Laíza de Oliveira Rodrigues*
Como citar: RODRIGUES, Laíza de Oliveira. Entre Uma Sesta Tropical (1925) e Manoel Santiago: olhar sobre a trajetória de um pintor recusado. 19&20, Rio de Janeiro, v. XIX, 2024. DOI: 10.52913/19e20.xix.13. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/19_20/artigo/entre-uma-sesta-tropical-manoel-santiago/
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1. O artigo apresenta a reprodução parcial, com adaptações, da primeira seção da dissertação de mestrado intitulada Uma Sesta Tropical, de Manoel Santiago: um “quadro curioso” no meio artístico carioca dos anos 1920. O trabalho foi defendido em 2023 no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob a orientação do professor Dr. Martinho Alves da Costa Junior e financiamento da FAPEMIG.[1]
2. A pesquisa enfocou Uma Sesta Tropical (1925) [ Figura 1 ], do pintor amazonense, Manoel Santiago, quadro recusado na 32ª Exposição Geral de Belas Artes, em 1925. A obra vivenciou um período turbulento às vésperas da inauguração do evento, episódio que se tornou pauta para personagens da crítica de arte, que questionaram a suposta imoralidade imputada à composição. Uma Sesta Tropical, representa um ambiente doméstico exterior, reservado ao momento da sesta, onde ao redor de uma mesa guarnecida por frutos tropicais, identificamos cinco personagens. Uma mulher negra, separada do grupo à sua frente pelo parapeito da varanda; uma personagem branca que observa afetuosamente a figura nua que nos fita; e, abaixo, uma jovem ajoelhada sobre o chão, que se inclina na direção do menino adormecido no primeiro plano, ambos nus.
3. Singulares em sua caracterização, tanto a obra quanto a recepção de sua recusa revelam a profundidade das sensibilidades contemporâneas a elas, questão central para a pesquisa realizada. Da análise conjunta que ganha forma na medida em que o trabalho avança, o texto original inicia a partir do exame pormenorizado do quadro. A reprodução de um registro de ateliê no qual obra e autor se encontram configura peça-chave para que avancemos em nossa proposta, objetivando maior familiaridade com as possíveis intencionalidades de Manoel Santiago. O recorte privilegiado nesse artigo contempla um período da trajetória do pintor no Rio de Janeiro, fornecendo ferramentas para uma compreensão mais apurada da obra e das circunstâncias que decorreram da recusa.
4. Familiarizados com algumas das peculiaridades de Uma Sesta Tropical e com o percurso trilhado pelo autor até as vésperas das inscrições no Salão de 1925, na seção seguinte abrangemos a fortuna crítica do quadro e as implicações compreendidas em seu processo de recusa, exame amparado no exercício comparativo em relação a um vasto repertório imagético que nos possibilitou reconhecer um possível lugar de alteridade conservado na composição. Finalmente, nossa última seção empreende a investigação dos sentidos que a tela emana. Respondemos à questão que se coloca quando encaramos as contradições de um quadro que se fortalece em sua singularidade, ao mesmo tempo em que diz de um artista que, ao que parece, esperava ser bem acolhido no Salão.
Caminhos que conduzem à obra
5. No capítulo que inicia o nosso trabalho, propomos um duplo movimento. Primeiramente, nos ocupamos de um olhar franco e direto para Uma Sesta Tropical, interessados em uma descrição justa daquilo que a tela nos mostra, ou seja, na difícil tarefa de nomear “tudo que se lê no visível”.[2] Esse embate com a obra assume uma posição de referência para a dissertação como um todo, pois norteia as relações que serão construídas com as fontes, complexificando nossa interpretação da tela por meio de comparações e dos sentidos inferidos.[3] A proposição que norteia o presente artigo, no entanto, consiste na segunda etapa proposta: mais precisamente, na atenção às orientações do autor do quadro no meio carioca, considerando que, a partir de suas elaborações, desvendamos bases pertinentes para uma melhor compreensão da obra.
6. Recusada no Salão para o qual foi designada, digamos que a experiência de transcender as fronteiras do ateliê de Manoel Santiago reservava à Uma Sesta Tropical uma trajetória aparentemente incomum entre obras contemporâneas. Nesse cenário, o dado da recusa, cumpre esclarecer, não consistia, exatamente, em uma novidade: o Salão selecionava, é um fato, e compunha anualmente seus diversos júris, cujo critério abreviava a oportunidade de determinadas obras de participarem do evento, sujeitando-as, muitas vezes, ao anonimato. Entretanto, não foram propriamente esses os rumos que delinearam a história da tela em questão, ao menos não em seus primeiros anos no espaço artístico. Apresentada à comissão de pintura da 32ª Exposição Geral de Belas Artes, Uma Sesta Tropical foi impedida de figurar na mostra por determinação de parte do júri, que alegava, em um primeiro momento, a amoralidade da composição – julgamento que, destoando da atmosfera um tanto taciturna que envolvia as obras ceifadas pelo comitê, sensibilizou as atenções de personagens da crítica de arte no período em que transcorreu o evento, que empenhadamente defenderam seu autor, contestando o afastamento do quadro.
7. A despeito de ter sido determinante para o destaque midiático que acreditamos ter impulsionado a figura do jovem Manoel Santiago – até então um pintor em busca de relevo no meio artístico da década de 1920, por um longo período -, conhecer a controversa composição não parece ter sido tarefa fácil. Omissa entre catálogos e obras biográficas que homenageiam seu autor, Uma Sesta Tropical sobrevive em seu tempo, entre as páginas dos jornais de sua época e encontrá-la significa, portanto, vasculhá-los. Não circulando enquanto imagem independente em 1925, quando esteve sob os holofotes da curiosidade midiática, até onde foi possível constatar, tratava-se de uma tela quase ausente no sentido próprio de sua existência, materializada no discurso da imprensa que, de alguma maneira atuou como intermediária entre a obra e o público.
8. Mas encontramos curiosas exceções. Em meio a referida campanha de contestação das decisões do júri, deparamo-nos com a reprodução de uma fotografia, estampada pela revista Para Todos em 15 de agosto de 1924, que é acompanhada da seguinte legenda: Um Casal de Artistas: os pintores Haydéa Lopes Santiago e Manoel Santiago, no seu “atelier” [ Figura 2 ].[4] Ao fundo, não identificada, está Uma Sesta Tropical.[5] A imagem, cuja autoria nos escapa, provavelmente compõe o contexto de obstinado amparo à figura de Santiago que ocupou os jornais naquele mesmo mês de 1925, quando as atenções se voltavam para a Exposição Geral, tradicionalmente inaugurada em 12 de agosto. Ela representaria, até onde sabemos, uma das poucas referências imagéticas à tela Uma Sesta Tropical a ser veiculada pela imprensa, em condições de ser minimamente identificada por sua composição.[6]
9. Diante da fotografia, conforme a legenda orienta, a cena que observamos ambienta-se em um estúdio de pintura. Posicionada à frente de outras telas, ao fundo do cômodo, Uma Sesta Tropical ocupa a lateral esquerda da fotografia, apenas parcialmente oferecida à contemplação de futuros observadores. Apesar de fragmentos de sua extremidade esquerda serem cortados no enquadramento proposto – além das limitações que são próprias à qualidade da reprodução, que nos impossibilitam o pleno reconhecimento das personagens agrupadas em cena – ainda assim é possível conhecer o tema que anima a composição.
10. Ladeada ao quadro, na extremidade oposta da imagem, reconhecemos a artista Haydéa Lopes Santiago (1896-1980). Retratada de pé e com os braços cruzados em repouso, seu semblante é evidenciado pela projeção da luz, que acentua um olhar vigilante – ou talvez perdido, compenetrado em algo invisível e distante do alcance do espectador –, mas que nos direciona à operação de ocupa a figura centralizada e em primeiro plano da fotografia. Ali está Manoel Santiago, que num momento de misteriosa introspecção, certifica sua autoria perante a tela.
11. Ressalta, no registro fotográfico, a figura do artista, que enroupado em uma túnica estampada, de onde desabrocham botões de rosa, se diferencia da indumentária que comumente vestiu artistas representados em seu ofício: o tradicional manto de cores claras e sóbrias, liso e desafetado, facilmente encontrado em álbuns fotográficos do entresséculos XIX e XX. Além dos traços que se tornaram caros à imagem santiagana, como os cabelos penteados para trás e os inconfundíveis óculos, o pintor surge na reprodução incensado por contornos algo dramáticos, à imagem daqueles que habitavam o universo cinematográfico – de fato, como um ator, é como se ele “entrasse em cena.” Compenetrado em seu ofício, o pintor equilibra com uma mão alguns pincéis e sua paleta, ao mesmo tempo em que, com a outra, simula gestualmente trato com as tintas, preparando-se para os últimos retoques no quadro, já emoldurado, colocado à sua frente.
12. Fora da cena representada e alheios ao ritual que se anuncia, suspeitamos que apenas Uma Sesta Tropical poderia denunciar nosso olhar, reconhecidamente intrometido. De maneira análoga, somos autorizados à contemplação – parcial, mas sobretudo não acidental –, do quadro mais expressivo dentre o conjunto dedicado por Manoel Santiago ao Salão daquele ano, declaração das proeminentes ambições de seu autor. Mas o sujeito em foco, o eixo na composição fotográfica, certamente não reside na tela em questão, nem mesmo na pintora que nela também se encontra. Esse espaço está reservado àquele que, supostamente, não se apercebe dos olhares que o cercam, não nos confronta em resposta, atento apenas à finalização de sua devotada pintura. É sobre ele que nos ocuparemos, de modo transitório, a partir daqui, como passagem que nos direcionará, apropriadamente, às particularidades que acompanham a obra.
13. No momento, a figura de Manoel Santiago nos instiga a um olhar acurado. Interessa-nos compreender a experiência do jovem amazonense que, com pouco mais de vinte anos, adentrava o ambiente carioca para formar-se enquanto artista e que, ao lançar-se à maiores concorrências com esse enigmático quadro, revestia-se de particular “sentido simbólico.”[7] Refletindo criticamente acerca de seus direcionamentos nesse período inicial de elaboração pessoal e encarando o mesmo enquanto “um ser social inserido em determinadas circunstâncias culturais,”[8] esperamos poder melhor analisar as condições que o levaram àquela curiosa composição, recusada no Salão de 1925. Orientados, portanto, por Uma Sesta Tropical, recordamos que, afinal, “é legítimo buscar nas obras e nos momentos artísticos o seu passado: os criadores dos quais eles derivaram lhes servem de raízes.”[9]
14. Nesse sentido, embora os caminhos que percorreremos neste artigo não se prolonguem, especificamente, sobre as questões que são inerentes à tela, estes são compreendidos como condição necessária dentro da estruturação pensada em nossa dissertação, uma proposta tecida dentre múltiplas possibilidades e que de modo algum objetiva esgotá-las. Tencionando iluminar o objeto de nosso estudo, avançamos por este percurso, caminho através do qual encontraremos ferramentas substanciais no processo de compreensão do quadro, bem como das relações que constituem sua trajetória
Anos em Belém do Pará
15. Foi na região norte do país que os olhos de Manoel de Assumpção Santiago se abriram pela primeira vez, e certamente foram as impressões dessa terra que primeiro se fixaram em sua retina.[10] Nascido em Manaus, Santiago entrava na adolescência quando transferiu-se com sua família para Belém do Pará, onde viveu grande parte de sua juventude. Ainda moço, com pouco mais de vinte anos, o rapaz partia para o Rio de Janeiro, despedindo-se dos fascínios amazônicos que tão afetivamente evocaria em suas lembranças. A experiência de transição para a capital foi explorada por Chermont de Britto, que em biografia romanceada sobre Manoel Santiago, atribuiu à mudança tonalidades que se aproximariam das da destinação. Seguir para o Rio de Janeiro, na referida operação biográfica, consistiria em uma verdadeira ventura para Santiago, que desde a infância manifestara plena inclinação para a pintura e cuja premência da partida tantas vezes se materializara nesse plano narrativo, na fala de seus primeiros mestres.[11]
16. A solução apresentada por Chermont de Britto para o “enigma biográfico”[12] com o qual se deparou, isto é, a concepção da mudança de Manoel Santiago para o Rio de Janeiro como uma espécie de manifestação dos desígnios astrológicos, é, relativamente, consequência da escolha de seu protagonista, que ao chegar à capital, decide se matricular na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA).[13] O primeiro documento encontrado que faz referência à nova situação de Manoel Santiago e que nos parece, portanto, determinante para a ordem dos eventos romanceados, integra o acervo do Museu Dom João VI (MDJVI) e atesta as ambições do jovem amazonense no meio carioca: em 1919, Santiago iniciava o curso geral oferecido pela instituição, como aluno matriculado.[14]
17. Em conformidade com as imposições do Regulamento da Escola Nacional de Belas Artes[15], a que se refere o decreto nº 11.749, de 1915, o curso geral se dividia em três séries e a primeira delas compreendia as disciplinas de Desenho geométrico, História das Belas Artes e Desenho figurado, nas quais Manoel Santiago se encontrava devidamente inscrito.[16] Tomando como base a pesquisa de Arthur Valle, acreditamos que nesse primeiro momento, Santiago teve como mestres Fléxa Ribeiro e Lucílio de Albuquerque, professores das disciplinas de História das Belas Artes e Desenho figurado, respectivamente.[17] Ainda sobre o momento inicial da experiência de Santiago na ENBA, sabemos que ao final desse primeiro ano letivo, o mesmo se classificou em 6º lugar no concurso da disciplina ministrada por Albuquerque, cuja comissão foi composta, além deste, pelos professores Rodolpho Chambelland e Rodolpho Amoêdo[18] – figuras particularmente importantes no processo da recusa vivenciado pelo artista alguns anos depois.
18. Sobre o notável desempenho do recém-chegado, digamos que sua trajetória em Belém do Pará não deixa espaço para dúvidas. Nesse sentido, o contato que tivemos com a pesquisa de João Augusto da Silva Neto representou um importante ponto de partida para melhor compreendermos o período na biografia do artista. Amparados no trabalho do pesquisador, conhecemos o relato de Theodoro Braga a respeito dos acontecimentos de relevo do meio artístico paraense entre os anos de 1888 e 1918, divulgado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP-1933). Em seus apontamentos, Braga indica que na 6ª Exposição Escolar de Desenho e Pintura, realizada em setembro de 1918, no foyer do Teatro da Paz, seu discípulo, Manoel de Assumpção Santiago, laureava-se com o prêmio hors-concours. De acordo com o pintor, houve 64 premiações e 102 menções honrosas na exposição à qual concorreram 416 “pequenos expositores,” totalizando 1246 trabalhos.[19] O acontecimento, na interpretação de Silva Neto,[20] atestaria a projeção de Santiago “como um dos grandes nomes do cenário artístico paraense e um dos mais prestigiados alunos de Braga.”
19. Contemplado na apresentação do mestre, Manoel Santiago figurava como o último nome referênciado dentro do recorte temporal proposto, recorte esse que é particularmente revelador de uma conjuntura favorável ao desenvolvimento no meio artístico de Belém do Pará, da qual Santiago certamente se beneficiou. Por essa razão, gostaríamos de nos deter sobre o contexto paraense do início do século, ainda que de maneira sucinta, considerando, nas linhas que seguem, algumas características de seu ambiente artístico.
20. Na Amazônia do entresséculos, segundo Aldrin Moura de Figueiredo,[21] “com o incremento da exploração da borracha e sua exportação no mercado internacional crescente, um trânsito de artistas e literatos, de diversos matizes intelectuais, tomou conta da seara das letras e das artes,” movimento que contribuiu para tornar Belém e Manaus significativos polos culturais do período. Há de se destacar, com base na pesquisa do historiador, o comprometimento governamental em plasmar a capital paraense a partir de contornos europeus. As reformas do âmbito urbano foram acompanhadas por um intenso desenvolvimento no meio cultural, o que, dentre diversos empreendimentos, resultou na fundação de instituições como o Instituto Histórico e Geográfico, a Academia de Letras e na criação de sociedades científicas e literárias. Moura de Figueiredo também ressalta a organização em maior frequência de temporadas artísticas, a estruturação de pinacotecas públicas e privadas, a significativa atuação de críticos de arte na imprensa – desde o início do século XX –, bem como a instituição do mecenato e do colecionismo como “moda” entre a elite paraense.[22]
21. Esse cenário transparece no trabalho de Moema de Bacelar Alves, que, atenta às exposições de arte na Pará do entresséculos XIX e XX, nos auxilia a assimilar um contexto próximo à Manoel Santiago em sua juventude. A historiadora revela uma Belém da década de 1910 de fato “aberta para as artes,” experimentando um intenso calendário de exposições, concertos e peças teatrais.[23] Com um circuito de arte consolidado, a cidade se apresentava também como um espaço oportuno à formação de artistas, haja vista que, como destaca a autora, o ensino de pintura se fortalecia ao final do século XIX e se intensificava no início do século XX. Belém contava com escolas de arte e música, além de garantir o ensino de artes em suas escolas públicas.[24]
22. Parte do universo delineado – a mencionada Exposição Escolar de Desenho e Pintura – poderia ser compreendida como um legítimo desdobramento desse estímulo ao desenvolvimento artístico na capital do Pará. O tema também é contemplado na pesquisa de Bacelar Alves,[25] que apresenta o certame como uma iniciativa que surgiu em meio à cobranças quanto a “questão do ensino e apreciação das artes,” entendidas como “um meio de educar pelo gosto,” e assimiladas ao mesmo tempo com “uma função prática e economicamente importante para a sociedade.” Como resultado desse movimento, o certame se transformara em “um dos mais concorridos eventos artísticos organizados pelo governo” no meio paraense do início do século, segundo conta João Augusto da Silva Neto.[26]
23. As Exposições Escolares foram instituídas em 1909 por João Antonio Luiz Coelho, governador do Pará, com o objetivo de proporcionar uma galeria de trabalhos premiados, para efeitos de incentivo e aprimoramento.[27] À essas mostras poderiam concorrer estabelecimentos de ensino públicos e privados, de diferentes regiões do estado – prática que se manteve durante os primeiros quatro anos consecutivos em que elas ocorreram. Interrompido após a realização de 1912,[28] o certame foi retomado apenas em 1917, mantendo como referência o formato das exposições anteriores. Até onde se sabe, o evento prolongou-se até 1918, momento em que o Estado vivenciava grave instabilidade financeira, situação que, possivelmente, decretou o fim das Exposições Escolares.[29]
24. Mas voltemos à particularidade e pensemos em Manoel Santiago como parte desse processo, aqui brevemente esboçado. Na mencionada biografia romanceada sobre o artista, ao ambientar a chegada de seu protagonista em Belém do Pará, Chermont de Britto afirma que o mesmo teria se matriculado no Colégio Progresso Paraense, onde frequentou aulas de desenho e pintura com Theodoro Barga, figura de destaque na cidade naquele momento. Em seguida, o autor comenta a realização de exposições de desenho e pintura, organizadas ao final do ano escolar pelo mesmo colégio no Teatro da Paz – mostra que representaria “o triunfo” dos métodos de Braga e evento no qual Santiago alcançara “o mais alto prêmio,” logo em sua primeira participação.[30] Nas páginas que seguem ao relato, Britto afirma que por “três anos, Manoel Santiago obteve todos os grandes prêmios da exposição do Colégio Paraense,” [31] feito que culminou em sua participação como hors-concours, em vista da decisão da diretoria da escola.
