o famoso hábito antropofágico tupinambá.

[17] Para redigir este resumo me baseei principalmente no livro Classicismo e Romantismo no Brasil, de Antônio Soares Amora (ver REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA).