França Junior: A voz de um amador nos embates do meio artístico das últimas décadas do século XIX

Raquel Barroso Silva [1]

SILVA, Raquel Barroso. França Junior: A voz de um amador nos embates do meio artístico das últimas décadas do século XIX. 19&20, Rio de Janeiro, v. VII, n. 2, abr./jun. 2012. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/rbs_françajr.htm>.

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1. Introdução

Joaquim José da França Junior já havia completado 40 anos de idade quando, após uma viagem à Europa, onde fora correspondente da Gazeta de Notícias na Exposição Universal de Paris, apaixona-se pelas belas artes. Em seu retorno ao Brasil decidiu tomar aulas de pintura com o aquarelista alemão Benno Treidler e, em dois anos, já se encontrava frequentando as aulas da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) como aluno amador.

Não podendo abdicar de seu trabalho como curador de órfãos, cronista do jornal O Globo e, posteriormente - a partir de 1884 - d’O Paiz, França Junior teve que conciliar sua paixão pelas belas artes com outras tarefas, incluindo a de eminente dramaturgo. Contudo, entre tantos afazeres e habilidades, sua predileção pela arte é facilmente notada a partir de depoimentos que, vez ou outra, deixou escapar em algumas linhas de suas mais de trezentas crônicas escritas nos jornais do período[2].

Com o presente artigo, pretendo recuperar um ramo da produção desse homem de múltiplas habilidades, as belas artes. Busco demonstrar como sua inserção no meio artístico da Corte, não só como pintor paisagista, mas também como crítico de arte, contribuiu para os debates travados no meio artístico, durante as duas últimas décadas do século XIX.

Neste intento, utilizei algumas crônicas que versam sobre artes, dentre as que o paisagista publicou no jornal O Paiz durante os anos que contribuiu para esta folha, 1884 até 1890. Estes anos são balizas importantes para a história da arte no Brasil. O primeiro coincide com a saída de Georg Grimm da AIBA, por motivos os quais pretendo tratar mais adiante, e o último, 1890, foi o ano em que a Academia Imperial se transforma em Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Além disso, 1884 e 1890 foram anos de Exposição Geral de Belas Artes, não tendo havido mais nenhuma neste intervalo. Este período também foi marcado pela intensificação dos conflitos de alunos que defendiam uma prática artística “moderna” em detrimento dos modelos neoclássicos e românticos ensinados na Academia. Não gratuitamente, a pintura de paisagem ganha novo fôlego neste período, passando a representar, na opinião da crítica e do público “signo de brasilidade e modernidade” (CAVALCANTI, 2011).

Além da defesa da modernização, esses artistas buscaram combater a desvalorização das belas artes no Brasil, o que se refletia, entre outras perdas, no fim dos prêmios viagem ao exterior, fim das Exposições Gerais e concursos, além do fechamento das portas da Academia ao público, problema abordado com frequência por França Junior.

Utilizo no presente trabalho o conceito de modernidade de acordo com o que define Ana Maria Tavares Cavalcanti (2005). Segundo essa autora, as reivindicações por modernização por parte dos estudantes da AIBA revoltados em 1890, dos modernistas de 1922 ou dos defensores da arte abstrata que sucederam esses últimos, apesar de trazerem diferenças profundas entre si, significaram, nos três casos, o reclame por uma renovação, mas que nunca eliminou, por completo, o passado. Nas palavras da autora: “Em todos esses momentos, os artistas reclamaram por uma atualização e sempre houve um passado a ser esquecido, algo a ser eliminado. E o esquecimento é sempre seletivo” (CAVALCANTI, 2005 p.18). Portanto, apesar de, nos diferentes períodos da história, a modernidade ter sido imbuída de significados diversos, sempre representou um desejo de transformação de “uma parte” do passado.

2. O Paisagista França Junior

Fechadas as portas do cartório do Juízo dos Órphãos, e postos em bom recato os bens dos menores entregues à sua tutoria, o Dr. França Junior toma o cavalete, a palheta e os pincéis e parte a procura de assunto para um quadro cujas massas impressionistas ele lança rapidamente, volvendo depois a dar-lhe ou o acabamento que merece, se o motivo lhe agrada, ou a começar outro.

O seu professor quase que tem sido exclusivamente a natureza.

Tanto assim que já jurou que ninguém mais o encontrará no crime de esboçar uma guache do chic (ARTES, 1884 p.2).

O respeitado curador de órfãos e, já famoso, dramaturgo e folhetinista, França Junior iniciou-se nas belas artes após uma viajem a Paris, onde fora correspondente do jornal Gazeta de Notícias em ocasião da Exposição Universal que ocorreu ao final do ano de 1878. Após seu regresso ao Brasil, começou a frequentar aulas particulares de pintura com o aquarelista alemão Benno Treidler e, pouco depois, matriculou-se na AIBA, como aluno amador, mesmo ano em que Georg Grimm assume a cadeira de pintura de paisagem na instituição. Quando este decidiu se desligar da Academia França, Junior acompanhou-o, frequentando suas lições ao ar livre em Niterói.

Em 1884, França Junior já havia desenvolvido razoavelmente sua técnica, e participou da 26ª Exposição Geral de Belas Artes no Rio de Janeiro. De acordo com Levy (1980a, p.16), “a mais importante exposição de Belas Artes de todos os tempos no Rio Janeiro”. Em seu parecer, a comissão julgadora dos trabalhos expostos, formada por Victor Meirelles, Pedro Américo e João Maximiano Mafra, elogiou o trabalho do pintor amador que então recebeu uma menção honrosa: “O Snr. Dr. França Junior é um ilustre amador que estreou na atual Exposição com seis pequenos estudos do natural, que revelam em seu autor felizes disposições para a pintura de paisagem; talento cuja cultura não deve desprezar” (AMÉRICO; MAFRA; MEIRELLES apud PEREIRA, 2003). Dos seis quadros expostos pelo artista amador, três intitulavam-se Rua Taylor e os outros: Rua da Boa Viagem; Canto da Fortaleza da Boa Viagem e Ponta da Boa Viagem. O catálogo da exposição de 1884 apresenta somente um desses estudos, possivelmente um dos três últimos, sob o epíteto genérico de Paisagem [Figura 1 e Figura 2]. É conhecida atualmente uma tela do autor chamada Rua Taylor [Figura 3] que, acredito, pode também ter feito parte desta exposição, já que na mostra, o pintor expôs três estudos com este título. Concomitante a Exposição Geral, o pintor expôs um quadro na galeria Glace Elégante. De acordo com o jornal O Paiz se tratava de “uma vista tirada de Copacabana” (ARTES, 1884 p.2).