25. Ao examinarmos a narrativa de Britto, percebemos uma clara referência à participação de Manoel Santiago na Exposição Escolar de Desenho e Pintura de 1918, que como vimos, foi lembrada por Theodoro Braga em seu artigo publicado pelo IHGP. Ao mesmo tempo, fica evidente a imprecisão de sua explanação, uma vez que sabemos que as Exposições Escolares foram interrompidas por quatro anos, entre 1913 e 1916, e que não se tratava da iniciativa de um colégio específico, mas, sim, de um projeto estimulado pelo governo. Embora seja realmente provável que Manoel Santiago tenha participado desse certame nos anos anteriores à 1918, quando ocorreram, não foi encontrada uma documentação que comprove esse dado.
26. Em contrapartida, sabemos que para além da presença de Theodoro Braga nesses certames organizados pelo Estado, entre os anos de 1912 e 1913, o professor realizou três exposições com trabalhos de seus alunos, e que a última delas teve lugar no Teatro da Paz, com seus discípulos do Colégio Progresso Paraense.[32] Da mesma maneira, encontramos uma nota no jornal Estado do Pará,[33] na qual Manoel Santiago aparece entre os alunos aprovados nas disciplinas de Geografia e Desenho do curso fundamental, na mesma instituição de ensino. Ao verificarmos essas informações com o relato de Chermont de Britto percebemos sua exposição como uma junção entre diferentes dados – o que nos permite supor que Manoel Santiago de fato tenha participado entre as mostras de alunos promovidas por Braga, haja vista que o vínculo do mesmo com o colégio em que o pintor atuou se confirma, ao menos desde 1911. A análise nos interessa mais pelo que revela em torno das possibilidades experiênciadas por Santiago no ambiente paraense do que pela ponderação de seu biógrafo – afinal, uma narrativa romanceada não pressupõe rigor documental.
27. O teor especulativo de nossa observação ganha tonalidades mais verossímeis ao atentarmos para o caminho percorrido por Manoel Santiago em seus últimos anos em Belém do Pará, às vésperas da mudança para o Rio de Janeiro. João Augusto da Silva Neto chama atenção para o fato de que a atuação de Santiago no meio artístico paraense não se restringiu à participação em circuitos expositivos e, fundamentando-se na pesquisa de Caroline Fernandes Silva,[34] revela um Manoel Santiago envolvido em um projeto voltado ao ensino das artes na cidade, como sócio-fundador da Academia Livre de Bellas Artes, que, iniciada em 1918, “vislumbrava o comprometimento pessoal dos fundadores em atender as demandas de ensino de pintura em Belém.”[35]
28. O tema aparece na obra Pequena História das Artes Plásticas no Brasil, de Carlos Rubens, que ao tratar da biografia de Manoel Pastana – artista que, como Manoel Santiago, também esteve envolvido com a Academia Livre –, indica que o projeto teria se iniciado com a criação de um “studio” pelo mesmo e seus colegas, para que pudessem se dedicar “mais assiduamente às artes.” Adiante, o projeto se tornaria um empreendimento mais consolidado, “com o concurso de diversos professores que gentilmente prestavam o seu auxílio.”[36] Lamentavelmente, conforme indica Caroline Fernandes Silva, a iniciativa parece ter tido um curto período de atividades, a julgar que os últimos registros encontrados pela pesquisadora datam de 1922. Como justificativa para o fato, ela aponta o agravamento de sua frágil situação financeira da iniciativa.[37]
29. Vale lembrar que, de acordo com Silva Neto,[38] em decorrência da crise econômica que invadia o cenário paraense ao final dos anos 1910, as “dificuldades vivenciadas pelos artistas locais,” como a “falta de investimentos e infraestrutura” foram “forte motivo para a criação de grupos como a Associação de Artistas Paraenses ou mesmo a criação da Academia Livre de Bellas Artes.” Por essa razão, pensamos que o envolvimento de Manoel Santiago com a iniciativa corrobora nosso entendimento sobre seu perfil participativo e de pleno envolvimento na esfera das artes de Belém do Pará, característica que acreditamos ter continuidade em seus empreendimentos futuros, na então capital da República. É o momento de voltarmos nossos olhares para as elaborações desse jovem pintor no Rio de Janeiro.
Um pintor de “grandes óculos” chega à capital
30. Como percebemos, a decisão por mudar-se para o Rio de Janeiro e iniciar seus estudos na ENBA foi uma escolha efetivamente apropriada àquele que vislumbrava um futuro promissor no âmbito artístico nacional. Com efeito, Santiago percorria o mesmo trajeto que por um longo período lançou tantos outros jovens à capital – mulheres e homens que despediam-se de sua terra natal para investirem em sua formação enquanto artistas, ou mesmo integrarem esse influente circuito das belas artes.[39] De imediato, recordamos as palavras de Pietro Maria Bardi[40] ao sublinhar o Rio de Janeiro como polo centralizador dos “círculos dedicados à pintura,” pois em síntese, a “Academia carioca capitalizava tudo que se relacionasse com pintura e escultura: encomendas, prêmios, renome, ensino.”
31. Por certo, mencionamos elementos suficientes para encorajar o jovem amazonense a enfrentar a dinâmica social das ruas cariocas, lembradas em sua biografia romanceada pelas impressões de patente hostilidade e antagonismo frente à familiar Belém do Pará.[41] Resta-nos, portanto, indagar a respeito das ambições de Manoel Santiago no Rio de Janeiro. Quais seriam os principais anseios do pintor na capital? De antemão, sabemos que o ensino da ENBA situava-se na esfera de seus principais interesses, mas o que o vínculo com a instituição poderia lhe proporcionar? Além disso, quais seriam suas demandas? Na condição de principiante, como construir sua legitimidade enquanto artista? Essa legitimação perpassava pelas portas da Escola? E por último, mas não menos importante, questionamos: afinal, como se sustentar?
32. A solução para a última questão foi encontrada por Manoel Santiago em terreno paralelo ao campo das belas-artes: mesmo à contragosto, o pintor adentrava os domínios jurídicos. Pelo que foi possível constatar, Santiago dava continuidade, no Rio de Janeiro, à formação em Ciências Jurídicas que iniciara em solo paraense e o vínculo com a Faculdade de Direito da capital se confirma ao longo de 1920, em menções ao seu nome encontradas na imprensa.[42] Convém ressaltar que, ao recorrer à habilitação na seara jurídica, Manoel Santiago se aproximava do percurso trilhado por seu antigo mestre, Theodoro Braga, que bacharelou-se em Direito na Faculdade do Recife, ao mesmo tempo em que iniciava seus estudos em pintura.[43]
33. É provável que conciliar a dupla formação em campos tão distintos tenha se tornado uma tarefa árdua para Manoel Santiago, que em algum momento de sua trajetória na ENBA optara por acompanhar as disciplinas na condição de aluno livre. Tomamos conhecimento do fato a partir do relato do próprio pintor, que em entrevista concedida em 1927 à Angyone Costa, afirmava que, apesar de ter ingressado na Escola como aluno matriculado, em razão da “frequência rigorosa” tornara-se, posteriormente, aluno livre da instituição.[44] Ao continuar sua explanação, o artista ressaltava para o crítico que “nesse caráter,” frequentou a Escola por vários anos, informação sobre a qual, infelizmente, escampam-nos maiores detalhes, uma vez que o Livro de Matrícula dos alunos de Livre Frequência da instituição no período em questão não foi localizado.
34. É em tom especulativo, portanto, que indicamos a possibilidade de que Manoel Santiago tenha iniciado seu acompanhamento das aulas com aluno livre no ano seguinte à sua inscrição na ENBA, considerando que as informações sobre sua formação que constam no Livro de Matrícula se restringem ao ano de 1919[45] – diferenciando-se, por exemplo, de casos como o da aluna matriculada Margarida Lopes de Almeida, ganhadora do Prêmio de Viagem escolar, cuja trajetória ao longo de todos os anos do curso encontra-se registrada no mesmo documento.
35. Oficializada entre os Estatutos da Escola Nacional de Belas Artes do período republicano, a Livre Frequência foi encarada como uma grande oportunidade para o acesso ao ensino da instituição e compreendida, quando foi instituída, “como um elemento fundamental para garantir a liberdade de ensino, assim como a liberdade artística dos alunos.”[46] De acordo com o Regulamento da Escola Nacional de Belas Artes de 1915,[47] a admissão dos alunos livres se encontrava efetivamente sancionada no Art. 79, no qual consta que o acesso estava permitido “em todas as aulas da escola, sujeitando-se, naquelas em que for necessário, a um exame especial de admissão”.[48] Das especificidades que competiam à essa categoria, cumpre sinalizar que o Regulamento também impunha algumas restrições. Abaixo, destacamos aquelas que nos interessam em específico:
36. Art. 84. Os alunos livres não serão chamados a exames, nem a concursos; não tem direito a nenhum certificado da escola, nem podem concorrer, como alunos, a prêmio algum.
37. Art. 85. O aluno livre que tiver dado mais de 40 faltas, perderá o direito à frequência da aula em que estiver inscrito.[49]
38. À primeira vista, não poderíamos desprezar o fato de que as determinações do Art. 84, provocam certo estranhamento ao serem confrontadas com o que imaginaríamos integrar a esfera de principais interesses de Manoel Santiago, pintor em formação, ávido por se destacar em seus estudos. Estaria o mesmo sacrificando essa oportunidade ao optar pela livre frequência? De que maneira o impedimento imposto pelo Regulamento afetaria a experiência do pintor? Para respondermos a essas questões, amparamo-nos na pesquisa de Camila Dazzi, que, dedicada à análise dos primeiros anos de funcionamento da ENBA, constata que entre 1891 e 1894, “apesar da livre frequência ter uma série de limitações, entre elas o fato de os alunos não poderem obter diplomas, nem concorrer ao Grande Prêmio de Viagem, […] havia na Escola, […], mais alunos livres do que matriculados.”[50]
39. Ocupando-se em esclarecer as causas desse descompasso, a historiadora fornece elementos que, apesar de circunscritos ao final do século XIX, nos auxiliam a encontrar caminhos para interpretar a decisão tomada por Manoel Santiago. Dentre os diferentes fatores elencados por Dazzi,[51] interessa-nos, em particular, o dado de que “para parte dos estudantes que frequentavam a Escola não interessava o diploma que ela oferecia aos alunos matriculados que concluíam o curso especial,” apontamento segundo o qual é possível entrever nas escolhas de Santiago uma prática recorrente nesse meio de ensino. Isso nos permite sustentar que, talvez, nem o título nem os concursos proporcionados pela ENBA fossem encarados como indispensáveis por ele naquela conjuntura.[52]
40. Por outro lado, uma dimensão de maior importância parece ter sido atribuída pelo pintor quanto ao acompanhamento dos cursos oferecidos pela instituição, pois como vimos anteriormente, Manoel Santiago declarava em 1927 à Angyone Costa sua assiduidade na Escola na condição de aluno livre – presença em parte certificada pelo Art. 85 do Regulamento, que restringia o número de faltas aos estudantes de livre frequência. Considerando que Camilla Dazzi aponta para o interessante dado de que muitos dos alunos livres iniciavam seu ensino “cursando as mesmas disciplinas obrigatórias aos alunos matriculados,”[53] ao estabelecermos como alternativa possível o fato de que Manoel Santiago tenha acompanhado os passos de seus colegas de profissão e prosseguido no curso geral da Escola, mesmo como estudante de livre frequência, ponderamos que a escolha do pintor não afetaria, em grande medida, sua formação nessa esfera de ensino.
41. Acompanhando essa perspectiva, nos parece necessário ressaltar que ao optar pelo perfil de aluno livre, Santiago preservava o vínculo com a instituição de maior evidência para o ensino artístico do país, mantendo-se próximo aos meios de aprimorar sua técnica e, sem dúvida, perto daqueles que poderiam conferir-lhe a almejada legitimidade profissional. É de maneira estratégica, portanto, que percebemos as orientações do jovem pintor no meio fluminense, tendo em vista que a Escola logrou considerável prestígio até a década de 1920 e que “os artistas ligados diretamente a ela, ou formados por ela” tiveram “grande destaque no cenário artístico da capital e mesmo das províncias”, como destacou Sônia Gomes Pereira.[54]
42. Recurso indispensável àqueles que buscavam conquistar visibilidade e legitimação no meio, as Exposições Gerais de Belas Artes (EGBA) representavam “os mais importantes certames artísticos da 1ª República,”[55] e integraram, como vimos no início desta seção, o campo mobilizado por Manoel Santiago a fim de se estabelecer como pintor no Rio de Janeiro. Organizadas anualmente pela ENBA e em grande parte mantenedoras de sua notoriedade, as Exposições Gerais, também conhecidas como Salão oficial, configuravam-se como o “grande espaço de consagração dos artistas,” domínio no qual os mesmos poderiam ser reconhecidos e onde lhes era possibilitada a concorrência ao Prêmio de Viagem ao estrangeiro.[56]
43. A respeito desse lugar de relevo conferido à experiência proporcionada pelo Salão, lembramos as palavras de Angela Ancora da Luz, que destaca:
44. É que esse espaço, antes de ser físico, é lúdico. Possui a capacidade de concentrar a produção artística de um período, de emoldurar valores que se materializam em obras, de fazer surgir do nada nomes ainda desconhecidos e levá-los à consagração com a mesma naturalidade com que condena ao ostracismo artistas renomados. Ele possibilita ao iniciante, se aceito, expor ao lado do mestre, antes inatingível.[57]
45. Envolta por esse conjunto de fascínios, seguramente atraentes aos principiantes, julgamos ser muito natural que um artista como Manoel Santiago tenha se inclinado à participação na EGBA logo no ano seguinte à sua acomodação na capital e ao início de sua formação na ENBA. Afinal, partindo da colocação de Angela Ancora da Luz, podemos considerar que sua projeção social e profissional se mostrava intimamente vinculada à experiência do Salão, ao seu sistema de premiações e à possibilidade de ser reconhecido nesse espaço pelo público, por seus professores e pela crítica de arte – orientações pertinentes para compreendermos a inserção do quadro Uma Sesta Tropical nesse circuito expositivo, e que será aqui retomada.
Primeiros anos no Rio de Janeiro
46. Em 1920, portanto, o pintor amazonense inaugurava sua participação na Exposição Geral apresentando duas telas, intituladas Rua S. José – Rio de Janeiro e Autorretrato – obras que, infelizmente, não foram encontradas.[58] Ora, permitindo-nos uma simples incursão imaginativa a partir dos temas sugeridos pelos títulos, supomos que Manoel Santiago dedicava à sua estreia nas paredes do Salão, emoldurados lado a lado, um olhar sobre a paisagem urbana do centro carioca – uma perspectiva, talvez, sobre o trecho localizado em um dos polos culturais daquela cidade que começava a conhecer –, acompanhado de um autorretrato que, com ou sem pincéis nas mãos – como faria anos depois, no autorretrato de 1938 atualmente exposto no MNBA[59] – o posicionava no espaço mais conveniente à divulgação de um pintor iniciante. Com esse exercício de representação de si mesmo, Santiago conquistava sua primeira premiação no certame, a Menção Honrosa de 2º grau, além de algumas citações nos jornais.[60]
47. Como de costume, o catálogo do evento listou breves informações sobre o expositor, apresentado como natural do Amazonas e discípulo de Lucílio de Albuquerque, atestando o vínculo com o mestre anteriormente sugerido, vínculo esse que pouco sobreviveu na biografia santiagana.[61] Imprescindível sublinhar que de acordo com o mesmo catálogo, a figura de Manoel Santiago se materializou duplamente entre as molduras da exposição, contemplada em um retrato realizado pelo pintor Joaquim da Rocha Ferreira que, por sua vez, também assinalava Lucílio como mentor. Desse cenário, não poderíamos deixar de presumir a satisfação que o episódio pode ter proporcionado ao professor de ambos, que entrevistado por Tapajós Gomes em 1927, assim se referia à “luta sem tréguas, de todos os dias,” que caracterizaria seus anos como docente, catedrático da Escola:
48. – Sou um obscuro professor de desenho, nada mais. A minha missão, como vê, tem sido bem modesta. Tome um catálogo do nosso Salão e dificilmente encontrará um Artista que se diga meu discípulo… Todavia, quase todos eles passaram pela minha aula de desenho figurado… Eu apenas desbasto a madeira tosca, outros aperfeiçoam a obra… e eu fico para o canto… [62]
49. Ajustando nossas lentes sobre o ano de 1921, nos deparamos com um Manoel Santiago mais integrado ao meio carioca. Paralelamente às recentes investidas no plano das belas-artes e em proveito da formação em nível superior no campo jurídico, Santiago, que atuava na Alfandega do Rio de Janeiro, foi nomeado escriturário do Tesouro Nacional e encaminhado à Procuradoria Geral da Fazenda Pública.[63] O cargo, que exerceu por longos anos “contra a vontade e para vencer dificuldades econômicas,” como defende Flávio Aquino,[64] nos permite aproximar a experiência do pintor à trajetória de uma série de outros artistas, que em busca de conforto financeiro, incorporavam o funcionalismo público.[65] Esse tópico transpassou a narrativa de Mônica Velloso, que em seu livro Modernismo no Rio de Janeiro: Turunas e Quixotes, evidencia o traço comum aos artistas e intelectuais do entresséculos XIX e XX carioca, divididos entre o expediente no trabalho burocrático e o desejo de viver em função de sua “sensibilidade artística.”[66]
50. Em sintonia com a nova realidade profissional, a face do artista em formação se encontrava em pleno desenvolvimento, despertando, ao que parece, maior entusiasmo na crítica especializada em decorrência de sua participação no Salão de 1921. De acordo com o catálogo da 28ª Exposição Geral de Belas Artes, Manoel Santiago abraçava novamente os motivos cariocas ao apresentar as telas Ipanema e Praia do Arpoador – encorajado, quiçá, pelo deslumbre provocado pela paisagem litorânea do Rio de Janeiro, tantas vezes retomada em suas pinturas posteriores.[67] Em contraste à habitual neblina que nos distancia das telas realizadas por Santiago nesse percurso inicial de sua carreira – trabalhos que não foram contemplados como reproduções nas páginas dos jornais da época -, a partir da análise do livro Manoel Santiago: Vida, Obra e Crítica, de Flávio Aquino, algo nessa relação se modifica. Entre as ilustrações que ali figuram, encontramos uma tela datada de 1921, cujo título, Praia do Arpoador [ Figura 3 ], parece-nos agradavelmente familiar.
51. Tendo em vista que na pesquisa empreendida não nos deparamos com reproduções das paisagens apresentadas por Manoel Santiago na exposição de 1921, não poderíamos afirmar, de forma categórica, que Praia do Arpoador estivesse entre elas.[68] De todo modo, o contato com a obra nos permite, ao menos, alguma proximidade com a temática, tão cara à seu autor ao longo de toda sua carreira e, nesse caso, percebida de forma tão diferenciada da aura luminosa das faixas litorâneas pintadas por um Manoel Santiago amadurecido.[69] Nessa cena à beira-mar dos anos 1920, observamos o choque das ondas esverdeadas sobre as volumosas pedras do Arpoador, nitidamente apresentadas em um primeiro plano escurecido. Sua materialidade contrapõe-se à atmosfera volatilizada que se suspende no contínuo movimento marinho, encobrindo a vista panorâmica que nos permite distinguir, em tons de violeta, o Pão de Açúcar e um conjunto de montanhas a diluírem-se no horizonte.
