A Produção dos Professores e Alunos da Escola Nacional de Belas Artes na Exposição de Chicago de 1893 [1]

Camila Dazzi

DAZZI, Camila. A Produção dos Professores e Alunos da Escola Nacional de Belas Artes na Exposição de Chicago de 1893. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 4, out./dez. 2011. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/chicago_1893.htm>.

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No decorrer da década de 1880, a Academia Imperial de Belas Artes foi alvo de avaliações desfavoráveis por parte de críticos de arte e de alguns de seus professores, alunos e diretores. Exigia-se uma reforma urgente da estrutura e dos métodos de ensino da instituição. Com o advento da República, em novembro de 1889, a ansiada reformulação começou a se tornar realidade através da nomeação de uma comissão incumbida de elaborar o projeto de reforma da Academia. Depois de muitos debates ao longo de 1890, sobre o modo como a Reforma deveria ser conduzida, o então ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamin Constant, aprovou os Estatutos da Escola Nacional das Belas Artes, em 8 de novembro daquele ano, com o decreto n. 983. Ainda em novembro daquele ano, Rodolpho Bernardelli foi nomeado o primeiro diretor da Escola.[2] Os anos que se seguiram à sua nomeação foram os de implementação dos Estatutos de 1890[3] e de concretização das melhorias que vinham desde há muito tempo sendo exigidas.

Uma dessas melhorias dizia respeito a criação de uma instituição de ensino artístico no Brasil que se mostrasse em pé de igualdade com suas congêneres europeias e americanas. Acreditamos que um dos modos encontrados por Rodolpho Barnardelli para afirmar a modernidade da Escola Nacional de Belas Artes foi através da presença maciça de obras de professores e alunos da instituição na Exposição de Chicago de 1893 [Figura 1].

Se as Exposições Gerais de Belas Artes, realizadas no Brasil desde os tempos da Academia Imperial, eram voltadas prioritariamente para o público interno e tinham como propósito mostrar e incrementar o desenvolvimento da arte brasileira, assim como aprimorar a “educação technica do publico amador”[4], a participação do Brasil na Exposição Universal Colombiana de Chicago, em 1893, por sua vez, tinha o objetivo de apresentar os avanços ocorridos com a implantação do novo regime político, inclusive na área de belas artes.

É fundamental compreendermos que a Exposição de Chicago era de extrema importância para o recente governo republicano brasileiro e foi a relevância a ela atribuída que justificou que os preparativos para a participação do Brasil na mostra tivessem início em 1892, um ano antes da sua inauguração.

A Exposição de Chicago havia sido pensada para celebrar o quatrocentésimo aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo. Tão logo o Congresso Nacional americano decretou o empreendimento, por ato de 25 de abril de 1890, foram feitos convites a várias nações para que tomassem parte nas solenidades festivas que teriam início ainda em 1892. Naqueles anos finais do século XIX, o Brasil tinha ótimas relações com os Estados Unidos, e a comissão brasileira esteve presente em todas as diferentes celebrações e solenidades que antecederam a inauguração da mostra universal.[5]

A importância da participação brasileira na Exposição Colombiana foi muito bem justificada no relatório ministerial de 1893, apresentado pelo então ministro de Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas, dr. Bibiano Sérgio Manoel da Foutoura Castellat:

O Governo dos Estados Unidos do Brazil [...] de bom grado aceitou o convite do Governo dos Estados Unidos da América do Norte, concorrendo com todas as forças de sua nascente vitalidade áquelle certamen do progresso e da civilização, fazendo-se ahi representar, com as principaes industrias e productos do seu solo, e em boa hora, exhibindo com geraes publicas demonstrações de apreço, os seus recursos naturaes, o gráo de sua cultura em todos os ramos de conhecimento humanos, e os progressos realisados pelos brazileiros, em tão curtos annos de sua nacionalidade [grifos nossos].[6]

E mais adiante, no mesmo relatório, afirmou Bibiano Castellat:

A importancia da nossa representação na maravilhosa Exposição de Chicago serviu não só para significar a prova de sympathia e amisade da Republica Brazileira para com a grande Nação Americana, mas tambem para demonstrar à evidencia a grandeza dos nossos recursos naturaes, o encaminhamento das industrias nacionaes, a sensata cultura de nossas amistosas relações commerciaes e politicas com todas as Nações, e o progresso do Brazil em todos os ramos da actividade humana; o que, sem duvida nenhuma, nos permite nutrir a mais justa e esperançosa confiança nos futuros destinos da patria [grifos nossos].[7]