Nos anos seguintes, França Junior expôs em vários estabelecimentos artísticos da cidade: na Casa Vieitas, em julho e setembro de 1885[3], novamente na Glace Elégante, em 1887[4] e fevereiro de 1889, na Casa De Wilde, em 1887 e janeiro de 1889, no Atelier Moderno, em julho e agosto de 1889, e no Atelier Livre em 1890 (ENCICLOPÉDIA, 2012; DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1885; REVISTA ILLUSTRADA, 1887; LEVY, 1980a; GAZETA DE NOTÍCIAS 1889; BARATA apud CAVALCANTI 2007).

Em 1888, segundo Levy (1980a p.50), França Junior “chegou ao momento mais importante de seu trabalho como pintor [...] quando atingiu um ponto de maturidade que lhe permitiu dominar os meios expressivos com bastante suficiência”. Foi neste ano que produziu seu quadro mais conhecido, e que hoje se encontra no Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. A obra intitula-se Morro da Viúva [Figura 4] e fez parte da Exposição Geral de Belas Artes de 1890 com o nome “Uma Pedreira (Morro da Viúva)”. Nesta exposição, que ocorreu no ano de sua morte, França Junior também expôs “Manhã de Dezembro (Rio)” (CATÁLOGO, 1890). Foi neste período, mais especificamente no ano de 1889 que, de acordo com Levy (1980a p.49) França Junior recebe “de Hipólito Boaventura Caron orientação complementar em sua formação artística”. Na Pinacoteca do Estado de São Paulo também se encontra preservada parte da produção do artista. A instituição adquiriu em 2011 um desenho intitulado Paisagem (grafite e bico-de-pena, 12 x 8,8) (PINACOTECA, 2012).

Obras atribuídas a França Junior ainda circulam atualmente no mercado leiloeiro de obras de arte [Figura 2, Figura 5, Figura 6, Figura 7 e Figura 8], outras fazem parte de coleções particulares [Figura 3] [5]. Na relação de obras expostas na exposição “O Grupo Grimm: paisagismo brasileiro no século XIX” (Acervo Galeria de Arte, Rio de Janeiro), organizada por Carlos Roberto Maciel Levy, em 1980, consta uma tela de França Junior denominada Paisagem (circa 1890) que, à época, fazia parte da Coleção Agnaldo de Oliveira, São Paulo (LEVY, 1980b). Contudo, não é possível identificar os títulos originais das obras deste artista, já que a maioria apresenta o nome genérico de Paisagem.

A crítica a respeito de seu trabalho como pintor não é unânime. Para Levy (1980a p.103):

O trabalho deste artista, tendente a um romantismo exagerado, foi o que menos espelhou os postulados de Grimm, após a dissolução do Grupo. Foi no entanto um bom colorista, bastante sensível no que tange à organização das composições. Como desenhista terá sido dos mais fracos dentre os alunos de Grimm, certamente por aplicar-se de maneira irregular às atividades artísticas, que compartilhava como teatro e com a literatura.

A maioria de seus críticos ressaltou que os outros compromissos com os quais o artista amador se ocupava foi o que impediu França Junior de se tornar um grande paisagista. Uma exceção foi Luiz Gonzaga Duque-Estrada (1888), que viu nesta característica razão para a riqueza que percebeu na obra do pintor. Os comentaristas de sua obra também destacam que França Junior possuía uma maneira própria, que diferia da de seu mestre, George Grimm (AZEVEDO, 1885). Opinião diversa apresentava seu colega Antônio Parreiras, definindo suas paisagens como vacilantes:

Hoje, dava-nos um céu pálido, ligeiramente quente, junto à linha do horizonte, um céu a Langgerot, onde duras e vigorosas se destacavam montanhas, em cujo colorido se via um Grimm. Amanhã, um campo largamente pincelado, áspero, vigoroso, a destacar-se dum céu azul cobalto, céu italiano sobre um campo brasileiro; pintado à Caron. (PARREIRAS, 1894 p.1).

Todavia, Parreiras acreditava que “se França Junior se tivesse [sic] dedicado exclusivamente à pintura, seria, incontestavelmente, um ótimo paisagista” (PARREIRAS, 1894 p.1).

Sua personalidade artística também foi destacada pelos críticos. Enquanto Parreiras considerava-o vaidoso e irônico como suas comédias (LEITE, 1988), Duque-Estrada ressaltou suas qualidades e elegância:

O escritor [Duque Estrada] considera que, em face da rudeza de expressão e muda resignação ao trabalho de Georg Grimm (1846-1887), França Júnior seria o verdadeiro artista, capaz de ver, sentir e expressar-se com a emoção e o nervosismo que o mero homem de talento não sente. Ele é, diz, o "typo brasileiro e bem educado, homem de sociedade e de talento perfeitamente culto." (ENCICLOPÉDIA, 2012).

França Junior revela que o período em que esteve em contato com os artistas do Grupo Grimm, dedicando-se à retratação da natureza, foi um dos momentos mais felizes de sua existência. Alguns meses depois da morte do mestre bávaro, exprimiu n’O Paiz, a satisfação que sentia ao dedicar-se à pintura:

Devo ao generoso artista [G. Grimm] as maiores alegrias que tenho em minha vida, alegrias que vieram, infelizmente um pouco tarde, quando o deserto da velhice já principiava a estender-se diante de mim; mas por isso mesmo gozo-as com a sofreguidão de quem delas se despede.

