Ressuscitando um Velho Cavalo de Batalha: Novas Dimensões da Pintura Histórica do Segundo Reinado *

Rafael Cardoso **

CARDOSO, Rafael. Ressuscitando um Velho Cavalo de Batalha: Novas Dimensões da Pintura Histórica do Segundo Reinado. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 3, jul. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/criticas/rc_batalha.htm>.

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As avaliações históricas da arte brasileira do século XIX têm sido, de modo geral, enormemente insuficientes. Com raras e gratas exceções, a quase totalidade dessas análises se contenta em descartar as produções da época como sendo retrógradas e defasadas: seja em relação aos seus contemporâneos europeus, ou então em relação ao Modernismo que dominou a maior parte do nosso século. Evidentemente, esse tipo de julgamento historicista pouco acrescenta à nossa compreensão das funções e do impacto da chamada ‘arte acadêmica’ dentro do seu próprio contexto histórico, além de ignorar o processo profundamente complexo de conciliação de valores culturais antagônicos que Alfredo Bosi define como a ‘dialética da colonização’. Se essa arte existiu e floresceu no Brasil, do que não resta dúvida alguma, é porque ela se afigurava significativa, de alguma forma, para a sociedade que a produziu, a consumiu e a valorizou. Mesmo que não existisse nenhuma outra razão para estudá-la (o que está longe de ser o caso), sua importância como documento da vida social e cultural de uma época justificaria por si só uma análise mais ponderada e sistemática da parte dos historiadores que estudam o Brasil imperial.

Por mais insuficientes que sejam, cabe rever rapidamente quais têm sido as avaliações da produção artística brasileira do século passado feitas pelos críticos e historiadores da nossa época. Podem-se enquadrar as parcas reflexões desenvolvidas sobre o assunto em duas linhas essenciais, ambas interessadas basicamente em censurar e descartar o chamado ‘academismo’ a fim de esquivar-se de uma discussão aprofundada. A primeira linha, mais antiga, diz respeito antes à crítica de arte do que à história propriamente dita. Seus proponentes buscam configurar a produção artística ligada à Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) como atrasada, estreita e pouco original, sempre em relação a parâmetros europeus escolhidos a priori, seguindo critérios mais ou menos arbitrários de valorização estética e sem maiores preocupações com as complexidades do contexto histórico no Brasil ou na Europa. O seguinte trecho, que serve como exemplar dessa linha, foi escolhido não por ser especialmente falho, mas por ser, ao contrário, uma das tentativas mais representativas desse gênero de crítica:

Mas no Rio de Janeiro, capital federal ciosa de suas tradições, onde vida literária e artística giram em torno das Academias, pouca efervescência toca os jovens pintores e escultores. Estes, com seus mestres formados segundo os padrões rígidos da Academia implantada pela Missão Le Breton, seguiram uma escola estrangeira cuja excelência não estimulava a criatividade, mas antes a imitação servil dos modelos importados. Importados de Paris, mas não da Paris dos impressionistas, pós-impressionistas - e expressionistas, fauves, ou cubistas - mas sim dos ateliês de professores como Horace Vernet, Cabanel, Vollon, procurados diligentemente pelos pintores brasileiros.

Neste trecho, extraído do livro Artes Plásticas na Semana de 22, de Aracy Amaral, percebe-se claramente a intenção de contrapor a rigidez de uma Academia antiquada à efervescência criativa dos modernistas de 1922, subentendendo-se aí uma série de críticas não somente aos valores artísticos do século XIX como também à continuada dominação da antiga Corte (‘mas no Rio de Janeiro’) sobre os rumos da cultura de elite no Brasil. É extremamente revelador que esse discurso crítico, dirigido ostensivamente à vida artística carioca das décadas de 1910 e 1920, reporte-se a uma série de referências históricas que, citadas em conjunto, fundem todo o século XIX em um único bloco de significado monolítico. Em três frases, junta-se “as Academias” (a AIBA abriu as portas em 1826 mas a Academia Brasileira de Letras só foi fundada em 1897), a “Missão Le Breton” (1816) e artistas tão distintos no cenário artístico francês quanto Horace Vernet (pintor de orientação bonapartista que atingiu o ápice da sua carreira entre as décadas de 1830 e 1860, falecendo em 1863, e especializado na pintura de batalhas e de cenas orientalistas) e Alexandre Cabanel (um dos pintores mais bem sucedidos do final do século XIX, especialmente ativo entre a década de 1870 e a sua morte em 1889, conhecido sobretudo pelos seus nus, característicos dos Salons parisienses da Terceira República). Essa linha de reflexão toma o século XIX apenas como pano de fundo para o surgimento das vanguardas artísticas no século XX, relegando todas as manifestações anteriores (com a exceção estratégica do Impressionismo e seus sucessores) à posição de tantas pedras no caminho do progresso inexorável rumo ao Modernismo.

Com a desagregação definitiva da narrativa modernista ao longo dos últimos quinze a vinte anos, ganhou força uma segunda linha de reflexão que, esta sim, busca atribuir um significado concreto à arte brasileira do século XIX, para além da sua utilidade como pano de fundo. Mesmo assim, é um significado essencialmente condenatório e pessimista. Segundo essa linha, a função primordial da arte ‘acadêmica’ no Brasil teria sido de dar sustentação ideológica ao sistema imperial, principalmente no sentido de criar símbolos e imagens capazes de dar forma à identidade nacional e de representar a grandeza do Império. Uma formulação concisa dessa posição foi feita por Celso Kelly em ensaio escrito como introdução geral à arte da época e intitulado “A Glorificação do Império”:

o ensinamento proporcionado pela Academia de Belas-Artes aberta no Rio de Janeiro começava a dar frutos - mantendo sempre o modelo europeu. [...] É verdade que, de 1864 a 1870, o Brasil sustentou contra o Paraguai uma guerra que custaria a ambos os países milhares de vidas e um imenso desgaste econômico. Para os pintores brasileiros, tal guerra serviu de tema ou pretexto para a elaboração de cenas heróicas e de glorificação do Império.

Afastando-se ligeiramente das preocupações programáticas que motivaram a linha ‘pano de fundo’, esse discurso do ‘academismo como propaganda imperial’ constitui-se, pelo menos, em análise comprometida com as grandes questões históricas do século XIX brasileiro. O seu defeito principal reside no fato de preocupar-se apenas com as grandes questões, deixando de lado toda a textura complexa, delicada e muitas vezes contraditória que caracteriza a realidade histórica. Dizer que a produção artística que partiu da AIBA serviu como sustentáculo do sistema imperial não é apenas evidente; chega a ser redundante e, depois da constatação inicial do fato, torna-se tão simplista como explicação que sua reiteração constante é prejudicial a qualquer leitura histórica mais densa. Seria possível afirmar, de modo esquemático, que toda manifestação cultural que não era de cunho explicitamente republicano e/ou abolicionista contribuía para a construção da ordem imperial, ainda mais aquelas que emanavam de uma instituição sob proteção explícita e muitas vezes direta do Imperador. E, no entanto, quem se debruçar mais detidamente sobre os fatos e as personalidades da AIBA descobrirá que mesmo lá, no seio do minotauro imperial, residiam fortes sentimentos de oposição aos valores culturais vigentes e até simpatias republicanas.

Na verdade, o erro principal que têm em comum ambas as linhas de reflexão citadas acima é sua insistência em tomar a Academia como uma entidade uniforme, homogênea em composição e unânime em suas aspirações. Nada poderia ser mais distante da realidade. Desde antes de sua inauguração e seguramente até muito depois da sua reinvenção republicana como Escola Nacional, a AIBA-ENBA constituiu-se em verdadeiro campo de batalhas de ordem artística e ideológica, sempre minado por intrigas e inimizades pessoais. Só poderia imaginar o contrário quem nunca investigou os detalhes da sua história institucional, o que é o caso, infelizmente, de muitos dos que moldaram a visão moderna da arte brasileira do século XIX. Erro mais grave, e também mais sutil, é a leitura teleológica que ambos esses modelos impõem ao material histórico. Querer entender a Academia e sua arte exclusivamente em termos do que veio depois, seja isto o Modernismo ou a República, equivale a esquivar-se do problema histórico fundamental, o qual pode ser resumido na seguinte indagação: o que representava aquela arte para seus contemporâneos, dentro do contexto social e cultural em que foi gerada e recebida? Não é uma pergunta tão simples de responder e, apenas ao colocá-la, percebe-se imediatamente a pluralidade de interpretações possíveis. Quem fizer esta pergunta começará, naturalmente, a questionar também por que razão esse tipo de investigação tem sido tão limitado entre nós e continua tão incipiente em relação a áreas conexas como, por exemplo, a história literária da mesma época, bem mais adiantada em termos relativos. Pelo menos uma parte da explicação para a rejeição histórica/histérica que até hoje se faz da arte do século XIX passa pelo forte interesse em apagar os vestígios simbólicos do período imperial, o qual foi projeto conjunto das vanguardas modernistas e das lideranças republicanas, em uma fusão curiosa que culminou no Modernismo institucional sob Getúlio Vargas e Gustavo Capanema ... mas isto já é outro assunto.

Desvendar os significados mais precisos da produção artística imperial não é tarefa para um único artigo, e nem mesmo para um livro, mas para toda uma linha de investigação histórica que já vem sendo feita, mal ou bem, há mais de um século no Brasil. O presente artigo não pretende criar nenhum modelo analítico para a compreensão da arte oitocentista e nem pretende formular conceitos básicos para a definição de qualquer linha metodológica. Ao contrário, a proposta central deste texto é de desbancar pressupostos, de abrir possibilidades e de estimular pesquisa e debate sobre o assunto como um todo. No que diz respeito ao primeiro modelo analítico citado acima, considero desnecessária qualquer discussão mais extensa de suas limitações. A falência da interpretação modernista da arte do século XIX, como pano de fundo para a ascensão ‘revolucionária’ das autodenominadas vanguardas, já está amplamente estabelecida hoje em dia, tanto na literatura especializada quanto na revolta generalizada contra as doutrinas estéticas modernistas que é um dos marcos da sensibilidade pós-moderna. O segundo modelo - da arte como propaganda imperial - é o que precisa ser abordado com maior atenção aqui, até mesmo porque o seu inegável fundo de verdade o torna infinitamente mais difícil de contornar. Como fazer, então, para demonstrar que a verdade não é tão verdadeira assim ou, melhor dizendo, que a verdade em questão é apenas uma entre várias? Seria possível começar pelas bordas, demonstrando que nem toda a produção artística do Império enquadra-se no esforço de garantir a ordem imperial: não faltam exemplos para isto. Seria possível inverter o problema, colocando em questão a existência de um projeto civilizatório único para o qual a arte imperial poderia servir de sustentáculo. É um argumento plausível, mas que foge da tarefa específica de examinar as condições materiais da produção artística, remetendo o problema novamente ao plano abstrato da configuração ideológica do período imperial como um todo. Creio que a melhor maneira de contestar o modelo da arte como propaganda imperial seja de examinar mais detalhadamente um tipo de arte que dificilmente pode ser entendida de outra maneira senão como propaganda imperial: refiro-me às representações brasileiras da Guerra do Paraguai criadas durante a década de 1870 e, em especial, àquelas que pertencem ao gênero pictórico conhecido como pintura histórica.