A Exposição Universal Colombiana de Chicago era sinônimo de progresso e de civilização em um momento em que o Brasil, com todas as suas forças, se pretendia modernizar e civilizar, o que incluía, certamente, o desenvolvimento da indústria nacional. Ainda que a grande atração da presença brasileira em Chicago tenha sido o café[8] - o pavilhão brasileiro [Figura 2] contava com um coffee-garden [Figura 3], no qual os visitantes podiam experimentar o café brasileiro -, é possível identificar, no Catálogo da Seção Brasileira na World’s Columbian Exposition, um significativo número de pequenas indústrias, que produziam os mais diferentes produtos.[9]

Mas nem só com produtos “da terra” e indústrias emergentes mostravam-se os avanços brasileiros. As artes também se fizeram presentes e, nesse sentido, grande parte das obras que figuraram em Chicago integrava as galerias da Escola Nacional de Belas Artes ou pertencia aos seus alunos e professores, principais expositores brasileiros no certame internacional.

O governo brasileiro, através do Ministério da Agricultura, entrou em contato, em outubro de 1892, com Rodolpho Bernardelli e pediu que ele, juntamente com outros membros da Escola, desse início à escolha das obras que deveriam figurar na Exposição de Chicago.[10]

No aviso do Ministério da Agricultura, endereçado ao Ministério da Instrução Pública, foi solicitada colaboração para que o Brasil se fizesse representar na Exposição Colombiana de Chicago, no que dizia respeito ao seu desenvolvimento “intelectual, especialmente às producções scientíficas, litterareas e artísticas”, “desde os tempos coloniais” até aquele momento. Especificamente sobre a Escola Nacional de Belas Artes, assim se manifestava o aviso:

4. Escolha das principaes telas de Pedro Américo, Meirelles, Aurélio, Amoedo, Parreiras, Agostinho da Motta, e das nossas principaes obras de escultura desde o tempo de Luiz de Vasconcellos [Vice-rei] até às bellas producções de Bernardelli [grifos nossos].[11] 

De imediato, nossos artistas devem ter se dado conta de que a Exposição de Chicago era um dos eventos artísticos mais importantes do final do século e de que ter uma obra nela exposta traria notoriedade a qualquer pintor.

Verificamos que o pedido do Ministério da Agricultura, principal responsável pela presença do Brasil em Chicago, foi apenas parcialmente obedecido, uma vez que a seleção das obras enviadas para os Estados Unidos dependeu muito mais de escolhas pessoais de Rodolpho Bernardelli - em possível acordo com os professores da Escola a ele mais chegados, Rodolpho Amoêdo (professor de pintura), Henrique Bernardelli (professor de pintura), Modesto Brocos (professor de modelo vivo), Pedro Weingärtner (professor de desenho figurado), Belmiro de Almeida (professor de desenho figurado) -, do que das escolhas do governo. Não poderia ser de outro modo, pois o Ministério da Agricultura havia solicitado a presença “das melhores obras” de alguns artistas que, mesmo merecendo algum respeito, estavam longe, na concepção de Bernardelli e dos demais professores da instituição, de representar os avanços da arte nacional.

Devemos recordar que, sobretudo Pedro Américo e Victor Meirelles tinham sido exonerados de seus cargos como professores quando da transformação da Academia em Escola. Foram artistas bastante criticados em 1890, ano no qual se formulava a Reforma da Academia. Encarnavam o “academismo”[12] que os idealizadores da Reforma[13] acreditavam combater.

Majoritariamente, as obras levadas para Chicago ou faziam parte do acervo da Escola Nacional de Belas Artes, ou pertenciam aos próprios artistas. Algumas poucas pertenciam ao Estado. Essa dinâmica pode ser verificada no Catalogue of the Brazilian Section at the World's Columbian Exposition, do qual reproduzimos a listagem das obras pertencentes ao Departamento K - Bellas Artes [cf. Documento].[14]

Averiguamos que Rodolpho Bernardelli, como responsável pelo Departamento de Belas Artes da Seção Brasileira, fez uma escolha bastante pessoal das obras expostas, privilegiando a si mesmo e aos professores e alunos da Escola, ainda que seja possível identificarmos alguma interferência por parte do governo. Entre as poucas esculturas expostas em Chicago, ao todo seis, cinco eram de Rodolpho Bernardelli. Compreendemos, desse modo, que o pedido do Ministério da Agricultura, para que estivessem presentes na exposição universal esculturas “desde o tempo de Luiz de Vasconcellos [Vice-Rei] até às bellas producções de Bernardelli”, só foi seguida à risca na sua última parte.

Também pintores da geração anterior foram muito pouco privilegiados, como mencionado anteriormente. Somente Pedro Américo, Victor Meirelles e Agostinho José da Motta - aqueles incluídos na solicitação do Ministério da Agricultura - figuraram na exposição, com um número irrisório de telas.