A natureza tinha vozes que eu não sabia escutar.

Grimm ensinou-me a ouvi-la, a procurar perscutar-lhe um por um todos os segredos, a folheá-la como se folheia um livro. [...]

Quando, portanto, consagro à palheta as minhas horas vagas, tentando interpretar, não como desejo, mas como posso, um trecho da nossa radiante natureza, a felicidade que se apodera de mim é tal que e imaginação evoca-me insensivelmente a lembrança do mestre como para cobri-la de bênçãos (FRANÇA JUNIOR, 1888a)

O aprendiz daquele “bom mestre”, de “longa barba loura e [...] olhos azuis cheios de bondade” (FRANÇA JUNIOR, 1888b), reconhecia suas próprias deficiências no ofício. Como revela na passagem acima, interpretava a natureza não como desejava, mas como podia. Talvez por isso não incluísse seu próprio nome no Grupo Grimm.

3. A Pintura de Paisagem Abalando a Hierarquia dos Gêneros

No século XIX, a pintura histórica ocupava o patamar mais elevado da hierarquia dos gêneros artísticos. Muito empenhados na construção de uma identidade para a nação, artistas e homens de letras buscaram forjar por meio das artes, ciência e literatura elementos que pudessem contribuir para a inculcação de um caráter nacional dentro das largas fronteiras do Império. A narrativa contida na pintura histórica, aliada ao enaltecimento dos grandes personagens e à escolha dos momentos históricos a serem eternizados servia a esse intuito de construção de uma identidade histórico-iconográfica.

A produção artística durante o Império esteve muito centralizada na Academia Imperial (1826-1889), que por sua vez definia os padrões estéticos a serem disseminados, valorizando o estilo neoclássico e a hierarquização dos gêneros. Contudo, na década de 1880, a pintura de paisagem ganha novo fôlego no Brasil. Principalmente devido a “escola” formada pelo alemão Georg Grimm, que tirou os alunos do gabinete para que pudessem, ao ar livre, sentir a natureza, conforme o que já vinha acontecendo na Europa há mais de uma década.

A relação entre a paisagem e a brasilidade já constava nos primeiros estatutos da Academia, redigidos em 1820 (VALLE; DAZZI, 2009), mas foi em meados da década de 1880 que o gênero, definitivamente, ganhou espaço naquela iconografia da nacionalidade, ao representar o que o território possuía de mais genuíno, a partir de uma técnica que estava atrelada ao signo do moderno.

Após uma temporada itinerante na qual o pintor bávaro havia se deparado com paisagens tão diversas como as do interior de Minas Gerais, Rio de Janeiro, até os cenários da Europa e do Oriente Médio, George Grimm se estabeleceu no Rio de Janeiro. Realizou então, exposições que tornaram seu trabalho tão reconhecido a ponto de ser convidado a ocupar, ainda que interinamente, a cadeira de Pintura de Paisagem na AIBA. França Junior assim descreveu a atitude do professor bávaro no primeiro dia de aula naquela instituição: - Quem quer estuda vem comigo. Quem é vagabunda fica em casa. Eu não fica aqui. Atelier de paisagista está na meio da rua e na campo.”(FRANÇA JUNIOR, 1885)

Giambattista Castagneto, Domingo Garcia y Vasquez, Hipólito Boaventura Caron, Francisco Joaquim Gomes Ribeiro, Antônio Parreiras e Joaquim José da França Junior cursaram as aulas de Grimm até que o professor pediu seu desligamento do cargo em 1884. De acordo com Parreiras (1894), chegada à época da renovação de seu contrato, Grimm requereu à direção da Academia que a instituição realizasse um concurso para o provimento efetivo da cadeira de Paisagem. Ciente de seu mérito, o artista esperava que este fosse um meio para deixar a condição de professor interino e ocupar, definitivamente, o cargo de professor de Paisagem. A diretoria, contudo, não aceitou, e Grimm, em protesto, negou a renovação do contrato como professor interino, deixando assim a AIBA.

Com exceção de Castagneto, seus alunos o seguiram em apoio. Vazques, Ribeiro, Parreiras e Caron mudaram-se para a Rua Taylor e posteriormente para a praia de Boa Viagem, em Niterói, onde moraram juntos em uma casinha próxima à residência de seu mestre, de quem recebiam, além de aulas, ajuda financeira. Os estudiosos da história do paisagismo brasileiro no século XIX, por vezes incluem França Junior, Castagneto e Thomas Driendl no grupo ao qual se atribui a denominação Grupo Grimm. França Junior, contudo, não chegou a se mudar para Niterói, mas frequentava o Grupo e foi tido à época como um de seus discípulos (REVISTA, 1888). Sobre a participação de Castagneto, França Junior relatou, em um de seus folhetins, que o famoso marinista, por ter um gênio muito parecido com o do pintor alemão, “arrebatado e indomável” (FRANÇA JUNIOR, 1887), não se juntou ao grupo. Era um artista independente, apesar de também ter seu cavalete montado na praia de Boa Viagem.

Thomas Driendl, por sua vez, não era discípulo, mas um amigo de Grimm, a quem conhecera ainda na Alemanha, seu país de origem. Este substituiu Grimm algumas vezes na instrução de seus aprendizes. Os dois dividiam a mesma casa. De acordo com França Junior, “sempre brigando e sempre sendo amigos, na companhia de um feroz buldog e de um macaco que era a alegria do lar” (FRANÇA JUNIOR, 1888b).