Antes de embarcar nessa tentativa, e ainda a título de preâmbulo, cabe uma curta digressão para desculpar as limitações do presente texto. Este artigo representa uma pequena parte de uma pesquisa ampla sobre as relações entre arte e indústria no Segundo Reinado, a qual se encontra ainda em andamento. Ele está sujeito, portanto, a todos os defeitos característicos do trabalho feito por etapas, incluindo-se aí a falta de conclusões mais definidas e a abertura às vezes exasperadora para uma multiplicidade de assuntos conexos. Outro defeito mais grave, em se tratando de uma análise de obras de arte, é a relativa escassez de ilustrações. Para além das razões de ordem prática, existem duas justificativas de ordem conceitual para essa economia de imagens. Primeiramente, o presente texto ganharia pouco com a análise formal (ou, leitura visual sistemática) das obras. Deixo de fazer esse tipo de análise não porque a considere de pouca importância; ao contrário, considero-a importantíssima e merecedora de maior atenção em outra instância mais adequada. Acontece que a leitura ponderada das imagens ocuparia mais espaço do que tenho à disposição e acrescentaria pouco ao argumento em questão, que se volta muito mais à recepção crítica das obras do que às intenções dos seus autores. O objeto prioritário de análise deste artigo são os discursos verbais forjados em torno das obras, e não as obras em si. A segunda desculpa diz respeito ao público ao qual se dirige este artigo. Escrevo pensando prioritariamente na articulação entre a história social tradicional, com sua orientação preferencial pelo texto e pelos números, e uma visão mais recente da história da cultura, predisposta a complementar essas fontes com outros tipos de discursos (imagens, artefatos, construções), tradicionalmente relegados às margens da pesquisa histórica séria ou então confiados a outras disciplinas inteiramente distintas tais quais filosofia, estética, arquitetura, arqueologia, antropologia. Dirijo este artigo ao historiador ‘de texto’ que busca uma entrada para a conciliação desses outros discursos com seu universo habitual de documentos escritos e, ao mesmo tempo, àqueles historiadores da arte que, pela penetração limitada desse tipo de trabalho no Brasil, talvez não tenham o hábito de pensar a inserção da arte em um contexto social e político que se orienta preferencialmente pelo discurso verbal.

O Symbolo dos Nossos Tempos’

Por que privilegiar a pintura histórica entre tantos outros documentos visuais da Guerra do Paraguai - desde a farta seleção de desenhos, litografias e charges produzidos por periódicos como a Semana Ilustrada e a Vida Fluminense até objetos esdrúxulos da nossa cultura material como o curioso lenço comemorativo dos feitos do Duque de Caxias que foi largamente vendido após o final da campanha? A razão genérica que justifica esse tratamento diferenciado reside no fato de que a pintura histórica constituiu, ao longo do século XIX, uma instância privilegiada de representação. Primeiramente, por ser pintura: no Brasil como na Europa moderna, a pintura de cavalete veio a estabelecer-se como a classe das chamadas belas-artes que mais reclamava a atenção de público, críticos e compradores; era o objeto artístico preferido das elites urbanas, que encontravam nela a satisfação das suas aspirações às formas da cultura aristocrática, mas de maneira mais adequada ao seu estilo de vida cada vez menos senhorial. Em segundo lugar, por ser histórica: desde o século XVII pelo menos, a pintura e a escultura históricas vinham sendo consideradas como instâncias mais elevadas da hierarquia acadêmica, ultrapassando outros gêneros em função do alto nível de conhecimentos literários e filosóficos considerados necessários para a sua realização. A partir do final do século XVIII, e principalmente com a ascensão do Romantismo, esta tendência de valorização do gênero se acentuou ainda mais, levando os teóricos e administradores do século XIX a dedicarem enormes esforços intelectuais e materiais à promoção da pintura histórica como manifestação da identidade de uma nação e do nível de civilização de um povo. Nas palavras de um crítico brasileiro da época, que invocou a ortodoxia do pseudônimo ‘Giorgio Vasari’ para abalizar as suas opiniões, só se propunha ao artista representar algum acontecimento na forma de uma pintura histórica quando este importava “no seu conceito, a vida moral de um povo”.

Existe ainda uma razão mais específica para se atribuir aqui atenção especial à pintura histórica. Dentre todos os tipos de representação da Guerra do Paraguai, foi ela a que mais absorveu verbas dos cofres públicos brasileiros. Em uma série de encomendas oficiais e aquisições pelo Estado, iniciada em 1868 pelo então ministro da Marinha e futuro Visconde de Ouro Preto, Afonso Celso de Assis Figueiredo, e continuada depois da Guerra por outros ministros liberais e conservadores e ainda pelo Imperador, a Nação procedeu à compra dos símbolos da sua própria nacionalidade afirmada nos campos de batalha, senão sistematicamente, pelo menos com uma regularidade suficiente para abastecer a pinacoteca da AIBA e uma série de órgãos públicos com diversas obras de Victor Meirelles de Lima, Pedro Américo de Figueiredo e Mello e outros artistas menos ilustres, mas não menos adquiridos, como Edoardo De Martino. Essas obras encomendadas, mais do que quaisquer outras da época (com a exceção importante dos numerosos retratos do próprio Imperador distribuídos por todo o País), caracterizam-se claramente como exercícios propagandísticos de sustentação da ordem imperial e de definição da nacionalidade brasileira. Até hoje, é impossível examinar a tela monumental de A Batalha de Avahy de Pedro Américo [Figura 1], hoje no Museu Nacional de Belas Artes, sem notar a presença imponente do monograma ‘PII’ situado no alto da sua pesada moldura. Essas obras merecem, portanto, destaque como objetos de estudo, se buscamos definir até que ponto a produção artística da época pode ser entendida como nada mais do que um sustentáculo do sistema social e político do Império.

O primeiro passo para uma avaliação mais complexa da pintura histórica brasileira reside na compreensão do alto valor atribuído às belas-artes como manifestação cultural no século XIX. Um estudo recente da identidade nacional no Segundo Reinado qualifica a pintura histórica e a ópera como “símbolos da respeitabilidade européia da civilização imperial”. Sem dúvida, eram isto também, mas eram bem mais do que isto. As elites urbanas letradas entendiam o desenvolvimento das belas-artes como “a verdadeira escala mensural da civilisação e adiantamento dos povos”, nas palavras bastante típicas de um comentarista da época, e esta opinião era reiterada constantemente não somente em livros como também em jornais: o próprio Jornal do Commercio, órgão pouco afeito a considerações abstratas, não hesitou em invocar “a missão civilizadora” da arte moderna em 1879. ‘Respeitabilidade’ se trata, então, de um termo bastante brando para descrever a importância visceral da pintura histórica como fenômeno cultural. O desafio de desenvolver ou não uma Escola Brasileira de pintura - abrangendo-se aí necessariamente o gênero primordial constituído pela pintura histórica - possuía para as elites do Segundo Reinado dimensões amplas de legitimação da cultura nacional e de revalidação da própria nacionalidade naquela que era considerada a arena mais elevada da disputa entre povos e nações. Não se resumia apenas a uma questão de respeitabilidade, no sentido de cumprir exigências mínimas de decoro e honradez, mas de certa transcendência coletiva. Guardada a enorme distância de meios e modos que separa as duas épocas, o entusiasmo que cercava a recepção levemente favorável de uma obra brasileira no Salon de Paris ou em outros fóruns estrangeiros equivale-se, grosso modo, ao estardalhaço que hoje se faz quando um filme brasileiro concorre ao Oscar ou conquista alguma outra premiação internacional importante. Assim, ao fazer um discurso parlamentar em louvor de Pedro Américo, o deputado liberal Fernando Luiz Osório não hesitou em ocupar o tempo da Câmara dos Deputados com uma relação minuciosa das boas notícias dadas na imprensa europeia ao quadro de A Batalha de Avahy, quando da sua exposição em Florença em 1877. Em uma época em que as competições esportivas entre países inexistiam praticamente e a ciência brasileira mal arriscava seus primeiros ensaios, o triunfo artístico constituía-se em um dos poucos veículos para a manifestação pacífica do orgulho nacional. Não é de se espantar, portanto, que o progresso artístico fosse caracterizado frequentemente como uma questão patriótica e que todo o pesado trem das expectativas para um ‘progresso nacional’ fosse atrelado à sua precária força locomotiva.

O próprio Pedro Américo - que juntamente com Victor Meirelles foi considerado o maior expoente da pintura brasileira entre as décadas de 1860 e 1880 - manifestou mais de uma vez a sua consciência da alta responsabilidade patriótica encerrada no trabalho de fazer arte. Em concorrido discurso que pronunciou em 1870 na presença do Imperador, por ocasião da inauguração do curso de estética e história da arte na AIBA, o insigne pintor descreveu os artistas como “verdadeiros prophetas da civilisação” engajados “nas batalhas do progresso”. Até aí, nada de excepcional, pois a invocação dos conceitos geminados de ‘progresso’ e ‘civilização’ era absolutamente corriqueira para a época, tanto ou mais do que se faz hoje em dia o emprego dos termos ‘competitividade’ e ‘globalização’. O aspecto mais interessante desse discurso, pronunciado exatamente três semanas após o término oficial da Guerra do Paraguai, reside na associação curiosa que Pedro Américo faz entre os esforços bélicos da nação brasileira e seus próprios esforços como pintor e professor da AIBA. Dando continuidade a seu raciocínio sobre os artistas como obreiros do progresso, ele propõe a inauguração do seu curso como prova de que a Guerra, longe de esgotar as riquezas do Brasil, “não fez mais do que desencadear as torrentes da nossa actividade intelectual”. Na ótica de Américo, a vitória militar trazia a certeza de uma nova “era de prosperidade” em que “o genio nacional” se afirmaria com vigor redobrado. Diante dessa perspectiva, seu discurso enfatiza a necessidade urgente de investir na educação dos artistas, “cujas producções hão de ser o symbolo dos nossos tempos, quando os seculos vindouros interrogarem anhelantes os codices do passado”. Do ponto de vista dos séculos vindouros anelantes, estas afirmações são especialmente reveladoras em função do momento histórico em que foram feitas: logo após o final da Guerra mas antes que viessem à tona (a partir de 1871) as principais representações das suas batalhas na forma de pinturas históricas, inclusive aquelas de autoria do próprio Pedro Américo. Seu discurso prenuncia, e quase que enuncia de modo programático, a enorme repercussão crítica e ideológica que seria atingida por alguns desses quadros, culminando, conforme veremos adiante, nas ‘batalhas’ da opinião pública em torno da 25ª Exposição Geral de Belas-Artes, ou Salão de 1879. Por enquanto, o que importa é registrar a consciência nítida que possuía o artista de estar engajado em um processo de produzir os símbolos do seu tempo.