52. Retornando ao catálogo da exposição, nele encontramos novas particularidades da trajetória formulada por Manoel Santiago, que em 1921 se apresentava como discípulo dos professores João Baptista da Costa e Rodolpho Chambelland. Novamente fundamentados na pesquisa de Arthur Valle,[70] sabemos que naquela circunstância ambos os mestres regeram, respectivamente, as cadeiras de Pintura e Desenho de Modelo Vivo, dado que encaramos com um valioso indício acerca das orientações de Santiago na Escola, possivelmente como aluno livre. Além disso, ao folhearmos o referido catálogo esbarramos, pela segunda vez, em um retrato alusivo ao pintor amazonense, que naquele ano serviu como tema para o jovem Oswaldo Teixeira, discípulo de Rodolpho Amoêdo e, assim como Santiago, de Rodolpho Chambelland, e que começava a se destacar entre artistas iniciantes.
53. Tanto o autor quanto o retratado foram lembrados nas páginas da revista Illustração Brasileira pelo crítico Adalberto Mattos, que, falando sobre o Retrato do pintor Santiago, caracterizava Oswaldo Teixeira como um moço com “coragem de fazer alguma coisa fora das normas habituais,” ao passo que sublinhava as paisagens de Manoel Santiago como reveladoras da “evolução franca” de seu autor, que com “uma maneira simpática de pincelar e cortar os seus quadros,” demonstrava suas “magníficas qualidades de marinhista, com empastamentos seguros e muita cor.” Digna de nota é a menção aos artistas entre as considerações do crítico, que apesar de elogiar o aspecto “pouco numeroso” do Salão de 1921, onde não encontrou o “atropelo habitual dos outros anos,” na introdução de seu artigo queixava-se quanto a escolha dos trabalhos exibidos, e recomendava à comissão uma maior severidade na seleção das obras expostas.[71]
54. Poucos meses após a inauguração do Salão, Manoel Santiago se tornava assunto para uma breve crônica de Adalberto Mattos publicada n’O Malho, inteiramente dedicada ao artista. Sob o pseudônimo de Ercole Cremona,[72] o crítico colocava a trajetória do jovem pintor em retrospecto, apresentando-o como discípulo de Theodoro Braga e articulando elementos que se conservariam na retórica da biografia santiagana, como a “rara inclinação para pintura” manifestada na infância do artista, sua passagem de prestígio pelos concursos do Colégio Progresso Paraense e até mesmo a conquista do prêmio hors concours na exposição escolar. No tocante ao recente ingresso de Manoel Santiago nos círculos cariocas, Mattos recuperava o premiado Autorretrato do ano anterior para situar o artista em um processo de aprimoramento e estudo, e ao retomar a sua última participação na Exposição Geral, o crítico realçou “uma bem acabada e resolvida tela, uma marinha prenhe de qualidades,” que não sabemos se referência a Ipanema ou a Praia do Arpoador.[73]
55. Finalizando o relato, Adalberto Mattos sintetizava alguns aspectos que, na sua leitura, caracterizavam tanto o indivíduo Manoel Santiago quanto sua postura artística, elaborando uma apreciação simpática ao pintor, a quem muito recomendava. Separamos abaixo um fragmento de sua argumentação:
56. Manoel Santiago é possuidor de um espírito culto, dado ao estudo, é bacharel em ciências jurídicas, tendo feito um curso brilhante; pertence ao número dos artistas que evoluem francamente, que observam rigorosamente os motivos a interpretar; não se contentando com os resultados de fácil aparência. O seu desenho é honesto, correto, e percebe-se o desejo de acertar sempre. Caracteriza a sua produção a seriedade da escolha dos motivos. O que o pintor tem executado, até a presente data, diz alguma coisa mais do que a monótona paisagenzinha a que estão habituados muitos dos nossos artistas.[74]
57. É com particular interesse que percebemos os comentários de Adalberto Mattos, declaradamente elogiosos à Manoel Santiago, assumirem implicações inteiramente distintas ao serem comparados às palavras de outro crítico, que na revista D. Quixote também dedicava um artigo ao pintor e à sua participação no Salão de 1921. Principiando por um olhar apressado em torno da pintura de marinhas no Brasil, Terra de Senna, em seu característico tom de zombaria, tão peculiar à revista, indicava que naqueles tempos o gênero teria se tornado “acessível a todos os artistas,” e que essa “evolução” da temática resultaria no constatado “aparecimento contínuo de marinhistas brasileiros.” Mencionando alguns artistas que embarcavam nessa torrente, o crítico colocava em evidência aquele que, na sua interpretação, surgia “aureolado” pelo Salão e “pela quase totalidade da crítica:” Manoel Santiago. Eis um importante trecho de sua explanação:
58. Jovem, de grandes óculos, o pintor Manoel Santiago ainda está cheio de esperanças; para ele tudo é verde garrafa: o 1º plano, o 2º, os rochedos, o próprio azul do céu que cobre as suas marinhas. Manoel Santiago não gosta, porém, das águas plácidas. A sua obsessão é o mar encapelado, revolto, violento. Acontece, às vezes, que nas marinhas de Manoel Santiago a perspectiva, mais que o Júri do Salão, “vai na onda” […]. O que caracteriza, entretanto, a obra de Manoel Santiago é o tamanho das suas telas. O que os outros “executam”, sumariamente, em pequenas “manchas”, Manoel Santiago faz em telas de 4×3 com molduras grandes, à Levino Fanzeres, com o nobre intuito de atrair para o seu nome as devidas atenções dos senhores membros do júri do Salão e da maioria da crítica.[75]
59. Partindo das apreciações aqui expostas, constatamos que com sua participação no Salão de 1921, Manoel Santiago despertava a atenção de personalidades da crítica como Adalberto Mattos e Terra de Senna, que atraídos por suas marinhas expressaram diferentes interpretações em torno da figura do pintor. Posicionando-o entre a mocidade que despontava no evento, ambos os críticos parecem concordar quanto à impressão provocada pela paisagem marinha de Santiago, compreendida por Terra de Senna como ambientações de mar tempestuoso que, imaginamos, realmente se distanciariam da “monótona paisagenzinha” rotineira, comentada pelo crítico d’O Malho. Por outro lado, Senna se distingue de Mattos ao descobrir o “característico” de Manoel Santiago não nas virtudes de um pintor em formação, e sim nas grandes proporções de suas telas, somadas às vultuosas molduras – artimanhas a que o artista recorreria para distinguir-se entre outros expositores. Sobre as intenções do jovem “aureolado,” o crítico da D. Quixote não manifestava dúvidas: tratava-se do “nobre intuito” de Santiago de cativar interesses no Salão.
60. Ao desvelar uma intencionalidade por trás das escolhas daquele rapaz “de grandes óculos”[76] e revelar o que poderia, de fato, representar um artifício mobilizado por Manoel Santiago com o propósito de angariar a simpatia dos membros do júri e da crítica de arte, Terra de Senna, de certo modo, reafirma o lugar de importância de ambas as instâncias na experiência de expositores. Como veremos adiante, e conforme elaborado em nossa dissertação a partir dos episódios que transcorreram à recusa de Uma Sesta Tropical, apresentar-se com êxito nas EGBA correspondia a uma verdadeira jornada, cuja primeira etapa constituía, naturalmente, na aceitação da obra pelo júri. Sabemos que trata-se de uma condição que vetou o caminho para obras de diversos artistas, ao menos nesses primeiros anos em que Manoel Santiago esteve ligado à instituição e à sua exposição. O caso, que sinalizamos com base na documentação que integra o acervo do MDJVI, nos ocupará nas linhas que seguem.
Considerações sobre as recusas no Salão
61. Consoante às diretrizes do Regulamento da Escola Nacional de Belas Artes, a organização das Exposições Gerais ficava a cargo do Conselho Superior de Belas Artes (CSBA) – comitê oficial responsável, entre outras incumbências, por sua realização anual –, presidido pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores ou, na sua ausência, pelo diretor da Escola, e constituído pelos professores da instituição e artistas eleitos.[77] As pautas das reuniões, realizadas periodicamente, eram redigidas por um de seus membros e estão registradas nas Atas das sessões, disponibilizadas pela instituição a qual nos referimos logo acima. Em nossa análise desse material, restrita aos anos da década de 1920, até 1928, percebemos, mais especificamente, como orientações rotineiras do comitê: a organização da agenda do evento; a eleição da comissão diretora e definição dos diversos júris de cada exposição; a apresentação de seus respectivos pareceres e designação dos prêmios, outorgados pelo Conselho, além de outras temáticas incorporadas à “ordem do dia,” que abordamos em nossa dissertação, quando necessário.
62. Da investigação empreendida, gostaríamos de ressaltar uma questão com a qual nos deparamos, elemento que desponta nos registros dos anos 1920 e 1921, e que consideramos relevante para uma compreensão mais aproximada da experiência de artistas que principiavam nesse meio expositivo, como é o caso do pintor Manoel Santiago. Na leitura da Ata de 27 de maio de 1921, encontramos a transcrição do parecer apresentado pela comissão diretora da 27ª Exposição Geral (1920) – uma espécie de prestação de contas, anualmente retomada entre as sessões do Conselho, mas que na ocasião apresentava algumas particularidades que nos interessam. Datado de agosto de 1920, o relatório listava o número de trabalhos encaminhados à comissão no período de inscrição no evento, detalhando o total de concorrentes inscritos e a quantidade de obras admitidas e rejeitadas em cada uma das seções contempladas pelo certame. Essas informações foram transpostas para a Tabela 1, onde indicamos, da mesma forma, as ausências que permearam o relato, notadamente, no que se refere ao total de concorrentes aprovados e recusados na exposição.[78]

63. Como se vê, dentre as especificidades verificadas em cada instância contemplada pelo Salão, diversas questões poderiam ser levantadas, contribuindo tanto para o entendimento em torno das Exposições Gerais, quanto do perfil de artistas que a ela concorriam – indagações que, no entanto, escapam às delimitações de nossa análise, embora apontem, por certo, para a necessidade de novas pesquisas. Restringindo-nos, no momento, ao exame dos dados apresentados a partir de nosso interesse pela seção de Pintura. O que nos compete sublinhar são as disparidades que esta instância apresenta quando comparada a quantidade de obras enviadas aos outros setores; o expressivo volume de obras a ela encaminhadas e, por consequência, o igualmente sintomático número de pinturas rejeitadas por esse mesmo júri.[79]
64. Naturalmente, diante da análise desse documento algumas interrogações nos ocorrem, como: qual foi o critério adotado pelos júris para determinar os trabalhos que seriam aceitos ou recusados? Ou, existiria uma distinção entre artistas iniciantes e aqueles mais experientes? Apesar de não possuirmos respostas concretas para essas questões, elas se fortalecem quando observamos, na documentação do ano anterior, uma experiência semelhante. Nos referimos ao relatório da comissão diretora da 26ª Exposição Geral (1919), apresentado na reunião do Conselho Superior de Belas Artes de 12 de maio de 1920, cujas informações transpomos para a Tabela 2.

65. Como adiantamos, nossa pesquisa não objetiva elaborar uma análise aprofundada dos dados apresentados em cada uma das seções do Salão. Entretanto, um simples exame comparativo entre as duas tabelas nos permite fazer algumas inferências. A primeira delas, sem dúvida, seria a de que o critério que orientava a comissão diretora em seus relatórios não seguia, aparentemente, um padrão específico. Contrastando às informações coletadas sobre a exposição de 1920, o relato da comissão do ano anterior detalhava o número de concorrentes, mas não indicava quantas obras foram designadas a cada uma das seções do evento, apenas sua totalidade.[80] Num segundo momento, ao analisarmos o volume de obras recusadas na seção de pintura da exposição de 1919 frente ao número total de obras excluídas do certame, novamente constatamos a expressividade desse dado. Essa informação ganha em significado quando acompanhada do seguinte trecho que complementa o parecer:
66. A comissão vê com grande satisfação de há tempos a esta parte, que as Exposições Gerais de Belas Artes vêm tomando um aspecto mais harmônico em virtude de um julgamento menos condescendente por parte dos júris, quanto a aceitação das obras enviadas ao nosso salão anual. É de esperar que esse critério permaneça afim [sic] de que pouco a pouco tenda a desaparecer desses certames de arte o cunho de simples exposição de amadores.[81]
67. É flagrante o entusiasmo manifestado pela comissão diretora da 26ª Exposição Geral diante do vultuoso número de obras recusadas “por parte dos júris,” inclinação que, na verdade, nos parece responder diretamente às recusas da seção de pintura, como demonstra a Tabela 2. Ao mesmo tempo – e respondendo, em parte, nossa indagação quanto ao critério que fundamentava as rejeições do júri – ressalta a preocupação da comissão em afastar do certame qualquer associação a um evento de “amadores,” interesse que, pela lógica explicitada, justificaria o endurecimento nas avaliações dos comitês do Salão e, consequentemente, a rejeição de parte considerável das obras a eles destinadas.
68. É evidente que esse fundamento não deve ser compreendido sob o ângulo de um posicionamento propriamente pernicioso da parte da instituição, uma vez que – vale lembrar – inclinação semelhante seria compartilhada abertamente pela opinião de um crítico de arte, Adalberto Mattos, que no mencionado artigo sobre o Salão de 1921, defendeu a severidade nas determinações do júri, incluindo que as “aberrações” encontradas naquela exposição decorreriam de julgamentos pautados “não com a consciência e sim com o coração, por simpatia ao nome ou indivíduo.” Superados esses obstáculos, o certame representaria, nas palavras de Mattos, a “expressão máxima da totalidade dos nossos artistas.”[82]
69. À vista das questões esboçadas, embora não possamos afirmar serem os casos de recusa das duas exposições mencionadas exceções no histórico do evento, consideramos a possibilidade de que o critério que determinou o expressivo afastamento de pinturas por parte do júri no Salão de 1920 possa ser compreendido como uma prática de continuidade em relação à experiência do ano anterior, na qual privilegiou-se uma seleção rigorosa das obras a serem expostas – perspectiva que confere alguma relevância à participação inaugural de Manoel Santiago nesse evento, onde recebeu sua primeira premiação. Essa postura do júri poderia ter se perpetuado na conjuntura de 1921, pois ecoa tanto no exíguo número de obras expostas naquele ano,[83] quanto no discurso do crítico Adalberto Mattos, personagem atento às manifestações da Escola. Contudo, o caráter especulativo que acompanha nossa análise dessa documentação não deve escapar de vista, uma vez que se trata, evidentemente, de um exame temporalmente restrito.
70. De todo modo, é inegável que o fato de não termos encontrado esforços semelhantes nos relatórios do Conselho realizados nos anos seguintes, com listagens tão minuciosas sobre a quantidade de obras recusadas no evento impõem algumas indagações. Como demonstramos com maior detalhamento na seção seguinte de nossa dissertação, as recusas de fato transcorriam na Exposição Geral e, ao que parece, eram registradas pelo júri em documentação independente; mas, em relação à quantidade de obras admitidas, não sabemos se essas representariam proporções semelhantes às verificadas nas exposições de 1919 e 1920. Tendo em vista que na busca empreendida entre os jornais dessa época não encontramos referências que tratassem especificamente das obras recusadas registradas na documentação – dado que, como adiantamos, tanto contrastou na polêmica instaurada com o afastamento de Uma Sesta Tropical, poucos anos depois –, poderíamos afirmar que o volume de obras excluídas era recebido com naturalidade por artistas e pela crítica de arte, como algo rotineiro? Trata-se de uma questão que carece de pesquisas mais amplas e com acesso à documentação adequada.
71. Após esbarrarmos nesse ponto é o momento de retornarmos às insinuações de Terra de Senna a respeito do “nobre intuito” que pautava as intenções de Manoel Santiago no Salão de 1921, tanto em relação ao júri quanto à crítica de arte. Superado o risco da recusa, imaginamos que o motivo de aflições para os artistas, principalmente para iniciantes, seria o destaque entre a ampla concorrência que, como vimos, comumente visava a seção de pintura da exposição. E o caso se complexifica: transpostos esses obstáculos, dois fatores poderiam instigar os concorrentes: as premiações designadas pelo júri e o encorajamento da crítica – caminhos que, sem dúvida, contribuiriam para o realce profissional e, quem sabe, “sucesso” financeiro de jovens estudantes interessados em firmarem-se no círculo das belas-artes e vender suas telas. Assim, acreditamos que, face à experiência do ano precedente, caso as suspeitas de Terra de Senna sobre a motivações de Santiago fossem absolutamente precisas, estas também seriam facilmente justificáveis.
Vislumbres na trajetória do artista
72. Avançando nossa análise para o ano de 1922, observamos, efetivamente, como as veredas que delineavam as investidas no Salão oficial configuravam traços inconstantes para aqueles que nele se aventuravam – expectativas que se renovavam anualmente para iniciantes. Através das informações do catálogo do certame, sabemos que naquele ano Manoel Santiago manteve sua posição como discípulo de Baptista da Costa e Rodolpho Chambelland, e que para o evento comemorativo ao Centenário de Independência,[84] apresentou a tela Flores ao Sol, incluindo duas vistas litorâneas, intituladas Canto do Rio (Niterói) e Botafogo – quiçá motivado pela positiva recepção obtida em sua última participação.[85] No que se refere aos quadros por ele apresentados – trabalhos que infelizmente desconhecemos – tratavam-se, de acordo com O Brasil de “duas expressivas paisagens e um ar livre,” [86] cenários que, pela opinião publicada n’O Jornal, fora as “árvores, terra e mar” presentes em Canto do Rio, não chegavam a impressionar.[87]
73. À parte as duas considerações destacadas, foi Terra de Serra quem, mais uma vez, contribuiu para nossa aproximação, mesmo que relativa, de uma das composições exibidas por Manoel Santiago. Acompanhando uma narrativa que constatava a predominância de quadros de assunto histórico na exposição em razão do ano comemorativo, o crítico da D. Quixote, indicava serem de Santiago duas marinhas de “grandes dimensões” e um “ar livre” chamado Flores ao Sol. Articulando-se à sua muito própria maneira, sobre esse último apontava: “Um dia de sol tão quente, tão quente que chegou a queimar o braço da figura, empolando-lhe a pele.” Alegando que embora seus “efeitos de luz” fossem “um tanto exagerados,” o crítico defendia que o quadro não deixava de ser merecedor de atenção, “dado o fato de ser o seu autor um marinhista e a ojeriza que, em geral, os marinhistas tem pelas figuras.”[88]
74. Apoiando-nos nos indícios que incorporam a narrativa do crítico, compreendemos que Flores ao Sol se diferenciava das telas Botafogo e Canto do Rio por tratar-se de um exercício de representação de figura, particularidade que, até onde sabemos, fora Autorretrato, não integrava as obras exibidas por Manoel Santiago nas exposições anteriores, ao menos não em lugar de evidência. Nesse sentido, retomamos à frequente caracterização de Santiago como um “marinhista” nas afirmações de Terra de Senna para, a partir das considerações de Arthur Valle, situarmos as escolhas do pintor amazonense. Segundo o pesquisador, a pintura de paisagem detinha grande prestígio no período republicano, provavelmente por dialogar com os “anseios da criação de uma ‘escola brasileira’ de pintura,” como também por estar associada “à manifestação da individualidade dos artistas”. O gênero encontrava-se na “rotina pedagógica dos alunos de pintura da ENBA,” e teve presença garantida entre os catálogos das Exposições Gerais, tanto nos trabalhos apresentados por alunos regulares da Escola quanto, em maior frequência, por parte de alunos livres.[89]
75. Sendo assim, além de constatarmos uma primeira investida de Manoel Santiago nas chamadas composições de gênero – haja vista que o pintor escapava à “ojeriza pelas figuras” que Terra de Senna atribuía aos marinhistas -, também é possível interpretarmos suas predileções por cenas paisagísticas como parte de uma prática convencionada entre o circuito das Exposições Gerais. Como é de nosso interesse demonstrar, o exame das manifestações do pintor nessa conjuntura revela escolhas pautadas na experiência comum entre outros artistas iniciantes e se caracterizaram, mais aproximadamente, pelo olhar sobre a paisagem carioca.
