França Júnior: crônicas sobre arte no jornal O Paiz (1888-1889)

organização de Raquel Barroso Silva[1] e Rumennig Douglas Weitzel Teodoro[2]

SILVA, Raquel Barroso; TEODORO, Rumennig Douglas Weitzel (org.). França Júnior: crônicas sobre arte no jornal O Paiz (1888-1889). 19&20, Rio de Janeiro, v. VIII, n. 2, jul./dez. 2013. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/francajr_paiz2.htm>.

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Esta publicação de fontes pretende dar continuidade à transcrição das crônicas sobre arte escritas pelo dramaturgo e pintor amador Joaquim José da França Junior para o jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, entre 1885 e 1889. A primeira parte da transcrição, que contempla 14 crônicas (1885-1887) foi publicada no volume VII, número 2 desta revista [cf. link][3]. Aqui, transcrevemos as crônicas dos anos de 1888 e 1889. Apesar de França Júnior ter mantido sua coluna naquele jornal até o ano seguinte, 1890, nenhuma das crônicas desse período versou a respeito da arte.

A maioria das crônicas abaixo veio à luz na coluna semanal denominada Echos Fluminenses, mas, a partir de 18 de setembro de 1889, seus escritos passaram a ocupar outra coluna, sem título fixo, mas em lugar de maior destaque no jornal, a primeira coluna.

Das dezesseis crônicas que apresentamos aqui, seis foram escritas durante o ano de 1888. Em quatro delas, intituladas pelos próprios nomes dos homenageados, o artista amador divulgou os trabalhos de colegas como Thomas Driendl, Edoardo De Martino, Pedro Weingärtner e Hipólito Caron. Geralmente, depois de uma introdução em que França Júnior contextualizava sua relação com o artista ou revelava detalhes cotidianos do trabalho do mesmo com a arte, divulgava algumas de suas obras ou exposição que poderia ser visitada pelo público na famosa galeria do Pacheco ou no Salão De Wilde.

Em “G. Grimm”, relembrou um pouco do cotidiano dos artistas que foram discípulos do falecido mestre, fazendo uma homenagem à sua memória. Já em “Artes”, o autor criticou a falta de qualidade artística e originalidade de algumas pinturas. O que atribui à falta de rigor com que os pais e professores de pintura dirigem o trabalho de suas filhas e aprendizes.

Entre os dez artigos do ano de 1889, alguns se dedicavam à divulgação de trabalhos e exposições de artistas como G. B. Castagnetto, Aurelio de Figueiredo e Franncisco Ribeiro. Neste último, recordou, novamente, episódios do cotidiano do Grupo Grimm.

Outros temas importantes são tratados pelo escritor nas demais crônicas, como: a inauguração do Atelier Moderno, propriedade de Manoel Ribeiro e Villas Boas; o leilão do L’Angelus, de Millet, na França; a abertura da Academia Imperial de Belas Artes ao público; a iminente inauguração de um museu de artes retrospectivas, artigo no qual demonstrou seu conhecimento de diversas coleções particulares do Rio de Janeiro; a restauração de um painel pintado pelo artista José Leandro de Carvalho, pertencente originalmente à capela imperial e que representava a família do príncipe-regente em adoração aos pés da Virgem do Monte Carmelo.

No último artigo, França Júnior iniciou um estudo da história das artes plásticas no Brasil, com enfoque na pintura e na estatuária. Ao fim, prometeu que, no próximo artigo, dedicar-se-ia à descrição do “estado atual das artes” no império, mas não cumpriu a promessa feita aos leitores. Em 1889, a doença que o levou à morte no ano seguinte, já começava a prejudicar sua produção jornalística, teatral e artística.

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Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 1888: p.2

G. Grimm

O nome de G. Grimm está tão intimamente ligado ao último período da minha obscura existência, que seria o maior dos ingratos se não viesse, como o mais humilde de seus discípulos, depor uma saudade sobre a terra ainda revolta que guarda-lhe os restos mortais.

Devo ao generoso artista as maiores alegrias que tenho sentido em minha vida, alegrias que vieram, infelizmente um pouco tarde, quando o deserto da velhice já principiava a estender-se diante de mim; mas que por isso mesmo gozo-as com a sofreguidão de quem delas se despede.

A natureza tinha vozes que eu não sabia escutar.

Grimm ensinou-me a ouvi-la, a procurar perscrutar-lhe um por um todos os segredos, a folheá-la como se folheia um livro.

Quanta luta, quantos desfalecimentos e horas do desânimo do discípulo, e quanta dedicação do mestre na obscura aprendizagem do a b c e da linha e da cor!

Quando, portanto, consagro a palheta as minhas horas vagas, tentado interpretar, não como desejo, mas como posso, um trecho da nossa radiante natureza, a felicidade que se apodera de mim é tal que a imaginação, evoca-me insensivelmente a lembrança do mestre como que para cobri-la de bênçãos.

A morte de Grimm feriu-me, pois, profundamente.

Conheci de perto o artista e o homem.

Se o seu corpo descansa em Palermo, nessa encantadora Itália, de quem ele falava sempre com entusiasmo quando narrava as aventuras de sua vida, que foi um constante peregrinar pelo mundo, a sua memoria permanecera eternamente no Brasil.

A biografia de Grimm não se resume somente, como a de tantos outros artistas notáveis, na história de suas obras.

Aportando às nossas plagas com a preciosa bagagem de estudos, que o público teve ocasião de admirar em diversas exposições, e que revelavam a maneira audaciosa por que o artista sentia a natureza, maneira muita diversa da de seus predecessores, ele não limitou-se somente a essa exibições.

Dir-se-á que a Providência reservava-o para fins mais elevados.

Grimm fundou uma escola.

Deixou discípulos.

É que nele o artista e o homem eram duas entidades completamente unidas.

O belo e o amor ao próximo preencheram toda a sua vida, que infelizmente foi curta.

Ensinar, isto é - repartir com o seu semelhante o que sabia, o que sentia, privar-se de um pedaço de pão para dividi-lo com necessitado, eram deveres que ele cumpria, sem ostentação, sem esperanças de recompensa, sem discursos contra a ingratidão, como soem fazer os egoístas, disfarçados em filantropos.

E no entretanto o invólucro de tão grande alma era áspero e rude!

Ninguém diria, ao vê-lo de sobrecenho carregado, com a longa barba loura, que dava-lhe o severo aspecto de um Huguenote, os cabelos em desordem, empunhando sempre em atitude ameaçadora a grossa bengala do[sic] Petrópolis, que chamava - seu cavalo; ninguém diria, ainda entrevendo-lhe através das sobrancelhas a limpidez celeste dos olhos azuis, que ali estava uma boa criatura, dessas que sem figura de retórica, são feitas a imagem de Deus.

Nos momentos de raiva praguejava contra os discípulos.

Parece-me que o estou a ver.

Vinha três vezes por semana ao ponto onde eles trabalhavam.

Diante de cada cavaleto fazia a sua observação.

A um dizia:

- Isto é uma furiosa porcaria!

E com a ponta da bengala principiava a corrigar na tela ainda húmida as imperfeições do desenho.

A outro perguntava:

- Onde é que você foi buscar este tom? Você enxerga lá isto?

Empunhava então a palheta e os pincéis e principiava a pintar, ora fazendo judiciosas considerações a respeito do modo por que os discípulos deviam ver, ora contando engraçadíssimos episódios de suas viagens pela Itália e Palestina.

A sua frase predileta era a seguinte:

- Desenha dentro.

E foi, graças a esse constante conselho, que os disicipulos apresentaram em cada estudo progressos visíveis.

Grimm idolatrava a verdade.

Na sua escola ao ar livre, única escola onde se devem formar paisagistas, ele procurou afastar os seus discípulos do convencionalismo banal, indicando-lhes os meios de fazerem conscienciosamente o que viam, sem tirar todavia a cada um a maneira de sentir, de conformidade com o seu temperamento.

Foi por isso que eles foram pouco a pouco ganhando a sua liberdade, conservando do mestre a grande virtude da exata e conscienciosa observação da natureza.

Grimm foi um homem útil

E nisto está o seu maior panegirico.

Na história da nossa arte o seu nome marcará um período importante.

França Junior.

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Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 5 de março de 1888:p.2

Thomaz Driendl

Em um dos dias da semana passada fui dar com os ossos no aprazível arrabalde que se estende do outro lado da nossa baia, com as suas praias de límpidas areias, como se dizia em outro tempo; praias cobertas de luxuriante vegetação, e onde o Sr. Leonel de Alencar, hoje crismado, foi beber a poética lenda da sonâmbula de Itapuca.

Já se vê que quero falar daquele prolongamento de Niterói, que é para os nossos paisagistas o que é Capri para os pintores italianos, e que chama-se prosaicamente S. Domingos... Domingos, o triste nome por que são conhecidos em geral os pretos velhos!

O fim que me levou ali foi ver um quadro de Thomas Driendl.

Driendl mora na Boa Viagem em uma modesta casinha cercada de flores.

Quando subia a ladeira, em cujo cimo destaca-se a casa no fundo sombrio do arvoredo, pungia-me a alma o espinho nas mais saudosas recordações.

A viagem [sic] de Grimm, o meu bom mestre, com a sua longa barba loura e os seus olhos azuis cheios de bondade, povoava aqueles sítios.

Grimm morava com Driendl.

Naquela casinha travei relações com os dois artistas, que viviam sempre brigando e sempre amigos, em companhia de um feroz buldog e de um macaco, que era a alegria do lar.

Afastemos, porém, do espírito tristes lembranças, e digamos ao leitor o que é o último trabalho de Thomaz Driendl.

É uma tela que deixaria perpetuado aqui o nome do pintor, se não tivéssemos já dele nas nossas galerias a Cena da Baviera, o famoso retrato do Sr. Dr. Ferreira Vianna, e aquela bela caneca de menino, que pertence a Sua Alteza o príncipe D. Pedro, e que orna hoje uma das salas do palácio do duque de Saxe.

O assunto dessa tela é escabroso bastante, e só um artista, cônscio do que vale, poderia empreendê-lo.

Sobre um fundo, singelamente pintado, destacaram-se, do tamanho natural, seis figuras de lázaros.

No centro, distribuindo cruzes aos infelizes, está o Dr. Ferreira Vianna.

Quanta elevação e quanta filosofia nesta simples ideia!

Que tesouros d’arte em cada uma daquelas figuras!

Abandonado, desprezado por todos, repelido da comunhão social como se fora um réprobo, o pobre lázaro só tem um amigo: - é Aquele que veio ao mundo para pregar a igualdade, a justiça, a caridade e que morreu na cruz sem ter entretanto conseguido desenraizar do coração do homem o orgulho, o egoísmo e todas as ruins paixões que o caracterizam.

Dar, portanto, ao lázaro a cruz, esse símbolo santo da confraternização, é levar-lhe o conforto à alma. É dizer-lhe:

- Vem a meus braços, eu te amparei. Os falsos irmãos que te repelem, porque fatal enfermidade deformisou-te o invólucro d’alma, esse invólucro que os vermes hão de um dia devorar, são os mesmos que vivem na sociedade na mais hedionda comunhão de interesses com toda a casta de leprosos morais que a infesta.

A figura do Dr. Ferreira Viana, que domina o quadro, irrepreensivelmente desenhada e impondo-se pelo colorido vigoroso, característico da escola a que pertence o artista, tem tal expressão que parece repetir, aos desventurados que o cercam, as consoladoras palavras do Evangelho, gravadas na tela:

- Eis o vosso amigo.

Onde, porém, toda a pujança do talento e saber de Driendl revelou-se foi no estudo consciencioso das outras figuras.

O artista caracterizou nelas as duas formas sob as quais a terrível moléstia exibe a sua hediondez.