Quem conhece um pouco a biografia e os escritos de Pedro Américo saberá que não convém atribuir importância demasiada à sua autocontemplação quase ilimitada. Não é surpreendente que um homem que, além de se considerar o maior pintor do seu tempo, gabava-se de ter refutado Bacon, Kant e Comte no terreno da filosofia e ainda se arriscava como romancista, atribuísse às suas próprias obras um alto valor histórico. No entanto, suas pretensões ganham maior peso quando se constata que vários contemporâneos também percebiam o teor eminentemente patriótico e civilizatório do seu trabalho de artista, e não somente do seu mas também daquele do seu colega mais graduado Victor Meirelles. Surgem por volta de 1872, de diversas fontes críticas, afirmações estabelecendo uma equivalência singular entre os esforços bélicos e artísticos brasileiros e espelhando, por conseguinte, a curiosa visão de Pedro Américo que propunha a “glória nacional” como “filha legitima” do encontro entre as conquistas militares da guerra e as conquistas intelectuais da paz. Naquele ano, é lançado em Lisboa um panfleto do crítico Pessanha Póvoa intitulado Heroes da Arte: Pedro Americo e Carlos Gomes, com o intuito de consagrar os dois ‘gênios’ nacionais e também de apontar a importância de Manoel de Araújo Porto-Alegre, então cônsul brasileiro em Lisboa, como fomentador de uma nova era na arte e na música no Brasil. Em trecho significativo do seu opúsculo, o crítico descreve Pedro Américo como “patriota” e “heroe”, comparando-o aos bravos da Guerra cujos nomes passavam a denominar as ruas rebatizadas de todas as cidades brasileiras, feito idêntico ao do próprio pintor na sua província natal. Apenas dois anos depois de um conflito que havia custado ao lado brasileiro pelo menos 50 mil vidas e ainda em meio às manifestações ostensivas de homenagem a essas perdas humanas, corria o risco de ser interpretada como quase ofensiva essa equivalência estabelecida entre um pintor que passou a maior parte da Guerra longe do solo americano e os heróis sacrificados pela Pátria no seio do continente. Todavia, o tratamento dispensado a Pedro Américo e a Victor Meirelles nesse período pós-Guerra insistia em qualificá-los de heróis e guerreiros. Assim a Semana Illustrada publica, em julho de 1872, um poema de Antônio Álvares em homenagem à tela de Victor Meirelles representando o Combate Naval de Riachuelo, destruída em 1877-1878 e cuja cópia de 1883 encontra-se atualmente no Museu Histórico Nacional [Figura 2] , no qual o poeta descreve o pintor como um “[m]agno heroe, quasi outro Barroso”, em referência hiperbólica ao almirante que comandou a esquadra brasileira naquela ocasião e que figura proeminentemente no quadro referido. Tal comparação talvez fosse menos inadequada no caso de Victor Meirelles, o qual passou dois meses na frente de batalha executando estudos para seus quadros e assistiu, inclusive, à tomada da fortaleza de Humaitá em 1868. Mesmo assim, soa estranha a estatura heroica atribuída aos dois artistas, a menos que se leve em consideração a alta importância da pintura histórica como veículo de legitimação da nacionalidade e das aspirações brasileiras de enquadrar-se no rol dos países civilizados.

Não pode restar dúvida que a Guerra do Paraguai foi um marco fundamental - talvez o marco fundamental - na cristalização da identidade nacional durante o Segundo Reinado. A contraposição obsessiva que passou a se fazer entre a ‘civilização’ e a ‘barbárie’ foi, conforme afirma Francisco Alambert, herança de uma guerra na qual as elites de todas as regiões brasileiras optaram livremente por participar de um projeto conjunto de nacionalidade, assentado nos valores liberais da moderna Europa. Em uma conjuntura histórica em que os autodenominados ‘civilizados’ se reservavam, nas palavras de Ricardo Salles, “o direito de militarmente civilizar os seus diferentes”, a construção cultural da diferença tornava-se uma tarefa vital para a sobrevivência da própria Nação e de todos os interesses regionais e valores culturais nela subentendidos. Afinal, se o Paraguai podia ser condenado ao ostracismo internacional por sua suposta ‘barbaridade’ e abandonado à terrível vingança de seus vizinhos mais poderosos, o que impedia outros países mais ‘civilizados’ de impor sanções semelhantes ao Brasil por suas próprias manifestações de barbárie como, por exemplo, a manutenção do regime escravagista? Mais do que qualquer outro tipo de realização, a existência de uma produção artística do nível mais elevado - notadamente nos gêneros reconhecidamente sublimes da pintura histórica e da ópera - comprovavam o direito do Brasil a posicionar-se do lado dos civilizadores e não dos civilizáveis. Essa produção cultural servia não apenas para distrair as próprias elites que relutavam em enfrentar as realidades opressivas da sociedade brasileira, como sugere Richard Graham, mas também para construir uma imagem aceitável para consumo externo. Daí, explica-se a grande importância atribuída por comentaristas da época à recepção crítica da arte brasileira no exterior, bem como sua tendência consequente a exagerar os ‘triunfos’ de figuras como Pedro Américo e Carlos Gomes. Daí, entende-se também a reticência do público estrangeiro em assimilar aquela arte de aparência ‘civilizada’ oriunda de um país evidentemente ainda tão ‘bárbaro’ em pelo menos um sentido importante. A aceitação ou não da pintura histórica brasileira, tanto dentro quanto fora do País, punha em xeque toda uma série de pressupostos básicos sobre o sentido da nacionalidade e a posição do Brasil em relação às outras nações. É interessante que, até hoje, as imagens produzidas no gênero tendam a suscitar duas reações opostas: ou são invocadas, sem nenhuma problematização, como ilustrações factuais de eventos históricos (o que ocorre frequentemente com o seu uso em capas de livros didáticos), ou então são rejeitadas terminantemente como mera propaganda política, sem nenhum valor histórico. Para desconstruir tanto uma quanto a outra dessas visões esquemáticas, é preciso entender melhor o contexto exato da sua produção e recepção.

As ‘Batalhas’ das Batalhas

Não é por acaso que as críticas acima citadas datam do ano de 1872. A 22ª Exposição Geral de Belas-Artes, ou Salão de 1872, reuniu três grandes telas históricas que conferiram àquele certame um sentido nítido de comemoração da vitória das armas brasileiras no Paraguai. Eram estas: a Batalha de Campo Grande [Figura 3] , hoje no Museu Imperial), de Pedro Américo, o Combate Naval de Riachuelo e a Passagem de Humaitá (hoje no MHN) [Figura 4], ambas de Victor Meirelles e ambas produzidas em decorrência da encomenda pela Marinha em 1868, citada acima. Não era a primeira vez que figuravam nos Salões da AIBA obras retratando incidentes da Guerra do Paraguai. Desde o início do conflito, haviam sido expostos diversos trabalhos ligados à temática guerreira como, por exemplo, um esboço de Antônio Araújo de Souza Lobo retratando o Passeio dos Voluntários da Pátria pelas Ruas do Rio de Janeiro, que participou do Salão de 1865. O Salão de 1870 chegou mesmo a receber pelo menos três obras importantes representando incidentes da Guerra: a primeira, o Bombardeamento do Forte de Itapirú pelo Encouraçado Tamandaré, novamente de Souza Lobo, que foi agraciado com uma segunda medalha de ouro; a segunda, uma outra Passagem de Humaitá, de Edoardo De Martino; e a terceira, a estátua eqüestre de Sua Majestade D. Pedro II em Uruguaiana (hoje no MHN), de Francisco Manuel Chaves Pinheiro [Figura 5], cujo modelo já havia sido exposto no Salão de 1866, e a qual ocasionou a promoção do seu autor ao grau de Oficial da Ordem da Rosa. No entanto, nenhuma dessas obras anteriores cumpria as exigências convencionais necessárias para ser considerada uma pintura ou escultura histórica em grande estilo. No caso do Bombardeamento de Itapirú de Souza Lobo, a comissão julgadora que lhe atribuiu a medalha chegou mesmo a explicitar que não se tratava de um quadro histórico, mas de uma “Marinha agradável de efeito”. As muitas telas pintadas por Edoardo De Martino retratando incidentes da Guerra eram, igualmente, contempladas pelos cânones da época como ‘marinhas’, de interesse puramente topográfico, descritivo ou de registro. A única exceção possível seria a estátua equestre de Chaves Pinheiro, que sem dúvida se encaixava nos padrões vigentes para a grande escultura histórica, mas que teve o triste destino de nunca ser fundida em bronze por causa da recusa do Imperador de aceitar a subscrição pública realizada em 1871 com a finalidade de transformá-la em um monumento em sua homenagem. Visando uma outra espécie de propaganda imperial, bem diferente do tipo sob consideração aqui, Pedro II ordenou que o dinheiro fosse aplicado ao ensino público. O Salão de 1872 foi, então, a primeira ocasião em que os olhares da Nação se voltaram, com a devida circunstância envolvida na fabricação da pintura histórica, para uma apreciação artística dos eventos de 1865-1870. O crítico apelidado ‘Frascati Mangini’, do Jornal do Commercio, confirmou esta percepção, descrevendo o Salão como um “arsenal das artes e de guerra” e ironizando a presença de sentinelas armados como uma providência necessária para evitar conflitos entre “os pacificos visitantes” e os “ferozes guerreiros paraguayos” que apareciam em um dos quadros em exposição.