Segundo o Catalogue of the Brazilian section at the World's Columbian Exposition, de Pedro Américo foi exposta a Proclamação da Independência do Brasil [Figura 4] [15], de Victor Meirelles foi exposta a Primeira Missa no Brasil [Figura 5] e de Agostinho da Motta foram expostas as telas Frutas do Brasil [Figura 6] [16] e Cabeça de homem velho. As três últimas obras pertencentes, segundo consta no catálogo, à Galeria Nacional das Bellas Artes, Rio de Janeiro.[17]

Devemos ainda mencionar que a tela Batalha dos Guararapes [Figura 7] havia sido selecionada pela comissão para ser enviada a Chicago, mas Victor Meirelles solicitou que ela não fosse enviada, com medo de que a tela sofresse danos, como havia ocorrido com a Batalha Naval do Riachuelo [Figura 8] durante o regresso para o Brasil, após a Exposição Universal da Filadélfia, em 1876. Ainda assim, a sua participação na mostra, caso não houvesse o pedido do pintor, se daria com somente duas telas: Primeira Missa no Brasil e Batalha dos Guararapes.[18]

Contrariando as expectativas de uma mostra internacional, na qual o Brasil deveria ser representado por seus mais notórios artistas, vários alunos da Escola, - ou seja, artistas ainda em formação -, tiveram obras expostas, entre eles, Eliseu Visconti, Fiuza Guimarães, João Baptista da Costa e Rafael Frederico. Participaram, em sua quase totalidade, com pinturas de paisagem.

Das obras de alunos, nenhuma fazia parte do acervo da Escola, pertencendo, muito provavelmente, aos seus autores. Tal dedução é possível com base no Catalogue of the Brazilian section at the World’s Columbian Exposition, o qual apontava a que coleção particular ou pública as obras pertenciam, caso fizessem parte de alguma. Nenhuma coleção foi indicada em relação às obras dos alunos.

Todos os professores da Escola vinculados ao curso especial de pintura tiveram obras suas na mostra universal: Henrique Bernardelli, Rodolpho Amoêdo, Belmiro de Almeida, Modesto Brocos e Pedro Weingärtner; muitas delas pertenciam à pinacoteca da Escola e várias outras eram de suas coleções particulares. Até mesmo um Estudo de cabeça, de Belmiro de Almeida, pertencente à coleção particular de Rodolpho Bernardelli integrou a exposição.[19]

No que se refere à temática das obras, ainda que majoritariamente as pinturas tivessem relação direta com a natureza, com os tipos brasileiros ou com a história do Brasil, muitas outras fugiam desse contexto. Tal dado indica que a escolha das obras, em parte, teve como propósito divulgar a natureza e os grandes momentos da história nacional, o que se pretendia alcançar com telas como Primeira Missa no Brasil de Victor Meirelles; Proclamação da Independência do Brasil de Pedro Américo; Retrato do General Deodoro da Fonseca [Figura 9] [19b] e Bandeirantes [Figura 10], de Henrique Bernardelli; e Tiradentes, de Aurélio de Figueiredo.

Por outro lado, a escolha das obras também se deveu à vontade daqueles que conceberam a “Secção de Bellas Artes”, ou seja, mostrar os avanços da arte nacional, algo que se pretendia conseguir com a exposição de telas como A narração de Filectas [Figura 11], Jesus Cristo em Carfanaum [Figura 12] e Desdêmona [Figura 13], de Rodolpho Amoêdo; Messalina [Figura 14], Tarantella [Figura 15] e Mater [Figura 16], de Henrique Bernardelli; e Óbulo da Viúva [Figura 17] e Caridade [Figura 18], de Zeferino da Costa. Estas últimas telas não possuíam relação direta com a constituição de uma história ou de um imaginário nacional. Mas todas as obras citadas, sem exceção, pertenciam à pinacoteca da Escola.

O interessante é que mesmo algumas obras que não faziam referência à realidade brasileira foram compreendidas dessa forma pelos comentaristas da Exposição de Chicago, como foi o caso de Mater, de Henrique Bernardelli. Foi deste modo curioso que o catálogo apresentou a tela:

Dos férteis pincéis de Henrique Bernardelli temos ainda muitas pinturas, uma das melhores dentre elas representando uma mãe amamentando seu bebe. […] Henrique Bernardelli; como exemplo de suas composições simples, nós temos seu nobre estudo de uma Mãe brasileira das classes pobres, vestida como uma Madonna e amamentando seu grande bebe em um banco situado à beira da estrada [grifos nossos].[20]

O que é, no mínimo, engraçado, se pensarmos que Henrique Bernardelli estava na Itália quando a obra foi realizada e, dificilmente, o seu intuito foi que ela retratasse uma “pobre mãe brasileira”.