Em algumas, como na figura do último plano, que beija cheia de fé a pequena cruz, que acaba de receber, vê-se perfeitamente estudada a forma mista, caracterizada pela face vultosa, hiperemiada, coberta de tubérculos, e a retração digital.

Em outras, como na do cego do primeiro plano, vê-se a forma anestésica descrita naquela cabeça anêmica, revestida de uma pele branca, atrofiada, sem as colorações do bom sangue, que é a nutrição da epiderme.

O quadro é contristador.

Estou bem convencido de que não agradará a certa ordem de pessoas, para as quais o belo é aquilo que lhes fala aos sentidos, e não a expressão da verdade.

Basta, porém, lançar uma vista retrospectiva para o séculos XVI e XVII para ver, como diz Charcot em sua interessante obra Les Demoniaques dans l’Art, que os acidentes exteriores da nevrose histérica tiveram um grande interesse na arte.

Naqueles tempos, em que as ideias eram outras, já os artistas procuravam estudar, mais ou menos conscienciosamente tais acidentes, embora eles fossem considerados, não como uma moléstia, mas como uma perversão da alma, devida a presença do demônio.

Raphael, o pintor das Madonas, a expressão a mais pura da suavidade da linha e do colorido, no grande quadro - A Transfiguração, que orna as galerias do Vaticano, e que é considerado pelos críticos como o seu testamento artístico, tentou pintar um epilético no menino que se extorce no plano central, e que é a figura que mais atrai a atenção do espectador.

Digo - tentou - porque Charcot, na citada obra, escudado com a opinião de críticos abalizados, e argumentando com a vasta erudição da sua especialidade, condena aquela figura sob o ponto de vista da ciência.

Em compensação a sua pena elogia nos termos os mais encomiásticos os possessos de Rubens, sobretudo a sua famosa possessa de Vienna, que tive ocasião de admirar quando visitei ali a galeria do Belvedere; os do Jordaens e mais que todos os de Andrea del Sarto, mencionado especialmente o célebre afresco do claustro da Annunziata em Florença - S. Felippe Nery benzendo uma possessa.

Poderia citar ainda outros fatos para demonstrar que aquilo que o vulgo chama impropriamente belo nem sempre foi a preocupação dos artistas de passadas épocas, e esses fatos serviriam para apadrinhar a escolha do assunto da última produção de Thomas Driendl, se porventura a arte moderna, seguindo outra orientação, não se tivesse dedicado exclusivamente nos tempos que correm ao consciencioso estudo da natureza.

Em minha humilde opinião a tela de Driendl é um primor de observação

Ela vai ser brevemente exposta.

À imprensa, ao juízo esclarecido dos que entendem de arte, e aos médicos, pode o artista entregar sereno e com confiança a sua bela produção.

França Junior.

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Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 2 de julho de 1888:p.2.

Artes

Há milhares de coisas que contribuem para o pouco amor, ou antes para o nenhum interesse com que neste país se olha para um quadro.

As belas artes entre nós constituem um ramo de educação nas classes abastadas, e especialmente para o belo sexo, no que diz respeito à música e à pintura.

Os pais sentem em sua vaidade de progenitores uns arrepios agradáveis quando ouvem dizer em coro uníssono, que as filhas tocam e cantam admiravelmente e que pintam como verdadeiras artistas.

Além disso naqueles arrepios esconde-se a pequena ponta de um interesse, interesse aliás confessável, como muitos que se escondem sob as camadas das mais generosas expansões altruísticas.

A rapariga que passe tais prendas acha mais facilmente noivo, que por seu turno incha como um peru de roda quando lhe chegam também aos ouvidos estes e outros comentários da opinião pública:

- Que belo casamento vai fazer Fulano! A noiva é muito prendada: canta, toca e pinta maravilhosamente.

Ora o cantar e o tocar são prendas que não podem ser postas em dúvida, porque passam por provas públicas, isto é, exibem-se imediatamente.

Quando uma rapariga com os dedos amestrados percorre vertiginosamente o teclado do piano, ou fá-lo gemer e suspirar como se ele fora o eco das vibrações de sua alma; quando canta com sentimento indizível, arrebatando o auditório, o trecho de uma partitura ou a simples melodia de uma romanza, a gente tem a certeza, de que não está ali um manequim a executar movimentos, que lhe imprimem, como o cuco de um relógio suíço, ou o boneco de realejo, mas uma criatura humana que realmente toca e canta.

Na execução musical não há fósforos.

É impossível ser nela, ao mesmo tempo, gralha e pavão.

Pode-se dizer o mesmo do desenho da pintura?

Não.

Dentre as muitas raparigas, que aos olhos dos pais e dos admiradores inconscientes passam por exímias artistas, raras, infelizmente bem raras são aquelas em cujos trabalhos se o esforço próprio, a luta prar o aperfeiçoamento, que é o ideal de todos os que produzem.

Nas cópias de estampas, de cromos detestáveis ou de ignóbeis oleográfias, que fazem ou para melhor dizer - que imaginam fazer nos colégios ou em casa, vê-se escandalosamente o dedo do mestre desde o primeiro contorno até os últimos toques.

Os pais que em todos os tempos e em todos os lugares são sempre os mesmos, dispostos a se extasiarem diante das prendas das filhas, não indagam como aquilo foi feito. O coração obscurece-lhes o entendimento ao ponto de imaginarem que com dois ou três meses de estudo uma criança possa fazer aquele verdadeiro milagre!

Os entendedores, que não vêem na obra um só traço que acuse as indecisões do principiante, em vez de dizerem aos pais a verdade nua e crua, tecem-lhe elogios exagerados, hipocritamente movidos por um dever de mal entendida civilidade, que é a causa de andar por este mundo muita coisa torta.

Com tal opinião os pais ainda mais se ufanam, e, mostrando aos amigos e conhecidos aquelas obras, dizem:

- Fulano, que é entendido, viu e achou maravilhoso!

Os amigos e conhecidos, alguns refratários completamente a compreensão da linha e da cor, dizem com a mesma sinceridade com que o entendido falou:

- É na realidade admirável!

- Como pinta!

- Sua filha é uma verdadeira artista!

- Mas foi ela mesma quem fez tudo isto?

- Ora, ora, acode o pai, cada vez mais insuflado, pois então quem havia de ser?

- Não foste tu, menina? Responde.

A menina responde sem titubear:

- Fui, sim senhor.

- Não há aqui nada de mestre?

- Nada, não senhor.

- Pois olhe, replica o conhecido mais conhecedor daqueles deveres da civilidade, de que falei acima, eu nem em vinte anos era capaz de fazer a metade!

Felizmente para a arte, ao lado de tantas raparigas, que assim procedem, algumas há que estudam com verdadeiro amor.

Se eu soubesse que, citando-lhes os nomes e assinalando-lhes os progressos, desviaria as outras do caminho errado que trilham, declaro que o faria com a melhor boa vontade possível.

Havia de pedir, porém, aos pais que me ajudassem nesta cruzada, não acreditando, ou pelo menos pondo de quarentena tudo quanto lhes impingissem professores pouco escrupulosos.

O modelo, que eu exigiria para tais pais, era o de um conhecido jornalista desta cidade, o qual, apresentando-lhe um dia a filha, que tinha apenas dois meses de estudo de desenho, a cópia de um carneiro, disse a sorrir, afagando a loura cabeça da criança:

- Está muito bom, minha querida; mas eu me dava por satisfeito se, em vez do carneiro todo, me trouxesse a cabeça dele, a cabeça só, mas feita por ti.

Dentre as milhares de causas, pois, que contribuem, como disse no começo deste artigo, para o nenhum interesse com que se olha neste país para um quadro, assinala como uma das mais importantes os fatos de que ficaram expostos.

Se a mulher brasileira consagrasse a pintura o mesmo amor, a mesma paixão que vota a música, se pintasse, mas pintasse realmente e não, como se costuma dizer - para inglês ver, estou convencido de que aquela arte teria tido já entre nós maior desenvolvimento.

Olhariam para um quadro com o mesmo entusiasmo com que ouvem a composição musical, que compreendem e sentem.

E o olhar da mulher é como o sol que tudo aviventa.

França Junior.

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Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1888:p.2.

De Martino

Tenho diante de mim a Gazeta Piemontese, que, sob o titulo de Artes e Ciências, publica um interessante artigo acerca do pintor De Martino, que reside atualmente em Londres.

Dentre os artistas que tem aportado as nossas plagas, nenhum como De Martino deixou traços tão vivos de sua passagem, já por sua individualidade característica, já pela maneira por que sonho captar as simpatias de toda a comunhão fluminense.

Pode-se dizer que ele pertence de corpo e alma ao Rio de Janeiro, do mesmo modo que Rossini, embora italiano de origem, guardadas as devidas proporções, pertencia a Paris, onde sonhou o famoso Guilherme Tell e fez ouvir pela primeira vez o Barbeiro de Sevilha.

Além disto De Martino aqui criou a família, que ele adora e estremece, a respeito daquele caráter vivo e irrequieto, em que diz-se-ia que a versatilidade esboçava-se a largos traços, e que parecia predestiná-lo para um esplêndido corte de celibatário.

E onde o homem funda família adere ao colo como uma árvore.

Parece-me que estou a vê-lo entre nós.

O largo chapéu de feltro cobre-lhe a fronte, uma fronte espaçosa, da qual os cabelos começam a desertar, demonstrando eloquentemente que sobre o ardor dos vulcões a vegetação tende a desaparecer.

Os olhos vivos e brilhantes iluminam-lhe constantemente o perfil como dois faróis, de luz fixa, que parecem dizer!

- Aproxima-te. Não tenhas receio. Aqui mora uma alma aberta a todas as expansões generosas. Sou um artista de coração e de fato.

Pálido, mas não dessa palidez mórbida que os médicos combatem com preparados ferruginosos, a sua cabeça desenhada com esmero ostenta os tons de opala e marfim das criações de Guido Reni.

Não pode estar parado.

Se o condenassem a imobilidade morreria como o glotão em jejum de pão o água, ou algarvio constrangido a ficar silencioso na célula de uma penitenciária.

A sua natureza participa do privilégio que Deus em sua inefável sabedoria concedeu às crianças, às borboletas azuis e aos colibris dourados.

Na rua com seu pala a tiracolo, nos salões vestido como um gentleman, nos teatros a aplaudir com entusiasmo as celebridades e sobretudo na artística desordem de seu atelier com a blusa do trabalho, a vivacidade do caráter de De Martino revelava-se a cada momento.

Era um gosto vê-lo pintar.

Pintava de pé.

Em sua opinião, estar sentado era um martírio.

Com a palheta em punho, segurando nervosamente o pincel, avançava para a tela e dava um toque. Recuava em seguida pra ver o efeito. Nestes avanços e recuos ia atirando para os lados bancos, pequenos cavaletes, caixas, todos os objetos, enfim, que tolhiam-lhe os movimentos.

À proporção que a tela ia se enchendo, mais se lhe aceleravam as pulsações da febre.

Os olhos brilhavam-lhe na órbitas com fulgor intenso.

Falava, gesticulava...

Dir-se-ia que uma centelha elétrica percorria todo o seu ser.

Bastava vê-lo pintar para crer que o artista de coração deve ter na alma tesouros de alegria, diante dos quais empalidecem todas as fofas riquezas deste mundo.

A biografia de De Martino resume-se em uma única palavra- pintar.

Ele não tem tido em toda a sua vida outra preocupação.

Quando saia do atelier, cansado, extenuado por essa febre de produzir, que é a pedra de Sísifo, dos que tem alguma coisa dentro do cérebro e do coração, passava pela rua do Ouvidor, alegre e descuidoso, pensando na arte, e entrava em casa de Pacheco, seu amigo dedicado e com o qual constantemente se corresponde.