Ampliam-se as lentes, expandem-se os caminhos: O Salão da Primavera
76. Se até aqui os encaminhamentos de nossa investigação em periódicos da década de 1920 revelaram um Manoel Santiago, em certa medida, “tutelado” pelas instâncias oficiais, em 1923 algo se modificou em sua experiência no ambiente carioca. Com essa afirmação, não temos a pretensão de certificar que o envolvimento do pintor nesse meio artístico esteve completamente restrito aos domínios da ENBA, posto o número reduzido de informações encontradas sobre o mesmo no período destacado.[90] O que pretendemos, na verdade, é enfatizar que alargavam-se as possibilidades para aquele que integrava a comissão de uma nova proposta expositiva, alheia à autoridade da instituição oficial: o Salão da Primavera – um movimento determinante para uma compreensão mais apurada das escolhas do artista com a tela Uma Sesta Tropical poucos anos depois, em 1925.[91] Sobre esse momento na experiência do artista, recordamos a menção de João Augusto da Silva Neto[92] acerca do envolvimento de Santiago na fundação da Academia Livre de Bellas Artes, em Belém, para evidenciarmos as permanências em seu perfil participativo, integrado também ao campo das artes no Rio de Janeiro.
77. O tema foi elaborado com maior aprofundamento no capítulo inicial de nossa dissertação de mestrado, e abarca considerações encaradas como peças-chave para o entendimento acerca das escolhas compositivas do artista nos Salões posteriores. Embora o exame do evento não corresponda às nossas intenções no presente artigo, cumpre indicar que, em síntese, percebemos o Salão da Primavera como um recurso em meio às adversidades que permeavam a jornada daqueles que buscavam expor no Salão oficial, mas que esbarravam em recusas por parte dos júris, ou mesmo na dificuldade de angariar algum destaque entre a ampla concorrência. Conforme defendemos, o Salão da Primavera advogava uma oportunidade a mais entre as possibilidades vislumbradas por jovens artistas no circuito expositivo, contribuindo para maior dinamicidade no meio artístico carioca.[93]
Desdobramentos na experiência de Manoel Santiago
78. O percurso em vista nos permitiu um exame mais amadurecido sobre a conjuntura experienciada pelo pintor, que soube atuar entre as condições dispostas no meio artístico ao integrar a comissão de um novo Salão, declaradamente apartado dos parâmetros de seletividade que regiam as exposições oficiais – motivo de censuras naquele momento –, e especialmente interessado em promover a mocidade artística. Há de se considerar que dentre a “pluralidade de usos sociais da arte que caracterizava a cultura carioca da 1ª República”,[94] ao optar por pertencer a um grupo, o pintor amazonense ganhava visibilidade e se promovia, indubitavelmente, como um dos “novos” artistas que surgiam.
79. Sob o ângulo desse vasto horizonte de oportunidades encorajado pelo Salão da Primavera, é significativo que notemos o comparecimento de Manoel Santiago nesse espaço a partir de obras tão diversificadas entre si e em tão expressivo número – principalmente quando comparadas às escolhas que até então determinavam sua apresentação no Salão oficial. Pautando-nos no catálogo do evento, sabemos que, ladeado por artistas como Haydéa Lopes, Manoel Constantino, Príncipe Gagarin, Zina Aita, Armando Navarro da Costa, Raul Pedrosa, A. Ruth Pereira, Virgílio Lopes Rodrigues, Paulo Mazzucchelli e Oswaldo Teixeira (que exibia, inclusive, um carvão intitulado Manoel Santiago, sua segunda homenagem ao artista). Para o certame primaveril o pintor amazonense dedicava as obras Lyrios, Pescador de Pérolas (Fragmento de um quadro) [ Figura 4 ], Pequena Tapuya [ Figura 5 ], Morro do Castelo, Seducção do mar, Maldito Tango e Passeio Público, além de três trabalhos em carvão intitulados Estudo, Negra Velha e um retrato de sua companheira, a pintora Haydéa Lopes.[95]
80. Por diferentes razões, folhear o referido documento configurou uma oportunidade ímpar em nossa reflexão. Ali, não apenas encontrávamos um registro fidedigno da experiência do Salão da Primavera, como também éramos autorizados aos primeiros passos em direção ao universo de representação elaborado por Manoel Santiago naquele momento. Esse tão ansiado encontro ganhava forma através das reproduções das telas Pescador de Pérolas, Pequena Tapuya e Morro do Castelo, os únicos trabalhos desse conjunto que efetivamente conhecemos. Diante das reproduções disponibilizadas pelo catálogo, esbarramos nas problemáticas que procedem à qualidade da imagem: ausência de cores, distanciamento dos detalhes, pouca definição. Lidando, portanto, com superfícies monocráticas, vejamos como cada imagem se desvela ao nosso olhar.
81. Indicado como o fragmento de um quadro, Pescador de Pérolas [ Figura 4 ] certamente representa uma composição de difícil definição, extrapolando, inclusive, as condições que conformam o registro. De imediato, nosso olhar se direciona ao centro da tela onde reconhecemos uma fisionomia, composta por olhos que não sabemos se despertos e a fitar o observador ou absortos ao emergir em meio a intenso movimento. Elevando-se por entre manchas de diferentes gradações, identificamos, na lateral esquerda do quadro, peixes que traçam diferentes rotas, embaraçando-se e determinando a constante enérgica que serpenteia na tela como um todo. Marcada por esse trânsito febril, pouco pôde ser identificado entre as manchas que circundam a enigmática face a flutuar no sentido diagonal da tela, conduzindo atrás de si uma zona escurecida, que a acompanha da direita para a esquerda do quadro. Como que tomada por uma densa cabeleira, descortina-se na obra uma bruma onde suspendem-se misteriosos elementos, por nós desconhecidos.
82. Pequena Tapuya [ Figura 5 ], por sua vez, surpreende pela cinesia de pinceladas que compõem o perfil de uma mulher indígena, como pretende a legenda. Algo de impessoal poderia ser sugerido em sua face, parcialmente oculta pelas grossas mechas do cabelo, enquanto que em sua postura como um todo, notamos uma íntima pausa, um momento de reclusão. Vestida com uma clara camisa e adornada com um leve colar ao pescoço, a jovem parece aguardar o fim da sessão na qual torna-se objeto de contemplação e estudo. Por certo, o interesse de um primeiro olhar sobre a tela reside na fruição do pincel que forma a figura. Num segundo momento, entretanto, percebemo-nos absortos frente a delicadeza em que se estrutura, a imaginar a que caminhos seus pensamentos nos conduziriam.
83. Evidenciado em meio a larga coleção de obras exibidas, mencionadas pela imprensa em sua surpreendente maioria, foi com as telas Lyrios, Seducção do mar e Pescador de Pérolas que Manoel Santiago parece ter especialmente cativado a crítica, que sobre as mesmas ressaltou uma sólida fatura, “iluminada por uma serena idealidade.”[96] Interpretação análoga foi divulgada pelo jornal O Brasil, que identificava em Manoel Santiago “um dos mais promissores expositores.” Referindo-se aos “três trabalhinhos encantadores, cheio de espiritualidade, cheios de ternura”, a nota relatava “uma emoção indefinível” despertada por Pescador de Pérolas, sentimento que contrastava com a imagem de Pequena Tapuya, descrita como “um retrato vigoroso, selvagem e ousado, de uma jovem índia,” que ao lado de Morro do Castelo e Haydéa, revelaria a força da competência do artista. Forçoso sublinhar que pelo conjunto exposto pelo pintor Santiago, o jornal enfatizava descobrir a fantasia como “face nova” do seu talento, incitando-o a prosseguir.[97]
84. Enveredando por rumos idênticos aos avistados pelo articulista anônimo, o crítico Frederico Barata também relatava sua percepção sobre um Manoel Santiago “inteiramente outro”. Da longa e elaborada exposição que dedicava ao Salão da Primavera, para o pintor amazonense o crítico reservava um lugar de honra.[98] Atentemos às suas colocações:
85. Manoel Santiago é um dos novos, cuja contribuição ao Salão da Primavera é verdadeiramente preciosa. Quem tenha observado com cuidado os trabalhos desse jovem no Salão Oficial, há de ficar surpreso com o que vê agora na nova entidade artística. É que Manoel Santiago se apresenta inteiramente outro, por isso que está livre das algemas convencionais com que tinha de cingir os seus trabalhos para mais ou menos, em sacrifício do seu sentimento, adaptá-los ao gosto dos julgadores do Salão Oficial, que os recusariam se não estivessem dentro de suas exigências do metro e compasso.[99]
86. Pelo que vimos até aqui, como não identificar, nas palavras de Frederico Barata, correspondências imediatas com as de João de Talma, que aludia ao desaventurado enredo que acompanhava concorrentes das Exposições Gerais? Ou mesmo o diálogo com aquela figura “marcadinha” representada pelo “seu José”, concebido por Manoel Santiago, frente às “exigências do metro e compasso” mencionadas pelo crítico? É de fato inegável que no referido fragmento descobrem-se diferentes camadas de um cenário artístico compartilhado e marcado pela retórica de um suposto antagonismo entre o Salão da Primavera e o Salão oficial – o primeiro representando a defesa de uma “liberdade de experimentação” em arte, ao passo que no segundo imperaria o gosto de um júri autoritário.
87. Acompanhando essa via, foi instrumentalizando a aparente oposição em jogo que Frederico Barata encontrou elementos para caracterizar a “nova entidade” de Manoel Santiago, determinada por obras caras ao seu temperamento, posto que se encontrava livre as “algemas convencionais” do júri e, consequentemente, livre do perigo da recusa. Caminhando por entre os domínios quiméricos materializados por Manoel Santiago, Barata também remetia aos encantos das telas Lyrios, Seducção do Mar e Pescador de Pérolas, descritas como “três fantasias magníficas.” Particularmente deslumbrado pela última, observemos como o crítico a concebia:
88. É um fundo de mar em que repousa uma linda cabeça feminina, onde se reflete toda a volúpia de um êxtase, e sobre a qual adeja uma outra cabeça máscula, com admirável expressão de cobiça e desejo contemplativos. Magnífica de ternura e delicadeza, essa pequena tela tem qualidades incontestáveis de sentimento e de imaginação. O fundo do mar está perfeitamente conseguido e harmonizado com as figuras, semi-veladas por uma infinidade de algas, liquens e pequeninos peixes. Tratado com cores ternas, claras e límpidas, esse quadro dá, à primeira vista, a impressão de um pastel, impressão que é reforçada por estar a tela envidraçada.[100]
89. Mediando nossa relação com a imagem a partir da descrição do crítico, encontramos referências para elementos que não havíamos identificado: uma expressão masculina, provavelmente situada na zona escurecida da extremidade superior direita da tela, além de um cenário composto por algas e líquens que, sem dúvida, contribuem para a sensação de dinamismo verificada na imagem. Ao continuar sua apreciação, Frederico Barata incluía outros trabalhos do artista que considerava dignos de nota, dentre os quais estava Pequena Tapuya. Separamos um pequeno fragmento:
90. Grande diferença vai da técnica empregada nessas três fantasias para a de “Pequena Tapuya”, uma cabecinha de índia brasileira, de larga fatura e vivo colorido. O artista faz assim variar sua técnica com o motivo. Em “Lyrios”, por exemplo, a técnica é suave e branda, porque o motivo é também assim, suave, brando e espiritual. Em “Pequena Tapuya” não. O pintor quis traduzir com a técnica vigorosa, enérgica e ousada a alma selvagem da filha das brenhas, rude, quase grosseira na sua nenhuma civilização. E conseguiu. […].[101]
91. Confirmando nossas impressões sobre uma percepção da crítica que ressaltava a disparidade entre as telas Pescador de Pérolas e Pequena Tapuya, no trecho destacado observamos que Frederico Barata atribui especial significado à variação da técnica nas pinturas de Manoel Santiago, compreendendo-as como resultado de um estudo sobre o motivo em questão. Assim, o crítico levantava uma reflexão de aparente coerência com a sua própria argumentação em defesa da liberdade na manifestação do temperamento do artista – num discurso que evidentemente reporta, entretanto, à sua interpretação pessoal sobre os temas representados. Especialmente fascinado por Pescador de Pérolas e Lyrios, Barata encontrava nessas telas a tradução da suavidade que identificava no tema abordado, ao passo que em Pequena Tapuya entendia a expressividade da técnica a partir das limitações de seu próprio imaginário diante da personagem indígena.
92. Seguindo ao desfecho do Salão da Primavera em março de 1923, menções ao nome de Manoel Santiago reaparecem entre as notas da imprensa dedicadas às belas-artes apenas em agosto, com a retomada da Exposição Geral. No catálogo desse certame, Santiago é acompanhado pelo registro de sua premiação anterior, conquistada em 1920, e é apresentado como discípulo da ENBA, embora não estivesse mais associado ao nome de nenhum mestre da instituição.[102] Destoando substancialmente do número de trabalhos que exibira no Salão primaveril, para o certame oficial o pintor destinava um único quadro, cujo título, Yara, constatava um primeiro investimento na temática das lendas nacionais. Coincidentemente, Santiago se aproximava, por sua escolha, do pintor Pedro Bruno, que também apresentava no evento uma composição consagrada à lendária sereia dos trópicos.
93. Com essa solitária obra, que não conseguimos localizar, Manoel Santiago distanciava-se daquela dupla consagração sugerida por Terra de Senna anos antes: o artista conquistava entre o júri de pintura sua segunda premiação, uma Menção Honrosa de 1º grau,[103] mas até onde foi possível constatar, não parece ter fascinado a crítica de arte. Na companhia de colegas que também haviam se apresentado no Salão da Primavera, Santiago ocupou um tanto acanhadamente as apreciações da crítica de arte sobre o evento como um todo. Mencionado como um artista que aparecera “prometedoramente há três anos”, entre as Impressões do Salão de Carlos Rubens,[104] Yara era definida como uma tela que não o recomendava.
94. No extenso parecer sobre a exposição que Virgílio Maurício[105] divulgou no Gazeta de Notícias em agosto, foram breves as observações em torno da Yara de Manoel Santiago, percebida como o trabalho de um artista de inegável talento por seu “agradável colorido,” embora carecesse de maior “estudo e observação” no desenho. A despeito dos elogiosos comentários que incorporaram sua análise, Maurício definia a Exposição Geral de 1923 como um salão pobre, ausente de revelações e onde tudo era repetido, o que dava a impressão, segundo o crítico, do cansaço dos expositores, muito dos quais sequer concorreram naquele ano “devido a política da Escola.” Essa lacuna teria sido compensada na aceitação, por parte do júri, de “uma série de trabalhos” que surpreenderiam “pela mediocridade, pelos erros de desenho, pela inferioridade.”[106]
95. Assumindo uma posição contrária, na publicação de setembro da revista Illustração Brasileira, Adalberto Mattos apontava o aspecto animador do Salão – a “despeito dos reiterados ataques de um grande grupo de pessimistas.” Como defendeu o crítico, “se há iniciativa que mereça ser julgada com uma dose de filosofia otimista, é precisamente a Exposição Geral.” Esta estaria determinada por uma evolução contínua, perceptível, inclusive, através da mocidade, que apresentava a preocupação em “produzir e formar uma individualidade característica.” Admitido em meio a essas simpáticas colocações, favoráveis ao certame como um todo, Manoel Santiago também angariava comentários pontuais do crítico, que percebia em Yara “um aproveitamento seguro e uma noção equilibrada da composição”[107] – parâmetros que foram retomados em outra publicação de Mattos, dessa vez na revista O Malho, onde indicava o pintor como um “estudioso sedento de progredir.”[108]
96. Ao que pensamos, o ano de 1924 irrompe de maneira imprevista, na contramão do sentido que vinha sendo trilhado por Manoel Santiago, tendo em conta os caminhos ramificados que o mesmo vinha percorrendo no ano anterior. Entre os anúncios sobre uma segunda realização do Salão da Primavera que surgiam nas páginas dos jornais em finais de 1923, mais uma vez o pintor amazonense despontava ao lado dos artistas Manoel Faria, Porciúncula Moraes e Bas Domenech como parte da comissão organizadora, que naquela circunstância era acrescida pelos nomes de Modestino Kanto, Paulo Mazzucchelli, Quirino da Silva e João Azevedo.[109] Entretanto, por razões que desconhecemos, nem Santiago nem Porciúncula Moraes e Bas Domenech compunham o grupo em janeiro de 1924,[110] no momento de inauguração do certame.[111]
97. Faltando-nos o acesso ao catálogo do evento, não poderíamos afirmar, apartados de qualquer suspeita, que Manoel Santiago tenha se ausentado do Salão da Primavera na condição de participante. Ao mesmo tempo, cumpre indicar que na pesquisa empreendida não encontramos qualquer menção que identificasse o pintor entre os diversos expositores que ali compareciam, nenhuma obra comentada que fosse de sua autoria – dado que interpretamos como um forte indício de sua ausência na mostra. Mas essa ausência não se verificava num sentido absoluto, há de se notar.
98. Figurando como parte do conjunto exposto, Manoel Santiago se fez presente na forma de um retrato, autoria do jovem Cândido Portinari, acompanhado da dedicatória: “Ao amigo e colega Santiago”, onde surge como um belo vulto a fitar o observador através de seus característicos óculos [ Figura 6 ].[112] Ocupando as atenções da crítica por suas “qualidades de retratista,” com essa homenagem Portinari conquistava especial admiração da imprensa, contribuindo, ao mesmo tempo, para a publicidade do Salão da Primavera.[113] Cumpre destacar que ao apresentar-se com Retrato de Manoel Santiago também na Exposição Geral de 1924, Portinari agradou igualmente ao júri de pintura, que lhe concedeu a Pequena Medalha de Prata.[114]
99. A propósito da 31ª Exposição Geral de Belas Artes (1924), convém apontar que não obstante o apelo destinado a artistas brasileiros que ecoava na imprensa meses antes do evento, solicitando aos mesmos que ali comparecessem e aos mestres que abandonassem as “pequeninas rivalidades,”[115] nas notícias do mês de agosto difundia-se uma otimista campanha sobre a inauguração da mostra.[116] Anunciado pelo jornal Gazeta de Notícias[117] como “o período mais interessante e de maior significação que se verifica cada ano em nosso meio artístico;” quando se descobriria, quase sempre, “um espelho fiel do que vai no mundo das artes plásticas” no país; o Salão oficial também foi caracterizado como um espaço de ampla frequentação, no qual, segundo O Imparcial “em verdadeira promiscuidade, se acotovelam, jornalistas, escritores, altas autoridades, artistas, grande número de famílias, o ‘set’ carioca, enfim.”[118]
100. Decerto impulsionado pela referida campanha, nas impressões divulgadas sobre o Salão de 1924, em diversos momentos Manoel Santiago é identificado entre os “novos” artistas ali presentes. Ao que parece, o pintor recuperava as atenções da imprensa, que caracterizou o evento como um verdadeiro “surto magnífico de mocidade.”[119] Estendendo-nos sobre esse último aspecto, gostaríamos de englobar em nossa análise algumas das percepções sobre a exposição veiculadas pelo jornal O Paiz: uma publicação anônima e outra, autoria de Fléxa Ribeiro – influente crítico de arte paraense que, como indicamos, também lecionou na ENBA.