A presença de telas como Mater, Tarantella, Messalina, Desdêmona, entre outras, nos permite compreender que a escolha das obras que integraram a seção de arte brasileira na Exposição de Chicago foi muito mais livre do que a seleção realizada para a participação do Brasil na última exposição universal, ocorrida ainda durante o Império, a de Paris.

Na exposição parisiense de 1889, a Galeria de Bellas-Artes do Brasil estava localizada em uma sala à parte, no andar térreo do pavilhão brasileiro [Figura 19]. Segundo Heloisa Barbuy, a sala reunia pinturas e esculturas que, “embora [tenham] passado quase despercebidas”, tinham o intuito de demonstrar lustro e erudição.[21]

Verificamos uma diferenciação em relação à participação do Brasil na Exposição de Chicago, pois, a partir da análise de documentos e catálogos, identificamos que o propósito dos idealizadores da seção de belas artes em 1893 era mostrar os “avanços” na arte, a sua modernidade e, igualmente, características peculiares do Brasil, ou seja, o que nos identificava como nação.

Com a seleção das obras para a Exposição de Chicago, Rodolpho Bernardelli parece ter alcançado esses objetivos. A arte brasileira em 1889 havia despertado comentários negativos, como o de Ervy, cronista francês, que chamou as obras brasileiras de “quadros ruins e esculturas de escolares”.[22] Em 1893, todavia, os artistas brasileiros conseguiram comentários elogiosos, como o que segue, direcionado à tela Engenho de Mandioca [Figura 20], de Modesto Brocos:

O Professor Brocos [grifo nosso] é um dos mais industriosos e versáteis destes pintores, tendo contribuído com retratos, paisagens e figuras, ainda que a partir do exame de nossa ilustração de seu “Mandioca” seja difícil conceber que o pintor desta excelente composição, com sua demonstração de juízo artístico e pleno treinamento acadêmico, pudesse ter se ocupado alguma vez com outros métodos. Nesta sucessão de admiráveis estudos tomados ao natural, estes trabalhadores empoeirados estão ocupados em raspar a raiz desta planta com o propósito de extrair a fécula nela contida, sendo a tapioca um de seus produtos.[23] 

Enaltecimentos também foram dirigidos a Jesus Cristo e a Adúltera [Figura 21], de Rodolpho Bernardelli, e a telas de Pedro Weingärtner, como Kerb (chamada no catálogo da mostra de Country Ball)[24] e Fios Emaranhados (By oblique lines, segundo o catálogo da exposição).[25] O Art and Architecture[26] chegou a publicar imagens de obras brasileiras, como Mater [Figura 22] e Messalina [Figura 23], de Henrique Bernardelli; Engenho de Mandioca [Figura 24], de Modesto Brocos; e as duas telas mencionadas de Pedro Weingärtner [Figura 25 e Figura 26]. O que não deixa de ser um número significativo de obras citadas e elogiadas.

Algo comum entre as duas participações do Brasil, em Paris e em Chicago, foi a significativa quantidade de pinturas de paisagem. No pavilhão do Brasil na Exposição de 1889, “havia paisagens de Almeida, Abgail de Andrade, Julio Baila, Leon Righini, Telles Júnior e Fachinetti. Somente não existia uma quantidade mais significativa em razão da presença das vinte e sete naturezas-mortas de Estevão da Silva, quase todas representando frutas tropicais como mangas, bananas, pitangas, carambolas, etc”.[27]

Entre as paisagens expostas em 1889 e em 1893, cremos, existia uma diferença fundamental: a pintura de paisagem exibida em 1893 não tinha como propósito único mostrar a natureza tropical brasileira, mas, além disso - e acreditamos que em grande parte - mostrar a modernidade da arte brasileira.

É notório que a pintura de paisagem era considerada, em finais do século XIX, a que mais possibilitava um caráter moderno por parte do artista. Isso explica a seleção que fez Rodolpho Bernardelli de obras de artistas jovens e inovadores, como Eliseu Visconti e Baptista da Costa. Essa intenção é reforçada pelo fato de que, na Exposição de Chicago, as frutas tropicais apareceram em bem menor proporção. Apenas a tela Frutas do Brasil, de Agostinho da Motta, cumpriu o papel de divulgar as nossas delícias tropicais.