Aí, diante dos vidrinhos de tinta a guache do Pacheco, que também é artista e sofre da mesma febre, embora o ganha pão de todos os dias tenha-o desviado de suas verdadeiras tendências. De Martino sentia de novo palpitar-lhe a fibra, e esboçava vertiginosamente no primeiro pedaço de papel que encontrava uma ruazinha ou um trecho de paisagem.

Quem percorrer a galeria do distinto fotógrafo, galeria em que as suas guaches pintadas com sentimento ocupam lugar distinto verá esses improvisos, essas produções a la minute, que bem revelam que o artista de que me ocupo tinha o diabo no corpo.

Os amigos de De Martino, conhecendo-lhe a natureza tiraram dela o melhor partido possível.

É assim que deixava o sobre as mesas de suas salas de visitas pedaços de papel e lápis, como que espalhados pela mão do Acaso, que, na opinião e H. Murger, é o nome de batismo da Providência.

O pintor, enquanto conversava à noite ouvindo um trecho de música, ia enchendo aqueles papéis de graciosos desenhos, que os amadores iam também por seu turno colecionando.

A bagagem artística de De Martino é enorme.

Não há salão entre nós que não possua uma marinha pelo menos do notável pintor.

Nas nossas repartições públicas figuram também quadros dele, representando com exatidão e sentimento os mais gloriosos feitos da campanha do Paraguai.

Atualmente em Londres De Matino é estimado com um artista de raça.

Os seus estupendos quadros, que ali foram feitos há alguns anos, representando os vários episódios do épico combate naval de Trafalgar, reproduzidos pelo cromo e postos à venda, foram vendidos aos milhares.

Eis um trecho da critica dos Times na época em que eles foram expostos:

“Só achamos neles um defeito: é que uma das páginas mais gloriosas da história da marinha inglesa tenha sido reproduzida na tela por um italiano.”

O atelier de De Martino em St-John’s Wood, muito perto da estação da estrada de ferro subterrânea de Marlborough Road, é frequentado pelos artistas ingleses mais notáveis e pelas primeiras autoridades do almirantado.

E ultimamente acaba também de honrá-lo com a sua visita o nosso estimado príncipe D. Pedro Augusto, que adora as artes, e honra o nome brasileiro, herdando todas as grandes qualidades e virtudes de seu avô.

O jornal que tenho à vista termina o seu artigo dizendo que De Martino em Londres honra a Itália.

E o Brasil, acrescentarei eu, porque De Martino também é nosso.

França Júnior.

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Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 3 de setembro de 1888:p.1.

Weingärtner

Já lá vão quatro anos, pouco mais ou menos.

Foi por ocasião da última exposição da Academia das Belas Artes.

Em uma das salas do pavimento térreo do pequeno edifício, naquela, se não me engano, onde o Sr. Gensollen exibiu a sua brilhante coleção de pastéis, vi alguns estudos de cabeças, firmados por um nome teutônico.

O interesse com que olho para coisas de arte, sobretudo quando no meio do abatimento moral em que vivemos elas se destacam como uma nota consoladora de progresso, levou-me imediatamente a perguntar de quem era aquele nome.

Soube com prazer que pertencia a um brasileiro, filho de pais alemães, nascido na província do Rio Grande do Sul.

Não me disseram mais nada.

Mais eloquentemente, porém, do que tudo quanto pudessem dizer-me acerca da pessoa do artista, falavam aquelas cabeças que eu tinha diante dos olhos, sinceramente pintadas e sobretudo tocadas com um vigor, que revelavam um discípulo adiantado de boa escola.

E interrogava a mim próprio:

- Onde estuda ele?

- Na província?

- Com quem?

- O simples estudo da natureza, despido da educação profissional, pode dar tão brilhante resultado?

O que seria Giotto sem as lições de Cimabue?

E o meu espírito, sem querer ofender os brios da grande província onde nasceu o artista, província aliás duas vezes ilustre por seus notáveis estadistas e pela glória de famosos guerreiros que se irradia em todo o império, recusava-se a acreditar que fosse ela o teatro dos estudos do pintor.

Tinhas razão, meu espírito.

Weingärtner, pois este é o nome teutônico a que me referi, deve a Alemanha e a Itália os aplausos que já lhe havia dirigido antes de conhecê-lo pessoalmente o que o público do Rio de Janeiro confirma agora na brilhante exposição que se acaba de inaugurar no salão de Pacheco.

Disse um grande naturalista que o estilo é o homem.

Weingärtner é um sujeito pequenino.

Longe de mim a ideia de fazer apologia da gente pequena.

Alguma criatura maligna poderia dizer, e com razão, que quero escrever uma oração pro dono mea, ou como diz o vulgo, em linguagem mais prosaica, que estou puxando a brasa para minha sardinha.

É fora de dúvida, porém, que tudo o que é bom é pequeno, desde os vidrinhos de essências puras até as joias de subido valor.

Napoleão o grande era pequeno.

Thiers, o famoso estadista sobre cuja sepultura a França inteira se debruça saudosa, faria ridículo papel em um corpo de granadeiros.

Passa em revista, caro leitor, a série de mulheres que te tem transtornado a cabeça, e verás que quase todas são pequeninas; ou que foi debaixo do pesinho mimoso de alguma que o teu orgulho de homem forte mais se achatou.

A primeira impressão que se sente ao ver pela primeira vez o rosto vermelho e redondinho de Weingärtner, aberto em um sorriso franco e expansivo, é a de um homem bom.

Os seus olhos são vivos e brilhantes, o sobretudo de um azul sereno como o do céu que se espelha no Adriático. Parecem dois toques de cobalto puro em fundo quente, ou duas safiras engastadas em um manto veneziano.

Se estes órgãos são, como dizem os poetas, com protesto embora dos fisiologistas, o espelho da alma, límpida e serena deve ser a do artista.

Cada um dos seus quadros, pois, exposta no salão do Pacheco, confirma o dito do grande naturalista.

Todos primam pela nota alegre.

O quadro que se intitula O Espólio, e que é a meu ver o melhor da coleção, tratado por algum artista que tivesse outro temperamento, seria um assunto triste e sombrio. Entretanto o espectador sente-se bem, vendo o contentamento que se espelha na fisionomia de cada uma daquelas figuras! Esta, encostada à parede, lê um velho alfarrábio; aquela, com a mão semi-fechada a contornar o pavilhão da orelha, ri malignamente, na atitude de quem quer ouvir sem perder uma palavra. No primeiro plano um sujeito mostra malignamente um mecha de cabelos, que vem talvez desvendar mistério da vida do inventariado, a uma mulher que se destaca na penumbra do fundo.

Todos os acessórios desta tela, primorosamente pintada, estão tratados com sinceridade. Não há ali pinceladas de acaso. Cada tom tem o seu verdadeiro valor e está no seu lugar. O desenho é corretíssimo.

A excessiva probidade do pincel do artista obriga-o muitas vezes na conscienciosa observação da natureza, a repisar trechos do primeiro plano. Daí um certo acanhamento que se nota em alguns de seus trabalhos, devido a meticulosidade com que são estudados todos os detalhes, acanhamento mil vezes preferível à falsa liberdade com que certos artistas, ignorantes do desenho e sem o verdadeiro sentimento da cor, pretendem pintar.

Não se pinta largamente, assim como não se escreve em estilo simples o fácil, senão depois de sérios estudos.

Os artigos escritos sobre o joelho e os quadros esboçados a la minute poderão agradar como impressões passageiras do momento; mas não são obras que ficam.

Entre os borrões de Manet e as telas de Bastien Lepage há um abismo, embora seja aquele o roteador da estrada luminosa que a moderna geração artística vai seguindo.

Do que acabo de dizer deduz-se que é pintor está no verdadeiro caminho para tornar-se um grande artista.

Os outros quadros de Weingärtner participam da feição alegre de seu pincel.

Aqui é uma rapariga que se prepara para um baile à fantasia, dando os últimos toques de pó de arroz em seu rosto sorridente.

Ali é o almoço ao ar livre. O sol inunda a paisagem, um pequeno canto do jardim encantador. Como é bem observado tudo aquilo, e sobretudo como é expressiva a criança que não ousa aproximar-se para receber a fruta que lhe oferece a rapariga, enquanto o marido sorri, interrompendo a leitura do jornal!

Os dois velhos que conversam a porta do cabaret, sentados em um banco rústico são palpitantes de vida.

Completam a coleção duas paisagens de Tyrel [sic], o quadrinho de gênero, em Capri, e uma linda folie, que foi comprada por Sua Alteza o príncipe D. Pedro, amador distintíssimo, e cuja brilhante galeria de quadros que orna o seu palácio à rua Duque de Saxe, acaba de ser realmente aumentada com preciso contingente que trouxe ultimamente da Europa.

Weingärtner conta ainda os dias por primaveras.

Tem talento e sobretudo grande amor ao trabalho.

Que futuro brilhante!

E que satisfação para o nome generoso monarca, de cujo bolso o artista tem recebido o auxilio para os seus estudos.

França Junior.

*

Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1888: p.1.

H. Caron

A viagem empresta aos produtos certas virtudes, que dão-lhe grande prestigio no mercado.

O rapé viajado, por exemplo, é muito melhor, segundo afirmam os entendedores, do que aquele que nunca atravessou o oceano.

O que se dá com os produtos dá-se com o homem.

E assim deverá ser, porque, no fim de contas, o homem não é outra coisa mais do que o produto o mais aperfeiçoado que saiu das mãos do criador, como se dizia outrora, ou das forjas do acaso, como sustentam as filosofias revolucionárias, que tem tentado nestes últimos tempos virar o mundo pelo avesso.

Os dois grandes legisladores que a Grécia teve, antes de formularem os famosos códigos de Atenas e Esparta, que preparam a grande civilização, de cujos benefícios ainda hoje gozamos, embora altamente modificados pelas tendências práticas deste século do vapor, da eletricidade, do telefone, do fonógrafo e das oliografias baratas, aqueles dois grandes homens empunharam as malas e andaram pelas costas do Mediterrâneo a esgravatarem os usos e costumes dos povos que resumiam então o mundo conhecido.

Quando voltaram aos torrões natais, valiam cinquenta por cento mais do que antes, e as suas obras passaram aos domínios da história por inspiradas por deuses.

A viagem tonifica o indivíduo física e moralmente.

Tais foram as considerações que acudiram-me ao espírito ao abraçar o paisagista Caron, recentemente chegado da Europa.

Quando o jovem pintor daqui partiu, com umas ideias ingênuas de moço, e o coração a transbordar de esperanças mais largas que o oceano, que devia separá-lo da pátria, disse-lhe nestas colunas que ele levava pra aquela peregrinação artística a bagagem a mais preciosa que pode carregar um eleito das musas.

Essa bagagem não consistia em camisas de flanela, botas confortáveis, casacos de panos fino, e tudo o mais de que costumam ir cheias as malas dos que viajam sem preocupação de orçamento.

Caron ia leve: mas em compensação levara consigo - mocidade e talento.

O futuro se lhe descortinava diante dos olhos, perfumado de esperanças róseas, à proporção que a proa do navio, que o conduzia, cortando entre risos [sic] de espuma das águas verde escuras do oceano, separava-o da linha do Equador.

E aquela miragem fagueira como que o compensava das agruras da saudade da pátria, que ele deixava pela primeira vez.

Mocidade e talento!

O que valem cofres recheados de ouro, glórias falsas e efêmeras considerações sociais, diante destes dois elementos que, por um esquecimento indesculpável da bondade divina, deixaram de ser companheiros inseparáveis!

Como não seria este mundo belo, encantador, um Paraíso sem serpente, se as flores viçosas dos vinte anos nos coroassem sempre a fronte; e as ideias as mais grandiosas e sublimes se nos engastassem na abóboda escura do cérebro como estrelas do firmamento!

Para que a ruga, o pé de galinha, a pele seca e encarquilhada e o riso, que é a manifestação da alegria, deformisado pela falta de dentes?

