Uma imagem, duas narrativas: as representações de uma lenda amazônica em Manoel Santiago *

João Augusto da Silva Neto [1] e Aldrin Moura de Figueiredo [2]

NETO, João Augusto da Silva.; FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Uma imagem, duas narrativas: as representações de uma lenda amazônica em Manoel Santiago. 19&20, Rio de Janeiro, v. VII, n. 1, jan./mar. 2012. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/ms_lendas.htm>.

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MANOEL SANTIAGO (1897-1987): O Curupira - Lenda Amazônica - Brasil, 1926.

Óleo sobre tela, 96 x 157 cm.

1.       A década de 1960 marcou o início de uma tentativa do Governo do Amazonas em tornar conhecido o nome daquele que seria o “maior artista do pincel” daquele Estado. Tratava-se de uma iniciativa de tirar da obscuridade e divulgar as obras do artista amazonense Manoel Santiago (1897-1987). Nessa época, o então governador do estado Arthur Cezar Ferreira Reis (1906-1993) confere o nome de Manoel Santiago para a Pinacoteca que o estado começara a organizar. Em 1967 é publicado Lendas Amazônicas, de autoria de Santiago, em Manaus. O livro é prefaciado por Reis, sendo composto por dez narrativas de lendas do imaginário amazônico, entre as quais estão Yara, Jurupari, Tican, Curupira, Cobra Grande, Boto, Uirapuru, entre outros, devidamente ilustrado por gravuras feitas pelo próprio pintor[3]. Até bem pouco tempo antes de Lendas Amazônicas sair do prelo, muito pouco se sabia sobre Santiago no Amazonas. No prefácio do livro, Reis denuncia a ignorância de seus conterrâneos em relação aos trabalhos do artista e escritor amazonense. O próprio Arthur Cezar Reis só passaria a conhecer os trabalhos e a vida do pintor através dos noticiários da imprensa carioca. O desconhecimento quase que completo em sua terra natal era motivo de uma profunda magoa em Santiago, segundo afirma o então governador. Para Reis, Manoel Santiago seria o artista de grande paixão por sua terra cuja “projeção no cenário artístico do Brasil não se pode medir por esta ou aquela manifestação, mas por um imenso conjunto de quadros”[4].

2.       De fato, Manoel Santiago pintou inúmeros quadros que lhe renderam o respeito da crítica ao longo de suas exposições no Brasil e no exterior. Em suas pinturas, há uma enorme variação, entre as quais se destacam como principais o paisagismo, as marinhas, os nus e os retratos, bem como telas que apresentam as lendas e o imaginário amazônico. Aliás, as lendas amazônicas constituem um aspecto marcante na trajetória do artista amazonense. No campo das letras, seu livro de 1967 é bem representativo, mas é na pintura que Santiago exploraria mais essa temática. Sua inclinação sobre temas amazônicos começara logo no início de sua formação, em uma rápida estada em Belém do Pará, nos anos de 1910 e, posteriormente, nos anos de 1920, quando desenvolvera estudos sobre folclore brasileiro no Rio de Janeiro[5].

3.       Manoel Santiago iniciou os estudos de desenho e pintura com o pintor paraense Theodoro Braga (1872-1953) em Belém na década de 1910. Do contato com o pintor paraense, o jovem Santiago pode ter herdado o timbre regionalista, pois a pintura de elementos amazônicos era algo muito caro ao seu mestre. Braga pretendia desenvolver uma arte brasileira a partir de uma “visão amazônica”, valorizando a pintura de elementos locais e a instrução artística como ponto alto para a construção de uma arte brasileira[6]. Em Belém, o amazonense teve assídua participação no mundo das artes. Em 1918, ganharia o prêmio “hors-coucours” na 6ª Exposição Escolar de Desenho e Pintura no foyer do Theatro da Paz[7], além de participar juntamente com um grupo de artistas da fundação da Academia Livre de Bellas Artes no mesmo ano (SILVA, 2009:65).

4.       Em 1919, Manoel Santiago transfere-se para o Rio de Janeiro onde se casa com a também pintora Haydéa Lopes Santiago (1896- 1980) e estuda pintura na Escola Nacional de Belas-Artes. Na capital da República, teve aulas com Rodolfo Chambelland (1879-1967), João Batista da Costa (1865 - 1926) e Eliseu Visconti (1866 - 1944)[8]. Participa do Salão de Belas Artes em 1923, expondo a tela Yara, que mostrou seus talentos, mas que apesar de seu “agradável colorido” carecia de mais estudo e observação, segundo Virgilio Mauricio[9]. No ano seguinte, no Salão de 1924, a crítica lhe fora mais complacente, classificando-o como um artista que se apresenta “magnificamente”, com telas “cheias de sentimento e muitas outras qualidades dignas de serem apreciadas”[10].