Outros temas tiveram também seus representantes na Exposição Universal de 1889. Telas de cunho histórico, como A abolição da escravatura, de Daniel Bérard, ou pinturas de gênero, como Paysans à l'affût [28](possivelmente, a tela Caipiras Negaceando [Figura 27], de 1888, hoje pertencente ao Museu Nacional de Belas Artes), de Almeida Júnior.[28b]

Outra distinção da participação brasileira nas duas mostras internacionais foi o espaço expositivo. O espaço destinado às belas artes no pavilhão brasileiro de 1889 era acanhado e não possibilitou que telas monumentais, como Batalha de Guararapes e Combate Naval de Riachuelo, de Victor Meirelles, e Proclamação da Independência do Brasil e Batalha do Avaí, [Figura 28], de Pedro Américo, fossem expostas dentro do pavilhão. Desses mesmos autores só puderam ser exibidas obras de muito menor porte; de Victor Meirelles, O cemitério, e de Pedro Américo, apenas estudos para a tela Proclamação da Independência do Brasil.[29] Provavelmente por isso, o Barão do Rio Branco, em seu texto sobre as belas artes no livro Le Brésil, de Emile Lévasseur, tenha assinalado que “os pintores de história, no Brasil, desprezaram, até aqui, os quadros de dimensões comuns, que seriam, no entanto, mais fáceis de alocar”.[30]

Se houve o mesmo problema na Exposição de Chicago de 1893, foi em escala muito menor. A tela Proclamação da Independência do Brasil, de Pedro Américo, por exemplo, em 1893, foi exposta no pavilhão brasileiro.

Mas, na Exposição de 1889, as pinturas brasileiras não se limitaram somente ao pavilhão do Brasil. Dois artistas brasileiros conseguiram expor telas na Exposição Internacional, no Palácio de Belas Artes, no Champ de Mars, o espaço “nobre” da exposição, onde estavam as obras francesas, inglesas etc. Foram eles o retratista Franco de Sá, que expôs dois retratos femininos[31], e Henrique Bernardelli, que exibiu a pintura Les Explorateurs, conhecida no Brasil com o nome Os Bandeirantes.[32]

Também na Exposição de Chicago de 1893, as obras de artistas brasileiros não foram expostas de modo unificado. Parte das obras de pintura, aquarela, guache, desenhos e esculturas que seguiram para Chicago foi exibida no pavilhão brasileiro - “the brazilian government building” [Figura 29]. Outra parte permaneceu na seção de belas artes da referida exposição, que funcionava em um prédio especialmente destinado para esse fim, o Palace of Fine Arts [Figura 30], o qual contava com departamentos de belas artes de diferentes países, sobretudo europeus e americanos [Figura 31].

Este breve relato sobre o pavilhão brasileiro, publicado na Shepp’s World’s Fair, uma das ilustrações oficiais da Exposição de Chicago, lança luz sobre algumas das obras expostas no pavilhão brasileiro:

Depois da Allemanha foi a Republica do Brazil 'o paiz que mais despendeu como seu formoso pavilhão, verdadeira joia de architectura [...]. O exterior é ricamente esculpido, coroado no centro, por um magestoso zimborio, e lateralmente, nos quatro angulos, por quatro graciosos campanarios; nas fachadas se veem estampadas em medalhões as figuras allegoricas dos Estados da União com seus nomes em relevo. O andar inferior está occupado pela mais rica, completa e variada exposição de café jamais vista. [...] Subindo-se a dupla galeria de escadas de honra, a attenção é logo attrahida pelo brilho das cores - verde e amarella - da bandeira brazileira, em cujo globo azul central com suas vinte e uma estrellas de prata estão representados os vinte estados e a Capital da grande Republica. Este primeiro andar é de uma belleza e bizarria de tolo louvor, e de sua parte central emerge um circulo de colunnas tambem de ordem Corinthia que sustentam a gloriosa rotunda do edifício. Uma estatua em marmore de Mercurio, cercada de confortaveis divans orientaes marca o centro do salão, esplendidamente decorado. As tapeçarias cortinas, mobilias, e o bom gosto por toda parte merecem particular menção. Das paredes dos salões pendem grandes quadros e finissímas pinturas a oleo, que denotam notavel merito, dos artistas brazileiros. Causam a mais agradavel impressão os quadros: a Independencia do Brazil; a Primeira Missa; o Panorama da Cidade do Rio de Janeiro [grifo nosso], com seu magnífico mappa de perfil ao lado; enfim, por toda parte fica-se verdadeiramente encantado. Por quatro escadas de ferro em espiral, nos quatro angulos do palacio, ascende-se no telhado, onde se goza a magnifica vista da - White City - com seus sonhos dourados (grifo do autor), como dizem os americanos.[33] 