Na Exposição Geral de Belas Artes de 1884, os artistas paisagistas se destacaram. Apesar de não receberem um prestígio que possa ser igualado ao dado a pintura histórica os paisagistas, em especial os ligados ao Grupo Grimm, foram premiados. Entre eles o amador França Junior, que recebeu uma menção honrosa (AMÉRICO; MAFRA; MEIRELLES apud PEREIRA, 2003). Mesmo assim, o prestígio dado a pintura histórica nesta exposição ainda foi muito criticado pela imprensa (LEVY, 1980a). Principalmente aquela que já vinha combatendo o regime monárquico e que via os pintores históricos como bajuladores do Império, interessados nas grandes somas pelas quais venderiam seus quadros ao governo. Anos mais tarde, uma articulista d’O Paiz escreveu:

Na exposição de 1884 fizemos severas críticas aos quadros de professores que impingiam suas telas ao governo por preços fabulosos; mostramos erros de archeologia nos trabalhos de professores dessa matéria; combatemos defeitos de perspectiva, patenteados por professores de pintura histórica; erros de desenho, ausência de arte e de critério em trabalhos assignados por lentes dessa academia e por protegidos da administração - e o resultado foi que todas as futilidades enfeitadas com bonitas cores foram compradas para a colleção do estado (ARTES, 1890).

Isso demonstra que não foi somente a premiação dos artistas ligados ao Grupo que marcou a importância da pintura de paisagem nesta exposição, mas também a defesa da imprensa e da crítica quanto à importância desse gênero em detrimento da pintura histórica, alegando que a premiação dos jovens paisagistas havia sido irrisória diante da importância dos trabalhos apresentados.[6]

Somando-se a isso, a própria pintura histórica dava indícios de transformação. Para esta Exposição, José Maria de Medeiros, professor de Desenho Figurado da AIBA, pintou um trecho do romance Iracema, de José de Alencar [Figura 9]. De acordo com Cavalcanti (2011), as escolhas que o autor fez para a composição são muito reveladoras deste momento em que o signo da brasilidade se transfere da pintura histórica para aquela que pretende enaltecer a da natureza. A autora destaca que o cuidado deferido à personagem Iracema foi menor que o dedicado ao cenário no qual ela se encontra, o que a própria critica do período já haviam pontuado. Na tela, o cenário toma conta da maior parte da composição, além disso, Iracema é retratada no momento em que visualiza a flecha-mensagem deixada por seu amado, o que a faz recuar. Nas palavras de Cavalcanti (2011), ao “retirar-se da vida de Martim, [Iracema] está também ‘deixando a cena’ para que reste apenas a paisagem, o que de fato estava ocorrendo na pintura brasileira naquele ano de 1884.” A autora ainda afirma:

[...] de modo inesperado e nada intencional, ela [a pintura Iracema] sinaliza uma mudança no meio artístico carioca em meados da década de 1880: a perda de prestígio da pintura histórica e sua substituição, na preferência do público e da crítica, pela pintura de paisagem, cada vez mais valorizada como signo de modernidade e brasilidade.

4. O Desejo de Reforma da Academia e o Atelier Livre

Nos anos seguintes à 26ª Exposição Geral, foram elaborados e discutidos quatro projetos para a Academia de Belas Artes. Três deles propunham a reforma da instituição e um a sua supressão. De acordo com Cavalcanti (2007), entre os grupos que se destacaram no embate: os chamados positivistas eram os mais radicais. Defendiam por meio do “Projeto Montenegro” a extinção da Academia de maneira a descentralizar o ensino e dar total liberdade aos alunos de escolherem seus mestres. Mas, de maneira geral os alunos lutavam por uma maior eficácia dos métodos adotados pela instituição e “a retomada dos concursos de Prêmio de Viagem. Quanto às mudanças reivindicadas, se referiam a modificações do regulamento da Academia, sem prever uma reforma profunda do ensino artístico” (CAVALCANTI, 2007 s/n).

Em julho de 1890, em sinal de protesto, jovens artistas ligados a Academia resolveram produzir suas obras fora dos muros da escola. Construíram um barracão no Largo de São Francisco, que, tendo como vizinha a estátua de José Bonifácio, sediaria o que foi chamado de Atelier Livre. Jovens professores como Rodolpho Bernardelli, Rodolpho Amoêdo e Henrique Bernardelli não demoraram em demonstrar simpatia ao movimento, Décio Vilares, ligado ao grupo dos positivistas, também participou de algumas reuniões.

Os artistas do Atelier Livre chegaram a lançar subscrição para a realização de cursos e exposição de trabalhos. Os jornalistas, em geral, apoiaram o movimento e deram a ele ampla divulgação. Até Pedro Américo escrevera no jornal opinando sobre o assunto. Enquanto isso, o governo estudava os projetos e preparava a comissão que trataria da reforma da Academia. Diferentemente do que esperavam aqueles jovens artistas “aquartelados” ao lado de José Bonifácio, quando a reforma foi promulgada em dezembro daquele ano as mudanças as mudanças foram muito aquém do esperado[7]. A Academia Imperial de Belas Artes passava a se chamar Escola Nacional de Belas Artes.

5. A voz do amador

Durante todos esses momentos: renovação da pintura de paisagem; defesa de um ensino de paisagem ao ar livre; desejo de mudança do ensino oficial e das iniciativas independentes de valorização das belas artes; o amador França Junior esteve publicando suas crônicas no jornal O Paiz. Entre os diversos folhetins que, semanalmente, publicou nesta folha em cinco anos, em aproximadamente 30 tratou exclusivamente de arte. Ainda que não tenha desempenhado um papel de protagonista em tais eventos do fim do século, ora mais, ora menos diretamente, a participação de França Junior teve lugar em todos eles.

Neste universo de três dezenas de crônicas podemos perceber dois subtemas que são tratados pelo autor de maneira recorrente: (a) a crítica ou descrição do trabalho de pintores; no qual estão incluídas reflexões a respeito de paisagismo e modernidade; (b) a defesa de uma educação artística para as belas artes no Brasil, que significava não só uma transformação no ensino formal, quanto a criação de uma cultura artística cotidiana de valorização da arte. Vale ressaltar que, as crônicas dão ênfase ora a um, ora a outro desses temas, mas eles são em sua essência indissociáveis.