5.       No salão de 1926, Manoel Santiago receberia um prêmio em dinheiro. Contudo, é apenas no Salão Nacional de Belas-Artes de 1927 que ganharia o prêmio de viagem ao exterior, com sua esposa Haydéa Santiago, contemplada com medalha de prata[11]. Depois de ser agraciado no salão de 1927, o pintor amazonense passa a residir em Paris (de 1928 até 1932) e exporia nos Salões do Outono, Tulheiras e dos Artistas Franceses, tendo ainda estudado com o retratista e pintor de gênero Louis François Biloul (1874-1947). Na capital francesa teve oportunidade de se encontrar e trocar conhecimento com artistas brasileiros como Di Cavalcanti, Quirino Campofiorito, Armando Vianna e Candido Portinari, muitas vezes em reuniões no Café La Rotonde, no boêmio bairro de Montpamasse, ou ainda em encontros regrados a cerveja nos bares de Paris[12]. Aliás, a amizade com Portinari vinha de longa data, desde as aulas de Chambelland e Batista da Costa no Rio de Janeiro. Ambos possuíam uma relação próxima e partilhavam do mesmo circuito artístico. Em 1923, o pintor paulista homenagearia o amigo Santiago com a feitura de um retrato [Figura 1], devidamente assinado e dedicado ao pintor amazonense (MICELI, 1996:35).

6.       A viagem à Europa conquistada por Santiago simbolizou não apenas uma recompensa a um trabalho exposto, mas também um “prêmio a toda a uma obra e a todo um esforço”[13]. A premiação de viagem ao exterior sempre fora palco de grandes disputas entre os mestres da pintura. Manoel Santiago, assim como Portinari, figurou entre os artistas que disputavam o concorrido prêmio nos salões de arte do final da década de 1920 no Rio de Janeiro. No salão de 1926, por exemplo, entre os concorrentes ao prêmio de viagem, estavam Armando Vianna, Manoel Santiago, Sarah Villela, Manoel Constantino e Candido Portinari, representantes de “cinco afirmações moças, que merecem os estímulos da crítica”. Entre os favoritos, Santiago se apresentaria com um “temperamento excepcional”, de um talento “cheio de poesia, de sensibilidade, de engenho improvisador”, afirmando-se com a tela “O Curupira”, “executada com graça infinita”[14].

7.       A tela O Curupira (1926) [Figura 2] não deu ao pintor o prêmio máximo, mas foi considerada “uma das inteligências mais seguras de quantas pleiteiam louros”[15]. Nesta composição, nos deparamos com duas possibilidades de leituras, mas não necessariamente opostas. A figura do curupira[16] pode ser compreendida como a de um ser mítico defensor da floresta e, ao mesmo tempo, envolvido numa atmosfera de sensualidade.

8.       A tela foi exposta no Salão de Belas Artes do Rio de Janeiro de 1926 e rendeu rasgados elogios por parte de Paulo Boneschi no Jornal O Globo. Boneschi considerou a composição “original e equilibrada; o assunto puramente brasileiro da lenda amazônica empolgou o jovem artista que conseguiu criar com bastante felicidade o símbolo plástico da divindade indígena”[17]. Provavelmente influenciado por tendências impressionistas de seu mestre Eliseu Visconti, Manoel Santiago abusa de cores vibrantes e de pinceladas grossas e empastadas, criando contrastes luminosos que ressaltam as diversas tonalidades[18]. Em O Curupira, a vegetação é pouco abundante. Percebemos apenas duas árvores nas extremidades da tela, mesmo assim não tão visíveis. Embora os troncos não estejam à vista do espectador, as árvores se fazem presentes por suas copas de galhos finos e com folhagens em tom verde, tomando conta de boa parte dos cantos superiores da tela. O solo ainda carrega parte da cor verde das folhagens das árvores, dando a impressão de fertilidade. Ao fundo, um rio com um tom de azul celeste, variando em alguns momentos numa tonalidade cinza, mesma escala cromática do que seria o céu. Na composição, em meio a floresta e à margem do rio, há uma índia seminua que repousa tranquilamente, como se estivesse adormecida em sua rede, atada entre as duas árvores das extremidades da tela. Levemente inclinada e com os seios á mostra, a índia de pele clara trajando uma tanga de penas azuis e vermelhas se conforta, aparentemente sem maiores preocupações, em meio à doçura das árvores e do rio. No canto direito ao espectador, aparece o curupira, com seus pelos “cor-de-fogo”, pele escura e semi curvado, se aproximando e entrelaçando a rede da índia, prestes a tocá-la. Seus pés virados para trás não estão visíveis ao espectador devido à alta vegetação existente no solo.