Outra ilustração oficial da World’s Columbian Exposition, o chamado The Book of The Fair, nos oferece mais pistas sobre as obras selecionadas pela comissão brasileira para figurarem no pavilhão brasileiro e não no Palace of Fine Arts:

Além da coleção brasileira no palácio de Belas Artes há uma de igual mérito no edifício do governo, incluindo a famosa pintura de Pedro Américo da “Proclamação da Independência Brasileirapelo imperador em 1822. “Tiradentes,” de Aurelio de Figueiredo, representa a execução do proto-mártir do Brasil. Antonio Parreiras tem três telas, uma das quais é o “Panorama da Cidade de Niterói. Insley Pacheco tem uma série de vistas de paisagem, a maioria das quais dos arredores do Rio de Janeiro, cujo porto é o mais pitoresco no mundo. Entre os retratos há um do General Deodoro por Henrique Bernardelli, e de Girardet há um medalhão de Benjamin Constant, líder da revolução pela qual Dom Pedro foi deposto [grifos nossos].[34] 

Assim, as duas publicações lançam luz sobre as obras expostas no pavilhão brasileiro: Proclamação da Independência do Brasil, de Pedro Américo; Primeira Missa no Brasil, de Victor Meirelles; Retrato do General Deodoro, de Henrique Bernardelli[34b]; medalhão com o busto de Benjamin Constant, de Girardet; Tiradentes, de Aurélio de Figueiredo; e Panorama da Cidade de Niterói, de Antonio Parreiras. Juntem-se a elas as infindáveis paisagens de Insley Pacheco, um conjunto de 23 obras, cuja técnica utilizada o Catálogo da Seção Brasileira não nos informa qual era.

O conjunto de pinturas reunidas no pavilhão brasileiro mostrava a necessidade da recente República do Brasil de constituir uma identidade e uma história novas para a nação. Muitas telas que não estavam diretamente relacionadas a esse “projeto” foram exibidas no Palácio das Belas Artes. Também as ilustrações oficiais da Exposição de Chicago nos oferecem maiores informações sobre o que foi mostrado, ou melhor, sobre o que, entre todas as obras brasileiras, mais atenção chamou dos comentaristas no Palace of Fine Arts:

Uma bela cena de paisagem de Boaventura está em exibição nas galerias brasileiras, onde há também telas de Fiuza, Visconti e Brocos, este com numerosos temas que vão da retratística às vistas marinhas. No gênero da natureza-morta estudos feitos por Frederico Raphael [sic] [grifos nossos].[35]  

De fato, grande parte das obras de professores e alunos da Escola Nacional de Belas Artes, selecionadas por Rodolpho Bernardelli, provavelmente, estavam no Palácio das Belas Artes. É possível mesmo conhecer a disposição de algumas obras brasileiras, uma vez que o muito fotografado departamento de belas artes da França ficava no piso inferior àquele onde se localizavam as obras brasileiras. De modo que fotografias do departamento francês exibem, sem pretender, o departamento brasileiro [Figura 32, Figura 33 e Figura 34]. Nas fotos tiradas da sala onde as esculturas francesas ficavam, identificamos, no piso superior, telas como Amuada [Figura 35] - que, no entanto, não costa no Catálogo da Seção Brasileira, o que pode indicar que a tela teve seu nome modificado -, A narração de Filectas, Messalina, Tarantella, Volta do trabalho, entre outras.

Acreditamos que a participação do Brasil na Exposição Universal Colombiana de Chicago, para além de apreender como estava o país naquele momento, apresentando-se aos “olhos das nações civilizadas”, nos permite compreender um projeto bastante particular de Rodolpho Bernardelli: o de mostrar ao mundo os avanços das belas artes brasileiras e, mais do que isso, a contribuição positiva da Escola Nacional de Belas Artes nesse avanço. Esse projeto, que incluía destacar obras de cunho moderno, de alunos e professores da instituição, tinha como objetivo consolidar a Escola Nacional de Belas Artes no panorama internacional como a mais significativa escola de arte da América do Sul.


[1] O presente texto é parte do subcapítulo ‘A Escola de Belas Artes e as Exposições’ da tese: DAZZI, Camila. “Por em prática e Reforma da antiga Academia”: a concepção e a implementação da reforma que instituiu a Escola Nacional de Belas Artes em 1890. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em História da Arte) - PPGAV/UFRJ. p.309-321.

[2] O escultor foi nomeado por decreto de 14 de novembro de 1890. Informação fornecida pelo próprio Rodolpho Bernardelli no seu relatório de 1891. . BERNARDELLI, Rodolpho. Anexo H. Relatório Apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. João Barbalho Uchôa Cavalcanti, Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, em maio de 1891, p. 13. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil>.