Para que este amargo epigrama, bom e generoso Criador?

Por que não iluminaste igualmente todos os cérebros?

Deixemos, porém, estas considerações, que nos entristecem e que nos levariam longe.

Voltemos ao nosso pintor.

Caron acaba de chegar, confirmando eloquentemente tudo quanto dissemos a seu respeito.

A bagagem que levou daqui foi-lhe de um proveito imenso.

Sente-se nas vinte e tantas telas que trouxe, e que muito breve, amanhã ou depois talvez, serão expostas ao público, no salão De Wilde, a frescura de sua mocidade e o sentimento artístico robustecido pelo estudo.

Caron foi discípulo, na Europa, de dois paisagistas notáveis, Hannoteau e Harpigny.

Do primeiro tirou essa probidade do detalhe, que, mal encaminhada, pode cair no excesso do maneirismo, tão perigoso como as expansões da pincelada larga e franca do impressionismo.

Estudando com aqueles dois artistas, ele não abdicou entretanto da sua autonomia, do mesmo modo que quando discípulo de G. Grim, ajuda no principio da carreira, já sabia imprimir em seus estudos um sentimento todo seu, um quid da sua personalidade, que desabrochava.

O público vai ver a exposição de Caron e julga-lo-á.

Somente o que desejo é que os seus quadros participem das virtudes que tem os produtos viajados, quanto ao prestígio do mercado.

É tão bonito ser artista!

Mas é triste ter talento e morrer de fome aos vinte anos!

França Junior.

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Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1889: p.1

Aurelio de Figueiredo

Se houvesse entre nós, constituído pelo governo ou por alguma sociedade filantrópica, um prêmio para os que trabalham resignados, sem esperanças de recompensa, nem mesmo a do pão a que todo o homem tem direito, os premiados deveriam ser incontestavelmente os artistas.

Dentre os artistas destacam-se, como mártires do trabalho sem lucro, os que empunham os pinceis e a palheta.

O público que olha para um quadro não põe em linha de conta a soma de dificuldades, nem pode compreender os poemas de miséria de que é as mais das vezes protagonista aquele que o concebeu e o executou.

Se a obra agrada-lhe, se satisfaz-lhe o ideal, ou antes, a vista, cobre o autor de pomposos elogios, como se cobre de flores uma sepultura.

Os pobres artistas, parodiando o famoso sacerdote da Bella Helena de Offenbach, que não via nas oferendas do templo a realidade que desejava, poderia exclamar:

- Trop de fleurs.

Mas não o fazem.

A animação do público, traduzia apenas por essas hipérboles em que se expandem os nossos corações meridionais diante das coisas belas, impele-os para novos cometimentos.

E de elogio em elogio eles vão sempre caminhando, até que um dia, pela lei fatal que rege o destino das coisas, cessam de trabalhar, deixando a família na miséria, sem teto e sem pão.

E ainda assim felizes devem ser os que tem a entrada semeada de tais flores.

Outros há que curtem amargurados a indiferença ou os rigores da crítica mal intencionada, caminhando, caminhando sempre.

Tal é em geral a história dos nossos artistas.

No meio deles aparece de vez em quando, como um santelmo e encher de esperanças os que trabalham com ardor, a figura saliente de Rodopho Bernardelli, que conquista a fortuna pelo talento e pela atividade.

Aurelio de Figueiredo, o artista de que vou me ocupar, tem tido felizmente flores pela estrada que percorre.

Há muito tempo que os fluminenses o acompanham com o mais vivo interesse.

E nem poderiam proceder de outro modo.

A vida do artista de talento está ligada por tal forma a sociedade onde as suas aptidões se desenvolvem e vão sofrendo as modificações impostas pelas correntes das ideias que ele constitui parte integrante dela.

É um fenômeno observado na historia de todos os povos, ainda mesmo na daqueles em que a arte, sem pompas de culto torna-se uma aspiração sencundária.

Se quisermos fazer pequenas despezasas de erudição barata poderíamos mostra a influencia do Tiziano em Veneza; de Raphael e Miguel Angelo nos destinos da Roma de Julio II e Leão X; de Corregio em Parma; de Leonardo da Vinci em Milão, onde seu Cenaculo, quase de todo apagado pelo tempo, é ainda visitado com respeito pelos romeiros da arte; de Velasquez, Murillo, Ribera na Espanha, de David, Delacroix e Courbet na França, de...

Mas longe de nós semelhante ideia.

Aurelio de Figeuiredo, como todos os que trabalham com ardor, caminha sempre acompanhando as ideias de seu tempo.

Aquele que para, não para descansar e seguir de novo a derrota com mais vigor, mas para rever-se em êxtase diante da sua obra, seja um sábio, literato, pintor, arquiteto ou músico, jamais constituirá um nome que fique na história dos povos.

Aurelio era um idealista; pode-se dizer mesmo - um fantasista.

Deixando-se levar pela suavidade do colorido harmonioso, por essas meias tintas vaporosas que constituem a feição característica dos quadros imaginativos vistos por um temperamento poético, o seu pincel enchia com rapidez vertiginosa pequenas telas, que o público aplaudia extasiado.

Ora era um Mefistófeles de guitarra ao seio a dedilhar chacaras infernais à loura Margarida.

Ora umas cabeças de valquírias esbatidas em fundo cor de rosa, ou um grupo de ondinas a surgir das espumas flutuantes das águas azuladas.

Às vezes a sua veia romântica sonhava a cabeça de uma mulher, dessas que inspiraram versos aos poetas da Alemanha no tempo de Goethe.

Outras vezes comprazia-se em recordar os anjinhos do Renascimento.

Um dia o artista resolveu abandonar toda essa bagagem leve, e começou a folhear com amor o grande livro da natureza.

Do modo proveitoso porque ele tem consultado o livro dão eloquentes testemunhos os seus últimos trabalhos expostos no salão De Wilde.

Esta exposição é pequena.

Consta de quatro quadros, quatro quadros apenas, mas que são bastantes para firmarem a sua individualidade como paisagista.

O mais importante deles representa uma mata dos arredores de Cantagalo ao pôr do sol.

Ao longe esfuma-se no horizonte iluminado a mancha azulada de um serro, contornado em sua base pelas linhas dos montes em sombra dos últimos planos.

No primeiro plano serpenteia, por entre verdes pintados com finura de observação, a estrada barrenta, de cujo barranco à direita àrvores esguias, enroscadas pelos cipós, erguem aos céus a coma verdejante de sua folhagem.

No declive da estrada vê-se um carro de bois, o primitivo carro da roça, o qual parece com o chiar das rodas acordar os ecos daquela solidão.

Como tudo aquilo é verdadeiro!

O ar parece circular por toda a parte formando as diversas gradações da perspectiva aérea.

Os pontos principais do quadro estão conscienciosamente desenhados.

Não há ali larguezas inconsistentes de pincel nem detalhes chineses, que prejudicam o efeito das massas.

Nos outros quadros notam-se as mesmas qualidades.

Apertamos sinceramente a mão do artista.

França Junior.

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Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 27 de maio de 1889: p.1

Artes

O silêncio da Academia das Belas Artes, silêncio digno de uma academia persa, no mês em que as expansões artísticas desabrocham como flores em todos os países civilizados, seria, como já disse nesta mesma coluna, um sintoma do nosso atraso ou da nossa decadência, se porventura alguns artistas cheios de fé e coragem não dessem, em exposições parciais, solenes provas de que ainda sem a garantia do governo a Arte vai vivendo como pode.

O meu ligeiro artigo da segunda feira passada foi como que um ganso do Capitólio a despertar a cidadela semi-adormecida.

O Castagnetto quebrou a mudez de que eu o tinha acusado, ou antes, de que o público começava já a acusá-lo, por estar habituado a ver sempre na Glace Elégante, no Moncada ou no Vieitas um quadrinho da sua lavra, com aqueles horizontes vaporosos e aqueles saveiros de velas enfunadas, cheios de movimento, mirando-se no azul transparente das águas.

Veio de Paquetá, a poética ilha dos convescotes, como ensina o Dr. Castro Lopes; a ilha que começa a disputar a Petrópolis o cetro das luas de mel; retiro romântico povoado de saudosas recordações, e onde mais de um velho deixou nos coqueiros que lhe bordam as praias, ou à sombra das mangueiras que lhe cobrem os areais, a página a mais íntima e feliz da mocidade; Castagnetto veio desta ilha sobrançando uma grande quantidade de marinhas. Enfileirou-as na galeria da Glace Elégante e disse-me por carta:

Meu caro amigo, não emudeci.

“Venha ver o que fiz durante o tempo em que julgou-me calado.”

E aludindo ao que escrevi acerca do milage de não morrerem de fome, entre nós os pintores, chamou-se - camelo do ideal e camaleão da fantasia; frases que me cairiam no gôto [sic] se não estivéssemos em um país onde os camelos são justamente os que mais comem.

Na sua última exposição há telas dignas do nome que conquistou.

Entre elas há um efeito de pôr de sol e outro de chuva, que revelam grande observação e estudo da natureza.

Seria conveniente, porém, que o distinto marinista olhasse um pouco mais para os primeiros planos dos seus quadros.

Quem pinta os horizontes, imprimindo nas montanhas que recortam o céu em curvas caprichosas o suave vapor que as envolve através da atmosfera; quem sente com tanta verdade e poesia a perspectiva aérea, graças a escola do ar livre em que foi educado, tem a rigorosa obrigação de não descuidar do desenho dos objetos que, pela posição em que se acham colocados, atraem logo a atenção do espectador.

Há nos seus quadros pedras, que não são propriamente pedras.

Em um deles, por exemplo, a linha horizontal do primeiro plano prejudica assaz o fundo, onde aliás vê-se um estudo de sol esplêndido.

Dando parabéns sinceros ao artista desejo-lhe que progrida na especialidade que com tanto talento cultiva.

E aproveito o ensejo para pedir aos amáveis colegas da revisão que não atirem sobre a minha cabeça as iras do marinista.

As iras, sim, não se admirem; porque Castagnetto, na carta a que aludi acima, disse-me com a rudeza que o caracterisa, rudeza que está em completa contradição com os seus seráficos olhos azuis:

- Ora bolas. O meu nome não é Castagnetas!

É que VV. SS., no meu último artigo, em vez de Castagnetto deixaram passar Castagnetas!

Da galeria Moncada ao salão de Wilde o salto não é muito grande.

Entremos, pois, naquele salão onde os irmãos Berna, um arquiteto e outro escultor, ambos cheios de talento e sobretudo de esperanças, porque estão na idade feliz em que elas desabrocham expõem ao público o projeto de um monumento que comemora a grandiosa data de 13 de maio.

Esta página, a mais brilhante da nossa história, afinando liras dos poetas a tem inspirado aos artistas sonhos, alguns dos quais, como o de Decio Villares e o de Aurelio de Figueiredo, vão ser em breve realizados.

A concepção dos irmãos Berna é digna dos aplausos do público.

Não há de por certo faltar o apoio da iniciativa particular e do governo à grandiosa ideia dos talentosos moços.

As praças da nossa cidade são pobres de monumentos.

E o acontecimento glorioso da nossa libertação há de ser perpetuado, tenhamos fé, no mármore e no broze.

Um aperto de mão sincero aos dois artistas pelo seu projeto.

França Junior.

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Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 15 de julho de 1889: p.2

Atelier Moderno

O Rio de Janeiro é incontestavelmente a mais importante cidade da América do Sul.

O meu orgulho de carioca, nascido e batizado na freguesia de Santa Rita, incha todas as vezes que penso no futuro grandioso que está reservado a este grande empório comercial, a despeito de suas ruas estreitas e imundas, que poderiam ganhar o prêmio de honra em concurso com as do Cairo ou as de qualquer cidade do Oriente; de suas casinhas baixas e informes ridiculamente pintadas; de se seus templos sem arquitetura; de seus jardins abandonados; de seus teatros de sarrafos, onde artistas mendigam o pão, prostituindo a arte e a si próprios; e do pouco interesse que aqueles que nos governam votam às nossas coisas, o que vem a ser, no fim de contas a causa primordial de todos os males.