9.       A floresta, o curupira e a índia adormecida constituem os elementos-chave da tela. O rio e a vegetação garantem uma paisagem idílica do ambiente amazônico. Por outro lado, a presença da índia e do curupira juntos chama a atenção pela atipicidade desse encontro, levando em conta as narrativas apresentadas pela literatura - leia-se ainda aquela descrita pelo próprio pintor em seu Lendas Amazônicas. No livro, Santiago descreve o curupira como um ser fantástico que protege a natureza, pregando a justiça contra aqueles que agem com crueldade contra os animais e a floresta[19]. Nesse sentido, além de analisar o curupira, torna-se igualmente importante considerar a figura da índia a fim de melhor compreender a narrativa visual da referida obra.

10.    A índia pintada por Manoel Santiago não foge tanto das representações idealizadas de índias amazônicas feitas por seu mestre Theodoro Braga. Nas telas Fascinação de Iara (1929) [Figura 3] e Muiraquitã (c. 1920) [Figura 4], a figura da índia é representada como uma “deusa-mulher”, numa estreita relação com a natureza[20]. Por outro lado, em Flor de Igarapé (c. 1925) [Figura 5] e em O Curupira (1926), o pintor amazonense idealiza uma índia em uma posição dramática e frágil, enquanto que em Tatuagem (1929) [Figura 6], além de uma figura feminina indígena idealizada, diversos outros elementos indígenas estão presentes, como por exemplo, a pintura corporal.

11.    Em O Curupira, de 1926, Santiago pinta uma bela e jovem índia de pele clara, com cabelos longos e cheios, em um tom escuro. A figura da índia é envolvida por um ar de doçura e sensualidade, retomando as representações de ninfas da mitologia grega. Nossa “ninfa selvagem”, se assim podemos denominá-la, descansa em uma rede com o braço esquerdo sobre a cabeça e o direito debruçado sobre o solo, mostrando o busto nu. A pouca vestimenta da índia valoriza seu corpo, criando uma atmosfera sensual para a tela. A perna esquerda está levemente flexionada, enquanto que a direita está em grande medida para fora da rede. Nessas circunstâncias, o curupira parece chegar manso, envolvendo a rede e sendo envolvido na sensualidade do repouso da índia, a ponto de querer tocá-la. O Curupira aparece então pintado sob um outro viés, um outra representação que ganha contornos e cores sob os pincéis do pintor amazonense.

12.    O destaque da tela de 1926 está justamente nessa representação nada peculiar. A pintura de Santiago nos revela uma outra face do curupira, que muitos podem desconhecer. Se nos acostumamos a ouvir falar de um curupira habitante e defensor das florestas e dos animais, muito pouco ou quase nada sabemos de suas “peripécias” com índios, especialmente com as índias. A particularidade desse “outro” curupira é revelada a partir do pincel do pintor amazonense, que parece nos instigar a conhecer mais sobre a mitologia amazônica. Talvez seja por isso que o pintor deixou inscrito, no verso do quadro, uma explicação para aqueles que, por ventura, desconhecessem essa face do curupira. Nas palavras do pintor:

13.                                         O Curupira - Lenda Amazônica - Brasil. O Curupira é um dos seres phantásticos que povoam as densas florestas da Amazonas. É uma figura estranha cheia de astúcias. Tem os pés virados para traz afim de melhor enganar os viandantes. As indias adolescentes ao doce embalar das redes de Tucum, adormecem sonhando com o Curupira. Se alguma d'ellas commeter uma falta e não a puder justificar, logo será acusado o Curupira pelo crime de sedução. Rio de Janeiro - Brasil 1926[21].

14.    O curupira da composição de Santiago traz a tona, então, não apenas àquela representação de um ser mítico que vive na floresta, mas também a imagem de um ser fantástico que persegue as índias adolescentes. O excerto deixado no verso do quadro pelo pintor torna bem clara a ideia de um encontro entre a índia (neste caso, que denominamos como sendo uma “ninfa selvagem”, dadas suas características) e o curupira. A tela abarca essas duas possibilidades de leituras. Se por um lado, o pintor tenta construir uma narrativa em que o curupira não escapa a sua tradicional representação de um ser fantástico que habita as florestas, por outro nos é desvendado um curupira seduzido, tentado pela beleza das índias. Esse clima de sedução pode também ser atribuído ao curupira, pois sua robusteza e sua aparência animalesca, com abundância de pelos por todo o corpo, garantem certo sensualismo ao mesmo.