Antes de prosseguir, cabe uma digressão sobre a natureza da pintura histórica. O que diferencia as duas versões já citadas da Passagem de Humaitá, uma de Edoardo De Martino e a outra de Victor Meirelles, e por que somente a última era considerada representante digna do gênero da pintura histórica? Deve-se admitir, desde o início, que, a distinção era mais ou menos convencional e que não havia regras fixas para se determinar os limites precisos entre um e outro tipo de pintura. Voltando à analogia com o cinema, delimitar a pintura histórica é tão difícil quanto definir o que é um filme ‘de arte’ em contraposição a um filme ‘comercial’: todo mundo sabe a diferença, mas é quase impossível chegar a uma fórmula genérica que abranja os casos limítrofes. Basta dizer que existia consenso suficiente entre críticos, artistas e professores para que raramente surgisse qualquer dúvida em relação a um quadro específico. De modo geral, os critérios mais importantes giravam em torno de três pólos que podem ser exprimidos pelas seguintes dobradinhas: tema/composição, formato/porte, execução/acabamento. Em todos os casos, a pintura histórica exigia que o artista atingisse o grau mais alto de dificuldade e de perfeição em relação a esses três pólos e, o que equivalia à mesma coisa na concepção acadêmica do século XIX, que o quadro evidenciasse um elevado investimento intelectual (literário, estético, filosófico, histórico). A base fundamental da pintura histórica era, evidentemente, seu compromisso em representar os ‘fatos’ históricos, se bem que existia uma enorme folga na definição da historicidade de qualquer episódio. Não bastava, porém, retratar os acontecimentos com precisão ou verossimilhança; era essencial que os fatos fossem representados sob uma ótica idealizada, para que a imagem transmitisse não apenas o evento ocorrido, mas ainda suas implicações morais. O quadro que atingisse todos esses critérios era considerado, pelos cânones acadêmicos, um exemplar da pintura à la grande manière.

Em lugar nenhum do mundo, a pintura histórica conseguia ‘se pagar’ sem o apoio do poder público. Convencionou-se desde cedo que os quadros históricos deveriam ser executados em grande formato, às vezes atingindo tamanhos monumentais e requerendo investimento pesado de materiais, estudos e mão-de-obra. A partir do século XVII, eram executados quase que exclusivamente para ornar palácios e outros ambientes ligados à pompa monárquica. Os novos colecionadores de arte do século XIX, oriundos na sua maioria das classes emergentes da burguesia comercial e industrial, tendiam a desprezar a pintura histórica, optando por investir em quadros geralmente de porte menor e de temática mais adequada aos ambientes particulares e domésticos onde seriam expostos. De modo geral, encontravam-se em ascensão no século XIX a pintura de paisagem e a chamada pintura de gênero (quadros narrativos, retratando incidentes e episódios geralmente literários ou domésticos), bem como a pintura de retratos que manteve a sua importância anterior, ampliando o seu alcance para toda uma nova classe de sujeitos tornados retratáveis pelo poder do dinheiro. O ocaso das monarquias absolutistas representou, portanto, uma crise para a pintura histórica: quem iria custear as produções nesse gênero máximo das belas-artes? De modo geral, na Europa como nas Américas, foi o próprio poder estatal que se incumbiu de fazê-lo, apropriando-se de mais essa prerrogativa real em prol da consolidação da ordem cívica liberal. Mas, não sem enfrentar a oposição ocasional de críticos que não aceitavam o uso do dinheiro público para a promoção da arte, principalmente para projetos nos moldes dos antigos programas de glorificação do rei. Para os artistas, que continuavam a ser formados com a mesma visão da pintura histórica como culminação natural dos seus esforços, o desafio passou a ser o de obter encomendas para a produção dessas grandes obras. No Brasil, onde o interesse político por arte tendia a ficar nos discursos, eram raras as encomendas públicas, e as poucas aquisições feitas pela família imperial e pelo governo (geralmente através da AIBA, para a sua pinacoteca) eram disputadíssimas.

A partir desses dados sobre a importância da pintura histórica dentro do próprio meio artístico da época, é possível começar a entender as discussões em torno dos quadros guerreiros executados por Victor Meirelles e Pedro Américo durante a década de 1870. A carreira de pintor histórico de Pedro Américo iniciou-se, efetivamente, com sua Batalha de Campo Grande, que mereceu uma exposição especial na AIBA ainda em 1871. O pintor contava então 28 anos e estava recém chegado da Europa, onde passara a maior parte dos doze anos anteriores estudando na Ecole des Beaux-Arts de Paris e na Sorbonne, e era conhecido no meio artístico da Corte como o pintor de A Carioca (cuja cópia de 1884 está no MNBA) [Figura 6], quadro alegórico que era sua obra de maior expressão até então. Por ser o seu primeiro quadro histórico, Batalha de Campo Grande representava para Pedro Américo uma ascensão nítida dentro da carreira artística: finalmente ele começava a se afirmar no gênero máximo da época e a fazer frente a Victor Meirelles, que havia conquistado reconhecimento universal como pintor histórico com a tela A Primeira Missa no Brasil (no MNBA) [Figura 7], exposta no Salon parisiense em 1861 e no seu equivalente brasileiro no ano seguinte. Primeira Missa foi um sucesso imediato, sendo considerado pelos seus contemporâneos o primeiro quadro histórico digno desta alcunha produzido no Brasil e conquistando para seu autor o grau de Cavaleiro da Ordem da Rosa (concedida no mesmo ano a Carlos Gomes). A reputação de Victor Meirelles estava, portanto, em seu auge na época da Guerra do Paraguai, o que justifica a escolha de seu nome para realizar a encomenda de 1868. Mesmo assim, esta despertou inveja nos partidários de Pedro Américo, que iniciaram uma campanha para que o governo imperial adquirisse também a Batalha de Campo Grande. Na sessão de 28 de agosto de 1871, os deputados pelo Rio Grande do Norte, Francisco Gomes da Silva Júnior, e por Minas Gerais, Luís Carlos da Fonseca, propuseram na Câmara que se comprasse o quadro, iniciativa que encontrou apoio imediato nas páginas do jornal A República, então em seu primeiro ano. Outras vozes juntaram-se à campanha: um crítico que usava o pseudônimo ‘Arseos’ lançou em forma de livro um estudo ‘estetigráfico’ do quadro e concluiu que o governo devia não somente comprar este “monumento da gloria nacional” como também reformar a Academia e colocar Pedro Américo no cargo de diretor, então ocupado interinamente pelo vice-diretor Ernesto Gomes Moreira Maia. O jornalista Otaviano Hudson lançou em forma de panfleto um apelo similar, conclamando o governo a remunerar o artista que cobria de glória a nação e comparando-o a Horace Vernet, artista recém falecido que foi considerado em seu tempo o maior pintor de batalhas francês e, talvez, da Europa. A esperança desses críticos era, naturalmente, que o governo aproveitasse a ocasião da Exposição Geral próxima para contemplar Pedro Américo com um prêmio de aquisição, o que não ocorreu diretamente. Ao invés, tanto ele quanto Victor Meirelles saíram do Salão de 1872 com a condecoração de Comendador da Ordem da Rosa.

Pouco tempo após o término do Salão de 1872, ocorreu a encomenda mais importante feita até então pelo governo imperial, partindo desta vez do próprio ministério do Império. Em agosto e setembro daquele ano, o ministro conservador João Alfredo Correia de Oliveira incumbiu Pedro Américo e Victor Meirelles de executarem, cada um, um quadro histórico de assunto brasileiro, fazendo igualmente uma encomenda ao arquiteto Francisco Joaquim Bethencourt da Silva. Cada artista recebeu um adiantamento de dez contos de réis, o que já colocava o vulto da encomenda acima dos 16:000$000 pagos a Victor Meirelles pelas duas telas executadas para a Marinha. Após alguma indecisão inicial, ficou acertado que os temas dos quadros seriam A Batalha de Avahy, para Pedro Américo, e a Primeira Batalha dos Guararapes [Figura 9], para Victor Meirelles (ambas hoje no MNBA). Essas obras só foram terminadas a tempo de participarem do Salão de 1879, onde se tornaram o epicentro da grande ‘batalha’ crítica que polarizou as opiniões da época entre os partidários de um e de outro artista. Antes, porém, de examinar a recepção destas últimas obras, cabe acompanhar a trajetória pós-1872 das três telas anteriores, as quais seguiram para uma breve, porém interessante carreira no exterior.

Após uma presença negligível nas exposições internacionais de 1851 e 1855, o Brasil logrou sua primeira participação oficial importante na Exposição Internacional de 1862, em Londres. Apesar de possuir obras de mérito incontestável como A Primeira Missa no Brasil e da muita atenção dada à classe das belas-artes nas Exposições Nacionais de 1861 e 1866, o País não se fez representar nessa área nem em 1862 e nem na Exposição Universal de 1867, em Paris. A opinião geral sobre a conveniência de se mostrar lá fora a produção artística brasileira parece ter sido próxima da visão exprimida por Henrique César Muzzio, que serviu de secretário para a classe das belas-artes na primeira Exposição Nacional, quando escreveu que uma “nação que ainda hontem tomou logar no banquete da civilisação” não podia “hombrear já com as nações que nos precederam de ha muito”. É notável, então, que a arte brasileira tenha conseguido registrar sua primeira presença nos grandes espetáculos da era industrial somente na Exposição Universal de 1873, em Viena, representada por Pedro Américo e Edoardo De Martino, ambos dos quais enviaram obras retratando episódios da Guerra recente. É preciso ressaltar, no entanto, que nenhum dos dois foi exposto como representante oficial do Brasil. Alegando a impossibilidade de se montar uma sala brasileira para acolher apenas dois artistas - um dos quais nem brasileiro era, pois De Martino estava radicado no Brasil há uns cinco anos àquela altura - os organizadores colocaram as duas telas de Pedro Américo (Batalha de Campo Grande e A Carioca) nos salões da Bélgica (presumivelmente, por ele haver feito o seu doutorado naquele país) e De Martino nas galerias espanholas (não se sabe por quê, pois era italiano de origem).