Se compararmos a cidade, onde hoje vivemos, para bem dizer - ao ar livre, com aquela capital primitva, onde cada um vivia em casa trancado com sua mulher e seus filhos, ha[ve]mos de ver o quanto temos caminhado, e a rapidez com que vamos caminhando sempre.

entretanto uma manifestação de progresso, manifestação que parece ser aliás inata em todos os povos meridionais, nascidos sob a cúpula dos céus azuis e aquecidos aos raios ardentes do sol, que não se faz sentir no Rio de Janeiro na mesma altura em que se expandem os outros ramos da atividade social.

Refiro-me à arte.

E especialmente à pintura, à estatuária e à arquitetura.

O carioca e os provincianos que vivem neste grande centro dedicam à música verdadeira idolatria.

Com lágrimas nos olhos ouviram os nossas avós a Casta diva da Norma suspirada pela Cadiani; e com bravos arrancados do íntimo do peito aplaudiam o Tati no Pirata.

A aurora dos nossos sentimentos musicais raiou com Bellini.

De então para cá o Rio de Janeiro foi acompanhando com entusiasmo toda a evolução da arte melódica.

Verdi, Meyerbeer e Wagner tem sido ouvidos por ele com admiração e adoração sincera, digam embora alguns pessimistas que nosso público aflui ao teatro lírico por moda.

Pois bem, esse carioca e esses provincianos acariocados que ouvem e julgam o Lohengrin, a Africana, os Huguenotes e o Mefistófeles de Boito; que não cochilam nas salas ouvindo Chopin e Schumann; que nos concertos clássicos aguentam a pé firme, sem um bocejo, intermináveis sinfonias, extasiam-se entretanto puerilmente diante das ignóbeis oleografias ou das pinturas mercantis que expõem os armarinhos e as lojas de quadros.

E tudo isto, porque a nelas a nota da cor viva e crua, que fala aos sentidos o assunto mais ou menos conhecido, e...

Ia dizer a comodidade do preço, sem me lembrar que quadros de merecimento artístico tem sido vendidos entre nós por cifra insignificante em relação a que costumam alcançar, sobretudo em leilões, as tais oleografias.

Essa carioca ou esse provinciano acariocado irá ver, a convite dos jornais na Galeria Moncada ou na Glace Elegante o retrato a óleo estupidamente empastado na larga tela guarnecida de rica moldura, e dirá com convicção sincera:

- Está muito bom. Muito parecido. Falta só falar!

Extasiar-se-á ouvindo Rubinstein ou Mendessohn maravilhosamente dedilhados no piano de Herz pela filha, pianista de raça, na mesma sala em que os seus olhos se deleitam contemplando péssimos quadros, estupidas gravuras, biscuits baratos e chatas imitações de bronze.

Quanto edifica uma casa, ele, que adora a música até ao delírio, chama o mestre de obras e contenta-se com o plano que o bárbaro lhe dá.

Daí os aleijões que infestam a cidade, insultando a pureza do céu e o verde da nossa vegetação.

Do que fica exposto conclui-se que há um completo desequilíbrio no organismo dos nossos sentimentos estéticos.

Não sentimos a linha e a cor com a mesma percepção clara com que sentimos o som.

E tudo vem da educação.

Todas às vezes, portanto, que vejo anunciadas nos jornais exposições de bons quadros, ou que um belo mármore ou um rico bronze é apresentado às vistas do público, ou que se levanta um edifício [ilegível], sinto um prazer indizível, porque vejo neste fato uma escola para a nossa vista, cuja instrução tem sido infelizmente desprezada.

Os meus sinceros aplausos, portanto, ao Atelier Moderno, propriedade de Manoel Ribeiro e Villas Boas e que se inaugurou ontem.

Destinado a exposições permanentes de pintura e estatuária, ele veio preencher a lacuna importante que se fazia sentir nesta cidade - uma sala apropriada para aqueles misteres.

Nessa primeira exposição figuram os nossos principais artistas.

Concorra o público, mas concorra em massa àquele salão e o nosso gosto pelo bons quadros irá pouco a pouco se aperfeiçoando, como crescendo foi o nosso amor pela música ouvindo gradativamente as composições dos grandes mestres.

Tal é o nosso desejo.

França Junior.

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Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 29 julho de 1889: p.1.

Artes

Quando a França, a capital do bom senso como a chamou o mavioso cantor dos cedros de Líbano, não tivesse para os povos que a cercam no continente europeu e para os que começam a engatinhar na estrada do progresso neste vasto torrão americano, outros títulos de benemerência, sobressaindo entre eles o de ter-lhes dado os elementos de liberdade, de que hoje gozam, bastava o seu amor sincero e desinteressado pela arte, para que ela conquistasse a simpatia universal.

É que a arte revela um lado bom da alma dos povos.

E os povos são como os indivíduos.

Os sentimentos estéticos que brotam nos corações, ou inutilizam os germes dos vícios que possam porventura crescer e desenvolver-se neles, ou neutralizam-lhes as exalações pestilenciais com os perfumes que exalam as suas flores.

Um belo quadro, um trecho inspirado de música, o bloco de mármore onde o escultor imprimiu o cunho de seu gênio a fachada grandiosa do templo, um canto da Divina Comédia atestam mais gloriosamente o altruísmo de um povo, através dos sonhos, que todos os seus feitos e ações, adulterados muitas vezes pela lenda ou pela parcialidade dos historiadores.

Quando o futuro fizer o inventário da França, lerá nas salas do Louvre e nas paredes seculares de seus museus a página a mais brilhante de sua civilização grandiosa.

Caem-me do bico da pena estas considerações a propósito do grande acontecimento artístico, que acaba de revolucionar Paris.

O Sr. Secretan possuía em seu rico palácio uma suntuosa galeria de quadros, em que figuravam as sumidades da moderna escola francesa e os vultos os mais proeminentes do período romântico e da velha escolha daquele país, sem contar primores d’arte italianos a espanhóis do século XVI e algumas maravilhas flamengas.

Assinaram aqueles quadros os nomes de Meissonier, Millet, Corot, Daubigny, Troyon, Fragonard, Eugene, Delacroix, Gericault, Fortuny, Velasques, Paulo, Patter, Tenier etc.

Há dez anos que ele acumulava aqueles tesouros.

Foi em 1879 que comprou o primeiro quadro; que começou a sentir essa nevrose do colecionador, moléstia sem cura e de consequências muitas vezes fatais, sobretudo quando os recurso da bolsa não correspondem às aspirações sem limites do espírito.

As primeiras compras que fez não foram de telas de primeira ordem.

O seu gosto, porém foi pouco a pouco se desenvolvendo e os quadros de valor relativo que já começavam a encher as salas de seu palacete foram gradativamente substituídos por outros na altura de seu critério artístico já educado...

É a história de todos os colecionadores.

Mas o implacável martelo do leiloeiro incumbiu-se de desunir tudo aquilo que tantos sacrifícios havia custado.

Paris ou, para melhor dizer, o mundo inteiro que enche os seus boulevards foi assitir à grande venda.

Se os nomes grandiosos dos artistas que figuravam na coleção não fossem por si só suficientes para mostrar o que ela foi, bastaria dizer, para dar uma ideia cabal de seu valor, que essa grande venda, que convulsionou durante três dias a cidade onde presentemente se ergue a torre Eiffel, importou em seis milhões e oitocentos e setenta e cinco mil francos!

As cifras são mais eloquentes do que as palavras.

Para o público, porém, a coleção Secretan reuniu-se em um quadro - L’Angelus - de Millet.

E de todos os lábios partia a seguinte interrogação:

- Ficará esta obra prima em Paris?

E cada qual imaginava, em seu cérebro de patriota e de artista, a mágoa imensa de ver aquele quadro deixar a França, como tantos outros a tem deixado nestes últimos tempos, para ir enriquecer os museus da América.

E tinham razão esses bons e generosos franceses.

A peso de ouro os Estados Unidos tem transportado pouco a pouco para as suas suntuosas coleções particulares e para os seus museus os primores artísticos da velha e moderna França.

Daqui a alguns anos, se a Europa não opuser um paradeiro à nobre febre americana, é a na pátria do grande Franklin, nessa América donde partiram as descobertas que revolucionaram o mundo atual, que touriste ia de ir contemplar as maravilhas da arte de todos os tempos.

Os nossos irmãos do norte fazem presentemente com Sua Majestade o Dólar o que Francisco I e Napoelão o Grande fizeram outrora com a espada e o canhão conquistando para a França nas telas imortais de Leonardo da Vinci, de Andréa del Sarto, de Nicolo dell’Abate, de [ilegível], nos mármores do Canova e de tantos outros as glórias as mais legítimas da Itália.

Os franceses conquistaram grande parte do Louvre à espada e à pólvora.

Os americanos conquistaram também, por sua vez, as glórias da França que são os resultados da conquista italiana, sem explosões, sem derramamento de sangue, com a pólvora do último quarto do século XIX, que é o all mighty dollar.

Não serei eu, no meu orgulho americano, quem os acuse por isto.

Louvo entretanto o patriotismo da França por ver a maneira heróica por que ela se bateu contra a América na venda do Angelus, de Millet.

O Angelus foi arrematado por quinhentos e cinquenta e três mil francos!

Quando o martelo do leiloeiro deu a última pancada, e o quadro foi entregue a Mr. Prousl [sic], carregando de comprá-lo para o estado, um grito repercurtiu em toda a sala.

E esse grito foi:

- Vive La France! !

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Pobre Millet!

Morreste na miséria.

Os críticos do teu tempo chamaram-te revolucionário.

Um deles chegou até a dizer que por detrás de cada um dos teus quadros parecia erguer-se a guilhotina.

Ainda tenho nos ouvidos as palavras de animação, como se elas fossem dirigidas a um principiante, com que acolheu-te o grande Theofilo Gauthier, ele que era também um revolucionário, que colocou-se a frente da falange indômita de 1830, que ia para o teatro sustentar o Ernani a socos!

Revolucionário, tu, meu pobre Millet?

- Por que?

Porque não pintavas aquelas pastorinhas de Wateau, vestidas de setim, ao lado de uns carneirinhos penteados no meio de uma paisagem de convenção.

Os teus quadros eram janelas abertas ao ar livre.

Os teus camponezes cheiravam a suor e feno: eram homens de trabalho. Tinham as mãos calosas e o resto tostado pelo sol.

Não tiveste o pão em vida.

Alguns anos depois da tua morte, esse famoso Angelus, a tua obra prima, que vai ornar as paredes do Louvre, foi vendido por algumas centenas de francos.

O comprador, porém, teve de passá-lo adiante, felizmente com um pequeno lucro, para não incorrer nas troças dos... entendendedores.

Hoje desfruta o Angelus as palmas da imortalidade no grande panteão do Louvre, comprado pelo estado pela insignificante quantia de quinhentos e cinquenta e três mil francos, isto é, duzentos e vinte um contos aproximadamente da nossa moeda!

França Junior

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Echos Fluminenses - O Paiz, Rio de Janeiro, 6 de agosto de 1889: p.2.

Academia das Belas Artes

Por mais de uma vez dissemos nestas colunas, mostrando a indiferença dos nossos governos, quaisquer que sejam os seus credos políticos, por coisas artísticas, que a Academia das Belas Artes, sempre muda e fechada, podia ser equiparada aos sarcófagos dos antigos Ptolomeus ou a gaveta de um usurário.

Felizmente já ninguém terá o direito de gastar doravante estes dois tropos de retórica, ou outros mais apropriados.

A Academia das Belas Artes abriu-se!