15.    Entorno da ninfa selvagem e do curupira, percebe-se que há uma tensão, ocasionada por uma índia adormecida que seduz pela beleza e por um curupira encantado, que carrega consigo um ar fantástico, exótico e, de certa forma, também sedutor. Logo, insinua-se que é possível uma relação amorosa ou mesmo sexual entre os dois. Tal relação pode parecer um tanto quanto curiosa, mas não é tão estranha assim, se levarmos em consideração o dito excerto e a própria de tela de Manoel Santiago. O encontro da ninfa selvagem adormecida na rede com um ser animalesco possui certa analogia com o encontro das ninfas gregas com o sátiros. Esse episódio da mitologia grega, narrado em ânforas ou mesmo por artistas oitocentistas como William Adolphe Bouguereau (1825-1905) que pintou Ninfas e Sátiro, de 1873 [Figura 7], é cercado de sensualismo. Os sátiros são divindades que habitam bosques e montanhas, possuem aspectos de um homem com chifres e caudas, às vezes com pernas de bode e têm como alvo de luxúria as ninfas. Na tela de Santiago, o curupira retoma a figura de um sátiro, envolvido pelo sensualismo da ninfa selvagem.

16.    Apesar de representar elementos da mitologia amazônica, está evidente em Santiago a referência à antiguidade clássica. O próprio pintor assim entendia a importância que o passado grego-romano tinha para as artes. Para ele, “a riqueza de seu patrimônio [Antiguidade] não pode desapparecer; antes ficará eterno com o mais alto padrão de belleza artística do Universo, e de que a Grécia foi máxima expressão”. Dessa forma, o artista acredita que não é preciso negar o passado “com o seu incomparável acervo de maravilhas”; mas é necessário que se lute contra a estagnação e os marasmos nas artes. Nessa empreitada, o amazonense vê “em nossas lendas [...] [as] fontes mais ricas e originaes de inspiração artística que, só agora [na década de 1920] vão sendo aproveitadas convenientemente”. As lendas seriam, então, uma forma de exaltar a grandeza espiritual de nossa Pátria, da mesma forma que o Wagner soube fazer, através de suas sinfonias, com as lendas alemãs[22]. Assim também a influência da obra de Bouguereau, pintor havido como tradicionalista na construção de retratos e temas mitológicos. Assim como a Amazônia de Santiago, o mestre francês havia pintado mães, crianças e jovens de sua terra natal - La Rochelle, no jardim do seu estúdio, em um estilo realista, quase fotográfico, que se tornou um sucesso entre os colecionadores de seu tempo[23]. Portanto, essa ideia é fundamental para se entender a narrativa visual de Santiago, haja vista que o pintor tenta construir uma narrativa em que os elementos lendários amazônicos estão em evidência. As lendas, nesse sentido, se constituiriam como fontes de inspiração para a construção de um discurso de valorização dos elementos locais/nacionais. Vale ressaltar que esta é uma questão que transcende a pintura de Santiago e que perpassa pelas discussões do momento histórico em que o artista pinta sua tela.

17.    Na Amazônia, Osvaldo Orico escreve Mitos ameríndios, que ganhara sua segunda edição em 1930, para apontar, entre outras coisas, “o veio de que se tem aproveitado a imajinação de alguns dos nossos artistas para criar imajens e belezas dentro da tradição autóctone” [24]. Com efeito, Orico procura nas tradições e na teogonia tupi elementos que serviram de fonte para construção de uma tradição de mitos, em especial os considerados “primários” ou “domésticos” (Uirapurú, Uratáu, Jurupari, Uiara, Curupira, Saci, Mboitatá). Sobre curupira, o intelectual paraense toma, em grande medida, as considerações do botânico e engenheiro João Barbosa Rodrigues. Nesses termos, Orico mostra que o curupira possui inúmeras metamorfoses através do país, sendo mais comum a representação de gênio protetor das florestas e da caça que “ora é imperiozo, esquizito, brutal, ora é delicado, tolo e compassivo; ora não admite desrespeito ou dezobediencia; ora se deixa iludir como uma criança” [25]. O intelectual paraense ainda acredita que a característica do curupira de possuir os pés voltados para trás podem ser indícios de uma possível relação com os mitos asiáticos[26].

18.    A filiação entre mitos não é ao todo estranho no ponto de vista de Orico. Em 1937, o intelectual paraense ressaltava a possível correlação entre o mito de Mayandeua com as lenda de Is, que Ernest Renan evocava num prefácio de Souvenirs d’enfance et jeunesse[27]. A verdade é que Orico transitava por pesquisas folclóricas com a intenção de exaltar as tradições populares e o caráter de nossa brasilidade. De todo modo, a correspondência entre lendas do universo amazônico e os mitos do Velho Mundo ajudaram alguns membros da intelectualidade e de artistas locais/nacionais a pensar como construir laços identitários e as diferenças de nossa brasilidade em relação a outrem[28].