Já na Exposição Centenária de 1876, na Filadélfia, a arte brasileira esteve bem melhor representada, ocupando parte de duas salas com 21 obras de pintura, desenho e escultura, além de um número maior de fotografias e, ainda, um único trabalho de arte aplicada. Um dos documentos mais divulgados que surgiu dessa exposição foi o álbum comemorativo Frank Leslie’s Historical Register of the United States Centennial Exposition, 1876, o qual chegou a noticiar a participação da arte brasileira nos seguintes termos lacônicos e um tanto atrapalhados:

O Brasil mostra três ou quatro obras de grandes dimensões, três das quais representam combates navais, incidentes da Guerra do Paraguai, duas delas sendo de Victor Meirelles de Lima, do Rio de Janeiro. Uma destas, a de n° 7, que mede cerca de 16 por 10 pés, “A Esquadra Encouraçada Brasileira Passando por Humaitá”, é uma imagem notável, na qual o atual Imperador, Dom Pedro, aparece em pé na proa do navio capitânia acenando com o seu quepe enquanto a esquadra se lança pelo meio do combate cerrado, que é travado do lado paraguaio a partir de jangadas, pequenos barcos, e embarcações incapacitadas e demolidas.

A dimensão cômica do texto advém de dois erros graves cometidos pelo crítico: primeiramente, o de atribuir incorretamente o tema ‘Passagem de Humaitá’ ao quadro que representa o Combate Naval de Riachuelo (o que se evidencia pela descrição feita da tela) e, em segundo lugar, o de confundir a figura do Almirante Barroso com D. Pedro II. É interessante, porém, que esses erros não resultam de uma falta de atenção do crítico para com a obra em si. Ao contrário, ele estudou a composição suficientemente bem para identificar, corretamente, o encouraçado Amazonas como o navio que levava o pavilhão do almirante. Não é difícil entender que ele tenha confundido a pequena figura de Barroso, de barba ampla e grisalha, com o próprio Imperador, cuja imagem começava a tornar-se conhecida do público norte-americano justamente em função de sua presença na Exposição. O mais revelador, no contexto das duas exposições, é que a arte brasileira tenha buscado se representar através de quadros históricos de grandes dimensões e, especialmente, quadros mostrando episódios da Guerra do Paraguai. Pode-se atribuir essa iniciativa, em grande parte, ao anseio dos comissários brasileiros de mostrar a proficiência nacional nesse gênero tão importante que era a pintura histórica, conforme discutido acima. Não se pode negar, todavia, que houvesse também um interesse nítido em representar/apresentar a Guerra para o público estrangeiro como exatamente aquilo que o crítico do Frank Leslie’s entendeu: a vitória esmagadora de uma força moderna e civilizada sobre a jangada demolida do atraso paraguaio. De um jeito ou do outro, o impacto foi suficiente para garantir uma premiação para o quadro.

Na sequência do Salão de 1872, da encomenda João Alfredo e das participações em Viena e Filadélfia, o cenário estava todo preparado para o grande confronto entre o detentor Victor Meirelles e o pretendente Pedro Américo para o título de maior pintor histórico do Brasil. Não cabe aqui reiterar os acontecimentos que marcaram a chamada ‘questão artística de 1879’, o que já foi feito de modo satisfatório em outros locais. Cabe apenas ressaltar que a disputa acabou por tomar um caráter extremamente pessoal, com o público em geral e a imprensa em particular dividindo-se em facções irreconciliáveis. Poucos permaneceram neutros e as discussões assumiram rapidamente um tom de ofensas e agressões abertas, culminando em uma troca de acusações de plágio desencadeada pelo literato Mello Morais Filho em um artigo de abril de 1879 na Gazeta de Notícias. No contexto da presente discussão, o que importa são as divisões teóricas e estéticas que os críticos quiseram impor aos dois artistas: por exemplo, um dos grandes pontos de discordância girou em torno das tentativas de rotular um e outro artista como sendo adepto da escola ‘realista’ de pintura, em contraposição ao que se entendia então como a tradição ‘idealista’ dos cânones acadêmicos. Embora as linhas ideológicas por trás dessa divisão permanecessem, no mínimo, mal definidas no cenário artístico nacional, não resta dúvida de que houve aí o propósito de forçar um alinhamento da discussão em relação às grandes questões políticas e sociais do dia, dentre as quais se deve destacar o desafio republicano ao sistema monárquico.

Posturas Críticas e Imposturas Políticas

O Salão de 1879 até hoje não foi superado, pelo menos em termos de afluência de público, por nenhuma outra exposição de artes plásticas realizada no Brasil, nem mesmo as Bienais de São Paulo. Em uma época em que a população do Rio de Janeiro contava cerca de 300.000 habitantes, o Salão recebeu 292.286 visitantes ao longo de um período de 62 dias. Foi um avanço espetacular sobre a cifra de 63.959 visitantes ao Salão de 1872. Tem-se atribuído esse sucesso, tradicionalmente, à enorme repercussão jornalística da disputa entre Victor Meirelles e Pedro Américo. De fato, a ‘batalha’ das batalhas gerou não somente um volume considerável de artigos, charges e cartas à imprensa, entre os meses de março e maio de 1879, como também uma fascinante radiografia dessas discussões e do cenário artístico nacional na forma do livro O Quadro da Batalha dos Guararapes, seu Autor e seus Críticos, publicado em 1880 pelo crítico pernambucano Rangel de São Paio, em defesa de Victor Meirelles. Cada artista teve seus defensores e apologistas, dentre os quais vale a pena destacar, do lado de Victor, não apenas Rangel de São Paio (que escreveu no Jornal do Commercio) mas também Mello Morais Filho (na Gazeta de Notícias) e Carlos de Laet, o qual viria a ser um dos grandes apologistas da restauração da monarquia após 1889. Os partidários de Pedro Américo mostraram-se menos dispostos a expor-se publicamente por seu artista, preferindo o anonimato de pseudônimos como ‘Cyneas’ (no Cruzeiro), ‘Dr. X’ e ‘Sr. Y’ (no Repórter), ‘Z’ (na Revista Illustrada) e outros sem assinatura nenhuma, como foi o caso de pelo menos um artigo importante publicado na Revista Musical e de Belas Artes, de propriedade de Artur Napoleão. A questão do anonimato é, por si só, bastante interessante, não pela bizantinice de descobrir as identidades de cada autor, mas em termos da segurança relativa que sentiam os críticos em manifestar abertamente suas opiniões. Não pode restar dúvida de que os partidários de Pedro Américo percebiam em sua atitude algo de contestador e, até mesmo, de transgressivo e, por esta razão, hesitavam em revelar suas verdadeiras identidades. A AIBA era vista por eles como “toda aparentada e acompadrada com o Sr. Victor”, nas palavras de ‘Sr. Y’, o qual se colocava como porta-voz de uma geração de “moços” revoltados contra o domínio injusto dos velhos. Não querendo submeter-se ao arbítrio da Academia, a qual seria “parte interessada”, esses críticos levaram a disputa diretamente “ao publico”, expondo as supostas provas do plágio de Victor Meirelles em plena Rua do Ouvidor onde, segundo Rangel de São Paio, “milhares de pessoas correram a observar o escandalo”.

Apesar de seu tom estridente, os defensores de Pedro Américo sentiam um certo receio no confronto com o poder acadêmico que, por extensão, representava uma ordem institucional mais ampla. O indício mais revelador dessa insegurança relativa está na maneira curiosíssima em que contornaram, recusaram e rebateram com insistência a sugestão de que Américo teria sido um pintor ‘realista’. Dentre os defensores de Victor Meirelles, Rangel de São Paio demonstrou-se o mais equilibrado e o menos disposto a desmerecer o trabalho do outro pintor. Foi nesse espírito de conciliação que, em abril de 1879, escreveu dois artigos, um no Jornal do Commercio e o outro no Mequetrefe, em que propunha que Meirelles e Américo eram representantes de “duas escolas oppostas”, as duas grandes escolas da atualidade: ou seja, respectivamente, a idealista e a realista (ou naturalista). Na segunda parte do artigo no Jornal do Commercio, ele foi mais longe ainda, comparando A Batalha de Avahy a um romance de Zola: “não é uma pintura,” escreveu, “é a propria guerra em campo circumscripto por larga moldura com relevos de ouro”. Com sua disposição de abraçar a obra de Pedro Américo como pintura realista, Rangel mostrava-se atento às tendências europeias, onde o Realismo e o Naturalismo já haviam conquistado plenamente seu espaço institucional. Porém, sua tentativa de conciliar os ânimos através de uma concessão ao pluralismo estilístico não funcionou. A Revista Musical respondeu secamente que tanto um quanto outro pintor pertenciam à mesma escola, “uma escola mais ou menos idéalista”, ainda aproveitando a ocasião para tachar o realismo puro de ‘aberração’. Aliás, não era a primeira vez que os partidários de Américo recusavam o manto de pintor realista para seu pretendente. Nas discussões em torno da Batalha de Campo Grande, em 1871-1872, o crítico ‘Arseos’ fez questão de frisar que o pintor não era “copista servil das creações da natureza na sua fórma physica”. Seu colega ‘Giorgio Vasari’, mostrando-se indignado com as “tendencias desabridamente vulgares e materialistas” da pintura naturalista, insistiu em dissociar delas a obra do artista que ele considerava o fundador da Escola Brasileira. Também o seu biógrafo, Luiz Guimarães Júnior, insistiu muito nas credenciais de Américo como partidário do ecletismo de Victor Cousin, destacando a oposição do artista a uma escola realista “servil, limitada e impotente”. Mas por que tanta revolta contra a sugestão de realismo na pintura de Américo? Sem dúvida, uma parte da explicação se deve à postura do próprio pintor, o qual era conhecido como anti-materialista convicto, gabando-se inclusive de ter refutado os pressupostos teóricos do positivismo com a sua tese de doutoramento De la Liberté de la méthode et de l’esprit de système dans l’étude de la nature, impressa em Bruxelas em 1869 e publicada em segunda edição como La Science et les systèmes. Porém, mais do que a quaisquer convicções filosóficas sobre a dicotomia entre materialismo e idealismo, a recusa do epíteto de ‘realista’ para qualificar as obras de Américo deve-se aos embates políticos que se anunciavam já no início da década de 1870 e que acabariam por transformar não somente o perfil institucional da AIBA como também todo o quadro político nacional.