Garças à iniciativa do atual ministro do império, o Sr. Barão de Loreto, vai o povo, uma vez por semana, admirar ali alguma coisa, que contribuirá, estamos certos, para ir formando pouco a pouco a sua educação artística.

A Academia é o único museu de artes que possuímos.

Em todos os países adiantados do velho mundo esses museus estão abertos a concorrência do público duas vezes, pelo menos, por semana.

E não é só o governo lá que assim procede.

Os particulares, que têm em seus palácios ricas galerias, abrem-lhes de par em par as portas ao povo, afim de que ele contemple as obras dos grandes mestres, e nessa contemplação do belo edifique o seu espírito.

Há pouco tempo deu-se um fato na Itália, fato que para nós, país até ontem essencialmente agrícola e hoje puramente comercial, parecerá extraordinário.

O príncipe Borghese possui a mais rica coleção de preciosidades artísticas que imaginar se pode.

O seu palácio está longos anos franqueado ao público.

Não há touriste que, percorrendo as maravilhas de Roma, depois de ter admirado na capela Sistina os assombros geniais de Miguel Ângelo, e nas salas do Vaticano as criações ideais do Raphael e todo esse mundo de mármores do paganismo grego, não tenha ido transpor as portas da Villa Borghese para completar a sua peregrinação artística.

É que ali a Roma de Julio II e de Leão X acha-se representada no que tem de mais glorioso.

Um dia o príncipe Borghese quis fechar o palácio.

- Nada mais natural, dirão os que me estão lendo. Se a casa é dele...

A edilidade, porém, saiu-lhe com embargos.

O príncipe não tinha o direto de privar o povo de um gozo, em cuja posse se achava a longos anos. Aquela galeria era uma fonte de educação pública. Fechá-la, sem motivo plausível, equivalia a suprimir criminosamente um poderoso meio de instrução popular.

Travou-se a demanda.

Vieram os provarás e os considerandos.

E...

E a edilidade ganhou.

O que fica dito mostra com eloquência que o fechamento da academia, o único museu que possuímos, como já disse, era um crime.

Pelo cérebro das nossas câmaras municipais, ocupadas com questões de mais alta transcendência, nunca passou a ideia de pedir a abertura daquele estabelecimento.

Em sua opinião, o povo pode educar pouco a pouco o gosto artístico, contemplando com amor a primorosa fachada da igreja da Lampadosa; a coluna de alvenaria da matriz da Glória, de aspecto grego, a carregar às costas uma torre latina; o jardim de canteiros sem flores e grades a caírem que se ostenta impunemente, sujo e maltratado como um mendigo, diante daquele templo; o edifício da câmara dos deputados, acocorado, cheio de emplastros e remendos; as ruas mal calçadas e imundas; as esquinas a destilarem amoníaco; os retratos a óleo das manifestações; os teatros de sarrafos e panos pintados; as barracas de sortes que formigam na rua da Carioca e circunvizinhanças, et coetera, et coetera.

Felizmente o Sr. Barão de Loreto, compenetrado da importância de um dos ramos da sua pasta, até aqui, infelizmente, pode-se dizer, desprezado, acaba de tornar-se digno da gratidão do povo.

A nossa Academia das Belas Artes conta em seu seio originais importantes da antiga escola italiana, flamenga e espanhola.

Figuram como estrelas de primeira grandeza nessas escolas os nomes de Paulo Veronese, Corregio, Dominiquino, Bassano, Salvador Rosa, Perugino, Caravaggio, Vandick, Rubes, Murillo, Velasquez, Ribera e outros.

Da velha escola francesa e alemã conta também algumas produções importantes.

A sua galeria de gessos, cópias embora das mais famosas maravilhas da antiguidade clássica, tais como Vênus de Milo, a Diana, o Apolo do Belvedere, o grande torso do Vaticano, a Vênus de Medicis, o Antinoos, o grupo do Laocoonte e os baixos-relevos do Parthenon, é digna de ser visitada e oferece belos assuntos de estudos.

Pena é, entretanto, que a Academia pouco ou nada possua das modernas escolas.

O povo, percorrendo as suas salas, não pode acompanhar a evolução da arte e ver a diferença que separa o quadro antigo da tela pintada pelos processos modernos.

Felizmente, porém, o visitante inteligente verá bem vivos e salientes os traços dessa diferença, no mármore revolucionário que representa o Cristo e a Adúltera, em que Rodolpho Bernardelli imprimiu toda inspiração e ciência de seu cinzel maravilhoso.

Que diferença entre esse mármore as duas cópias da Venus Calipígia e de Medicis, também devidas aos seu cinzel?

Nestas, as linhas convencionadas do belo ideal.

Naquele, a pura beleza real.

Vai, enfim, o povo ter um meio de edificar o seu espírito na contemplação de boas produções da arte.

É preciso, porém, que o Exm. Sr. Barão de Loreto complete a sua obra.

Há já muitos anos que não a exposições artitíscas na academia.

Esperamos que no mês de maio do ano vindouro, aquele estabelecimento abrirá de par em par as suas portas para uma grande exposição.

França Junior.

*

Artes - O Paiz, Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1889: p.1.

ARTES

Albert Wolf, traçando com mão segura a biografia dos principais artistas modernos da França em seu interessante livro - A capital da arte, livro do qual se irradia luz imensa sobre a história da pintura francesa no curto, mas glorioso período que vai de Gericault à grande revolução operada por Manet, descreve-nos a ùltima fase da vida de Corot na aldeia de Barbizon, onde o pobre Millet curtiu resignado as torturas as mais cruciantes da miséria.

Que bela página que é aquela!

O velho paisagista de Ville d’Avray, com a cabeça branca como a neve, sentado em sua trípode, diante do cavalete, abrigado pelo vasto chapéu de sol de linho, lá está na floresta de Fontainebleau a estudar a natureza.

E com que amor ele a estuda!

Com que carinho a observa!

Dir-se-ia que naquele labor, cheio de encantos, sua alma renasce como a Fênix das cinzas amortecidas do corpo, exalando os maios acres perfumes da mocidade.

Às vezes o pincel corre-lhe vertiginoso pela tela em momentos de inspiração.

Então o pintor de olhinhos brilhantes e luminosos, com o cachimbo entre os lábios, o seu cachimbo tradicional, levanta-se, contempla à distancia o trabalho e diz, cheio dessa alegria inefável que se fosse dado a todos sentir o mundo seria um paraíso:

- Bravo, meu velho, muito bem. É isto mesmo.

E sentando-se de novo trabalha com o ardor de um moço.

Outras vezes, da sua palheta não pode arrancar um tom que preste. As tintas empastam-se-lhe na tela, sujas, frias... Por mais que as misture, por mais que as combine, é-lhe impossível dar a nota justa do que vê e sente.

A centelha, porém, que ilumina não tem desânimos.

É ainda com a coragem de um moço que empunha espátula e diz, fazendo desaparecer da tela as grossas camadas de tinta:

- Não, não é isto, meu velho. Toca a começar de novo.

Bom e inspirado paisagista de Ville d'Avray!

Todos aqueles que se extasiam diante da natureza, e que procuram senti-la e interpretá-la, não podem olvidar a tua memória.

*

O paisagista F. Ribeiro, que expõe atualmente no “Atelier Moderno” belos estudos d’aprés nature, tem dentro de si três virtudes que hão de levá-lo à posteridade - talento, amor dedicado ao trabalho e perseverança.

Na idade em que lhe sorriem ainda as primaveras da vida, ele faz da sua arte uma religião.

Ama-a, adora-a com um fogo que nunca se apaga.

Pobre, sem proteção, dotado da mais nobre qualidade que pode possuir o homem - a independência de caráter, habituou-se a ver no esforço próprio a única alavanca de conquista.

A história da sua vida artística, ainda em começo, resume-se em duas palavras - tenacidade e persistência.

É por isso que rugas prematuras sulcam-lhe já a fronte de moço, e que os risos desabrocham-lhe nos lábios, velados às vezes por nuvens sombrias de tristeza.

A prova do quanto Ribeiro ama a sua arte está na maneira por que se preparou para ela.

Os seus condiscípulos pintavam, ele desenhava.

Quem, há uns sete para oito anos, passasse pela rua Taylor, veria ali cinco paisagistas diante de seus cavaletes instalados ao ar livre, estudando com amor e entusiasmo os trechos que abundavam então naquelas paragens, onde a vegetação, ainda não destruída ou desaformoseada pelo homem, crescia em plena liberdade.

Eram os dicípulos de Gimm.

Enquanto este se entregavam às seduções da cor enquanto procuravam conhecer o segredo maravilhoso da combinação das tintas, apalpando aqui um tom, ali outro, Ribeiro, sentado a um canto em uma trípode desconjuntada, lá estava pacientemente a desenhar uma árvore, um trecho de caminho, ou um corte de muro velho coberto de vegetação.

E com que probidade ele fazia aquilo!

Os seus desenhos resentiram-se a princípio de uma certa dureza, que outra coisa não era mais que a consequência das demasias do estudo e observação.

Pouco a pouco, porém, os seus olhos foram-se habituando a ver melhor; isto é: a ver somente o que se deve ver e a desprezar o que é inútil ver.

Daqueles estudos em que, com a ponta do lápis caprichosamente aparado, ele procurava atingir ao falso ideal de desenhar uma árvore folha por folha, passou gradualmente à compreensão das grandes massas, que da a nota verdadeira da natureza.

Só depois desta sadia aprendizagem foi que Ribeiro decidiu-se a empunhar a palheta.

Ele podia, pois, tomar por divisa a máxima de Ingres:

- O desenho é a probidade da arte.

*

Os seus primeiros quadros foram duros, sujos e secos.

Notava-se, entretanto, neles muita observação e o dedo do grande desenhista.

Tenho ainda bem presente uma tela dessa primeira maneira.

Era um estudo feito na Boa Viagem, naquela poética rua da Boa Viagem, que ia desembocar na praia, e para onde Grimm havia transportado os seus discípulos.

Ribeiro, Caron e Vasquez moravam em uma casinha ao lado da do mestre.

Que boa república aquela!

República, sim, leitores! Porque ali a liberdade, a igualdade e a fraternidade nunca foram figuras retóricas.

Caron, se não me engano, era o encarregado da limpeza da habitação, que... nunca viu vassoura.

Vasquez fazia as compras. Os companheiros queixavam-se sempre dos maus gêneros que ele trazia.

Ribeiro cozinhava; e, coisa célebre, nunca conseguiu fazer um prato que valesse os seus desenhos.

Às duas horas aparecia na praia, onde eles estavam a pintar, Grimm com o seu indefectível gorro encaruado e o macaco ao ombro, um macaco endiabrado, que comia verde inglês e trazia vizinhança em sobressaltos.

Naquele estudo de Ribeiro, como dizia, notava-se muita observação e desenho.

O primeiro plano era ocupado por bananeiras.

O caráter daquela árvore havia sido habilmente interpretado na pequena tela, cheia de ar e de luz.

Os progressos de Ribeiro na pintura foram morosos.

Dizem que o sentimento da cor é um dom natural.

Nasce-se coloristas, como se nasce poeta.

Eu também assim o pensava.

A última exposição, porém, de paisagista, de que me ocupo é uma prova do contrário.

O espaço, o estudo, a perseverança, a tenacidade são grandes alavancas de conquista em todos os ramos do caminhar humano.

Ribeiro tornou-se colorista!

Vendo o Quilombo do Leblon, a Cachoeira da Boa Vista, A entrada do engenho, Um conto de praia, Manhã de maio, e os quarenta estudos expostos atualmente no “Atelier Moderno”, sente o espectador a vibração exata da nossa natureza.

Que céus azuis, límpidos e cheios de ar!

O tom diáfano e vaporoso das montanhas ao longe é admiravelmente observado em seus quadros feitos em dias de luz intensa, e reproduzindo a maior parte a hora em que essa luz mais encantos apresenta aos olhos do colorista.