A crítica ou descrição do trabalho de pintores: Hipolito Caron, Domingos Garcia e Vazques, Benno Treidler, Rodolpho Bernardelli, Pinto Bandeira, Antonio Parreiras, Firmino Monteiro, Belmiro, Décio Villares, Henrique Bernardelli, Castagneto, Francisco Gomes Ribeiro, George Grimm, Thomas Driendl, De Martino, Pedro Weingärtner e Aurélio de Figueiredo. Todos esses artistas mereceram um folhetim, quase sempre exclusivo, dedicado a seu trabalho. Em sua maioria paisagistas ou pintores de gênero - que em geral incluíam a paisagem em suas composições -, esses artistas estão entre os principais responsáveis pela renovação do meio artístico brasileiro no período.

Veremos que, ao tratar dos artistas que seguiram Grimm em suas aulas ao ar livre, o cronista revelou sua visão a respeito daquele grupo. Quando o folhetim foi dedicado a outros artistas é nítido perceber o porquê das escolhas por tais nomes, já que em todos os casos, algum traço da técnica ou da biografia daquele artista dialogava com os postulados artísticos os quais o cronista defendia.

Os artigos dedicados a Caron, Vazques, Parreiras, Grimm e Ribeiro nos permitem observar o cotidiano do grupo e um pouco da relação entre seus componentes sob o olhar de França Junior. O autor escreve:

Grimm ia vê-los [seus alunos] três vezes por semana.

Os discípulos, apenas o avistavam, diziam cheios de terror.

- Ahi vem o bicho.

Grimm com a célebre bengala em forma de sacca-rolha, as suas barbas longas de Hugnote, e um chapéu de feltro que tem corrido Sécca e Méca, olhava para o primeiro quadro, soltava uma gargalhada e dizia:

- Que é que você está pinta ahi?

- É um muro, dizia o Vasques [sic], já meio desequilibrado no banquinho.

- Mura?! Oh! isto [sic] se parece tanto mura quanto anzol parece com garrafa.

- Mas seu Grimm, eu vejo assim.

- Qual vê? Você sabe lá vê. Você está burra!

E empunhando a palheta, manchava facilmente e com uma proficiência admirável o ponto questionado.

É possível observar que França Junior defendia e valorizava uma técnica de pintura de paisagem que se distanciava daquela ensinada na Academia, antes do advento de Grimm, e aproximava-se de um estilo no qual “pintar o que se vê” era mais importante. Em folhetim sobre Pinto Bandeira sustenta: “[Pinto Bandeira] Pinta como vê, e nisto está o seu maior elogio” (FRANÇA JUNIOR, 1886a), e sobre Henrique Bernardelli afirma: “Elle pinta a paisagem como a vê, como a sente atravez de seu temperamento” (FRANÇA JUNIOR, 1886c). Nota-se nessas frases que o cronista manifestava sua opinião de que o excesso de detalhamento poderia ser prejudicial à composição. O artista deveria “compreender as grandes massas” só por meio delas é possível representar verdadeiramente a natureza. (FRANÇA JUNIOR, 1889d).

França Junior defendia uma atitude diante da pintura de paisagem que se assemelhava àqueles pintores da chamada Escola de Barbizon, que romperam com o formalismo da pintura Romântica, dominante em Paris, mudando-se para o povoado de Barbizon, onde desenvolveriam técnicas realistas. “Depois da revolução operada por Daubigny, Corot, Rousseau, Dupré e outros, rasgaram-se para a paizagem largos horizontes. A velha escola do bitume tende de [sic] dia a dia desaparecer.” (FRANÇA JUNIOR, 1886a). Foi a mesma atitude de rompimento com o ensino formal, considerado antiquado, que levou os jovens artistas a se mudarem para a praia de Boa Viagem, juntamente com o mestre, G. Grimm.

O cronista ressalta, então, a importância da pintura ao ar livre e da iluminação natural nas composições dos artistas ligados ao movimento de Barbizon.

Surgiram os pintores do sol, que sorprendem ao ar livre os relevos da natureza; que a estudam em suas grandes massas, e que a apresentam tal qual ella é, variadas phases de luz, graças a uma compreensão mais elevada da palheta.

Acabaram-se os paizagistas de estufa que pretendiam representar trechos iluminados pelo sol com a tonalidade que dá o atelier, onde a luz apenas entra por uma janela. (FRANÇA JUNIOR, 1886a).

A descrição que França Junior faz neste trecho, pode ser facilmente aplicada aos “pintores do sol” brasileiro. Mais a diante, no mesmo folhetim, o folhetinista sustenta a pintura de paisagem como signo da modernidade.

O schicartz kunst, como chamam os alemães, ou la veielle perruque, como denominam os franceses, essa arte escura, cheia de manchas negras, já em ultimo período de gangrena, foi substituída por uma arte luminosa, palpitante de vida, tendo por base a observação exacta da verdade, e por conseguinte mais afinada com o estado actual das sciencias e letras. (FRANÇA JUNIOR, 1886a)

Nota-se que a importância dada a pintura ao ar livre estava ligada ao progresso artístico, já que, representando as técnicas que já estavam se desenvolvendo a algum tempo nos “países civilizados” acompanhava o desenvolvimento industrial e científico vivido durante o governo de D. Pedro II.

Mas a relativa importância que pintura de paisagem ganhou nas últimas décadas do XIX não proveio somente da sua associação com a modernidade; veio também e principalmente como signo da brasilidade.

Neste paiz onde o céo é eternamente azul, onde o sol, sempre brilhante doura as areias das praias e envernisa os verdes que sorriem em perene primavera; neste canto abençoado da terra, onde as montanhas se elevam em formas caprichosas, os vales povoam-se de flores, e cada trecho da natureza, por mais insignificante que seja é um quadro, parece que devia haver mais paizagistas do que bicos de gáz.