101. Apesar de tratarem-se de apreciações determinadas por um olhar mais abrangente em torno da exposição, e que não mencionam Manoel Santiago, localizamos nesses artigos elementos narrativos que consideramos pertinentes; são fundamentos que, ao sintetizar uma leitura sobre a nova geração de artistas, nos possibilitam perceber a recepção das obras de Santiago em 1924. Esses parâmetros poderiam, quiçá, ter encorajado as incursões do artista no ano seguinte, quando concorre com a tela Uma Sesta Tropical, interpretação que desenvolvemos nas seções seguintes da dissertação.
102. Em uma longa e promissora apreciação de primeira página, intitulada “Os “novos” na arte brasileira,” encontramos observações sobre os “movimentos de renovação artística”, propiciados por uma maior receptividade “do espírito moderno.” Avançando o foco da análise para o contexto brasileiro, após uma breve e um tanto sintomática caracterização do meio nacional como um espaço há muito tempo estagnado e destituído de “movimentos artísticos originais,” introduzia-se à principal finalidade do artigo: atentar ao que há de novo nas “aspirações da mocidade.” A pauta era estimulada em razão de acreditar-se que as “mais recentes renovações estéticas,” combinadas àquela “ânsia do espírito moderno., haviam “pairado no ar brasileiro.” Portanto, o jornal O Paiz propunha “impulsionar a propaganda,” estimulando “os novos, de hoje, no ardente desejo de vê-los em uma organização geral no rumo das ideias inovadoras.” Cercada pela reprodução prévia de alguns trabalhos que figuravam no Salão, a matéria apontava que:
103. Cada exposição geral que se inaugura poderá ser estudada com o anelo de encontrar-se, nas incertezas da mocidade, os pendores estéticos que se alçam naquele rumo. Conviria, de tal sorte, vir em auxílio desses rapazes que adolescem cheios de sinceridade. […] Não será obra de uma geração. Mas a vitória está na veemência ininterrupta. O que a juventude precisa é entregar-se, amplamente, ao seu temperamento. Viver de seu sentir. Auscultar suas inclinações. E, uma vez evidenciada a vocação, trabalhá-la no sentido de ver com sinceridade, por ela mesma, a nossa realidade, e trazê-la à luz.[120]
104. Na estrutura argumentativa em que se ancoravam essas pontuações, atentemos que ao estimular a expectativa em torno das orientações da mocidade artística, a retórica elaborada pelo O Paiz caminhava, em essência, num sentido análogo ao discurso que no ano anterior fundamentava a criação do Salão da Primavera. Naturalmente, o importante contraponto em questão consiste no fato de que, nesse caso, aquela tão defendida manifestação individual de um “temperamento artístico” não se revelaria, necessariamente, fora dos portões da ENBA, podendo ser encontrada nas vacilações da mocidade, em “cada exposição geral” – aquele outrora gélido espaço institucional, que inspirava duras críticas por parte de outros articulistas.
105. Essa espécie de pressentimento sobre o conjunto apresentado no Salão de 1924 foi retomada pouco depois por Fléxa Ribeiro, que, não se furtando a uma análise pormenorizada sobre a exposição, ressaltava o maior equilíbrio na coleção daquele ano. De acordo com o crítico, pelas telas exibidas, “os jovens pintores” começavam a desembaraçar-se das incipiências, demonstrando maior confiança “no esforço pessoal” e começando a se entregar, “com ardor e arrojo, à própria inspiração.” Nesse breve artigo, como único exemplo da parte “dos novos,” Fléxa Ribeiro destacava a “considerável evolução” da pintora Haydéa Lopes, que com suas obras caminhava “no sentimento de modernidade que tanto se faz mister na pintura brasileira.”[121] A artista, que vinha se apresentando no Salão desde 1921, dedicava quatro telas à exposição daquele ano, Romantismo, A visita, Cabra-Cega e Mocidade em Flor,[122] esta última tendo sido contemplada em nossa seção final pelas proximidades que a ambientação revela em relação à Uma Sesta Tropical.
106. Flertando ou não com essa concepção elogiosa a um “temperamento artístico” que atravessava os corredores da Exposição Geral e que lhe havia rendido comentários favoráveis na imprensa em 1923, pela participação no Salão da Primavera; e quem sabe entusiasmado pelas investidas de sua companheira de ateliê, Haydéa Lopes,[123] fato é que Manoel Santiago consolidava sua participação no Salão de 1924 de uma maneira notadamente renovada. Não mais listado como discípulo da ENBA, Santiago se revelava no catálogo da exposição com as obras Tapiina do Amazonas [ Figura 7 ], Vida na Roça, Caipora (lenda amazônica) [ Figura 8 ], Evocação, Sonho de Crisálida e Harmonia – conjunto destacado pela variedade na escolha dos gêneros compositivos que, por sua vez, se aproximava da coleção exposta pelo pintor no primeiro certame primaveril.[124]
107. No tocante a retomada de Manoel Santiago aos contos nortistas, materializados no ano anterior nas formas de Yara e incorporados, no ano seguinte, na figura do Caipora; bem como na representação de “tipos brasileiros”, como uma jovem indígena do Amazonas, próxima à Pequena Tapuya, de 1923, arriscamos aventar que o pintor atendia ao apelo que seu antigo professor, Theodoro Braga, publicou em 1921 na revista Illustração Brasileira. Na condição de livre docente da ENBA, Braga lançava uma convocatória aos artistas em defesa da nacionalização da nossa arte, especialmente preocupado com o campo das artes aplicadas.
108. Dentre os meios que levariam a esse fim, ou seja, à “procura de um característico que marque a personalidade brasileira,” um caminho sugerido pelo pintor estaria na escolha, para “o concurso anual das exposições de artistas nacionais,” de assuntos “escolhidos nos costumes regionais.”[125] Imprescindível notar que em sintonia com o manifesto, considerado o “primeiro grande grito de Theodoro Braga pela arte nacionalista,”[126] poderíamos situar também outro antigo mestre de Manoel Santiago, Lucílio de Albuquerque. Este, por sua vez, homenageava a brasilidade incitado pelo plano literário, ao qual dedicava dois painéis decorativos, intitulados Iracema e Bilac: à imortalidade.[127] Ambos foram definidos como a “teoria simbólica” de seu autor pelo jornal Correio da Manhã,[128] e celebrados como “uma nota de patriotismo” pelas palavras de Adalberto Mattos.[129]
109. Do largo campo de afinidades que poderia ser estabelecido para refletirmos acerca dos temas privilegiados por Manoel Santiago, embasarem-nos, novamente, em Arthur Valle, que aponta na “grande diversidade” temática laureada nas Exposições Gerais, a receptividade com que o “registro de tipos brasileiros” fora acolhido no evento, recorrentemente selecionado nas premiações de viagem ao longo de todo o período republicano.[130] Partindo desse dado, reiteramos nossa interpretação sobre as escolhas de Santiago como manifestações consoantes ao contexto por ele experienciado. Mas vejamos como essa vertente de “cunho nacionalista” é construída pelos pincéis santiaganos.
110. Na reprodução que tivemos acesso de Tapiina do Amazonas [ Figura 7 ], encontramo-nos mais uma vez distantes das definições cromáticas elaboradas por seu autor. Visualizamos um ambiente externo, composto por árvores alongadas ao fundo, e no primeiro plano identificamos o corpo nu de uma jovem indígena que, de pé, flexiona levemente suas pernas e estica um dos braços, com o qual segura uma fina haste, como que pronta a atirar na direção de um pássaro que sobrevoa a paisagem. No chão, além da vegetação rasteira e arbustos, encontramos algumas ferramentas, das quais reconhecemos uma flecha, apoiada aos pés da figura. De maneira geral, apesar da iminência de um provável golpe de caça, observamos um ambiente tomado por delicada interação. Uma atmosfera se suspende por todo o meio, circundando o corpo da jovem – materializado por pinceladas que sugerem as sutilezas das cores em sua pele –, e dissolvendo a paisagem à sua volta, tomada pela serenidade de um domínio suspenso do tempo, embora ancorado no espaço.
111. Clima um tanto adverso percorre a tela Caipora [ Figura 8 ].[131] Em uma paisagem, duas ilhas formam-se na continuidade de um grande rio que se estende ao horizonte, no terceiro plano. No segundo, alcançamos as margens das águas, onde animais fogem na direção oposta ao plano central, no qual se encontra o Caipora. A figura, de face rosada, materializa-se com os cabelos escuros, revoltos, uma barba longa, e a portar um cintilante brinco na orelha esquerda. Seu corpo possui diferentes gradações cromáticas, tornando-se avermelhado na extremidade dos pés, e de seus braços e pernas escorre espessa cabeleira. Com um tenro olhar, o Caipora direciona-se para baixo, na extremidade da tela onde observamos uma grande ave vermelha, atingida mortalmente pelo sutil gesto do protagonista, que ao portar uma fina vareta lhe desfere o golpe. No desembaraço desse movimento, o mesmo sequer se dá conta da pequena cobra situada ao seu lado: única criatura a contestar suas maliciosas ações. No chão, contemplamos a vítima do Caipora, personagem lembrado na série Lendas Amazônicas, publicada por um Manoel Santiago da década de 1960, onde é descrito como uma “alma penada” que “vagueia pelos matos, armando ciladas aos viajantes, matando as plantas e os pássaros que dele se aproximam.”[132]
112. Também parte do diversificado conjunto compositivo que Manoel dedicava ao Salão de 1924, outra face do artista, distanciada de “pretensões nacionalistas,” tomava forma nas obras Evocação e Sonho de Crisálida, por exemplo. São composições descritas como materializações de mundos imaginados, que escapariam ao domínio do tangível, aproximando-se, provavelmente, da fantasia percebida em Seducção do Mar e Pescador de Pérolas, do ano anterior. Perambulando por esse terreno, o crítico Cláudio Selva de fato ressaltava as obras do pintor como corporificações de seus sonhos. Evocação como fruto de um “langor musical, boêmio,” e Sonho de Crisálida como a simbolização de um devaneio, uma “aparência de volúpia que dorme de que surjam borboletas como d’uma flor de carne.”[133]
113. Fundamentando-nos nas palavras do crítico sobre essa última obra, gostaríamos de incorporar ao nosso estudo a reprodução de uma tela de Manoel Santiago, também datada de 1924, cuja composição, disposta por elementos semelhantes aos descritos pelo articulista, torna-a irresistível aos efeitos de análise. O quadro, atualmente, intitula-se Nu [ Figura 9 ] e integra uma coleção privada.
114. Nele, encontramos o interior de um aposento, onde repousa uma jovem. Tomado por uma atmosfera vaporosa, o ambiente em que ela se encontra faz-se reconhecível apenas pelos nuances de objetos pendurados à parede, ao segundo plano, que lembram duas molduras. São de difícil visualização, posto que estão ao fundo, sobrepostas por um véu translúcido. Estruturado como um dossel, o tecido está suspenso sobre a cama, centralizando uma fenda que se estende sobre o corpo juvenil que ali dorme, delicadamente revelado pelo tecido que o envolve e que desliza sobre seus pés, acariciando também seus cabelos escuros, que vertem sobre o travesseiro. Capturada em sono profundo, a figura é embalada por borboletas coloridas que envolvem seu corpo e que voejando, vibram diferentes tonalidades de azul, verde, branco, vermelho e lilás, reverberando esses matizes por todo o espaço, tingindo os lençóis e ecoando sobre a pele rosada que descansa sobre o leito.
115. A cena parece nos convidar à intimidade de um sonho que se materializa. Como se ao adormecer, daquele corpo em formação emanasse a aura de seus pensamentos, sintetizada pela radiação azulada que se expande na diagonal do quadro, acompanhando o encantador revoar das borboletas. Dessa interação, aparentemente motivada por diferentes ordens de realidade, encontramos correspondências na tela Sonho místico (1897) [ Figura 10 ], de Eliseu Visconti, em que contemplamos a figura de uma jovem que repousa sobre lençóis, imersa em uma atmosfera onírica, e que, como das profundezas de um sonho, colhe algumas flores que se materializam, destacando-se do plano bidimensional, ao fundo do quadro, semelhante a um papel de parede. Em Sonho místico, também temos a sensação de transcender entre universos distintos, que se sobrepõem. Como bem aponta a pesquisadora Ana Cavalcanti, “as formas femininas são espiritualizadas pela luz que ele [Visconti] espalha sobre o corpo, e a figura humana ali aparece como um maravilhoso mistério.”[134]
116. Comparada à breve descrição de Cláudio Selva sobre Sonho de Crisálida, não poderíamos deixar de evidenciar as correlações que aqui se estabelecem, uma vez que a cena representada em Nu é composta, precisamente, por elementos associados ao sono e ao despontar de borboletas, que prontamente se confundiriam a uma espécie de idealização sobre o estágio que antecede sua metamorfose. Ainda assim, faltando-nos informações mais precisas sobre a trajetória das telas em questão e, portanto, na impossibilidade de certificarmos tratarem-se da mesma obra, consideramos ao menos a conveniência de nos aproximarmos àquela outra vertente, igualmente explorada por Manoel Santiago no Salão de 1924. Em Nu, nos deparamos com a enunciação de uma ambiência metafísica, que embora não situada geograficamente, parte de uma realidade tangível para figurar o campo da abstração.
117. No geral, diante das obras apresentadas prolonga-se uma espécie de silêncio, daquele que é “próprio às obras de arte,” como nos lembra Jorge Coli, e que se conserva na cumplicidade que as relaciona.[135] Suspensas no tempo e absorvidas por uma aura fantasiosa, em cada uma das figuras representadas verificam-se diferentes gradações de uma condição ensimesmada que revela, ao mesmo tempo, a profunda integração das personagens ao ambiente em que estão dispostas – configurações que as aproximariam, manifestamente, da atmosfera descrita em Uma Sesta Tropical.
118. Apesar de suas ardilosas ações, a figura mitológica do Caipora é tão parte das idílicas matas amazônicas em que se encontra, absorta em seus pensamentos, quanto a Tapiina representada por Manoel Santiago. Esta, que quase se desmancha, incorpora a paisagem ao seu redor, evidenciando a profunda harmonia que emana da natureza. Algo semelhante se perpetua na tela Nu, onde os sonhos oriundos de um sono profundo adquirem materialidade, ainda que seja imperioso destacar que a personagem ali representada, admitida na esfera do invisível, é a única que de fato repousa e cujo corpo é oferecido à contemplação.
119. Se Manoel Santiago se “entregava à própria inspiração,” “auscultava suas inclinações” ou “via, com sinceridade, a nossa realidade,” à maneira evocada pelo O Paiz, nunca saberemos. O que importa para nossa análise e o que nos compete assinalar é o fato de que as escolhas do pintor amazonense para o Salão de 1924 frutificavam na opinião da crítica. Do “ousado arremesso de juventude” que, nas palavras de Lauro Demoro, despontava “naquelas salas pouco afeitas às claridades das grandes ideias,” Manoel Santiago acompanhava a pintora Haydéa na habilidade de “pintar com inteligência,” descrito pelo crítico como um “pintor de imaginação equilibrada,” que poderia “produzir belas e originais coisas” se continuasse no gênero em que apresentava “excelentes demonstrações, inspirando-se nas lendas nortistas.”[136]
120. Mário da Silva, por sua vez, reservava ao O Jornal algumas notas àqueles que souberam “fazer-se notar, senão por encerrarem sublimidades, pelo menos por qualquer qualidade, […] qualquer vestígio de alguma personalidade em ato ou em gestação;” e incluía Santiago, que sabia “sem dúvida, compor o seu assunto,” qualidade evidenciada em Tapiina do Amazonas, Caipora e Harmonia.[137] Mais uma vez indicado por Adalberto Mattos como “um novo que se apresenta[va] magnificamente,” em sua breve consideração, o crítico afirmou que Manoel Santiago teria em Evocação e Harmonia “telas cheias de sentimento e muitas outras qualidades dignas de serem apreciadas.”[138] Impressões também foram encontradas no jornal O Brasil, onde Francisco Galvão lembrava a participação do pintor amazonense, incluindo que o mesmo se revelava como “um hábil psicólogo da raça amazônica.” Sonho de Crisálida foi ressaltada como “uma obra digna de [Félicien] Rops e [Dante Gabriel] Rossetti”, onde o crítico sinalava a sensação de que a alma do artista se diluía nas manchas, “espalhando-se no conjunto esplêndido.”[139]
121. Como conclusão dessa etapa da análise proposta, o texto original encaminha uma última questão sobre o ano de 1924 que julgamos pertinente para a compreensão de elementos desenvolvidos nos capítulos seguintes da dissertação. Em síntese, o conteúdo diz respeito à mobilização de artistas expositores no Salão daquele ano, dentre eles Manoel Santiago, que reivindicavam a revisão das decisões do CSBA – cenário que nos parece invulgar frente ao cotidiano das reuniões do Conselho. Em sua integridade, o caso escapa aos nossos objetivos no presente artigo, mas pode ser consultado na versão original.[140]
122. Além disso, consideramos a participação de Manoel Santiago no 3ª Salão da Primavera, em 1925. Para além do desdobramento de um processo sintomático do enfraquecimento do evento em sua terceira edição, que poderia contribuir para as decisões tomadas pelo pintor, ao atentarmos para a trajetória que o artista definia para Uma Sesta Tropical é evidente que as ambições em relação a essa obra não eram compatíveis apenas com os ideais que o certame primaveril proporcionava. A tela em questão foi destinada ao julgamento do júri de pintura das Exposições Gerais e não ao empreendimento da mocidade que seu autor integrou, pela segunda vez, como membro da organização.
Novas lentes para o autor da obra
123. Finalizando a presente seção, gostaríamos de volver a atenção para a etapa inicial de nosso percurso, posicionando-nos novamente diante da fotografia que estampou a revista Para Todos em agosto de 1925 [ Figura 2 ], e que, em meio a uma ruidosa campanha em defesa do artista Manoel Santiago e de sua aviltada Uma Sesta Tropical, convidava ao instante de cumplicidade que, na quietude do atelier, enlaçava autor e obra. Encorajados pela figura daquele que protagoniza a cena, nesse primeiro momento de nossa análise nos dedicamos a torná-lo um pouco mais familiar, aproximando-nos da experiência do jovem Santiago que chegava ao Rio de Janeiro para investir em sua formação artística. Contudo, como explicar a peculiar imagem do pintor que nos capturava na fotografia e a qual atribuíamos um “sentido simbólico”, inspirados nos dizeres de Peter Burke?[141] Como deliberar sobre essa projeção encenada pelo artista num momento que, em tese, corresponderia à criação da obra?