19.    Contudo, essa perspectiva não era unânime. Jorge Hurley retomava os estudos sobre folclore amazônico sob um novo fôlego. Em Itaranã (pedra falsa) - Assuntos mitológicos do Brasil, especialmente da Amazônia, publicado dentro da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (RIHGP), Hurley buscou fundamentar seus estudos folclóricos ligando-os com o passado amazônico, com o brasileiro ou a identidade brasileira (RICCI, 2007:315). No capítulo Curupira ou caapoua, por exemplo, descrevia a figura do curupira estabelecendo laços com as crenças do caboclo brasileiro, apresentando a divindade indígena como um duende das florestas americanas que protege as árvores e animais, punindo caçadores que agem indiscriminadamente.[29]

20.    Não apenas o curupira ou, de forma mais geral, as lendas foram fontes de inspiração para intelectuais e artistas. As pesquisas arqueológicas do Museu Paraense (hoje Museu Emílio Goeldi) permitiram o conhecimento de uma cultura material na região do Rio Tapajós e da Ilha do Marajó. Tais estudos possibilitaram o desenvolvimento de uma consciência nativista entre os intelectuais e artistas locais e nacionais, sobretudo a partir de vestígios de cerâmicas e de padrões ornamentais de origem indígena. Para Theodoro Braga, os padrões ornamentais das cerâmicas indígenas, bem como a flora e a fauna deveriam servir para estilização da arte decorativa, constituindo um estilo artístico próprio do Brasil[30]. Segundo Arthur Valle, Braga seria um dos principais divulgadores dos motivos decorativos amazônicos e precursor do estilo neo-marajoara. Como representante desse estilo artístico, no ano de 1922, o pintor paraense exporia no Rio de Janeiro uma série de projetos e protótipos com uma gama diversificada de vasos, tapetes e xales, aproveitando elementos da flora da Amazônia, entre as quais estão a vitória-régia, aeté, orquídeas, lírios amazônicos, etc. (VALLE, 2008).

21.    A produção dessa arte decorativa não raramente se utilizava de resquícios arqueológicos para a sua feitura. Contudo, como afirma Patrícia Godoy, os objetos não teriam sido todos copiados do original marajoara. Muitas vezes, o artista usava de adaptações amparadas por motivos geométricos. Os padrões ornamentais das culturas indígenas são muito recorrentes em ilustrações, na arte decorativa e na arquitetura. Os objetos em arte decorativa eram inspirados em elementos indígenas cuja intenção era construir o cerne de uma arte brasileira, segundo o pensamento dos artistas Eliseu Visconti e Theodoro Braga. Este último, como já foi dito, se utilizou de modelos da flora, da fauna e de padrões decorativos de cerâmicas indígenas para compor seu repertório ornamental, influenciando artistas como Carlos Hadler (1885-1945), idealizador de um “Carnaval Marajoara” em Rio Claro, interior paulista, em 1938 (GODOY, 2006).

22.    Estudioso assíduo dos padrões ornamentais da cerâmica indígena, Theodoro Braga revela, em artigo escrito para a RIHGP, em 1917, suas impressões sobre “a arte decorativa entre os selvagens da foz do Amazonas”. Dizia o pintor-decorador paraense que nenhum dos “povos primitivos, em seu estado de selvagem, legou à posteridade documentos mais interessantes de arte decorativa aplicada como os que habitavam as ilhas e sobretudo a ilha grande de Joannes [Ilha do Marajó], na foz do grande rio das Amazonas”. No que se tange as técnicas empregadas na feitura dos objetos, Theodoro Braga identifica “uma orientação pré-estudada para a ornamentação de cada objeto a ser decorado”, com uma preocupação intelectual que permitia uma certa simetria  nas linhas retas e curvas. Para o paraense, “nota-se, assim, em todos [os] fragmentos da curiosa e típica cerâmica indígena do Marajó a execução preconcebida de uma decoração regular e inteligente com o intuito de enriquecer uma superfície simples para uma satisfação superior”[31]. É por essas e ainda por outras razões que Braga considera ser a cerâmica marajoara o mais original e o mais abundante das artes primitivas do desenho decorativo que esse povo (os indígenas da foz do amazonas), legou para a arqueologia e a etnografia brasileira.

23.    A produção ornamental e os estudos de Braga serviram para a difusão dos elementos do universo indígena para todo o país. Sua influência se estendeu entre os diversos artistas brasileiros. Manoel Pastana (1888-1984) e Fernando Correa Dias de Araújo (1893-1935), por exemplo, foram artistas que se inspiraram na cultura e na natureza amazônica para compor sua arte. Pastana produziu aquarelas e guaches devidamente inspirados em peças arqueológicas de tribos amazônicas ou mesmo a partir da flora e da fauna locais (VALLE, 2008). Por outro lado, apesar dos vestígios arqueológicos de cerâmica indígena, sobretudo aqueles colhidos na “grande ilha de Marajó”, serem “fortes motivos emocionaes e pictoricos” para os artistas brasileiros, estes em si não bastam sozinhos. Segundo Manoel Santiago era preciso pensá-los em uma “adaptação às nossas lendas e racontos populares”[32]. Para se fazer uma “grande arte nacional” é necessário que os “vestígios de uma arte elementar” sejam trabalhados dentro da paisagem e do ambiente brasileiros. Sendo assim, a ideia de arte brasileira perpassa, na concepção de Santiago, por uma relação dos mais variados elementos culturais locais[33]. Desse modo, os aspectos do universo indígena, o imaginário e as lendas amazônicas se tornariam símbolos da nacionalidade brasileira.