[3] Estatutos referentes ao decreto n. 938, de 8 de novembro de 1890. Instituição da Escola Nacional de Belas Artes e do Conselho Superior de Belas Artes.

[4] BERNARDELLI, Rodolpho. Anexo P. FERREIRA, Antonio Gonçalves. Relatório do Ministro da Justiça e Negócios Interiores Apresentado ao Vice-Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, em abril de 1895, p. 11-13. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil>.

[5] Informações disponíveis no site do Projeto “The World’s Columbian Exposition of 1893”, criado e desenvolvido pela Illinois State Library. Disponível em: <http://columbus.gl.iit.edu>.

[6] CASTELLAT, Bibiano Sérgio Manoel da Foutoura. Relatório do Ministro de Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas ao Vice-Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, em 1893. p. 31. Disponível em: <http://www.crl.edu/brazil>.

[7] Ibidem, p. 33.

[8] A passagem que segue, retirada de um artigo da publicação Shepp’s World’s Fair, traduzido pelo ministro Bibiano Castellat em seu relatório de 1893, evidencia que o café foi a “grande estrela” da seção brasileira em Chicago: “Ao lado do palácio [Pavilhão Brasileiro], ao poente, emerge um pavilhão, caprichosamente arranjado, um verdadeiro jardim café (coffe-garden); onde com franqueza e sinceridade é servido ao publico, sem excepções, o mais delicioso e aromatizado café brazileiro, excedendo às vezes de seis mil xicaras diárias esta graciosa offerta, e sendo este talvez o ponto de mais frequencia e attração dos jardins do Park...”. p. 34.

[9] Commission at the World’s Columbian Exposition. Catalogue of the Brazilian section at the World's Columbian Exposition. Chicago: E. J. Campbell Printer, 1893. p. 86. Disponível em: <http://www.archive.org/details/cataloguebrazil00expogoog>.

[10] Arquivo do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Livro de correspondências referente a 6 out. 1892. p. 41A e B.

[11] Arquivo do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Livro de correspondências referente a 6 out. 1892. p. 41A e B.

[12] O termo academismo, e não academicismo, é utilizado em alguns escritos de finais do século XIX, como no Relatório Ministerial de Rodolpho Bernardelli sobre Reforma da Academia, redigido em 1891: BERNARDELLI, Rodolpho. Anexo H. Relatório Apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Dr. João Barbalho Uchôa Cavalcanti,  Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, em maio de 1891, p.14-18.

[13] Poderíamos mencionar os nomes de todos os artistas que se posicionaram à favor da Reforma da Academia, mas dois nomes se destacam: Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo.

[14] Catalogue of the Brazilian section , op. cit.

[15] A tela, que faz parte do acervo do Museu Paulista/USP, é igualmente conhecida pelo nome Independência ou Morte.

[16] Acreditamos que a tela seja mais conhecida pelo nome Mamão e Melancia (1860), pertencente ao acervo do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

[17] Catalogue of the Brazilian section at the World's Columbian Exposition. Chicago: E. J. Campbell Printer, 1893 (grafia como consta no catálogo).

[18] Arquivo do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Livro de correspondências referente a 9 de jan. de 1893. Carta de 2 de janeiro de 1893. p. 55B, 56A e B.

[19] Catalogue of the Brazilian section, op. cit.

[19b] É possível que se trate de uma versão da tela conhecida atualmente pelo nome Proclamação da República. Pelos dados localizados sobre a Exposição de 1893, havia uma tela intitulada Retrado do General Deodoro da Fonseca no pavilhão brasileiro. No entanto, descobrimos uma imagem do interior do Palácio das Artes na qual é possível identificarmos uma tela muito similar à Proclamação da República. É possível a existência de duas versões da tela Proclamação da República, uma exposta no pavilhão brasileiro e outra no Palácio das Artes. Outra explicação é a de que, simplesmente, o ‘Retrado do General Deodoro da Fonseca’ não é a tela Proclamação da República. Ou seja, haveria duas telas pintadas por Henrique representando Deodoro. No entanto, o Catálogo da Seção Brasileira na World’s Columbian Exposition só menciona um retrato de Deodoro da Fonseca pintado por Henrique Bernardelli, pertencente à Secretaria da Guerra, como sabemos ter pertencido a tela Proclamação da República. Pesquisas pesteriores deverão elucidar esse enigma.