Não é assim entretanto!

Realiza-se o anexim - em casa de ferreiro espeto de paú. (FRANÇA JUNIOR, 1926, p.418)

França Junior, como pudemos observar no trecho acima, tentava disseminar essa associação da pintura de paisagem como representativa do caráter nacional. Contudo, ressalta sua insatisfação, também recorrente, com o lugar ocupado pela arte em nossa cultura.

Em busca de uma arte moderna, os artistas do final do século XIX louvavam a Itália como a fonte mais profícua onde os artistas brasileiros poderiam beber (DAZZI, 2006). França Junior não foi diferente e também considerava que a arte italiana era o modelo a ser seguido pelos artistas brasileiros. Sempre nesta mesma direção, de negar o ensino acadêmico neoclássico e incentivar uma arte mais condizente com o progresso ou a modernidade, o folhetinista tratou com entusiasmo o retorno de Rodolpho Bernardelli ao Brasil em 1885. De acordo com França Junior, o escultor havia passado oito anos no velho continente e, iniciando seus estudos na Grécia, decidiu trocar as academias gregas pelas lições dos mestres italianos, juntamente com seu irmão Henrique Bernardelli[8]. O folhetinista então escreve:

Aqueles Antinoos [da estatuária grega], supinamente bellos, mas de uma belleza traçada por leis severas e absolutas, as quaes não podiam ser transgredidas, sob pena de excomunhão maior; aquelles Gladiadores com exuberantes musculaturas exalando o último suspiro em posições acadêmicas, as Venus, os Apollos, os Bachos, as Dianas, os Faunos, tudo aquilo cheirava-lhe à convenção, à escola. (FRANÇA JUNIOR, 1926 p. 555)

Quando do retorno de R. Bernardelli a vontade de mudança e de independência ante o ensino acadêmico, mais especificamente daquele ministrado na AIBA, já se fazia notar. Em um jantar de boas vindas, onde o escultor confraternizou com alguns de seus amigos como Arthur Azevedo, Valentim Magalhães, Angelo Agostini, Zeferino da Costa, Cernicchiar, Belmiro, Decio Vilares, Felix Bernardelli, Pedro Peres e França Junior, entre outros, esses artistas e homens de letras planejaram a criação de um “Circulo Artístico”. Este espaço seria destinado a exposição de trabalhos e ao auxílio das viagens de estudos no exterior. O Diário de Notícias e a Revista Illustrada deram destaque ao acordo dos artistas presentes no jantar. O segundo periódico noticiou o acordo da seguinte maneira:

Conversou-se, largamente, na creação de uma sociedade, tendo por fim dar encremento ás artes, sendo um ponto de reunião para os artistas, fazendo exposições de trabalhos, e enviando ao salão, de Paris, os que fossem escolhidos por um jury. A sociedade procuraria meio de subsidiar alguns artistas, de modo a que podessem estudar na Europa; emfim, empregaria todos os esforços para tirar o movimento artistico, no Brazil, da apatia em que se encontra (RODOLPHO, 2012).

A iniciativa não se efetivou, todavia fica mais uma vez demonstrado o estreito envolvimento de França Junior com as iniciativas particulares de incentivo as artes no Brasil. O que nos leva ao segundo subtema em que dividimos os folhetins de arte do autor: a defesa de uma educação artística para as belas artes no Brasil. França Junior acreditava que a educação para as belas artes poderia se dar de duas maneiras. Pela instrução formal - nas escolas, academias ou com mestres particulares - e pelo convívio cotidiano com a arte em si - pela visita a museus, galerias e exposições ou pela leitura de textos que versassem sobre o tema.

Para que essa educação artística formal ocorresse de maneira satisfatória algumas mudanças seriam necessárias. Uma delas era acabar com os maus professores, em especial os de desenho (FRANÇA JUNIOR, 1926) e outra, investir na educação artística das mulheres. França Junior acreditava que a mulher tinha grande poder de transformação dos costumes, já que era responsável pela tarefa que ele considerava a mais importante de todas na sociedade, a educação dos filhos. Por isso, as mulheres se preparavam para um bom casamento desenvolvendo habilidades artísticas. No que concernia à música, os pais e professores sempre foram exigentes e prepararam bem as futuras esposas. Já no que tange à pintura, pelo fato de tal matéria não fazer parte de nossa “cultura artística”, a atitude é oposta. Segundo ele os quadros pintados pelas aprendizes não possuem nenhuma qualidade, o que é agravado pelo fato de a maior parte dessas composições não partirem de seus próprios pincéis, mas sim das correções dos professores. Utilizando o tom irônico que o acompanhou em todos os seus escritos, França Junior escreveu:

Havia de pedir, porém, aos pais que me ajudassem nessa cruzada, não acreditando, ou pelo menos pondo de quarentena tudo quanto lhes impingissem professores pouco escrupulosos.

O modelo, que eu exigiria para taes pais, era o de um conhecido jornalista desta cidade, o qual, apresentando-lhe uma dia a filha, que tinha apenas dous mezes de estudo de desenho, a cópia de um carneiro, disse a sorrir, afagando a loura cabeça da criança:

- Está muito bom, minha querida; mas eu me dava por satisfeito se, em vez do carneiro todo, me trouxesse a cabeça delle, a cabeça só, mas feita por ti (FRANÇA JUNIOR, 1888c).

O folhetinista defendia que aprender a desenhar era tão importante quanto aprender a ler e a escrever: “O pedreiro o carpinteiro o sapateiro o médico, o advogado, todas as classes sociaes della precisam para a consecução completa de seus fins. Entretanto o Brazil, infelizmente assim não pensa” (FRANÇA JUNIOR, 1926 p.629-630). Por isso discordava da preponderância dada a literatura não só na educação escolar, como também nos jornais e revistas. França Junior acredita que o tratamento dado a essas manifestações artísticas consideradas “irmãs gêmeas” deveria ser o mesmo, mas isso não acontecia. “Se pusermos em uma balança de um lado a nossa cultura litteraria e de outro o progresso artístico nacional, havemos de ver que as duas conchas não se conservarão no mesmo nível” (FRANÇA JUNIOR, 1886b).