24.    É através dos “motivos indigenas”, aponta Saul de Navarro na Revista da Semana, em setembro de 1927, que a arte vem se desvendando e buscando alcançar “a nossa libertação esthetica”. Navarro ainda reitera que “artistas brasileiros como Theodoro Braga e Manoel Santiago, tem ahi buscado inspiração incutindo-nos gosto brasílico da belleza, o primeiro estylizando-a e o segundo colorindo as visões estranhas da nossa mytologia selvagem”[34]. Braga e Santiago seriam, então, na opinião do articulista, os pintores brasileiros exemplares de uma arte em que o universo indígena, as lendas e os mitos amazônicos são fontes de inspiração de uma arte brasileira. Desse modo, telas como Fascinação de Iara (1929) e Muiraquitã (c. 1920), por exemplo, de Theodoro Braga podem ser inseridas nesta linha de raciocínio de Navarro. Por outro lado, Flor de Igarapé (c. 1925), O Curupira (1926) e Tatuagem (1929), entre tantas outras de Manoel Santiago, poderiam está no panteão dos “motivos indígenas” e da “mitologia selvagem”.

25.    A tela O Curupira de 1926 é, sem dúvida, uma pintura que bem representa “as visões estranhas” da “mitologia selvagem”. Representando um curupira que também está ligado a figura de um ser fantástico e morador da floresta, Manoel Santiago mostra ainda uma face que muitos podem desconhecer; um curupira que aparentemente pretende atacar uma índia de pele clara adormecida em sua rede na floresta. Além da representação de uma índia idealizada, o curupira da composição de Santiago chama a atenção por mostrar uma versão estranha e talvez ignorada desta lenda, causando um misto de curiosidade e de necessidade de conhecer mais as lendas de nossa terra. “As nossas lendas são um manancial riquissimo de emoção e até agora estão quasi virgens de interessar a attenção dos pintores, voltados, totalmente, para que o que os outros povos, as outras raças fizeram”, afirma Manoel Santiago. É preciso que se valorizem as lendas, as coisas da terra em detrimento das coisas estrangeiras para que não só os pintores, mais ainda o “grande povo gere a sua arte, representativa das tendências e sentimentos de sua raça”[35]. Em outras palavras, trata-se de um posicionamento nacionalista de Santiago, no que se refere à arte brasileira. Nesse momento, é fundamental ter em mente que a criação de uma arte nacional que represente o povo brasileiro é uma discussão muito cara nos anos de 1920. É neste momento que a arte brasileira exalta, entre outras coisas, os “motivos indígenas”, procurando então afirmar um “nacionalismo superior”, uma “brasilidade triunfante”[36].

26.    Não sem sentido, podemos considerar que a pintura de Manoel Santiago pode ser compreendida em um quadro maior de redefinição da arte nacional, impregnada pelas ideias de valorização do povo, da gente comum, da cultura indígena, do imaginário e das lendas. Sua pintura reflete mais que um “espírito de uma época”, expressa uma possibilidade, pensada pelo pintor, de construção uma arte nacional sob a ótica amazônica. O fato é que a tentativa de pensar a arte e a nacionalidade brasileiras a partir de um viés amazônico já era algo proposto há muito por intelectuais e artistas da região, sobretudo no começo do século XX, sendo o principal arauto Theodoro Braga[37]. Por outro lado, seguindo essa mesma linha de raciocínio, mas trilhando seu próprio caminho, Manoel Santiago debruça-se sob uma pintura acentuadamente regional para exaltar os elementos de uma nacionalidade que se apresenta plural.

27.    Diante dessas circunstâncias, a pintura de Santiago expressa mais que um interesse de desvendar mitos amazônicos ou aspectos da cultura amazônica; mostra uma preocupação em criar uma arte de caráter nacional. Os elementos por ele pintados em O Curupira, em 1926, por exemplo, são nada mais que representativos da identidade amazônica e brasileira, pois se tratam da “nossa paysagem”, do “nosso ambiente”[floresta, rio], da “nossa gente”[a índia], “do sentimento tradicionalista do povo”, das “nossas lendas” [o curupira], elementos estes que não se “confunde[m] com o que é alheio”[38]. A sua inspiração na antiguidade clássica é senão um caminho enveredado pelo pintor para conceber a identidade amazônica e brasileira. Dialogando com o moderno, visitando a tradição, recuperando o traço acadêmico, Manoel Santiago procurava uma compreensão da nacionalidade brasileira que pudesse revelar, em sua plenitude, um mosaico diversificado e complexo originado nas legendas mais antigas de sua terra natal.