Há ali manhã e um pôr de sol que são dignos de ver-se!

Ribeiro, como todos os discípulos de Grimm, cuja passagem deixou em nosso humilde meio artístico os mais indeléveis traços, abandou o que o mestre tinha de mal, assimilando-lhe as grandes qualidades.

Ainda bem. A sua última exposição demonstra que ele progride e progride muito.

França Junior.

*

Artes Retrospectivas - O Paiz, Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1889: p.1.

ARTES RETROSPECTIVAS

Vai se inaugurar brevemente nesta cidade, segundo nos consta, um - Museu de artes retrospectivas.

A ideia deverá ser levada a efeito por Sua Alteza a sereníssima princesa imperial, que, tendo gravado o seu nome no bronze imperecível da abolição, procura por todos os meios consolidar a obra de paz educando o povo na contemplação da arte.

Esta ideia, que era um dos sonhos dourados do príncipe D. Pedro Augusto, vai ser finalmente uma realidade!

Há muito tempo que ele a afagava.

Nas palestras com os amigos, sua alma de moço desvenda-se em toda a pureza, todas as vezes que há uma questão de arte a discutir ou um objeto artístico a admirar.

O seu ponto de vista em matéria do belo, matéria que tem dividido o mundo nestes últimos tempos em diversas escolas, notando-se entre elas algumas que primam pela nota da extravagância, é sempre justo e verdadeiro.

É que descendente de uma família de artistas, o jovem príncipe tem sabido enriquecer o seu espírito com o precioso tesouro da erudição, sabiamente encaminhada e bem digerida.

Soberbos originais de mestres ornam as paredes do seu palácio à rua Duque de Saxe.

As vitrinas que ali figuram, entre as quais se notam alguns primores de marcenaria, ostentam preciosidades arqueológicas.

Os móveis que enchem as salas tem o cunho característico de uma época.

As cortinas, as tapeçarias, todos os objetos enfim, representam a pesquisa inteligente de um amador de raça.

O jovem príncipe, portanto, muito poderá auxiliar a sua digna tia na realização daquela obra, a que o Brasil já tinha direito pelas conquistas que começam a assinala-lhe a atividade de povo civilizado.

Dando notícia da inauguração do museu, é nosso dever desfolhar flores sobre a coroa da augusta princesa, que tão bem compreende a sua missão.

Um museu de artes retrospectivas é uma história viva do belo.

Nele o povo aprende e edifica o seu espírito.

É preciso, portanto, que todos concorram com a sua pedra para o edifício moralizador que a ilustre senhora vai levantar.

*

O Brasil não pode ainda aspirar a ter uma arte sua.

Não é portanto o desenvolvimento da nossa arte que poderemos estudar no museus que se vai criar, mas em grande parte a história de alguns primores traduzidos da velha Europa, e que aqui ficaram como legados preciosos de uma geração que passou.

Esses primores não terão uma origem que se perde na noite dos séculos, como aqueles do período greco-egípcio da dinastia dos Ptolomeus, que se encontram em muitos muses da Europa.

Sentir-se-á neles o perfume dos séculos XVII e XVIII e do começo deste.

As nossas preciosidades artísticas não podem vir de mais longe.

Teremos então ocasião de ver o que possuímos de belo em móveis desde o estilo Felipe IV e Luiz XIII até a linha severa da maneira romana do primeiro Império, maneira que se resente da frieza dos quadros de David, do mesmo modo que das esculturas de Jean Goujon resentiram-se todos os trabalhos de marcenaria do século XVI.

A arte de talhar a madeira teve entre nós em diversas épocas os seus cultores.

A história registra com louvor o nome do monge Domingos da Conceição no século XVII.

No XVIII figura Simão da Cunha, cujas obras podem ser admiradas na igreja do mosteiro de S. Bento.

O artista, porém, que mais se elevou se elevou neste gênero foi Valentim da Fonseca, a quem se deve, se a memória me não trai, as portas do tempo da Candelária.

Nas igrejas das cidades de Sabará e S. João d’El-Rei encontram-se esplêndidos trabalhos em madeira, especialmente balaustradas de coro, que são atribuídas a Antonio José da Silva, conhecido pelo Aleijadinho, e que viveu no meado do século passado.

Não é para admirar, portanto, que em várias coleções particulares, tais como a do barão de Maia Monteiro, do comendador Angelo Thomaz do Amaral, uma das mais ricas que conhecemos, do comendador João Carneiro do Amaral, do barão de Quartin, do conselheiro Ferreira Viana e de tantos outros, encontrem-se cadeiras, mesas, casas, tamboretes dos estilos Luiz XIII, Luiz XIV, Luiz XV, Luiz XVI e primeiro Império, que seriam recebidas como dádivas preciosas em qualquer museu de artes retrospectivas.

Entre as cadeiras antigas que possuímos, sobressaem pelos seus assentos de couro, ricamente trabalhados, as da época de Luiz XIII com pés direitos e singelos, e as de Luiz XIV, que primam por delicados trabalhos de escultura.

Possuem também alguns colecionadores móveis daquele tempo de estilo puramente flamengo.

Citaremos entre estes um armário que pertence hoje à condessa da Estrela (Cecília), e uma secretária que fez parte da mobília de Maurice de Nassau, e que orna a coleção do Sr. Duscable, em Pernambuco.

A coleção deste amador é uma das mais ricas que possuímos.

No gênero - miniaturas - o museu projetado poderá fazer belas aquisições.

As mais importantes que temos foram trazidas por D. João VI e consistem em caixas de rapé e broches com retratos da família real.

A história, entretanto, registra o nome de alguns miniaturistas nossos, sobressaindo entre eles J. Gentil, que foi discípulo de Leandro de Carvalho, falecido em Angra dos Reis, e que deixou como continuadores do seu gênero - Leandro seu filho, célebre pintor de flores, e F. Amaral.

A coleção de caixas de rapé poderá ser enriquecida com as caixas de tartaruga com incrustações de ouro, estilo XVI, e que por aí abundam.

No gênero vasos tem o paço da cidade dois de bronze, dourado a fogo, e que são atribuídos a Gouthiére, célebre artista do tempo de Luiz XVI.

O museu das artes decorativas em Paris possui dois do mesmo estilo.

Os leques antigos, entre nós, são raríssimos.

Conhecemos um ou outro com pinturas no gênero Watteau em miniatura sobre pergaminho.

Outros tanto não podemos dizer dos relógios.

Possuímos alguns de prata, estilo rocaille, da Regência e Luiz XV, e vários Diretório com chatelaines e imensos berloques, distinguindo-se muitos pelas belas cimofanas, de que são ornados.

Quanto a camafeus é pobríssima a nossa coleção. Apenas alguns do primeiro Império.

Em matéria de jóias a por aí alguns cabochons, feitos em cristal de rocha com inclusões de minerais, tais como a clorita, o rutilo, etc., etc.

Temos também anéis quase todos da época do Diretório.

No que diz respeito ao marfim trabalhado, a exceção de um Cristo morto que possue a famosa coleção do Sr. Duscable, já citada, nada possuímos de notável.

As pêndulas estão entre nós bem representadas. No paço da cidade existe uma a Luis XV. É de bronze dourado a fogo e assenta em um pedestal de alabastro com placas também de bronze, representando assuntos que parecem ser tirados de Boucher.

Há ainda varias pêndulas a Luis XVI e do primeiro Império em estilo romano.

Os azulejos que aqui temos, todos de origem portuguesa, são em geral desenhados a traço com cor azul ou vermelha, e representam cenas da história sagrada, como as que tivemos ocasião de ver em S. Vicente de Fora em Lisboa, e os que existem na igreja do Carmo em Ouro Preto.

Quanto a majo[?]cas, a única que se tem encontrado, e que não é nossa, é a que forma a parte superior de uma mesa de jacarandá com pés torsos, no estilo do século XVII e que pertence à famosa coleção do Sr. Duscable.

Em porcelanas chinesas, sobretudo na família amarela e azul, possuímos o que há de melhor.

Pente de tartaruga:

A melhor coleção que conhecemos é a do pintor Aurélio de Figueiredo.

As colchas da Índia e as da Pérsia, que são as mais raras, apresentam nas coleções de alguns amadores esplêndidos exemplares.

O príncipe D. Pedro possui uma, bordada a ouro e a matiz, representando uma árvore com folhas e frutas.

A condessa da Estrela tem várias de subido valor.

Em matéria de tapeçarias raras são as Auboussons, Gobelins, Beauvais e aplicações de pelúcia sobre seda do tempo de Luiz XV, que figuram nos salões particulares.

A ourivessaria está bem representada em pratas do século XVII, e em bandejas e cafeteiras no estilo a Luiz XV.

Sua Majestade o imperador tem quatro candelabros feitos pelo célebre Francisco Thomaz Germain, que nasceu em abril de 1726 e foi detectado mestre ourives em 1748.

Muitas coisas poderíamos ainda citar, mas este artigo já vai longo.

*

O serviço prestado pela sereníssima princesa imperial é de grande importância.

Auxiliada pelas luzes e patriotismo de seu digno sobrinho o príncipe D. Pedro, e por todos quantos se interessam pelo futuro deste país, a augusta senhora deixará o seu nome inscrito em um monumento que fica.

França Junior.

*

Artes - O Paiz, Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1889:p.1

ARTES

Na semana passada fui à Academia das Belas Artes.

O que me levou àquela casa foi, além do prazer que sinto todas as vezes que visito a sua pinacoteca, a curiosidade de ver um antigo painel pertencente à capela imperial, e que ali, se está restaurando.

Este painel, que representa a família do príncipe-regente em adoração aos pés da Virgem do Monte Carmelo, tem uma história importante, e recorda o período em que as artes relativamente mais floresceram no Brasil.

Nos séculos XV, XVI, XVII e XVIII os papas, as testas-coroadas e os grandes senhores faziam-se retratar com os santos da sua devoção.

As galerias artísticas e as suntuosas catedrais da velha Europa estão cheias desses quadros nativos firmados pelos nomes os mais gloriosos do primeiro Renascimento, que surgiu por detrás dos Apeninos como um grande farol a iluminar o mundo, e do segundo, que desmaiou pode-se dizer apenas nasceu em França, depois de um largo período da decadência.

O painel é considerado uma das melhores obras do notável artista José Leandro de Carvalho.

Digno rival de seu chará Leandro Joaquim, o célebre autor dos quadros da igreja do Parto, reconstruída por Luiz de Vasconcellos, depois de um grande incêndio, José Leandro deixou-nos os melhores retratos de el-rei D. João VI, que encontrou nele, para bem dizer, e seu Apeles.

O painel, que mede 32 palmos de comprimento e 16 de largura, representa na parte inferior os retratos em corpo inteiro da rainha D. Maria I, que conduz pela mão o príncipe D. Pedro e do Sr. D. João VI e da rainha D. Carlota. A parte superior é ocupada pela Senhora do Carmo, cercada de anjos, tendo um deles uma palma e outro um escudo, onde está escrita a seguinte legenda: Sub tuum proesidium confugimus. As pessoas reais, que figuram ao lado direito da composição, são também guardadas por dois anjos, um dos quais sustenta uma esfera, onde se lê o seguinte: Nostra deprecationes ne despicias.

Bastante estragado pelo tempo, e estendido sobre uma larga mesa, em vasta sala, onde outros quadros sombrios, com massas denegridas de betume, pareciam dormir tranquilos como em uma necrópolis o sono do esquecimento, não pude apreciar segundo desejava todas as belezas da composição.

Vi, porém, que as figuras eram perfeitamente pintadas.

O colorido conserva ainda todo o vigor.

A técnica resente-se entretanto da maneira do tempo, se bem que notam-se em alguns pontos do quadro pinceladas de grande ousadia.