Faz-se necessária uma breve explicação das implicações ideológicas dos termos ‘realismo’ e ‘naturalismo’ com referência à pintura na década de 1870. Como a maior parte do discurso artístico no Brasil imperial, o emprego desses termos seguia o uso da crítica francesa, a qual vinha aplicando-os, primeiramente com prevenção, e, depois, com frequência e entusiasmo crescentes, desde a década de 1850. Na pintura francesa, especificamente, os maiores vultos do movimento que ficou conhecido como Realismo foram Jean-François Millet, Gustave Courbet e Édouard Manet, os quais produziram - a partir do final da década de 1840 no caso dos dois primeiros, e a partir do final da década de 1850 no caso do último - imagens representando as duras realidades sociais e políticas da época, ecoando geralmente a influência dos ideais socialistas de 1848 e assumindo, às vezes explicitamente, uma oposição crítica ao estado imperial de Napoleão III. A tradução pictórica da atitude realista consistia principalmente em representar de maneira deliberada e detalhada - e até mesmo de valorizar - elementos omitidos da pintura tradicional por convenção, tais quais o ambiente urbano, o trabalho e os trabalhadores, a miséria, a violência e a sexualidade. O desafio era de retratar a vida moderna pela sua modernidade, no sentido elaborado por Charles Baudelaire, e a palavra de ordem, na citação famosa de Honoré Daumier, era: “il faut être de son temps”. As ligações com o naturalismo literário de Zola acabaram por tornar-se estreitas, principalmente após o final da década de 1860. Dos três pintores citados, Courbet foi de longe o mais associado na opinião pública da época com a proposta de um realismo engajado radicalmente com o republicanismo, o socialismo e a ‘verdade’ pictórica a qualquer custo. Sua trajetória como artista foi turbulenta, gerando embates constantes com os meios institucionais da arte ao longo das décadas de 1850 e 1860 e culminando com sua eleição como conselheiro durante a Comuna de Paris em 1871 e sua elevação concomitante ao cargo de chefe da federação dos artistas, o que lhe valeu uma prisão de seis meses após a derrota dos communards.

A fama de Courbet correu mundo, levando junto a ideia do realismo pictórico como um desafio aos valores tradicionais da arte e como algo indelevelmente associado às causas republicana e socialista. É nesse sentido que se encontra uma menção do “comunista Courbet” no livro de 1880 de Rangel de São Paio. Seguindo o consenso da crítica francesa da época, Rangel já admitia o realismo como procedimento artístico, argumentando (de modo quase positivista, por sinal) que a estética não tinha o direito de excluir uma ou outra escola “sob pena de introduzir na sciencia a paixão e a parcialidade”, mas não conseguia, aparentemente, dissociar essa prática pictórica do legado político de 1871. O processo de transposição, tradução e assimilação de conceitos e ideologias da Europa para o Brasil raramente é simples ou direto e não existe razão para achar que tenha sido diferente no caso da dicotomia ‘realismo’ e ‘idealismo’. Ao contrário, tudo indica que o uso desses termos tenha sido cercado por confusões, perversões e, até mesmo, subversões, como é o caso de uma charge de 1867 na Semana Illustrada que compara o pintor idealista, que pinta pela glória, com o pintor realista, que pinta pelo dinheiro [Figura 9]. Pode-se afirmar com alguma segurança, porém, que o realismo era percebido pelas elites do Segundo Reinado como uma doutrina ligada ao republicanismo e ao socialismo, principalmente após os acontecimentos traumáticos de 1871 em Paris. Não é de se surpreender, portanto, que os partidários de Pedro Américo quisessem, em 1871-1872, dissociar seu nome de qualquer aproximação com os realistas franceses, mesmo que fosse puramente no sentido formal ou estilístico. Afinal, se já era difícil ganhar a vida como pintor no Brasil, seria praticamente impossível obter qualquer encomenda oficial sem a boa vontade do Imperador e de um governo que, entre 1868 e 1878, foi dominado pelo partido conservador.

A proposição de que Pedro Américo - através dos seus defensores na imprensa - tenha rejeitado o título de ‘pintor realista’ por temer as consequências de uma suposta ligação ao republicanismo, leva logicamente a questionar se poderia ter existido, sob qualquer hipótese, tal ligação. Afinal, os indícios pós-1889 levam a crer que Américo era, e talvez sempre fora, um ‘republicano por índole’, como o qualificou seu genro e biógrafo, já em plena República. Sem dúvida alguma, Pedro Américo continuou a se notabilizar no período republicano não somente pela sua atuação como deputado constituinte em 1890-1891 mas também como o autor de importantes imagens de sustentação da ideologia republicana, como o Tiradentes Esquartejado, de 1893 (hoje no Museu Mariano Procópio) [Figura 10] e Paz e Concórdia (hoje no MASP) [Figura 11]. Qualquer visão retrospectiva dos acontecimentos da década de 1870 pela ótica do seu republicanismo tardio corre o risco, todavia, de obscurecer as estreitas ligações profissionais e pessoais que Américo continuou a manter com o Império e com o próprio Imperador até o final do Segundo Reinado. Em 1886, o pintor foi promovido ao grau de Grande Dignitário da Ordem da Rosa; em 1888, sua tela histórica O Brado do Ipiranga (hoje no Museu Paulista) [Figura 12] foi comprada pelo governo imperial e inaugurada em Florença na presença de Suas Majestades Imperiais e de Suas Altezas Reais; e, em pleno 1889, ele participou da Exposição Universal de Paris como representante do governo imperial em um congresso para a proteção de monumentos históricos. Essa sua facilidade evidente em estar sempre na graça do poder institucional vigente milita contra qualquer atribuição de um posicionamento ideológico mais radical. Mesmo assim, há indícios instigantes de que o movimento republicano incipiente quis, nos idos de 1871 a 1872, se apropriar da estatura ‘heroica’ de Pedro Américo como gênio nacional e que, visando esta finalidade, tenha contribuído de modo significativo para a construção da aura mítica que passou a cercar seu nome em função de suas pinturas da Guerra do Paraguai.

A recepção crítica dos quadros guerreiros de Pedro Américo durante a década de 1870 indica um apoio intenso no meio republicano a seu trabalho. Pode-se dizer, sem medo de errar, que a imprensa republicana foi decisiva no processo de projetar o jovem ‘pintor de A Carioca’ para o patamar de igualdade com Victor Meirelles que atingiu após 1879. A primeira manifestação desse apoio ocorreu por volta da época da exposição inicial da tela em meados de 1871, quando o jornalista (e signatário do Manifesto Republicano de 3 de dezembro de 1870) Otaviano Hudson, lançou o seu opúsculo Pedro Americo, Pintor de Batalhas. Descripção do Quadro Historico da Batalha de Campo-Grande. Essa pequena brochura não poderia ter sido mais republicana - foi escrita por um fundador do partido e impressa na própria Typographia da República - e nem mais patriótica - a receita proveniente da sua venda era destinada, segundo aviso na capa, “ao Asylo de Voluntarios da Patria e á Sociedade Portugueza de Beneficencia”. Seu texto exaltava Pedro Américo como “celebre pintor de batalhas”, colocando-o em primeiro lugar nesta especialidade, e inserindo-o em verdadeiro cânone dos artistas que “estão sendo hoje a gloria dos seus contemporaneos”, o qual incluía vultos da estatura de José de Alencar e Gonçalves Dias, João Caetano e Carlos Gomes, e, é claro, Victor Meirelles. Américo era retratado pelo jornalista como “moço, pobre, sem proteção” (apesar de ter sido pensionista direto do Imperador por seis anos, durante seus estudos em Paris) e, portanto, seu ‘triunfo’ era apresentado como uma vitória daquilo que Hudson apelidou “a religião do trabalho”. Percebe-se claramente a tentativa de construir em torno da tela de Pedro Américo um complexo de ideias que associava a causa republicana a patriotismo, coragem, juventude e trabalho.

O apoio da imprensa republicana se manteve constante durante a campanha para obter a compra da Batalha de Campo Grande pelo governo imperial. Menos de uma semana depois da proposta dos deputados Gomes da Silva e Luís Carlos na Câmara, o órgão do partido republicano A República, então em seu primeiro ano de existência, iniciou uma série de artigos dedicados a Pedro Américo e a seu quadro. Não faltaram elogios a ambos: desde a “atrevida concepção” e “arrojada execução” da tela até à eleição de Américo como “o nosso mais inspirado pintor”, um julgamento no mínimo pouco ortodoxo naquele momento em que o artista era visto mais como um jovem promissor do que como um rival sério de Victor Meirelles. Não faltaram igualmente críticas ao descuido do governo imperial para com as belas-artes e ainda à falta de heroísmo de um século que preferia uma arte adequada aos “palacios voluptuosos dos altos financeiros”, como Rothschild, a uma arte viril de batalhas e glórias. A culminação dessa campanha em A Republica veio em 10 de outubro de 1871 quando ninguém menos do que Quintino Bocayuva dirigiu uma carta emotiva a Pedro Américo, saudando-o como “genio americano”, e expressando sua compaixão e melancolia pela certeza de que o pintor seria inevitavelmente “atraiçoado pelo destino”, relegado à pobreza e ao esquecimento pela injustiça de uma sociedade na qual o favoritismo e a proteção garantiam futuro não para o “homem que sabe fazer grandes quadros” mas apenas para aquele que sabe “fazer eleições”. O líder republicano termina sua carta melodramática chamando Américo de idiota, “idiota como eu”, e como tantos outros que abrem mão das politicagens da vida prática em prol da atmosfera nebulosa das fantasias. Mais uma vez, o ‘gênio’ e a ‘grandeza’ do artista servem como pretexto para contrastar as virtudes republicanas de virilidade e integridade com um sistema imperial viciado e corrupto.

Esse apoio republicano a Pedro Américo persistiu durante os embates com Victor Meirelles em 1879, principalmente na defesa apaixonada do crítico ‘Cyneas’ nas páginas de O Cruzeiro, jornal de tendência republicana dirigido por Quintino Bocayuva. Se o próprio artista correspondeu deveras a esses avanços republicanos ou se apenas aproveitou-se deles como parte de uma estratégia de autopromoção, é algo que dificilmente poderá ser determinado a partir da documentação conhecida; mas isto pouco importa em termos da presente discussão. O que importa mesmo é constatar que o movimento republicano reconheceu em Pedro Américo um representante possível e quis apropriar-se de suas obras como símbolos de uma causa bem distante da propaganda imperial. Naquele momento curioso de pós-Guerra, a Batalha de Campo Grande podia prestar-se a diversas interpretações e, até mesmo, à finalidade de validar as credenciais patrióticas de um pequeno grupo de intelectuais e políticos revoltosos que ousavam questionar as premissas básicas do Estado imperial vitorioso. Mas até que ponto seria válido estender os significados dessa apropriação aos artistas em questão? Será que podemos falar de um Pedro Américo republicano ou de um Victor Meirelles monarquista e conservador? A resposta para essas perguntas só pode ser encontrada nas próprias obras.