Fontes e referências bibliográficas

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* Este artigo é parte de uma pesquisa maior intitulada “O pretérito mais que perfeito: pintura, história e círculos intelectuais na Amazônia, 1888-1938”, coordenada por Aldrin Moura de Figueiredo, no GP de História Social da Arte, no Programa de Pós-Graduação em História financiada pelo CNPq.

[1] Mestrando em História da Universidade Federal do Pará e membro do Grupo de Pesquisa História Social da Arte.

[2] Professor da Faculdade de História, do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará e Pesquisador do CNPq.

[3] Cf. SANTIAGO. Manoel. Lendas Amazônicas. Manaus: Editora Sergio Cardoso, 1967. A obra de Santiago só ganharia uma segunda edição em 2003 sob os auspícios da Editora da Universidade Federal do Amazonas.

[4] Cf. REIS, Arthur Cezar Ferreira. Prefácio. In: SANTIAGO, op. cit. pp-9-10.

[5] Armando Pacheco em artigo publicado na Revista Beira Mar afirma que desde 1924, Santiago já vinha reunido material sobre folclore brasileiro, mas “seus afazeres, sua arte, suas aulas, seu trabalho não permitiu que Santiago publicasse o volume, deixando os artigos à parte”, não faltando, nesse meio tempo, “predadores” que publicaram contos “de pura criação” do amazonense e outros que escreveram inspirados em seus artigos, sem qualquer referência ao mesmo. Cf. PACHECO, Armando. O pintor Manoel Santiago. Beira Mar. nº 704. Rio, 19 de Abril de 1941. p.5. Estes estudos, provavelmente, renderiam não só a feitura de seu “Lendas Amazônicas” em 1967, mas também uma série de pinturas cuja figura de proa são seres míticos, entre estas pode-se citar “Yara” (1923), “O Curupira” (1926), entre outras.

[6] BRAGA, Theodoro. Nacionalização da arte brasileira. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 1, jan. 2010. Originalmente publicado em Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro, ano X, set. 1922, n.p. [Texto com grafia atualizada]. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/ilustracao_brasileira/ib_1922_09_tb.htm. Acesso em 07 de Janeiro de 2011. Sobre o projeto de Theodoro Braga para as artes amazônicas/nacionais vide: FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Eternos Modernos: Uma História social da arte e da literatura, 1908-1929. Tese. Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2001.

[7] BRAGA, Theodoro. A arte no Pará, 1888-1918: retrospecto histórico dos últimos trinta annos. Revista do Instituto Histórico e Geographico do Pará. Vol 7,1934 , p. 159.

[8] Cf. PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969; BRASIL. O Museu Nacional de Belas Artes. São Paulo: Banco Safra, 1985.

[9] MAURICIO, Virgilio. Belas Artes. O salão de 1923. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 19 ago. 1923, p.3. Transcrição de Vinícius Moraes de Aguiar. Digitalização de Mirian Nogueira Seraphim. [link]. Acesso em: 01 de junho de 2011.

[10] MATTOS, Adalberto. O Salão de MCMXXIV. Pintura escultura arquitetura gravura. Illustração Brasileira, ano V, n. 48, ago. 1924, n/p. Transcrição de Andrea Garcia Dias da Cruz. Digitalização de Arthur Valle. [link]. Acesso em: 01 de junho de 2011.

[11] O JORNAL. Belas-Artes. Rio de Janeiro, 23 ago. 1927, p. 3. Transcrição de Andrea Garcia Dias da Cruz. Digitalização de Mirian Nogueira Seraphim. [link]. Acesso em: 02 de junho de 2011.

[12] Cf. TARASANTCHI, Ruth Sprung. Pintores Paisagistas: São Paulo 1890 a 1920. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 193

[13] BARATA, Frederico. A XXXIV Exposição Geral de Belas-Artes - Os disputantes do prêmio de viagem à Europa. O Jornal, Rio de Janeiro, 21 ago. 1927, p. 3. Transcrição de Andrea Garcia Dias da Cruz. Digitalização de Mirian Nogueira Seraphim. [link]. Acesso em 02 de junho de 2011.

[14] O GLOBO (Edição extraordinária). O "SALÃO" - Rápida viagem pela galeria dos concorrentes. Rio de Janeiro, 16 ago. 1926, p. 8. Transcrição de Vinícius Moraes de Aguiar. Digitalização de Mirian Nogueira Seraphim. [link]. Acesso em 04 de junho de 2011.