124. Mais uma vez, nossas referências irrompem da seara jornalística. Para assimilarmos a persona que toma forma no registro fotográfico, necessitamos retroceder alguns passos… recuar no sentido que direcionou nossa narrativa. Na esfera documental a que tivemos acesso nesses primeiros anos da década de 1920, com exceção à conhecida entrevista concedida por Manoel Santiago às vésperas da estreia do Salão da Primavera, foi entre as notas de jornais aqui apresentadas que encontrávamos o artista, moldado ao sabor da crítica através das obras que dedicou aos Salões. Em determinado momento, entretanto, logo no começo do intricado ano de 1925, algo nessa relação se transformou.
125. Duas concepções de um mesmo Manoel Santiago principiavam a circular no espaço midiático, representando-o ora como o funcionário da Alfândega, também artista, “flagrado” na companhia de Haydéa em seus trajes de banho ao desfrutar das alvas areias da praia de Icaraí;[142] ora como a figura de um pintor culto, iniciado nas artes esotéricas e interessado nos estudos científicos. Guiados pela referida fotografia e fundamentando-nos em um olhar que preponderou sobre o artista nas circunstâncias que seguiram à recusa de Uma Sesta Tropical, nos ocuparemos dessa segunda vertente.
126. O primeiro vestígio localizado que remete a um perfil diferenciado do pintor amazonense integra a seção de fevereiro d’As nossas trichromias, parte da prestigiada revista Illustração Brasileira.[143] Compartilhando a coluna com os pintores Henrique Cavalleiro, Gastão Formenti e Guttmann Bicho, Manoel Santiago era contemplado pela primeira vez na seção que propunha divulgar os artistas ao público e que, iniciada por Adalberto Mattos em outubro de 1921, como aponta o pesquisador João Brancato,[144] fomentava o meio artístico através “da ilustração colorida de obras a partir da técnica de trichromia.”
127. Para nós, tratava-se de um feliz encontro. Embora não saibamos concretamente a autoria do ensaio, é decerto invulgar a crítica que apresenta Manoel Santiago e que dos trabalhos do artista seleciona a pintura Evocação [ Figura 11 ], exibida na Exposição Geral do ano anterior, como obra a ser reproduzida pela seção.[145] As justificativas para a escolha eram logo reveladas: Evocação era uma tela de “qualidades belas,” calcada “em princípios teosóficos” e que encantava pelo “conjunto das cores, pela harmonia do desenho e da composição.”[146]
128. Como de costume, precedendo à crítica sobre a obra escolhida, a matéria em As nossas trichromias se detinha em uma breve apresentação sobre o autor, no caso, especialmente interessada em descobrir as práticas daquele “novo” artista, dos “mais cultos da sua geração,” ao qual dedicava um espaço privilegiado em sua narrativa:
129. Como teosofista e ocultista que é, toda a sua obra artística se reflete nos sentimentos da ciência a que se devota. As cores, constituem, por assim dizer, a razão de ser de sua arte. Ele busca o colorido dos seus quadros – mais nos planos superiores – “astral e mental” – do que no real-físico. É por este motivo que quando pinta um sentimento de amor puro de renúncia, – ele envolve todo o ambiente da cena em um azul claro. O mesmo acontece quando trata de um sentimento baixo de volúpia – onde tudo é vermelho. Não se limita a ver a vida somente no seu aspecto físico; tem uma visão astral onde o sentimento tem forma e cor. Por isto é que, muitas vezes, não tem sido compreendido senão pelos raros que possuem uma grande visualidade artística.[147]
130. Somos introduzidos, enfim, às feições de um Manoel Santiago que até então, ao que parece, não ocupava o campo vasto dos jornais. Um pintor “teosofista e ocultista,” espécie de mediador entre diferentes planos, cuja visão “astral” permitiria o pleno acordo entre suas investidas nas belas-artes e a doutrina filosófica a qual se dedicava, pautando toda a sua “obra artística.” Notabilizando a ênfase que cor e forma assumiam nas produções do pintor, a matéria denunciava alguma proximidade com os fundamentos teosóficos difundidos pelos ensinamentos de Annie Besant (1847-1933) e Charles Leadbeater (1854-1934), bases a partir das quais possivelmente se conceitua ao avançar para o exame da obra escolhida.
131. Uma vez mais conformados às reproduções monocromáticas,[148] que nesse caso prejudicam em específico nossa percepção sobre Evocação, nos contentaremos em apontar elementos identificados na imagem: um cenário composto por uma cadeia de figuras que assumem diferentes gradações. Mais nítida, aquela que adquire maior proximidade conosco, como que ancorada no plano físico, recolhe-se em seus pensamentos ao som da melodia que toca ao violão, guardada pelas fisionomias que se materializam à sua volta, vultos curiosos, atraídos pela vibração musical. Não nos cabendo uma descrição pormenorizada, deixemos falar a crítica:
132. O seu quadro – Evocação, por exemplo, é de uma justeza de sentimento extraordinária e surpreendente. A música – (a figura de mulher que toca violão) – é evocativa e pura e por isso o ambiente é azul celeste, revestido de matizes delicados. A outra figura é mais um anjo do que mulher. É branca como a flor de Lothus – (símbolo de pureza espiritual, no mais alto grau). Em contraste, aparece a figura sombria do Homem, que pensa nas coisas terrenas, mas que se deixa embalar na magia daquela música divina. Manoel Santiago, além de pintor é bacharel em direito.[149]
133. Felizmente, é o olhar sensível aos postulados teosóficos de que falamos anteriormente que, ao descrever a tela, nos possibilita alguma relação com as cores ausentes na reprodução que dispomos – ao mesmo tempo em que, obviamente, condiciona nossas impressões sobre a imagem. Flertando, de certa maneira, com uma noção alegórica sobre Evocação, a narrativa interpreta a protagonista da cena como a própria serena melodia que está a ecoar, razão de ser do ambiente azul celeste à sua volta e da essência espiritualizada que a circunda; contrastando à sombria figura de um homem que não reconhecemos em meio ao escuro volume na extremidade direita da composição.
134. Ao esboçar uma leitura um tanto pedagógica, que orienta o olhar para Evocação, a crítica legitimava, por assim dizer, os tais “princípios teosóficos” que reconhecia na tela, e que alegava como causa da “incompreensão” que assombrava o artista, restringindo sua assimilação aos “raros que possuem uma grande visualidade artística”[150] – sutilezas do discurso que serão retomadas em seções seguintes de nossa dissertação, mas que devem ser ressaltadas por sinalizarem uma interpretação que, de fato, não correspondia a visão convencionada até então.
135. Mas se a apreciação d’As nossas trichromias corrobora uma concepção de Manoel Santiago como “pintor teosofista” em grande medida devedora da observação de sua obra, narrativas mais consolidadas dessa imagem sobre o artista foram localizadas na esfera dos jornais em meados dos meses de abril e maio de 1925. Um exemplo foi encontrado no jornal A Federação, do Rio Grande do Sul, onde o crítico Renato Costa celebrava a chegada à Porto Alegre da pintora rio-grandense Haydéa Lopes[151] e seu marido, que ali se hospedavam para comparecer ao “próximo Salão de Maio.”[152] Reservando uma apresentação elogiosa às particularidades de ambos os artistas, Costa destinava ao pintor amazonense qualidades de “simbolista, ligado aos princípios teosóficos.” Em matizes muito semelhantes aos que em fevereiro estampavam a revista Illustração Brasileira, o caracterizava como o autor de quadros com “combinações originais” na utilização das cores, onde o azul adquiria preponderância, responsável pelo “tom de misticismo calmo” assinalado em suas “belas e fortes criações.”[153]
136. Outro exemplo que serve às nossas intenções surge de relance nas palavras de nosso conhecido Terra de Senna, que, partindo dos mesmos ares de desencanto notados na crítica com a qual concluímos nosso último tópico, denunciava o descaso com que o público encarava as exposições que concomitantemente ocupavam as salas do Liceu de Artes e Ofícios: a do casal Lucílio e Georgina de Albuquerque, e o 3º Salão da Primavera. Ocupando-se novamente do grande idealismo que caracterizava os esforços dos “nossos Artistas,” o crítico concluía que “numa terra em que os novos como os do salão pintam academias e os velhos, como Lucílio abraçam quase a pintura teosófica de Manoel Santiago e não logram o interesse do público, é quase heroísmo o pensar em Arte – heroísmo ou loucura, se quiserem.”[154]
137. Seguindo os rastros que despontavam nas sinuosas trilhas dos jornais, não nos arriscaremos a afirmações categóricas quanto a origem de uma percepção compartilhada socialmente sobre as inclinações teosóficas de Manoel Santiago – particularidade que como veremos adiante, compunha a zona de interesses do artista nos anos de Belém do Pará –, embora a pesquisa insinue um tímido fortalecimento dessa imagem na linguagem da crítica de arte a partir de 1925. Dentre escolhas temáticas destinadas às paredes dos Salões que, mais precisamente após 1923, determinaram as lentes pelas quais diferentes articulistas percebiam o artista – incutindo-lhe ares de um pintor propenso a trilhar pelo universo da fantasia, ou mesmo o perfil de um autor inspirado pelos motivos de sua terra -, reconhecemos no novo semblante conferido ao pintor um caminho intermediário que não deve ser desprezado.
138. Recordando as feições santiaganas pouco afeitas às limitações do plano físico que foram noticiadas em As nossas trichromias, ao olharmos para as telas do pintor amazonense que nos acompanharam até aqui, suspeitamos que aquela “visão astral” que atribuía forma e cor ao sentimento, poderia de fato pulsar em suas criações. Ela se revelaria, apesar da ausência cromática, tanto nas inspirações oníricas personificadas em Pescador de Pérolas e Evocação, quanto na atmosfera silenciosa que integrava Tapiina do Amazonas à aura de fantasia que, para nós, ganha cores em O Caipora. Com efeito, talvez pudesse mesmo ser observada através dos traços que marcam Pequena Tapuya e, quiçá, nos tons azulados que em Nu sinalizam as marcas de um sonho materializado.
139. De todo modo, o que não deve escapar de vista, precisamente por nos proporcionar os meios para pensar a tela Uma Sesta Tropical, é que entre as elaborações de um artista movido pelos fascínios amazônicos que conhecera na infância e as visões de um pintor teosofista, encontramos sensibilidades que possivelmente estabelecem pleno acordo na paleta de Manoel Santiago.
140. Ora, em resposta à questão inicialmente colocada, é forçoso reconhecer que, diante da figura do artista retratada pelas lentes que inspiraram nossos rumos nesta seção [ Figura 2 ], por certo não é a imagem de um Manoel recém-chegado aos Salões cariocas que se desvela ao nosso olhar. Pelo caminho trilhado até aqui, conhecemos as elaborações de um personagem sensível as demandas de sua época e que, sem dúvida, soube atuar estrategicamente frente as condições dispostas no meio artístico fluminense, o que nos conduz à hipótese de que, ao optar por se apresentar de maneira diferenciada na companhia da obra que enviava ao júri de pintura, a postura de Santiago não seria diferente. Evocando a conhecida imagem do pintor de “grandes óculos” concebida em 1921 por Terra de Senna[155] e realçada por uma sugestiva caricatura [ Figura 12 ] que insinuava as intencionalidades que pautavam as escolhas de Manoel Santiago no Salão de 1921, propomos, então, encarar a persona representada na fotografia a partir de um sentido semelhante.
141. Incensado pela imagem de um pintor “teosofista e ocultista,”[156] Manoel Santiago se aproximava da definição de um “temperamento artístico,” tão recomendado à juventude pela imperiosa “ânsia do espírito moderno” que o jornal O Paiz avistava “pairando pelo ar brasileiro,”[157] e que, segundo Camila Dazzi, poderia aguçar os olfatos mais sensíveis desde as últimas décadas do século XIX. Como bem aponta a pesquisadora, em muitos momentos os traços da “personalidade do artista” pautaram tanto as colocações da crítica na “construção da imagem do artista moderno” finissecular, quanto foram reforçadas pelos próprios autores.[158] Num sentido análogo, acreditamos que ao representar-se em um momento de recolhimento meditativo – que é simultaneamente anunciador da eminente finalização de sua obra –, Manoel Santiago reforçava sua “autorrepresentação” enquanto um mediador, dialogando com as inspirações da imprensa e conferindo ao seu retrato àquela “forma simbólica,” indicada por Peter Burke.[159]
142. Pelo caminho percorrido até aqui, acreditamos ter estabelecido as bases para a uma síntese possível, capaz de esboçar algumas das condições que podem ter levado Manoel Santiago àquela enigmática composição, que em chamamos “singular.” Esses apontamentos nos nortearam nas seções seguintes da dissertação.
* Doutoranda no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde desenvolve pesquisa sobre a emergência dos Salões Independentes no circuito das belas-artes carioca da década de 1920, sob a orientação do Prof. Dr. Martinho Alves da Costa Junior. Mestra, licenciada e bacharel em História pela mesma instituição. Membro do Laboratório de História da Arte (LAHA/UFJF).
[1] O texto integral está disponibilizado no Repositório Insituicional da Universidade Federal de Juiz de Fora, e pode ser acessado por meio link. Disponível em: https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/15750?locale=pt_BR Acesso em 30 nov. 2024.
[2] DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem: questão colocada aos fins de uma história da arte. São Paulo: Editora 34, 2013, p. 11.
[3] Para mais informações a respeito da análise, ver: RODRIGUES, Laíza de Oliveira. Uma Sesta Tropical, de Manoel Santiago: um “quadro curioso” no meio artístico carioca dos anos 1920. Dissertação, Mestrado em História, (Prof. Dr. Martinho Alves da Costa Junior), UFJF, Juiz de Fora, 2023, p. 25-42.
[4] Uma abordagem inicial a respeito desse registro foi elaborada no artigo: RODRIGUES, Laíza de Oliveira. Um jogo de olhares: Sesta Tropical no atelier de Haydéa Lopes e Manoel Santiago. Encontro de História da Arte, Campinas, SP, n. 15, 2021, p. 581-594. Disponível em: https://econtents.bc.unicamp.br/eventos/index.php/eha/article/view/4667 Acesso em 30 nov. 2024.
[5] Algumas considerações sobre o ano de 1925 são necessárias. Nos desdobramentos de nossa pesquisa, além da fotografia mencionada, que circulou em outros periódicos, como o jornal Gazeta de Notícias, consideramos a hipótese de que Uma Sesta Tropical tenha sido reproduzida, novamente sem ser identificada, em uma outra fotografia, publicada em agosto pela revista Illustração Brasileira – um registro do ateliê do casal Santiago, onde a tela divide o espaço com trabalhos dos artistas. Infelizmente, a reprodução que acessamos não possibilita uma afirmação categórica sobre o fato. Cfr. AS RECUSAS que consagram: uma tela impedida de figurar na Exposição Geral por immoral. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano. L, n. 193, 16 ago., p. 9, 1925; MATTOS, Adalberto. Um lar de artistas. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, ano VI, n. 60, ago., p. 10, 1925. Esse tema é retomado na tarceira seção da dissertação.
[6] Incluímos uma pequena observação. Se Uma Sesta Tropical não integra os catálogos que homenageiam Manoel Santiago como uma de suas obras, o mesmo não poderia ser dito sobre a referida fotografia, frequentemente recuperada em trabalhos dedicados a seu autor. Até onde foi possível verificar, além de aparecer na imprensa, como mencionamos, a cena no atelier foi incluída na obra Nova Orientação da Pintura Brasileira (1926), de Mário Linhares, e consta, igualmente, no livro de Flávio Aquino, intitulado Manoel Santiago: Vida, Obra e Crítica (1986). Cfr. LINHARES, Mario. Nova orientação da Pintura Brasileira. Rio de Janeiro: [s. n.], 1926; AQUINO, Flávio. Manoel Santiago: Vida, Obra e Crítica. Rio de Janeiro: Arte Hoje, 1986.
[7] BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: Unesp, 2017, p. 42. Gostaríamos de indicar a importância que o livro de Laura Malosetti Costa, Los Primeros Modernos – Arte y sociedad en Buenos Aires a fines del silgo XIX (2001), possui para a realização do presente trabalho, estimulando-nos, especialmente, a indagar a respeito das estratégias que artistas adotavam em busca de sua inserção em um espaço expositivo de referência.Cfr. COSTA, Laura Malosetti. Los Primeros Modernos – Arte y sociedad en Buenos Aires a fines del silgo XIX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2001.
[8] BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção: a explicação histórica dos quadros. São Paulo: Companhia das letras, 2006, p. 87. Baxandall utiliza-se dessas considerações ao examinar a construção das “diretrizes pessoais” de Picasso, fatores determinantes para que o pintor realizasse sua tela O Retrato de Kahnweiler (1910).
[9] COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira do século XIX? São Paulo: SENAC, 2005, p. 18.
[10] Em um momento de particular sensibilidade em seu romance biográfico, Chermont de Britto, ambienta o instante em que o jovem Manoel Santiago se despedia de Manaus. Segundo o autor, o “espírito panteísta” de Santiago percebia todas as nuances do ambiente tropical em que se encontrava, e mesmo as variações de luz que penetravam a floresta, suas árvores, tudo se fixava em sua memória visual. “A cor, as formas de todas as coisas, tudo se firmava na retina no pintor”. Cfr. BRITTO, Chermont. Vida Triunfante de Manoel Santiago. Rio de Janeiro: Livraria Kosmos, 1980, p. 22.
[11] Entre aqueles que se dedicaram à biografia de Manoel Santiago é comum a afirmação sobre o talento do artista, que “teria se manifestado” quando o mesmo ainda era criança, ao realizar o retrato dos avós – narrativa que ganha eco no romance apresentado por Chermont de Britto. Na obra Vida Triunfante de Manoel Santiago, o encorajamento para que o pintor busque novos horizontes, e, consequentemente, chegue ao Rio de Janeiro, nos parece um traço constante entre as afirmações dos professores do pintor, dos quais citamos Theodoro Braga. Cfr. BRITTO, op. cit., p. 33.
[12] OLIVEIRA, Maria da Glória de. Quem tem medo da ilusão biográfica? Indivíduo, tempo e histórias de vida. Topoi, Rio de Janeiro, v. 18, n. 35, maio/ago., 430, p. 429-446, 2017.
[13] Na pesquisa empreendida, não foi possível determinar o momento exato em que Manoel Santiago se transferiu para o Rio de Janeiro. A informação que consta em diferentes obras dedicadas à biografia do artista oscila entre os anos de 1918 e 1919.
[14] ESCOLA NACIONAL DE BELLAS ARTES (Rio de Janeiro). Matrículas do Curso Geral e Preparatório de Escultura. Notação 6201. Rio de Janeiro: [s. n.], 1919, p. 127. Acervo arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ.
[15] Os Regulamentos da Escola Nacional de Belas Artes podem ser consultados no site DezenoveVinte. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/documentos/docs_primeira_republica.htm Acesso em 30 nov. 2024.
[16] BRASIL. Decreto nº 11.749, de 13 de outubro de 1915. Reorganiza a Escola Nacional de Bellas Artes. In: COLLECÇÃO das Leis da República dos Estados Unidos do Brazil de 1915. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917. v. II, p. 374.