Os Discursos da Batalha de Campo Grande

A carta de Quintino Bocayuva e o tema da arte sacrificada aos interesses políticos são retomados em 1872 por Pessanha Póvoa em seu panfleto Os Heroes da Arte, já referido. O texto deste escritor enumera, dentre as diversas qualidades atribuídas a Pedro Américo, o seu profundo respeito pela “plebe” como realizadora dos grandes fatos da época moderna, contrastando essa atitude à “insolencia” da aristocracia que atribuía aos artistas uma posição social inferior. Mas será que é mesmo justo ver na obra do pintor algum sentimento republicano ou algo que se assemelhe a um respeito pelo povo como agente das transformações históricas? Sendo que a única obra de pintura histórica realizada por ele até então era justamente a Batalha de Campo Grande, vale a pena atentar um pouco para a composição daquele quadro. Não há espaço aqui para uma análise sistemática da tela mas, resumindo a linhas gerais, destaca-se um grupo principal composto pelas três figuras montadas do Conde d’Eu, então general em chefe das forças brasileiras; do seu ajudante de ordens, o Capitão Almeida Castro; e do Coronel Enéas Galvão, chefe do estado-maior do príncipe. À sua volta, transcorre a batalha, consistindo basicamente de quatro outros grupos de figuras, cada um protagonizando um incidente mais ou menos independente do episódio central. Quando da sua participação no Salão de 1872, o quadro veio acompanhado de uma longa descrição no catálogo oficial. Segundo esse texto, o grupo central representa a tentativa do ajudante de ordens de impedir o Conde d’Eu de lançar-se à linha de frente da batalha, pois, contrariando as recomendações de seus oficiais, o príncipe insistia em manter-se na extrema vanguarda do exército, esporeando cada vez mais o seu “famoso ginete” por julgar indigno retroceder. Almeida Castro, “ouvindo antes o brado interno de uma alma delicada e ingenua, do que a voz fria e aspera da disciplina militar”, toma a atitude impermissível de lançar a mão à rédea do general. O Coronel Galvão aproxima-se pelo outro lado, ordenando ao Capitão que largue as rédeas e “dando-lhe ao mesmo tempo voz de prisão por ordem de Sua Alteza”. O catálogo conclui: “Eis a occasião escolhida pelo artista, cuja tela representa a bravura do General, a dedicação do soldado brasileiro, e o momento em que se torna decisiva a nossa victoria”. Apesar de dedicar boa parte da descrição escrita aos fatos da batalha e aos diversos feitos do exército, Pedro Américo optou em sua tela por resumir o sentido histórico maior do evento a um único ato de bravura do príncipe Conde d’Eu, o que está certamente muito distante de corresponder a qualquer preocupação com o papel da ‘plebe’ como força motriz da história.

A escolha desse incidente como tema da Batalha de Campo Grande não deixou de causar certo constrangimento a seus defensores republicanos. Em sua descrição do quadro, Otaviano Hudson não menciona uma única vez o nome do Conde d’Eu, procedimento no mínimo estranho em tratando-se da figura principal da composição. O primeiro dos artigos de A República, em meio a louvores dos outros aspectos do quadro, acha defeito unicamente com a figura do príncipe, cuja semelhança não atinge, na opinião do jornal, a “nobreza grandiosa” geralmente associada aos heróis. Somente Quintino Bocayuva consegue abordar diretamente a glorificação do Conde d’Eu, mesmo assim chamando atenção para o problema das lealdades divididas nos seguintes termos: “Não me constrange, a mim republicano esse vulto engrandecido pelo vosso pincel. Vi-o no quadro, e vi-o no campo.” Percebe-se, todavia, que ele não atribui nenhuma grandeza propriamente ao Conde d’Eu mas, antes, ao pincel de Pedro Américo que engrandece a figura representada. A glória reside não em qualquer ação do príncipe, mas no feito do pintor que o retrata com tamanha habilidade e verossimilhança. Outros críticos, não comprometidos explicitamente com a causa republicana, interpretaram de maneiras diversas a escolha do incidente. Em artigo publicado na Reforma em julho de 1872, o futuro Barão de Homem de Mello, liberal insuspeito, condenou energicamente a opção por um único episódio de efeito dramático em vez de tentar representar a ação dos soldados. Segundo ele, o maior defeito do quadro era de reduzir uma batalha que durou sete horas e ocupou um espaço de mais de duas léguas a um ato “todo individual, sem alcance algum para o resultado da acção empenhada”. Talvez mais seguro da solidez de sua posição política, Homem de Mello fez abertamente a crítica que nenhum escritor republicano ousou pronunciar no momento em que o Conde d’Eu estava no auge de sua popularidade como herói da Guerra. Mas Homem de Mello era admirador de Victor Meirelles, e pelo menos um partidário de Pedro Américo não concordou em absoluto com seu julgamento: para ‘Giorgio Vasari’, a escolha do incidente era grande e nobre, resumindo o fato histórico em sua unidade substancial; “tudo mais seria acessorio, menor e secundario”, escreveu. Como se vê, era possível atribuir sentidos diferentes a um único aspecto do quadro, sentidos que variavam enormemente de acordo com nuanças de posição política e/ou estética. Aliás, o crítico ‘Arseos’ acrescentou uma dimensão ainda mais tortuosa a essa questão quando insinuou em 1871 que a reticência do governo imperial em adquirir o quadro pudesse advir do fato de tratar-se da representação de uma vitória do Exército, cujos membros que mais se distinguiram na Guerra pertenciam, segundo ele, ao partido liberal; enquanto a Marinha, que havia encomendado dois quadros a Victor Meirelles, reunia um maior contingente de elementos conservadores. Atribuindo essa hipótese à opinião pública corrente, o próprio ‘Arseos’ trata de descartá-la em seguida, citando o conservadorismo do Duque de Caxias como prova da natureza falha do raciocínio. Para o leitor avisado, entretanto, permaneceria a dúvida em função das circunstâncias políticas complicadas que cercaram a saída de Caxias e a transferência do comando para o Conde d’Eu. Tais detalhes, ainda recentes na memória pública, poderiam diminuir o entusiasmo do governo conservador pelo quadro de Pedro Américo; e, de fato, partiram de parlamentares liberais tanto a proposta de compra da Batalha de Campo Grande em 1871 quanto a malograda tentativa de aumentar o preço de A Batalha de Avahy em 1877, promovida pelo deputado Fernando Luiz Osório, filho do Marquês de Herval.

Nem todos os significados atribuídos ao quadro reportam-se, é claro, à política partidária do Império, e seria mesmo um exagero privilegiar a apropriação republicana da imagem, sugerida na seção anterior, como o sentido histórico preponderante. Ao contrário, alguns dos aspectos mais fascinantes das análises críticas contemporâneas surgem não em função do episódio central, mas a partir de detalhes e incidentes tangenciais da composição. É o caso da relação estabelecida entre ‘civilização’ e ‘barbárie’, apontada por diversos críticos como um dos sentidos mais importantes, ainda que subjacente, do quadro. Apesar de discordarem visceralmente sobre a escolha do episódio central, por exemplo, Otaviano Hudson e ‘Giorgio Vasari’ encontram pontos importantíssimos de concordância em relação ao significado de outros elementos da composição. Hudson, que dedica uma parte importante de sua descrição a defender a verossimilhança da pintura de Pedro Américo, chama a atenção para a “verdade” dos detalhes do quadro, inclusive o “contraste que resulta da differença dos typos brazileiros e inimigos”. Ele aponta como um dos maiores triunfos do pintor sua proficiência em retratar a “expressão brutal” de um “soldado selvagem” paraguaio que ocupa o canto direito inferior da tela. ‘Giorgio Vasari’ entusiasma-se também com essa proficiência do pintor, apontando-a não como um traço de realismo mas como um exemplo de sua capacidade de capturar a “expressão ideal visivel” dos fatos. Para ele, Américo representou “o ideal do soldado paraguayo [...] meio barbaro, meio selvagem, robusto, bronzeado, e feroz [...] mas sempre guerreiro e sempre bravo”. Mesmo discordando sobre a questão estética da relação entre realismo e idealismo, os dois derivam das fisionomias do quadro o mesmo significado da ‘barbaridade’ paraguaia. A contraposição do avanço brasileiro ao atraso paraguaio encontra outros ecos visuais ainda mais sutis. Ao descrever a figura de um soldado paraguaio ferido, no primeiro plano do quadro, Hudson destaca a “bolsa de couro cru, que se lhe vê ao lado destoando completamente da fórma aperfeiçoada das nossas”, o que revela, segundo ele, “o atrazo da manufactura paraguaya”. Coincidentemente ou não, ‘Giorgio Vasari’ elogia o bom gosto do pintor “na execução dessa bolsa de couro de vitella, que pende ao lado do fuzileiro” brasileiro próximo desse mesmo paraguaio ferido. Independentemente de qualquer intenção de Pedro Américo de gerar um contraste entre as bolsas brasileira e paraguaia - ou até da ausência comprovada desta intenção - é significativo que os dois críticos tenham atentado a esse detalhe e elaborado-o ao ponto de identificar o couro como sendo de ‘vitela’ (uma atribuição difícil, sem ter o objeto na mão), em um caso, e ao ponto ainda mais extremo de extrair daí um sentido civilizatório, no caso do outro.