Disse que o painel tinha uma história.

E esta historia é infelizmente bem triste porque foi ela pra bem dizer a causa da morte do grande pintor.

Ninguém ignora o quanto se exaltaram os ânimos e o que fez a política, que é a sujeita mais desbragada que conheço, aos acontecimentos de 1831.

A arte, que paira em uma atmosfera límpida e serena como as águias do antigo céu da Tessalia; que devia escapar pela nobreza de seu caráter e da sua missão às lutas de pequenas misérias e ambições, sofre e bebe muitas vezes até as fezes a taça da amargura, quando, como um leão indomável, se convulsiona a terra em que ela viu a luz e floresceu.

A mão sacrílega de Courbet, um artista e um artista de gênio, para maior vergonha sua, deita abaixo a coluna de Vendôme!

As balas de Napoleão I não pouparam o Cenacolo de Leonardo da Vinci!

A Vênus de Milo, o mais belo padrão que nos legou a estatuária romana, se a não tivessem enterrado como um tesouro precioso na última guerra que ensanguentou a França e a Alemanha, não estaria ainda hoje a sua serenidade olímpica inundando de luz a sala do Louvre.

A política vitimou o painel de José Leandro.

Era preciso passar uma esponja destruidora sobre aquelas figuras reais.

Dessa missão foi incumbido o pintor Debret.

Debret porém era artista, e artista de coração.

Rejeitou.

O seu pincel criava; não destruía.

O que não fez, porém, o pincel de um pintor de raça, fê-lo a brecha do caiador.

As figuras de el-rei e D. Maria I, do príncipe D. Pedro e de D. Carlota desapareceram sob informes camadas de tintas e pretendendo figurar uma montanha.

O sicário que cometeu tal atentado não teve felizmente a ideia de passar a raspadeira sobre aquelas figuras antes de pintar o pretenso monte.

Leandro não pode resistir ao mutilamento de uma das suas mais belas obras.

Tempos depois entregava a alma ao Criador.

Dezenove anos esteve oculta a parte inferior do painel.

Felizmente em 1850, se a memória não me falha, o artista João Caetano Ribeiro, um dos mais notáveis cenógrafos que temos tido, carregado de retocar a obra de José Leandro, fez surgir, por meio de agentes químicos, das camadas do betume da fatídica montanha as efígies da família real.

E a ele deve-se hoje o quadro, tal qual saiu das mãos do pintor.

*

Olhando para aquele painel e para o outro que lhe estava ao lado, também pertencente à capela imperial, e que representava a Ceia do Senhor, trabalho do artista Raymundo, via desfilar diante de mim todo o nosso passado artístico.

O período colonial desenha-se-me na imaginação com Franz Post e Van E[?]k[?]nt, que no domínio holandês foram os primeiros que desvendaram aos europeus as fascinações da linha e da cor da natureza tropical.

Lembrei-me de frei Ricardo do Pilar, esse pintor que se fez monge beneditino e que é o ponto de partida donde surgiu a escola de Leandro Joaquim, José Leandro, Manoel da Cunha, Raymundo e tantos outros.

A figura gloriosa de Valentim da Fonseca, o artista daquela época que mais produziu, passou-me pela mente com a jaqueta preta, o seu calão de ganga, o seu capote de cabeção e o chapéu de três bicos.

Vi depois chegar às plagas guanabarenses a família Taunay, essa família abençoada, a quem o Brasil do passado deve uma geração de artistas, e o do futuro há de dever, no atual rebento dela, ainda cheio de vigor e de crenças, a consolidação da grande obra de 13 de maio.

Ao lado de Nicolao Taunay, Augusto Taunay e Felix Taunay, via Grandjean de Montigny, o arquiteto, Debray [sic] o pintor, e Ferrez o gravador.

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E pergunto a mim próprio:

- Estaremos hoje mais atrasados em artes que no período colonial e no tempo do Sr. D. João VI?

Na próxima terça-feira, se Deus me der vida e saúde, ei de dizer o que penso a respeito.

França Junior.

*

Artes - O Paiz, Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1889: p.1

ARTES

Em meu artigo passado, tratando da grande tela de José Leandro de Carvalho, representando a família real em adoração aos pés da Virgem do Carmo, tela que pertence à capela imperial, e que se acha atualmente em um dos salões do pavimento inferior da nossa Academia de Belas Artes para o fim de ser restaurada, entrei em ligeiras considerações acerca do desenvolvimento artístico desta capital no fim do século passado e começo deste.

Terminando aquelas considerações com uma dúvida que se me levantou no espírito, comparando o nível estético em que vivemos com o de outrora, disse que, se Deus me desse vida e saúde, havia de externar o que penso a respeito.

Estou felizmente com vida, embora a saúde não seja lá para que digamos de primeira marca.

Venho cumprir pois a promessa.

*

Sobre um dos montes desta cidade há um templo edificado a mais de 250 anos.

Foi neste templo que desabrochou a primeira escola de pintura no Rio de Janeiro.

Estava reservada tão gloriosa missão aos monges beneditinos.

Quem visitar a Igreja de S. Bento verá nas paredes laterais da capela-mor grandes painéis representando fatos da vida do patriarca, em cuja honra foi erguido o mosteiro.

Esses painéis são devidos ao pincel de um alemão, que professou na ordem beneditina em 1695 e que aí é conhecido pelo nome de Frei Ricardo do Pilar.

No silêncio do claustro, ferido talvez pela garra de alguma desilusão mundana, Frei Ricardo do Pilar, como Fra Beato Angelico, fechou os olhos às harmonias da natureza, que se desenrolava cheia de luz e de vida no pequeno quadro formado pela sacada de sua cela, para só ver as profundezas ignotas do céu e ouvir os cantos do grande poema da Cruz.

A sua palheta só se inspirou em assuntos religiosos.

Toda a pujança do talento e da aspiração religiosa do ascético pintor desprende-se com um perfume daquele Cristo que está na sacristia do templo, e que é sua obra prima.

Com Eustáquio Lessuer, o biógrafo de S. Bruno, Frei Ricardo do Pilar deixou na igreja de S. Bento a apoteose do santo a cujos pés foi abrigar a crença. Pobre monge, ele não pintava cercado de discípulos como o divino sonhador da Transfiguração e da Madona de S.Sixto.

Entre o Rio de Janeiro do período colonial e a soberba Roma de Leão X e de Julio II havia um abismo tão grande como o que separa a arquitetura céltica dos esplendores monumentais da Grécia de Pericles.

Os tempos mudam.

O teatro era outro.

Frei Ricardo do Pilar deixou entretanto um discípulo notável - José de Oliveira.

O que foi esse discípulo di-lo eloquentemente o teto da Igreja de S. Francisco da Penitência e a abobada da capela imperial, restaurada pelo artista Raymundo da Costa.

Sente-se nessas obras a palheta e a maneira de fazer do velho mestre.

De José de Oliveira parte a escola donde saíram Leandro Joaquim, João de Souza, Manoel da Cunha, Raymundo da Costa, José Leandro, M. J. Franco de Carvalho, Manoel Dias de Oliveira Brasiliense, conhecido pelo Romano, o miniaturista M. J. Gentil e F. P. do Amaral.

É ainda nos templos e em alguns edifícios que devemos estudar as preciosidades que esses pintores nos legaram, e para as quais olhamos indiferentemente seguindo exemplo diverso dos países civilizados do velho continente europeu, que acatam e veneram com religioso respeito as suas mais velhas tradições artísticas, estendendo até essa veneração às dos outros povos.

A glória do pincel de Leandro Joaquim está na igreja do Parto, onde, entre outras obras, se admira a sua famosa Santa Cecília.

João de Souza imortalizou-se no claustro do antigo convento dos carmelitas e deu à posteridade em óleo o general Silva Paes, cujo retrato figura na igreja da Candelária.

Manoel da Cunha, o Tiziano do conde Bobadella, que orna umas das salas da câmara municipal, era um preto.

Dizem as crônicas que ele fora escravo do cônego Januário Barbosa, o fundador, se não me engano, do Instituo Histórico.

As artes naquele tempo eram exercidas por um grande número de homens de cor.

E entre eles figuraram infelizmente alguns escravos.

Preto e sujeito aos grilhões do cativeiro, muito mais pesados naquela época que os da última fase da escravidão, que passaram-nos infelizmente, pelos olhos, foi o escultor da imagem de Nossa Senhora do Amparo, que ocupa um dos altares da igreja de S. José.

Este hábil artista, segundo li em uma velha crônica, amava em execesso a aguardente.

O senhor conservava-o sempre na loja, jamais consentindo que ele saísse à rua.

João Vermelho...

Ah! Tinha-me esquecido de dizer que, apesar de ser da cor do carvão, ele chama-se João Vermelho.

João Vermelho tomava entretanto uma moafa por dia.

- O diabo do negro daqui não sai.... Aqui não entra aguardente.... Como explicar isto?! Dizia o senhor admirado.

Um dia achou-se a explicação da coisa.

No tabuleiro que subia diariamente a rua carregado de imagens para serem vendidas, havia um Santo Antonio.

O taboleiro votava quase sempre vazio. Mas o Santo Antonio nunca encontrava comprador!

- O que tem este santo, que não se vende, um santo tão milagroso... com tanta clientela.... monologava o senhor.

E assim monologando, segurou na imagem que pesava como chumbo, apesar de oca!

Estava explicado o enigma.

O Santo Antonio tinha a cabeça postiça, saía de casa vazio e entrava cheio de aguardente.

Que artista que era o pretinho!

Manoel da Cunha, conseguindo a liberdade, foi fazer seus estudos em Lisboa.

Continuadores da sua maneira, foram Raymundo da Costa, o autor da Ceia, que está também na Academia para ser restaurada, juntamente com a Virgem do Carmo de José Leandro, e que também pertence à capela imperial, e todos os outros, que acima enunciei, sobressaindo entre eles o já citado José Leandro e Manoel Dias de Oliveira Braziliense, cognominado Romano.

Em um período que se estende de 1700 a 1810, a pintura tinha incontestavelmente atingindo ao grau de desenvolvimento, o mais próspero que se poderia desejar, atendendo-se ao meio em que vivíamos e aos recursos de que podíamos dispor.

*

Com a pintura, corriam paralelamente na mesma estrada de progresso a arquitetura, a estatuária e os outros ramos da arte de desenho.

As ermidas de pau a pique, que a devoção dos primeiros colonos foi erguendo nos diversos sítios da cidade antiga, foram pouco a pouco sendo substituídas pela lindas igrejas, diante das quais passamos hoje indiferentes, sem atendermos que há entre elas algumas, como a da Cruz dos Militares, por exemplo, que primam pela linha exterior da mais bela arquitetura, e outras, como a de S. Bento que em seu interior desenrolam aos olhos do espectador verdadeiros primores do estilo barroco.

Escultores notáveis como Domingos da Conceição, Simão da Cunha, Gaspar Ribeiro e Valentim da Fonseca, o famoso Valentim, que não me canso de citar, dedicaram aos templos, às praças, ao jardim público e aos edifícios do estado os mais belos frutos de sua inspiração.

A esta plêiade notável sucedeu a que teve por chefe Nicolao [sic] Taunay, e que deixou sua passagem traços que jamais se apagarão.

No próximo artigo tratarei daqueles escultores e dos pintores que aqui chegaram em 1816, por influência do conde da Barca.

Feito esse estudo, direi o que penso acerca do nosso estado atual.

França Junior.

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[1] Doutoranda em História do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), bolsista CAPES/DS.

[2] Graduando em História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), bolsista Provoque/UFJF.

[3] SILVA, Raquel Barroso. França Junior: A voz de um amador nos embates do meio artístico das últimas décadas do século XIX. 19&20, Rio de Janeiro, v. VII, n.2, abr./jun.2012. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/rbs_françajr.htm>