[17] No anexo I de sua tese de doutorado, Arthur Valle dedica-se à apresentação das Disciplinas e Professores do Curso de Pintura na Escola Nacional de Belas Artes durante a 1ª República. Não sendo possível determinar a orientação da disciplina de Desenho geométrico no ano de 1919, consta na organização que a disciplina de Desenho figurado foi ministrada por Lucílio de Albuquerque entre os anos de 1911 e 1939 (Anexo I.2), e que a disciplina de História das Belas Artes foi ministrada por Fléxa Ribeiro a partir de 1918 (Anexo I.10). Cfr. VALLE, Arthur. A pintura da Escola Nacional de Belas Artes na 1ª República (1890-1930): Da formação do artista aos seus Modos estilísticos. Tese, Doutorado em Artes Visuais, (Profa. Dra. Angela Ancora da Luz), UFRJ, Rio de Janeiro, 2007, p. 315-323.
[18] ESCOLA NACIONAL DE BELLAS ARTES (Rio de Janeiro). Matrículas do Curso Geral e Preparatório de Escultura. Notação 6201. Rio de Janeiro: [s. n.], 1919, p. 127. Acervo arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ; ESCOLA NACIONAL DE BELLAS ARTES (Rio de Janeiro). Atas de Concursos das Aulas Práticas 1914/1931. Encadernados 6169. Rio de Janeiro: [s. n.], 1919. p.24. Acervo arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ.
[19] BRAGA, Theodoro. A arte no Pará, 1888-1918: Retrospecto histórico dos últimos trinta annos. Revista do Instituto Historico e Geographico do Pará, Belém, v. 8, 1934, p. 159.
[20] SILVA NETO, João Augusto da. Na seara das cousas indígenas: cerâmica marajoara, arte nacional e representação pictórica do índio no trânsito Belém – Rio de Janeiro (1871-1929). Dissertação, Mestrado em História, (Prof. Dr. Aldrin Moura de Figueiredo), UFPA, Pará, 2014, p. 99.
[21] FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. De pinceis e letras: os manifestos literários e visuais no modernismo amazônico na década de 1920. Territórios e Fronteiras, [S. l.], v. 9, n. 2, 2016, p. 131.
[22] FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Quimera amazônica arte, mecenato e colecionismo em Belém do Pará, 1890-1910. Clio, Recife, v. 28, n. 1, 2010, p. [4].
[23] ALVES, Moema de Bacelar. Do Lyceu ao Foyer: exposições de arte e gosto no Pará da virada do século XIX para o século XX. Dissertação, Mestrado em História, (Prof. Dr. Paulo Knauss), UFF, Rio de Janeiro, 2013, p. 31.
[24] ALVES, op. cit., p. 31, 32.
[25] Ibidem, p. 32.
[26] SILVA NETO, op. cit., p. 99.
[27] Conforme sublinha a estudiosa, a “primeira versão” do evento denominava-se Exposição escolar de desenho, embora também tenha recebido obras em pintura. Nas mostras que se seguiram, o nome foi modificado para “Exposição escolar de desenho e pintura”, quando passou a ter duas galerias, “uma para cada tipo de expressão.” Cfr. ALVES, op. cit., p. 35.
[28] Moema de Bacelar Alves sugere como motivo para o interrompimento do evento a mudança de governo iniciada em 1913, acompanhada pela crise na exportação da borracha. Cfr. ALVES, op. cit., p. 36.
[29] Ibidem, p. 32-38.
[30] BRITTO, op. cit., p. 25-26.
[31] Ibidem, p. 29.
[32] ALVES, op. cit., p. 190. A informação consta no apêndice do trabalho, onde a autora apresenta as exposições que anualmente ocorreram em Belém, partindo de informações que circularam em jornais e outras fontes. Sobre as mostras de Theodoro Braga, a primeira (1912) teve lugar no Grande Salão da Tuna Luso Caixeiral; a segunda (1912) aconteceu no Instituto Amazônia, e a terceira (1913) no Teatro da Paz, concebida como uma “exposição escolar de desenho, pintura e arte aplicada dos seus discípulos particulares do Colégio Progresso Paraense”. Cfr. Ibidem, p. 179-191. Gostaríamos de assinalar que nos atentamos para as considerações de Moema de Bacelar Alves a partir da indicação de João Augusto da Silva Neto, que ao sinalizar as exposições promovidas por Braga entre 1912 e 1913 como um espaço frequentado por Manoel Santiago, referencia, em nota, o trabalho da historiadora.
[33] O nome de Manoel Santiago aparece na listagem dos resultados dos exames de alunos matriculados no Colégio Progresso Paraense. Cfr. COLLEGIO Progresso Paraense: exames. Estado do Pará, ano 1, n. 197, 23 out., p. 2, 1911.
[34] De acordo com a pesquisadora, tratava-se da iniciativa de “um grupo de artistas e intelectuais” que se reuniram na sede da Associação Artística Paraense para dar início ao projeto. Entre os sócios fundadores, Carolina Fernandes menciona os nomes de Manoel Santiago, José Girard, Clotilde Pereira, Adalberto Lassance, Manoel Pastana, Arthur Frazão, entre outros. Cfr. SILVA, Caroline Fernandes. O moderno em aberto: o mundo das artes em Belém do Pará e a pintura de Antonieta Santos Feito, Dissertação, Mestrado em História, (Prof. Dr. Paulo Knauss), UFF, Niterói, 2009, p. 65. Na pesquisa de Moema de Bacelar Alves a criação da Academia Livre de Bellas Artes é percebida como continuidade ao interrompimento das Exposições Escolares de Desenho e Pintura, em 1918. O projeto “oferecia o curso de Belas Artes em quatro séries mais o preparatório.” Cfr. ALVES, op. cit., p. 38.
[35] SILVA NETO, op. cit., p. 100.
[36] RUBENS, Carlos. Pequena História das Artes Plásticas no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. 248-249.
[37] SILVA NETO, op. cit., p. 65, 66.
[38] Ibidem, p. 65.
[39] Ressaltamos que esse direcionamento à capital no período republicano deve ser percebido como continuidade a uma prática vigente desde os tempos do Brasil Monárquico, pois como aponta Ana Maria Tavares Cavalcanti, “jovens talentos de todas as províncias do Império chegavam ao Rio de Janeiro para ali estudar. Por lá passaram os mais notáveis pintores e escultores do período, e os que não tinham laços oficiais com a instituição não deixaram de participar de suas Exposições Gerais.” Cfr. CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. A amada e odiada Academia Imperial das Belas Artes. In: OLIVEIRA, Emerson Dionisio G. de; COUTO, Maria de Fátima Morethy. (org.). Instituições da Arte. Porto Algre: Zouk, 2012. v. 1, p. 103.
[40] BARDI, Pietro Maria. História da arte brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1975, p. 192.
[41] Ao narrar a primeira investida de Manoel Santiago nas ruas do Rio de Janeiro, Chermont de Britto descreve a frustração do artista frente à “alma da multidão” que percorria as ruas, e afirma que Santiago “sentiu-se inteiramente abandonado nesse deserto de indiferença”. Cfr. BRITTO, op. cit., p. 53.
[42] Encontramos o nome de Manoel Santiago associado à Faculdade de Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro em duas publicações veiculadas pela imprensa: em uma nota celebrativa ao início das aulas, e também no registro do resultado de exames de fim de ano, que relatava a aprovação de Santiago em Direito Administrativo. Cfr. FACULDADE DE SCIENCIAS juridicas e sociaes. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano XX, n. 7794, 3 jul., p. 7, 1920; FACULDADE DE DIREITO do Rio de Janeiro. O Imparcial, Rio de Janeiro, ano IX, n. 1696, 18 dez., p. 5, 1920.
[43] Cfr. RUBENS, op. cit., p. 168.
[44] COSTA, Angyone. A Inquietação das abelhas: o que pensam e o que dizem os nossos pintores, esculptores, architectos e gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello, 1927, p. 190.
[45] ESCOLA NACIONAL DE BELLAS ARTES (Rio de Janeiro). Matrículas do Curso Geral e Preparatório de Escultura. Notação 6201. Rio de Janeiro: [s. n.], 1919. Acervo arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ, p. 127.
[46] DAZZI, Camila. Pôr em prática a reforma da antiga Academia: a concepção e a implementação da reforma que instituiu a Escola Nacional de Belas Artes em 1890. Tese, Doutorado em Artes Visuais, (Profa. Dra. Sonia Gomes Pereira), UFRJ, Rio de Janeiro, 2011, p. 260.
[47] Com a instauração da República, a antiga Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) passou a se chamar Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). A transição foi acompanhada pela reforma da instituição, conhecida como “Reforma de 1890.” Após essa data, os Estatutos da Escola Nacional de Belas Artes ainda sofreriam modificações em três momentos, em 1901, 1911 e 1915. O tema pode ser melhor compreendido a partir da tese de doutorado de Arthur Valle, que analisa em seu primeiro capítulo, dentre outros aspectos, os desdobramentos da Reforma, com um olhar especialmente voltado à estrutura do curso de pintura da Escola ao longo da 1ª República. Cfr. VALLE, op. cit., p. 27-66. O Regulamento de 1915 nos interessa, portanto, por tratar-se da última alteração do Estatuto da instituição e serve como referência para o período em que Manoel Santiago frequentou a ENBA.
[48] BRASIL. Decreto nº 11.749, de 13 de outubro de 1915. Reorganiza a Escola Nacional de Bellas Artes. In: COLLECÇÃO das Leis da República dos Estados Unidos do Brazil de 1915. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917. v. II, p. 382.
[49] Ibidem.
[50] DAZZI, op. cit., p. 261.
[51] Ibidem.
[52] Como bem demonstra a autora, para além da particularidade mencionada, o reduzido número de alunos matriculados também se justificaria, dentre outros fatores, pelas dificuldades enfrentadas no momento de efetivação da matrícula na instituição segundo as exigências do Regulamento – adversidades que, no caso de Manoel Santiago, independentemente das alterações regulamentares no que diz respeito à realização da matrícula até 1915, já haviam sido superadas. Quanto aos alunos que não se interessavam pelo diploma conferido pela instituição, a autora comenta casos de estudantes que “frequentavam a Escola com o simples propósito de aprimorar a sua técnica de desenho ou seus conhecimentos sobre gravura, mas que não tinha pretensões de se formar pela instituição,” como exemplificado pelos “aprendizes da Casa da Moeda”. Cfr. DAZZI, op. cit., p. 261-266; SÁ, Ivan Coelho de. Academia de modelo vivo e bastidores da pintura acadêmica brasileira: a metodologia de ensino do desenho e da figura humana na matriz francesa e a sua adaptação no Brasil do século XIX e início do século XX. Tese, Doutorado em História da Arte, (Profa. Dr.a Sonia Gomes Pereira), UFRJ, Rio de Janeiro, 2004, p. 407.
[53] DAZZI, op. cit., p. 262.
[54] PEREIRA, Sonia Gomes. Arte, ensino e academia: estudos e ensaios sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2016. v. 1, p. 244, 245.
[55] VALLE, op. cit., p. 141.
[56] Após a 1ª Exposição Geral do período republicano, que aconteceu em 1894, dois prêmios de viagem anuais foram estabelecidos: um conferido pela ENBA aos alunos matriculados e outro, pela EGBA, aos expositores que não possuíam, necessariamente, um vínculo com a Escola. Cfr. PEREIRA, op. cit., p. 245. Esse tema também foi explorado pela pesquisadora Ana Cavalcanti, que destaca que “a maioria dos laureados com o Prêmio de Viagem da Exposição foi de alunos ouvintes da Escola,” alunos que não estavam formalmente matriculados, “mas que seguiam os concursos dos professores” na ENBA. Cfr. CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Os Prêmios de Viagem da Academia em pintura. In: GOMES PEREIRA, Sonia (Ed.). 185 Anos de Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. p. 71.
[57] LUZ, Angela Ancora da. Uma breve história dos Salões de Arte – da Europa ao Brasil. Rio de Janeiro: Caligrama, 2005, p. 19.
[58] A estreia de Manoel Santiago no Salão oficial foi atribuída por diferentes autores, como José Roberto Teixeira Leite; Roberto Pontual e Chermont de Britto, aos anos de 1918 e 1919. Cfr. LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionario critico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988, p. 461; PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969, p. 473; BRITTO, op. cit., p. 61. Entretanto, ao investigarmos os catálogos das Exposições Gerais agrupados por Carlos Maciel Levy, não encontramos referências ao pintor entre os anos mencionados. O nome de Santiago aparece pela primeira vez no Salão de 1920, informação a partir da qual nos fundamentamos em nosso trabalho. Cfr. ESCOLA NACIONAL DE BELLAS ARTES. Catálogo da XXVII Exposição Geral de Bellas Artes, inaugurada em 12 de agosto de 1920. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Bellas Artes, 1920, p. [40].
[59] Manoel Santiago (1897-1987), Autorretrato, 1938. Óleo sobre tela, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
[60] CONSELHO SUPERIOR DE BELLAS ARTES (Rio de Janeiro). Acta da sessão. Notação 6161. Rio de Janeiro: [s. n.], 31 ago. 1920a, p. 24. Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ.
[61] Nas obras sobre Manoel Santiago e mesmo em algumas entrevistas concedidas pelo artista, os nomes de Rodolpho Chambelland, Amoêdo, João Baptista da Costa e especialmente Eliseu Visconti ocupam lugar de destaque como seus professores de pintura. Cfr. AQUINO, op. cit., p. 296; BRITTO, op. cit., p. 59-61; PONTUAL, op. cit., p. 473; LEITE, op. cit., p. 460, 461.
[62] GOMES, Tapajós. Entre Artistas: Georgina e Lucílio de Albuquerque. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, ano VIII, n. 81, maio, p. 36, 1927.
[63] ACTOS do Governo: Fazenda. O Imparcial, Rio de Janeiro, ano IX, n. 1747, 2 fev., p. 4, 1921; UMA PENCA de nomeações vindas do Rio Negro. A Noite, Rio de Janeiro, ano XI, n. 3284, 29 jan., p. 7, 1921.
[64] AQUINO, op. cit., p. 17.
[65] Traço comum entre os autores Flávio Aquino e Altamir de Oliveira é a ênfase dada à constante procura de Manoel Santiago por promoções na carreira jurídica. Nesse aspecto, sua trajetória reveste-se das marcas de uma vida que muito sacrificou o ímpeto pela pintura e a vontade de viver em função da arte pela construção da estabilidade econômica. Cfr. AQUINO, op. cit., p. 17-18; OLIVEIRA, Altamir de. Manoel Santiago. Rio de Janeiro: Colorama/Samurai, 1975, p. 5.
[66] Velloso menciona diversos artistas e intelectuais que atuaram no serviço burocrático, dentre os quais citamos Lima Barreto, K. Lixto e Raul Pederneiras. Cfr. VELLOSO, Mônica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro: Turunas e Quixotes. Petrópolis: KBR, 2015, p. 72-73.
[67] ESCOLA NACIONAL DE BELLAS ARTES. Catálogo da XXVIII Exposição Geral de Bellas Artes, inaugurada em 12 de agosto de 1921. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Bellas Artes, 1921, p. [86].
[68] Mais informações a respeito da imagem constam ao final do livro, em trecho dedicado à opinião de críticos e amigos de Manoel Santiago, através do depoimento de Valdir dos Santos Teixeira, apresentado como amigo, colecionador e discípulo do artista, além de colaborador na seleção das obras ali reproduzidas. Conforme Teixeira, Praia do Arpoador (1921) integrava a coleção de um afilhado de Manoel Santiago que há pouco desfazia-se de seu acervo. Somam à antiga coleção outros trabalhos também reproduzidos no volume, como é o caso de Nu com borboletas (1924), tela que apresentaremos adiante. Cfr. AQUINO, op. cit., p. 387-389.
[69] Exemplos podem ser encontrados nas telas Barco e Figuras (1960) e Rio 62 (1962). Cfr. LUZ, Angela Ancora da. Manoel Santiago, Mestre impressionista. Rio de Janeiro: Centro Cultural Correios, 2015, p. 87-88.
[70] VALLE, op. cit., p. 314-316.
[71] Cfr. MATTOS, Adalberto. O Salão de 1921. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, n. 12, ago., p. 72, 1921. Retornaremos a essa questão nos parágrafos seguintes.
[72] Conforme indica o pesquisador João Brancato, Adalberto Mattos atuou como crítico nas revistas O Malho, Para Todos e Illustração Brasileira, “todas elas pertencentes à Sociedade Propagadora O Malho”. Cfr. BRANCATO, João. Crítica de arte e modernidade no Rio de Janeiros: intertextualidade na imprensa carioca a partir de Adalberto Mattos (1888-1966). Dissertação, Mestrado em História, (Profa. Dra. Maraliz Christo), UFJF, Juiz de Fora, 2018, p. 18, 23.
[73] CREMONA, Ercole. Bellas Artes. O Malho, Rio de Janeiro, ano XX, n. 998, out., p. 35, 1921.
[74] CREMONA, op. cit., p. 35. Grifo nosso. Ao longo de nossa pesquisa foram diversas as considerações encontradas em que Adalberto Mattos se refere a um processo de evolução percebido nas obras de Manoel Santiago. O fragmento destacado não deve ser compreendido, portanto, como um caso isolado. Nesse sentido, o trabalho do pesquisador João Brancato configura uma importante referência para nossa pesquisa, pois ressalta “a valorização da técnica, sobretudo do conhecimento do desenho” como elementos primordiais na crítica de Mattos, que como aponta o pesquisador assumiu uma postura “muito próxima da tarefa de um professor,” analisando o desenvolvimento dos artistas e estimulando-os. Cfr. BRANCATO, op. cit., 27-70.
[75] SENNA, Terra de. Bellas Artes: Manoel Santiago. D. Quixote, Rio de Janeiro, ano 5, n. 326, 16 nov., p. 4, 1921.
[76] Essa imagem do artista que atravessa o discurso do crítico aparece igualmente na forma de uma caricatura, estampada na mesma publicação, e que reproduzimos ao final deste artigo.
[77] Ver Art. 181 a 184. Cfr. BRASIL. Decreto nº 11.749, de 13 de outubro de 1915. Reorganiza a Escola Nacional de Bellas Artes. In: COLLECÇÃO das Leis da República dos Estados Unidos do Brazil de 1915. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917. v. II, p. 394.
[78] É evidente que, nesse caso, uma pesquisa de maior fôlego pode revelar o número de artistas recusados pela exposição de 1920, uma vez que sabemos o número de concorrentes inscritos e que a análise pormenorizada do catálogo do evento nos permite definir o número de artistas que se apresentaram na exposição.
[79] O júri de pintura da 27ª Exposição Geral de Belas Artes apresentou a seguinte composição: os professores Baptista da Costa, Lucílio de Albuquerque e Rodolpho Chambelland integravam o grupo como eleitos pelo CSBA, e Arthur Timótheo da Costa e Georgina de Albuquerque pelos expositores. A comissão diretora, por sua vez, foi constituída pelos professores Rodolpho Amoêdo, Benno Treidler e Raul Pederneiras.
[80] Novamente, trata-se de uma ausência de dados que poderia ser superada através da análise pormenorizada do catálogo do Salão, comparando-se o número de obras expostas e os casos de recusa com o número total de obras inscritas.