No final do século XIX, a literatura havia conquistado um enorme destaque na sociedade do Império, pois se ligava diretamente ao forjamento de uma identidade nacional. Não que a pintura estivesse menos relacionada a construção da nacionalidade, mas devido a vários fatores, entre eles a dificuldade de distribuição dos produtos artísticos em detrimento dos literários, a literatura podia alcançar uma parcela bem mais ampla da sociedade. É importante salientar que a literatura não se restringia aos livros, ela também tinha espaço no principal meio de entretenimento da época, o teatro. Pelo mesmo motivo a música erudita, por meio das óperas, havia conquistado um enorme público no Brasil. Tal fenômeno de valorização de um tipo de manifestação da arte em detrimento de outra França Junior atribuía ao habito:

A prova eloqüente de que o meio em que vivemos tem contribuído para o atrazo da architetura, da pintura e da estatuaria entre nós está no desenvolvimento progressivo do nosso gosto pela música.

Porque o Rio de Janeiro em peso idolatra a música?

Porque habituou-se desde infante a ir ouvindo as partituras das melhores óperas (FRANÇA JUNIOR, 1926 p.345).

Nos “países civilizados”, o simples ato de andar pela rua possibilitava o vislumbre da cuidadosa arquitetura dos prédios públicos e das belas estátuas que ornamentavam os jardins, em tudo oposto ao Rio de Janeiro, onde, segundo o autor, nenhum valor é dado a pintura, arquitetura ou estatuária. Enquanto as Belas Artes não fizessem parte da educação do brasileiro desde cedo, consonante o que ocorria nos países Europeus, jamais aprenderíamos a valorizar as artes: “O gosto e os sentimentos artísticos educam-se; e esta educação depende do meio em que se vive. Nos países civilizados da Europa o homem habitua-se desde criança a ver o bello nas suas múltiplas manifestações em tudo que o cerca” (FRANÇA JUNIOR, 1926 p.343).

Para França Junior, os dois grandes responsáveis pela situação da arte no Brasil eram “os governos” (FRANÇA JUNIOR, 1926 p.630), que, em sua opinião, possuíam completa indiferença em relação à arte, e a imprensa, que sempre deu mais espaço à divulgação de novos romances, dramas, comédias e livros em geral do que a uma nova exposição ou novo quadro que se apresentava (FRANÇA JUNIOR, 1886b).

Essa opinião em relação à imprensa pode ser reveladora de sua atitude de, sempre que possível, divulgar as novas salas, galerias, salões e exposições que aconteciam na cidade ou nos arredores. E ainda, de defender ferrenhamente que as portas da Academia Imperial se abrissem a visitação pública, a exemplo do que ocorria no palácio Borghese, em Roma (FRANÇA JUNIOR, 1886). Acontecimento que pode festejar, em agosto de 1889 quando, por iniciativa do ministro Barão de Loreto a AIBA, abria suas portas semanalmente a visitação pública: “vai o povo [...] admirar ali alguma cousa, que contribuirá, estamos certos, para ir formando pouco a pouco a sua educação artística” (FRANÇA JUNIOR, 1889c).

Alguns exemplos de divulgação de salões, galerias e exposições também podem ser destacados. Em janeiro de 1885, um folhetim foi dedicado ao anúncio elogioso sobre a inauguração da sala que Laurent De Wilde abriu no segundo andar de sua loja de artigos de pintura e desenho, para exposição de quadros. O estabelecimento ficou conhecido como Casa De Wilde ou Salão De Wilde (FRANÇA JUNIOR, 1926). O mesmo ocorreu quando do surgimento do Atelier Moderno, de propriedade de Manoel Ribeiro & Villas Boas, e que fora inaugurado em julho de 1889, com uma exposição de trabalhos dos principais paisagistas do período (FRANÇA JUNIOR, 1889b).

Mesmo quando não se tratava de uma galeria aberta ao público, França Junior procurou divulgar os quadros que poderiam ser apreciados em casas reservadas ao convívio do High Life, e que, por meio de seus folhetins, poderiam transcender as paredes das mesmas. Mme. Haritoff, famosa por receber a mais fina sociedade da corte em sua residência, possuía, além de uma luxuosa seleção de objetos artísticos decorativos, uma elegante galeria de quadros que foi descrita em um dos folhetins. Também não eram em grande número os frequentadores da coleção de quadros nacionais e internacionais que o Príncipe D. Pedro Augusto, neto do Imperador, possuía em seu palácio (FRANÇA JUNIOR, 1889a). É notável o conhecimento profundo que França Junior possuía dos acervos e galerias de arte do Rio de Janeiro. Em “Pintura” (FRANÇA JUNIOR, 1926 p.643) enumera várias dessas galerias particulares da Corte, assim como seus acervos, demonstrando pleno conhecimento de um vasto número de obras espalhadas nas casas de particulares e, por isso, pouco conhecidas.

Assim, mesmo que o grande público estivesse impedido de frequentar os salões do High Life, poderia ter acesso a seus acervos através da descrição que ele, como conhecedor de tais coleções fazia das mesmas em suas crônicas.

Ao anunciar o projeto da Princesa Isabel de construir um museu de artes retrospectivas no Rio de Janeiro (FRANÇA JUNIOR, 1889e), o autor enumera uma grande lista de colecionadores de algum tipo de arte ornamental, indicando quais objetos, dentro de cada uma dessas coleções poderiam ser doados para fazer parte do novo museu. Entre os colecionadores que França Junior chamava a contribuir para o museu estava o próprio Imperador.