[15] Idem.

[16] Do tupi kuru’pira (corpo de menino), segundo Ermano Stradelli. Deus defensor da floresta, segundo Raimundo morais Cf. STRADELLI, Ermano. Vocabulario da língua geral portuguez-nheengatu. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. 158(104): 5-568, 1929; MORAIS, Raimundo. O meu dicionário de cousas da Amazônia. Rio de Janeiro: Alba, 1931. O curupira é um mito do folclore amazônico, geralmente representado como um menino de pele escura, com cabelos cor-de-fogo, pés virados para trás, geralmente montado em um caititu (espécie de porco do mato). Ver ainda BARBOSA RODRIGUES, João. Poranduba amazonense, ou kochiyma-uara porandub, 1872-1887. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1890. Uma análise detalhada dos usos desse legendário da etnologia e no folclore amazônicos está em FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A cidade dos encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia, 1870-1950. Belém: Edufpa, 2009.

[17] BONESCHI, Paulo. A XXXIII Exposição Geral de Belas Artes. Impressões Rápidas. O Globo, Rio de Janeiro, 16 ago. 1926, p. 8. Transcrição de Vinícius Moraes de Aguiar.  Digitalização de Mirian Nogueira Seraphim. [link]. Acesso em: 01 de junho de 2011.

[18] A luminosidade e o uso de cores eram características marcantes na pintura de Eliseu Visconti, considerado um dos artistas pioneiros do paisagismo e do impressionismo no Brasil. Visconti estudou no Liceu de Artes e Ofícios e na Academia Imperial de Belas Artes. Viaja à Europa onde estuda arte decorativa e entra em contato com tendências artísticas europeias, entre os quais o impressionismo. Vide: Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais - Verbete Eliseu Visconti. Disponível em <http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=673>. Acesso em 2 de junho de 2011.

[19] Vide SANTIAGO, op. cit., pp-21-22

[20] Cf. COZZI, André. “Fascinação de Iara” - o nacional e o feminino na obra de Theodoro Braga. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/fascinacao_iara.htm>. Acesso em 01 de junho de 2011.

[21] Texto escrito no verso do quadro. Cf. SANTIAGO, Manoel. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ms_arquivos/ms_1926_curupira.htm>. Acesso em 03 de dezembro de 2010.

[22] BELÉM NOVA. O momento na pintura - Entrevista com Manoel Santiago. Nº 65. Belém, 29 de janeiro de 1927.

[23] WISSMAN, Fronia. Bouguereau. Rohnert Park: Pomegranate Artbooks, 1996, p.11.

[24] ORICO, Osvaldo. Os mitos ameríndios: sobrevivências na tradição e na literatura brasileira. São Paulo: Editora Limitada, 1930. p. 71.

[25] BARBOSA ROGRIGUES apud ORICO, op. cit., pp. 131-132.

[26] ORICO, op. cit.

[27] RENAN. Ernest. Souvenirs d'enfance et de jeunesse.  Paris: Nelson: Calmann-Lévy, 1935

[28] Sobre esta questão Cf FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Letras insulares: leituras e formas da história no modernismo brasileiro. In: Sidney Chalhoub; Leonardo Pereira. (Org.). A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, pp. 301-331.

[29] HURLEY, Jorge. Itaranã (pedra falsa), Assuntos mitológicos do Brasil, especialmente da Amazônia. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Vol 09, 1934

[30] Cf. BRAGA, Theodoro. Estilização nacional de arte decorativa aplicada. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 1, jan. 2010. Originalmente publicado em Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro, ano IX, dez. 1921, n.p. [Texto com grafia atualizada]. Disponível em:<http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/ilustracao_brasileira/ib_1921_12_tb.htm>. Acesso em 04 de junho de 2011.

[31] BRAGA, Theodoro. A arte decorativa entre os índios selvagens da foz do Amazonas. Revista do Instituto Histórico e Geographico do Pará, vol. 1, n. 1, 1917. pp. 49-50.

[32] COSTA, Angyone. A Inquietação das abelhas: o que pensam e o que dizem os nossos pintores, esculptores, architectos e gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello, 1927. p. 188. In: VALLE, Arthur (org.). 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 1, jan. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/artigos_ac.htm>. Acesso em: 01 de junho de 2011.

[33] Idem. Ibidem.

[34] NAVARRO, Saul de.  Brazilindia.  Revista Da Semana. Nº 39.  Rio, 17 de Setembro de 1927. p. 3.

[35] COSTA, op. cit.

[36] NAVARRO, op.cit.

[37] Vide FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Eternos Modernos: Uma História social da arte e da literatura, 1908-1929. Tese. Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2001.

[38] COSTA, op. cit.