[81] CONSELHO SUPERIOR DE BELLAS ARTES (Rio de Janeiro). Acta da sessão. Notação 6161. Rio de Janeiro: [s. n.], 12 maio 1920b, p. 23 verso. Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ.
[82] MATTOS, op. cit., p. 72.
[83] Apesar de não conhecermos o número de obras admitidas ou rejeitadas no Salão de 1921, fazemos essa afirmação com base nos comentários de Adalberto Mattos que, como indicamos anteriormente, comentou o aspecto “pouco numeroso” do evento. Além disso, nos fundamentamos nos apontamentos feitos por Arthur Valle, em sua tese de doutorado, na qual apresenta o gráfico “Pinturas nas EGBA’s da 1a República,” a partir do qual fica evidente a queda do número de obras expostas no Salão entre os anos 1920 e 1921, quando retoma o crescimento. Cfr. VALLE, op. cit., p. 142.
[84] Por ocasião da Comemoração do Centenário de Independência, a Exposição Geral foi substituída por uma exposição de Arte Contemporânea, também organizada pelo CSBA. Cfr. A EXPOSIÇÃO Contemporânea de Belas Artes no Centenário. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano XXI, n. 8358, 20 jan., p. 1, 1922.
[85] LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da Academia Imperial e da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro, ArteData, 2003. v. II, p. 582.
[86] AS BELLAS Artes no Centenário: Magníficos Trabalhos de pintura e escultura. O Brasil, Rio de Janeiro, ano I, n. 201, 12 nov., p. 4, 1922.
[87] BELLAS-ARTES: O Salão de 1922. O Jornal, Rio de Janeiro, ano IV, n. 1188, 28 nov., p. 3, 1922.
[88] SENNA, Terra de. Bellas Artes: Salão de 1922. D. Quixote, Rio de Janeiro, ano 6, n. 291, 6 dez., p. 17, 1922.
[89] VALLE, op. cit., p. 106-109.
[90] Sabemos, por exemplo, que em 1921 Manoel Santiago participou de uma exposição beneficente para a “Casa dos Artistas” ao lado de alguns de seus professores e colegas, como Rodolpho Amoêdo, Lucílio e Georgina de Albuquerque, Baptista da Costa, Rodolpho Chambelland, Irene França, Haydéa Lopes, Mario Tullio, Bas Domenech, Oswaldo Teixeira, entre muitos outros. Cfr. EM BENEFÍCIO da “Casa dos Artistas”: uma grande exposição artística. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano XXI, n. 8246, 30 set., p. 4, 1921.
[91] O Salão da Primavera é citado na pesquisa de Ana Paula Nascimento, que o apresenta como uma exposição anual, uma “espécie de evento independente e diverso do salão oficial, de tendência mais aberta e sem júri.” Cfr. NASCIMENTO, Ana Paula. Espaços e a representação de uma nova cidade: São Paulo (1895-1929). Tese, Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo, (Profa. Dra. MariaCecília França Lourenço), USP, São Paulo, 2009, p. 70.
[92] SILVA NETO, op. cit., p. 100.
[93] O tema foi elaborado mais detalhamento em nossa dissertação, e é parte da pesquisa de doutorado que desenvolvemos atualmente. Cfr. RODRIGUES, op. cit., p. 69-80.
[94] VALLE, Arthur. Ver e ser visto nas Exposições Gerais de Belas Artes. 19&20, Rio de Janeiro, v. VIII, n. 1, jan./jun. 2013. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/criticas/av_veregba.htm Acesso em 01 nov. 2024.
[95] LYCEU DE ARTES E OFFICIOS. Catálogo do 1º Salão da Primavera, realizado em 1923. Rio de Janeiro: Lyceu de Artes e Officios, 1923, p. [55].
[96] 1º SALÃO de Primavera: A Revelação Artística dos Novos. O Imparcial, Rio de Janeiro, ano XI, n. 1504, 31 jan., p. 1, 1923.
[97] BELLAS Artes: A inauguração do Salão da Primavera. O Brasil, Rio de Janeiro, ano I, n. 270, 26 jan., p. 3, 1923.
[98] Apesar de não sabermos qual a proximidade entre Frederico Barata e o pintor Manoel Santiago em 1923, na pesquisa de Maria Angélica Almeida de Meira, intitulada A arte do fazer: o artista Ruy Meira e as artes plásticas no Pará dos anos 1940 a 1980, a relação de amizade entre ambos é identificada. Essa relação se revela no contato entre o pintor Ruy Meira e o crítico, que teria recomendado ao mesmo o acompanhamento das aulas de Manoel Santiago, em 1954. Em verdade, a familiaridade entre Barata e Santiago verifica-se já em 1949, através do quadro de sua autoria, intitulado Retrato de Frederico Barata e suas Filhas. Além disso, pela pesquisa de Meira, conhecemos a trajetória do crítico, que nascido no estado do Amazonas, frequentara Manaus e Belém em sua juventude, antes de seguir para o Rio de Janeiro, onde decide tornar-se jornalista, exercendo também a crítica de arte – dado que indica a possibilidade de que os laços entre crítico e pintor já estivessem estabelecidos em 1923. Cfr. MEIRA, Maria Angélica Almeida de. A arte do fazer: o artista Ruy Meira e as artes plásticas no Pará dos anos 1940 a 1980. Dissertação, Mestrado em História, Política e Bens Culturais, (Profa. Dra. Mônica Kornis), FGV, Rio de Janeiro, 2008, p. 90-95.
[99] BARATA, Frederico. No Salão da Primavera. O Brasil, Rio de Janeiro, ano I, n. 273, 29 jan., p. 3, 1923. Grifo nosso.
[100] Ibidem.
[101] Ibidem.
[102] ESCOLA NACIONAL DE BELLAS ARTES. Catálogo da XXX Exposição Geral de Bellas Artes, Inaugurada em 12 de agosto de 1923. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Bellas Artes, 1923, p. 85.
[103] CONSELHO SUPERIOR DE BELLAS ARTES (Rio de Janeiro). Acta da sessão. Notação 6161. Rio de Janeiro: [s. n.], 6 set. 1923, p. 43 verso. Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ.
[104] RUBENS, Carlos. Impressões do Salão. America Brasileira: Resenha da actividade Nacional, Rio de Janeiro, ano II, n. 21, set., p. 17, 1923.
[105] MAURÍCIO, Virgílio. O SALÃO de 1923. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano XLVIII, n. 183, 19 ago., p. 3, 1923.
[106] Ibidem. Válido ressaltar que os comentários de Virgílio Maurício acompanhavam a narrativa de outros periódicos, que indicavam a aceitação pelo júri da EGBA de obras expostas anteriormente em outros espaços. N’O Jornal, por exemplo, criticava-se a medida, destacada como um caso com precedentes e questionada por cobrar entrada ao público “para ver quadros já conhecidos e expostos com entrada franca”. Cfr. BELLAS-ARTES. O Jornal, Rio de Janeiro, ano V, n. 1406, 9 ago., p. 3, 1923.
[107] CREMONA, Ercole. O Salão de 1923. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, ano IV, n. 37, set., p. 13, 1923.
[108] CREMONA, Ercole. Bellas-Artes: O Salão de 1923. O Malho, Rio de Janeiro, ano XXII, n. 1096, 15 set., p. 26, 1923.
[109] O 2º SALÃO da Primavera. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano XXIII, n. 9017, 16 nov., p. 2, 1923.
[110] O 2º SALÃO de Primavera. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano XXXIV, n. 23, 26 jan., p. 6, 1924.
[111] Inaugurado em 26 de janeiro, o segundo Salão da Primavera foi mais uma vez abraçado pela imprensa como um evento de incentivo aos artistas. Celebrado pelo jornal O Imparcial, na mostra de 1924 encontramos o elogio à “arte moderna” que ali figurava, entre trabalhos de escultura, pintura, caricatura e artes decorativas, tanto de artistas nacionais laureados com o prêmio de viagem, como Helios Seelinger, Guttmann Bicho, Levino Fanzeres, Marques Junior e Gaspar Magalhães, quanto de artistas estrangeiros, como Mário Murtas, Príncipe Gagarin e Ricardo Bampi. Cfr. EXPOSIÇÃO. O Imparcial, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 4056, 26 jan., p. 4, 1924.
[112] Tendo em vista que Portinari acompanhava as aulas da ENBA como aluno livre, e que assim como Santiago, também foi discípulo de Lucílio de Albuquerque, Rodolpho Chambelland e Baptista da Costa, consideramos a homenagem de Cândido Portinari à Manoel Santiago um importante atestado da amizade entre ambos, que, como menciona João Augusto da Silva Neto, decorreria da frequentação das aulas na instituição. Cfr. SILVA NETO, op. cit., p. 103. Flávio Aquino, por outro lado, sugere essa relação como um desdobramento da premiação de viagem à Paris, conquistada por Santiago em 1927 e em 1928 por Portinari. Cfr. AQUINO, op. cit., p. 21. Uma vasta documentação em torno da relação entre os dois artistas, contendo cartas, jornais, fotografias, e incluindo o Retrato de Manoel Santiago (1923), pode ser encontrada no Portal Portinari: http://www.portinari.org.br/# Acesso em 01 nov. 2024.
[113] OS JOVENS Artistas Brasileiros. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano I, n. 175, 20 jul., p. 9, 1924.
[114] CONSELHO SUPERIOR DE BELLAS ARTES (Rio de Janeiro). Acta da sessão. Notação 6161. Rio de Janeiro: [s. n.], 6 set. 1924a, p. 50 verso, 52 verso. Acervo arquivístico do Museu Dom João VI EBA/UFRJ.
[115] BELLAS-ARTES. O Jornal, Rio de Janeiro, ano VI, n. 1638, 4 maio, p. 3, 1924.
[116] É provável que esse traço celebrativo em torno do evento decorresse da comemoração do 1º Centenário da Missão Le Breton, realizada concomitantemente à EGBA.
[117] A EXPOSIÇÃO Geral de 1924: O “vernissage”, amanhã na Escola N. de Bellas Artes. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano XLIX, n. 193, 10 ago., p. 4, 1924.
[118] EXPOSIÇÃO Geral de Belas Artes: sua inauguração. O Imparcial, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 4253, 11 ago., p. 4, 1924.
[119] ARTES e artistas: O ‘vernissage’ da exposição geral de 1924. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano XLIX, n. 194, 12 ago., p. 4, 1924.
[120] EXPOSIÇÃO Geral de Bellas Artes: os “novos” na arte brasileira. O Paiz, Rio de Janeiro, ano XL, n. 14539, 10 ago., p. 1., 1924. Grifo do autor.
[121] RIBEIRO, Fléxa. Bellas-Artes: ‘Vernissage’ do Salão Nacional. O Paiz, Rio de Janeiro, ano XL, n. 14541, 12 ago., p. 5, 1924. Apesar de não ter se dedicado à análise dos trabalhos expostos, Fléxa Ribeiro destacava a atuação da pintora Haydéa Lopes que, na sua interpretação, apresentava “alguns trabalhos, onde o sentimento moderno de cor, a percepção sensível do ar livre, deixou prever melhores testemunhos de um temperamento que se define e caracteriza.”
[122] LEVY, op. cit., v. II, p. 633.
[123] No catálogo da Exposição Geral de 1924, Haydéa Lopes e Manoel Santiago indicam o mesmo endereço, um sobrado na Rua das Laranjeiras. Cfr. Ibidem, p. 633; 645.
[124] Ibidem, p. 645.
[125] BRAGA, Theodoro. Estilização nacional de arte decorativa aplicada. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, n. 16, 25 dez., p. 50, 1921.
[126] COELHO, op. cit., v. 1, p. 128. A importância do artigo publicado por Theodoro Braga sobre a Estylisação Nacional de Arte Decorativa e Applicada foi apontada por Aldrin Moura de Figueiredo, que indica Manoel Santiago e Manoel Pastana como os dois alunos de Braga que desenvolveriam o tema em seus trabalhos. Cfr. FIGUEIREDO, op. cit., p. 136.
[127] Cfr. LEVY, op. cit., v. II, p. 643. Outro exemplo verifica-se no trabalho de Miguel Caplonch, pintor pouco estudado, que para a Exposição Geral de 1924, apresentou um esboço decorativo intitulado A Evolução Brasileira, uma “síntese simbólica.” Cfr. Ibidem, p. 647.
[128] O “SALÃO” de 1924: a paisagem e o retrato são os gêneros predilectos dos nossos pintores. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano XXIV, n. 9284, 19 ago., p. 3, 1924.
[129] MATTOS, Adalberto. O Salão de MCMXXIV. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, ano V, n. 48, ago., p. 50, 1924.
[130] O autor aponta a impossibilidade de reduzirmos as temáticas premiadas nas Exposições Gerais a esquemas interpretativos e, como exemplo da vertente “de cunho nacionalista,” indica as obras Em repouso, de Baptista da Costa (1894); Ceifeiro (1910) de Francisco Manna; Pescador (1924), de Oswaldo Teixeira e Tarrafeiros (1930), de Cadmo Fausto – todas agraciadas com o Prêmio de Viagem. Cfr. VALLE, 2007, p. 145-146.
[131] Apesar de exposta no Salão de 1924, segundo o catálogo Centenário Manoel Santiago, ao lado da assinatura do autor consta o ano de 1923. Cfr. SOUZA, Silvia de. Centenário Manoel Santiago. São Paulo: Cromosete Gráfica e Editora. 1987, p. 19.
[132] SANTIAGO, Manoel. Lendas Amazônicas. Manaus: Sergio Cardoso, 1967, p. 72.
[133] SELVA, Cláudio. A Exposição de Bellas-Artes deste anno. Jornal de Theatro & Sport, Rio de Janeiro, ano XI, n. 514, 13 set., p. 10, 1924.
[134] No original: “Les formes féminines sont spiritualisées par la lumière qu’il étale sur le corps, et la figure humaine y apparaît comme un merveilleux mystère”. Cfr. CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Les artistes brésiliens et les Prox de Voyage en Europe à la fin du XIXe. siècle: vision d’ensemble et étude approfondie sur le peintre Eliseu d’Angelo Visconti (1866-1944). Thèse, Docteur en Histoire de l’Art, (Prof. Dr. Eric Darragon), Paris, Université Paris I – Pathéon Sorbonne, 1999, p. 212.
[135] COLI, Jorge. A inteligência do silêncio. In: NOVAES, Adauto. Artepensamento: ensaios filosóficos e políticos. [S. l.], 2014. Disponível em: https://artepensamento.ims.com.br/item/a-inteligencia-do-silencio/ Acesso em 20 nov. 2024.
[136] Interessante apontar que essa “ousadia” da juventude que despontava, na perspectiva do crítico, representava “a geração mais jovem dos artistas brasileiros, valendo essa sua ânsia de vitória por uma compensação aos que tem sido iludidos, anos seguidos, na mostra oficial por muitos dos legítimos expoentes de gerações anteriores.” Cfr. DEMORO, Lauro. Artes e Artistas. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano XLIX, n. 199, 17 ago., p. 5, 1924.
[137] Sobre seus trabalhos, entretanto, o crítico identificava algo “de impreciso,” “de desbotado,” que não sabia bem “se buscada pelo autor ou se por ele deixada nos quadros a seu pesar.” As cores e a luminosidade que “tenderiam a tomar vigor” em suas telas, perdiam “a natural vivacidade,” o que contribuía, segundo o crítico, para torná-las “vagamente decorativas,” tirando-lhes a solidez. Por essa perspectiva, nos questionamos se seria esse o mesmo efeito responsável pela sensação de vapor notada entre algumas das reproduções aqui exibidas. Cfr. SILVA, Mario da. Bellas- Artes: O salão de 1924. O Jornal, Rio de Janeiro, ano VI, n. 1739, 30 ago., p. 3, 1924.
[138] MATTOS, op. cit., p. 52.
[139] GALVÃO, Francisco. Eu, o ‘vernissage’ e as mulheres. O Brasil, Rio de Janeiro, ano III, n. 848, 1 set., p. 2, 1924.
[140] Ver: RODRIGUES, op. cit., p. 97-102.
[141] BURKE, op. cit., p. 42.
[142] Nesse caso, é digno de nota que nos referimos à imagem de um “casal de artistas,” pois ambos figuram em seus trajes de banho em uma simpática fotografia que estampou em março a bem-humorada seção Trepações da revista Fon Fon. O caso também pode ser exemplificado por outro recorte fotográfico encontrado na Revista Musical de abril de 1925, que retrata a pintora Haydéa Lopes, e cuja legenda a identificava como esposa “do distinto funcionário da Alfândega,” sendo “ambos artistas consagrados.” Por essas representações, pensamos na versatilidade atribuída à imagem daquele “tão erudito artista,” o que nos sugere uma interessante possibilidade encontrada pelo pintor entre o trabalho burocrático e a “vivência inspirada” de criador. Cfr. TREPAÇÕES: Praia de Icaraí. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano XIX, n. 13, 28 mar., p. 40, 1925; PRAIA de Copacabana. Revista Musical, Rio de Janeiro, ano III, n. 41, 15 abr., p. 25, 1925.
[143] AS NOSSAS trichromias. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, ano VI, n. 54, fev., p. 68-69, 1925.
[144] BRANCATO, op. cit., p. 97-98.
[145] Tomando como base as indicações de João Brancato, sabemos que apesar da seção As nossas trichromias ter sido iniciada pelo crítico Adalberto Mattos em 1921, na década de 20, “com a presença de Tapajós Gomes na RIB [Revista Illustração Brasileira], às vezes atuando na área de Belas Artes” tornar-se-ia “arriscado definir a autoria dos escritos.” Cfr. Ibidem, p. 98.
[146] AS NOSSAS trichromias …, op. cit., p. 69. Vale lembrar que Evocação fora mencionada na revista Illustração Brasileira no ano anterior, brevemente aludida entre os trabalhos de Manoel Santiago que Adalberto Mattos (1924) selecionava para sua crítica anual da Exposição de Belas Artes.
[147] Ibidem. Grifo original.
[148] A reprodução, possibilitada pelo registro em microfilme compartilhado pela Hemeroteca Digital Brasileira, justifica a ausência de coloração da imagem.
[149] AS NOSSAS trichromias …, op. cit., p. 69.
[150] Ibidem.
[151] Apesar de ser mencionada como uma pintora rio-grandense, devemos assinalar que Haydéa Lopes nasceu no Rio de Janeiro e, ainda jovem, transferiu-se com sua família para Porto Alegre.
[152] Infelizmente, não encontramos informações expressivas sobre a contribuição do casal no Salão de Maio. Ainda assim, vale notar que essa participação certamente aponta para a circulação de artistas no meio expositivo, para além dos limites da restrita esfera carioca.
[153] COSTA, Renato. O movimento artístico da cidade. A Federação: Orgam do Partido Republicano, Rio Grande do Sul, ano XLII, n. 88, 14 abr., p. 3, 1925.
[154] SENNA, Terra de. Bellas Artes. D. Quixote, Rio de Janeiro, ano IX, n. 420, 27 maio, p. 42, 1925.
[155] Idem, op. cit., p. 4.
[156] AS NOSSAS trichromias …, op. cit., p. 69.
[157] EXPOSIÇÃO, op. cit., p. 1.
[158] DAZZI, op. cit., p. 42.
[159] BURKE, op. cit., p. 42-44.