Podemos perceber a partir da leitura dessas crônicas que, ciente da importância das mesmas como veículo de divulgação de um gosto artístico a seus leitores, França Junior utilizava-as para contribuir a educação artística do brasileiro, que tanto prezava.

6. Considerações finais

França Junior tomou para si a tarefa de contribuir para o “aprimoramento” da nação. O que significava para ele moralizar, modernizar e civilizar. Sua opinião, através de diferentes suportes, jornal, revistas, livros, tela ou palco, chegava a uma parcela ampla da sociedade da Corte e até mesmo de outras províncias. Contudo, sua paixão pelas belas artes, somada a constatação do pequeno espaço que elas ocupavam na sociedade brasileira, fez com que esse ramo artístico ganhasse uma ênfase especial em sua obra.

É curioso notar que um dos mais conhecidos dramaturgos dessa época não tenha publicado, em todo período que trabalhou para O Paiz, nenhum folhetim sobre crítica teatral. Enquanto, como simples pintor amador, tenha dedicado três dezenas de colunas ao tema das belas artes. A importância deste artista no contexto artístico do final do XIX está justamente no fato de não se restringir à pintura de quadros ou à escrita de crônicas, mas por reunir em si as duas funções. França Junior falava a partir de uma posição dúbia que estava entre a de observador e a de participante. Por isso suas colocações possuem a riqueza de detalhes que só é possível a quem tenha vivenciado tais acontecimentos e, ao mesmo tempo, o distanciamento crítico que por sua vez só é possível a um observador.

Somando-se a essa característica dúbia que por si só já poderia demonstrar a relevância deste personagem na história da arte brasileira, França Junior ainda possuía outra qualidade. Era popular. Conhecido e admirado por um amplo público letrado e iletrado. Suas peças teatrais ocasionavam “noites de enchentes” nos teatros e seus folhetins eram tão populares que facilmente podemos encontrar na imprensa seus colegas fazendo referência a algum de seus artigos. Seu nome era citado na imprensa do período dispensando-se qualquer apresentação. Essa popularidade e essa familiaridade com o público davam a França Junior vantagem em relação a seus colegas pintores, pois as ideias defendidas por ele certamente não se restringiam ao pequeno círculo de artistas que participaram dos embates da virada do século.

Muitas outras passagens de seus 30 folhetins poderiam ser destacadas para exemplificar a imersão e as opiniões de França Junior em relação a esse contexto artístico. Mas acredito que os recortes possibilitados pelos limites deste artigo tenham servido para demonstrar que a influência deste amador nos embates do meio artístico nas últimas décadas do século XIX não pode ser desprezada.

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[1] Doutoranda em História do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), bolsista CAPES/DS. Artigo apresentado como conclusão do curso Tópico Especial em Narrativas, Imagens e Sociabilidades IV, ministrado pela professora Drª Maraliz de Castro Vieira Christo no segundo semestre de 2011.

[2] França Junior foi folhetinista de vários jornais da Corte durante a segunda metade do século XIX. Começou escrevendo para o Bazar Volante (1863-1867), Correio Mercantil (1867-1868), Jornal da Tarde (1870-1872), Gazeta de Notícias (1877-1878), O Globo e O Globo Ilustrado (1881-1882) e O Paiz (1884- 1890). Uma seleção das crônicas publicadas nesse último periódico se encontra disponível em: SILVA, Raquel Barroso (org.). França Júnior: crônicas sobre arte no jornal O Paiz (1885-1887)19&20Rio de Janeiro, v. VII, n. 2, abr./jun. 2012. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/francajr_paiz.htm>.

[3] Arthur Azevedo, sob o pseudônimo “Helói, o Herói,” descreve o quadro exposto na Casa Vieitas em setembro de 1885: “Cá estou defronte do quadro. Não me enganava o Rouède: o desenho é correto, o colorido perfeito, e há perspectiva, muita perspectiva. O primeiro plano é sombreado pela extremidade do morro, sobre o qual a vegetação é tão leve, tão bem contornada, que parece crescer à vista do espectador. No segundo plano o caminho, que se estende para o fundo, é cortado por uns rastos de luz, naturalmente cortada pelo arvoredo que não se vê, mas se advinha. O fundo do quadro apresenta um bonito efeito dessas graciosas montanhas fluminenses, de um verde azulado pela intensidade da luz. Eu desejaria ao céu daquela paisagem um pouco mais de fulguração” (AZEVEDO, 1885).

[4] Em 1887 França Junior expõe na Glace Eleganteuma paisagem em que se via, no último plano o Corcovado. Essa tela, pintada com simplicidade, tem uma justeza de tom e effeito (sic) dos mais agradáveis.”(BELLAS, 1887)

[5] Na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais encontra-se a imagem de uma tela denominada Casa no Campo [cf. Imagem] que também é atribuída a França Junior. Porém, o sítio eletrônico não faz menção ao proprietário ou instituição de guarda da tela. (ENCICLOPÉDIA, 2012).

[6] Angelo Agostini, da Revista Illustrada, chegou a afirmar que “os pintores da nova geração ligados a Georg Grimm recusariam os prêmios considerados injustos e parciais” (LEVY, 1980a p. 28).

[7] Nas palavras de Gonzaga Duque, a reforma da Academia em 1890 não havia passado de uma “mudança de rótulo”, mas trabalhos como o de Camila Dazzi tem lançado um olhar mais complexo sobre a questão. Cf. DAZZI, Camila. “A Reforma de 1890": continuidades e mudanças na escola nacional de belas artes (1890-1900). Atas III Encontro de História da Arte IFCH / UNICAMP. Campinas, 2007. Disponível em: <http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2007/DAZZI,%20Camila.pdf > Acesso 1. jun 2012.

[8] O estudo na Itália também é ressaltado no folhetim que França Junior dedicou a Henrique Bernardelli. (FRANÇA JUNIOR, 1886c) e a Pedro Weingärtner (FRANÇA JUNIOR, 1888d).