[20] WALTON, Willian. Art and Architecture. v. II. Brazil and Mexico. Art and Architecture. Philadelphia: G. Barrie, 1893, p. 93-96. Disponível em: <http://columbus.gl.iit.edu/artarch/00254007.html>. No original:  “From the fertile brush of Henrique Bernardelli are also many paintings, one of the best of which represents a mother suckling her babe. […] Henrique Bernardelli; as an example of his simpler compositions we give his dignified study of a Brazilian mother of the poorer classes, draped like a Madonna and suckling her rather large infant on a bench by the wayside”.

[21] BARBUY, Heloisa. O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na Exposição Universal. Anais do Museu Paulista. São Paulo, v. 4 p. 211-61, jan./dez. 1996. p. 222-227. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v4n1/a17v4n1.pdf> Acesso: 1 dez. 2011.

[22] ERVY, François d'. Obra. DUMAS, F. G.; FOUCARD (dir.) Revue de l'Exposition universelle de 1889. Paris: Motteroz/Baschet, 1889. v. 2, p. 347-50 apud BARBUY, Heloisa. O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na Exposição Universal. Anais do Museu Paulista. São Paulo, v. 4 p. 211-61, jan./dez. 1996. p. 222-227.

[23] WALTON, op. cit. No original:  “Professor Brocos is one of the most industrious and versatile of these painters, his contributions including portraits, landscapes and figures, though from an inspection of our illustration of his “Manioc” it would be difficult to conceive that the painter of this excellent composition, with its demonstration of artistic judgment and sound academical training ever occupied himself with other methods. These dusky workers, a succession of admirable studies from life, are occupied in scraping the stems of this plant for the purpose of extracting the faecula contained in them, tapioca being one of its products”.

[24] BANCROFT, op. cit., p. 85.

[25] Ibidem, p. 80.

[26] WALTON, op. cit.

[27] BARBUY, op. cit., p. 226.

[28] BARBUY, op. cit., p. 226.

[28b] Agradeço, a Fernanda Pitta, o alerta sobre a localização correta da obra.

[29] Idem. O Museu Paulista/USP conserva em seu acervo uma série de estudos para esta tela. Não se sabe, entretanto, se são precisamente os mesmos expostos em Paris em 1889.

[30] RIO BRANCO, Barão do (José Maria da Silva Paranhos). Les Beaux-Arts. LÉVASSEUR, E. (dir.) Le Brésil. Paris: H. Lamirault et Cie/Syndicat Franco-Brésilien, 1889. p. 59-62.

[31] O título das pinturas consta como Portrait de Mme* ** e Portrait de M. V. M.

[32] Catalogue Général Officiel de l’Exposition Universelle Internationale a Paris.Tome Premier. Groupe I. Lille: Imprimerie L. Banel, 1889. (Palais du Champ de Mars, Galerie des Beaux-Arts, Classe 1). p. 292-293. Acreditamos que Henrique Bernardelli expos igualmente na seção da Itália, que era específica, assim como a de outros países europeus, não fazendo parte da exposição internacional. No catálogo acima mencionado, na página 228, vemos o nome do artista com a grafia italiana, Enrico Bernardelli, acompanhado pelo nome da tela em exposição ‘Le Bandolero’. Trata-se, no entanto, de uma suposição.

[33] A transcrição e a tradução do artigo se encontram no Relatório Ministerial de 1893, apresentado pelo então Ministro de Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas, dr. Bibiano Sérgio Manoel da Fontoura Castellat. O artigo menciona que o projeto do pavilhão brasileiro era de autoria do tenente-coronel dr. F. M. de Souza Aguiar.

[34] Informações retiradas de BANCROFT, op. cit. No original: “In addition to the Brazilian collection in the palace of Fine Arts there is one of equal merit in the government building, including Pedro Americo’s famous painting of the ‘Proclamation of Brazilian Independence’ by the emperor in 1822. ‘Tiradentes’, by Aurelio de Figuerdo, represents the execution of this proto-martyr of Brazil. Antonio Parreiras has three canvases, one of which is a ‘Panorama of the City of Nictheroy’. Insley Pacheco has a number of landscape views, most of them from the neighborhood of Rio Janeiro, whose harbor is the most picturesque in the world. Among portraits is one of General Deodoro by Henrique Bernardelli, and by Girardet is a medallion of Benjamin Constant, leader of the revolution by which Dom Pedro was deposed”.

[34b] Ver nota 19b.

[35] Informações retiradas de BANCROFT, op. cit. No original: “A beautiful landscape scene by Boaventura is displayed in the Brazilian galleries, where also are canvases by Fiuza, Visconti, and Brocos, the last with numerous subjects ranging from the portraiture to marine views. From the fertile brush of Henrique Bernardelli are also many paintings, one of the best of which represents a mother suckling her babe. In still life there are studies by Frederico Raphael”.