Ainda em relação aos possíveis significados de ordem racial transmitidos pela imagem, existe uma outra confluência de sentidos entre Hudson e ‘Vasari’ de dimensões tão fascinantes quanto perturbadoras, confluência esta que passa literalmente pelo ‘velho cavalo de batalha’ invocado pelo título do presente artigo. Os dois soldados com bolsas citados acima, um brasileiro e o outro paraguaio, encontram-se separados na composição apenas pela figura de um cavalo caído e, presumivelmente, morto. O soldado paraguaio, também caído, apoia seu pé sobre o cadáver do cavalo. O texto de Hudson entusiasma-se imensamente pela correção da perspectiva na representação desse cavalo e, dedicando uma atenção toda especial a esse elemento do quadro, encontra nele um simbolismo maior; escreveu o jornalista: “Aquelle animal morto no meio dos derrotados inimigos symbolisa, talvez, a força bruta, vencida, abatida e morta da paraguaya grey.” Curiosamente - e não temos como saber se ele leu ou não o texto de Hudson, o qual foi publicado primeiro - ‘Giorgio Vasari’ também se impressionou com os cavalos de Pedro Américo, tão bem pintados na opinião do crítico que mereceram um destaque particular. Segundo ‘Vasari’, o pintor realizou o grande feito de não somente exibir no seu quadro “os tres typos actuaes” do cavalo - o árabe, o comum e o selvagem - “mas ainda os quatro typos das raças humanas que actualmente povoam a America do Sul” - sendo estas, seguindo a sua terminologia, as raças branca, vermelha, parda e negra. Mais uma vez, deparamo-nos com a atribuição a um determinado elemento pictórico de um sentido obscuro em princípio mas exposto com um vigor e uma nitidez impressionantes pelos dois críticos. Ambos nos convidam a interpretar os cavalos representados não apenas como cavalos, mas como símbolos da identidade nacional e racial dos povos em conflito. Uma vez aberta essa dimensão de leitura, não é mais possível olhar para a figura do Conde d’Eu montado sobre o “seu possante ginete” - o qual domina a imagem com seu porte nobre e sua brancura, erguendo-se numa diagonal ascendente - sem se dar conta de que o significado primordial do quadro passa necessariamente pela afirmação do progresso inexorável da civilização europeia frente à selvageria nativa do continente americano, esta última representada pelos poucos paraguaios que resistem na direita da tela. A composição, como um todo, nos propõe esse movimento poderoso - da esquerda para a direita (direção da leitura) - em que o temível exército brasileiro surge pequeno no plano mais distante do quadro e se avoluma, imenso, no centro, pronto para esmagar os restos da débil defesa que ainda aparece em primeiro plano. Podem os Almeida Castros da vida tentarem, por algum escrúpulo ingênuo, impedir esse progresso, mas ele prosseguirá mesmo assim, pois é uma força que chega com ímpeto irresistível, atropelando (literalmente, no caso de pelo menos um soldado paraguaio) todo obstáculo que a ele se opõe.

Expressada assim, esta análise pode parecer a confirmação mais perfeita daquilo que se colocou em questão no início deste artigo. A Batalha de Campo Grande nada mais é, diriam alguns, do que a afirmação do poder civilizatório do Império e, portanto, funciona como uma espécie de propaganda imperial. Sim, é isto também (nunca o neguei, aliás), mas possui outros sentidos além deste, como o sentido conferido por suas associações republicanas, para citar apenas um exemplo. Possui ainda dimensões até agora pouco exploradas aqui, como sua possível leitura abolicionista, para citar outro exemplo. O mesmo ‘Giorgio Vasari’, que se compraza em identificar as raças cavalares e humanas no quadro, usa essas distinções como ponto de partida para uma discussão da contribuição de cada uma das raças para a formação do caráter nacional, ressaltando a inteligência e a valentia do pardo e do negro. Da mesma forma, ‘Arseos’ enxerga na Batalha de Campo Grande o primeiro passo em direção a um renascimento artístico e social, cuja “marcha progressiva” conduzirá inevitavelmente à abolição. Como se vê, há um grande número de significados possíveis, cujo grau de plausibilidade varia apenas em função da extensão e da profundidade da sua penetração nos discursos contemporâneos. Ao examinar de modo sistemático a recepção crítica de uma obra, logo se percebe quais são os discursos dominantes e quais são excepcionais. O perigo para o historiador de arte/cultura reside não em identificar uma multiplicidade de significados mais ou menos plausíveis, e muitas vezes interligados, em cada obra, mas em ater-se apenas ao nível mais superficial de significação. Não se deve atribuir ao mesmo a qualidade de exclusividade e contentar-se em afirmar que tal ou tal obra significa ‘nada mais’ do que seu sentido mais aparente.

Espetáculos e Modernidade

Para encerrar este artigo, vale a pena investigar um outro nível de significação inteiramente distinto dos que têm sido apresentados até agora. Para além da obra, de sua recepção crítica ou de sua apropriação para fins ideológicos, existe a questão mais ampla das transformações no próprio meio social e cultural em que todos esses elementos circulavam e interagiam. Um dos significados históricos mais importantes a ser extraído de qualquer análise dessas representações artísticas da Guerra do Paraguai diz respeito ao ingresso da sociedade brasileira - e, em especial, das elites da Corte - no regime de visão associado com a vida urbana moderna na chamada ‘era do espetáculo’: um regime, este, que transforma a observação em um ato de consumo e a própria imagem em mercadoria, conforme propõe Jonathan Crary em Techniques of the Observer. É com relação ao que Crary define como uma ‘recodificação do olhar’ que precisamos atentar mais para as mudanças ocorridas no meio artístico brasileiro a partir da década de 1860. Na hipótese de ter ocorrido mesmo alguma transformação importante na maneira em que o público brasileiro da época olhava e se relacionava com as imagens, esta deve ter se manifestado também nos discursos que cercaram a recepção dos quadros em questão, o que se deu de fato, como veremos adiante. Tem-se mencionado ao longo deste artigo, de modo desconexo, algumas particularidades do contexto de exposição em que foram apresentados esses quadros. Cabe agora examinar esse aspecto com um pouco mais de atenção.

Algo mudou no Rio de Janeiro nos anos que se seguiram ao final da Guerra do Paraguai. Cita-se frequentemente nesse sentido a frase de Machado de Assis segundo a qual, “os relógios, depois da morte de Lopez, andam muito mais depressa”. Sem dúvida alguma, Machado de Assis participou daquele senso de ‘modernidade’ que provocou tantas iniciativas progressistas ao longo das três últimas décadas do século XIX e que se alimentou, por sua vez, de cada nova transformação imposta pelas mudanças tecnológicas da época. Mas, às vezes, é fácil esquecer que esta frase foi escrita em 1894 e que ela se beneficia, portanto, de mais de duas décadas de visão retrospectiva. Possuem um vigor inteiramente dissonante - um entusiasmo festivo, desprovido de qualquer teor nostálgico - as avaliações do mesmo fenômeno feitas na década de 1870, ou seja, em meio aos acontecimentos. É o caso de um escritor que, utilizando o pseudônimo ‘Ninquem’, declara nas páginas da Semana Illustrada em 1872 que a população da Corte não tem mais direito de queixar-se da falta do que fazer, pois já existem “divertimentos para todas as classes”. Aliás, continua ele, o “Rio de Janeiro é na verdade uma Babylonia pela variedade das distracções que proporciona”. Entre as diversões citadas por ‘Ninquem’ está, é claro, a 22ª Exposição Geral de Belas-Artes com seus quadros guerreiros de Victor Meirelles e Pedro Américo. Já se mencionou aqui o crescimento impressionante no afluxo de visitantes entre o Salão de 1872 (63.959 visitantes) e o Salão de 1879 (292.286 visitantes); mas, para melhor contextualizar esses números, é preciso lembrar que os certames de 1870 e 1872 já representaram um aumento considerável em termos de impacto público sobre as exposições anteriores.

Com o final da Guerra, a era do espetáculo havia chegado definitivamente ao Rio de Janeiro, o que se confirma pelo fato de que os anos entre 1870 e 1879 viram a realização não somente de cinco Exposições Gerais da AIBA, mas também das Exposições Nacionais de 1873 e 1875, com a maioria desses eventos atingindo cifras acima de sessenta mil visitantes em períodos geralmente inferiores a dois meses (o que equivale, grosso modo, a um mínimo de mil visitantes por dia). Boa parte do ímpeto por trás do crescimento na frequência dos Salões da AIBA, pelo menos, encontra-se no culto à celebridade artística e na competição instaurada pela imprensa em torno dos nomes de Pedro Américo e Victor Meirelles: a prova disto está no fato de que a cifra de 1872 não foi igualada pelos dois Salões seguintes, só sendo superada, e aí de forma realmente espetacular, em 1879, quando repetiu-se o confronto direto entre os dois artistas. Descobre-se um pouco do senso de fervilhamento social desse último momento nas descrições jornalísticas das duas exposições de ‘plágios’ dos respectivos artistas que seus partidários fizeram na casa de F. Rodde (anti-Victor) e no Rei dos Mágicos (anti-Américo), ambos na rua do Ouvidor, em abril e maio de 1879. O misterioso ‘Dr. X’, relatando uma dessas cenas no Repórter, descreve a dificuldade de “approximar-se da vitrina, rodeada de gente como bica d’agua no mez de Janeiro” e cita vários dos personagens presentes, dentre os quais destacam-se figuras de todas as correntes do meio literário e artístico como Carlos de Laet, Artur Napoleão, Ângelo Agostini, Insley Pacheco, Bethencourt da Silva, Maximiano Mafra e outros tantos menos conhecidos da posteridade.

Esse interesse redobrado do público carioca pelos “espectaculos das artes”, conforme os qualificou o próprio Pedro Américo, talvez possa ser visto como um indício precursor do diálogo entre arte e técnica que Flora Süssekind identifica como uma das características mais salientes do processo de modernização que transformou a literatura brasileira entre fins do século XIX e a década de 1920. Afinal, se a raiz dessa transformação está, como ela sugere, na “redefinição da percepção e do olhar” que as novas tecnologias óticas - em especial, a fotografia - impuseram ao espectador e ao ato de especular (no sentido de ‘observar’), então há certa lógica em supor que seu impacto se fizesse sentir primeiramente no domínio das artes plásticas, antes mesmo do que na literatura. De fato, tais preocupações com os limites entre a tecnologia e a arte estão muito presentes nas críticas artísticas da década de 1870. ‘Giorgio Vasari’ reclama da ignorância do público que frequentou o Salão de 1872, o qual precisava, segundo ele, ser educado sobre a maneira correta de se observar um quadro:

Para apreciarem os effeitos daquelle quadro historico [Batalha de Campo Grande], algumas pessoas recuaram convenientemente, mas usaram ora do binoculo, ora de um cylindro de papel á guisa de longamira. Erro grosseiro, porque taes artificios são proprios do theatro, dos dioramas e do estereoscopo, em que o grande merito reside na illusão optica.

Percebe-se, pela escolha de exemplos negativos, a preocupação de ‘Vasari’ com o perigo de que as belas-artes viessem a ser inseridas no mesmo regime ocular que os espetáculos voltados explicitamente para a diversão e o lazer, como o teatro, os dioramas e panoramas, o estereoscópio. Para um crítico tão tradicionalista que escolheu logo esse pseudônimo e tão elitista que se refere desdenhosamente ao público da exposição como “a multidão”, a pintura não podia ser uma arte “puramente sensual”, mas tinha antes obrigação de ser expressiva de “considerações estheticas da ordem a mais elevada”. Diante da aproximação desse olhar moderno - eminentemente disposto a consumir o fantasmagórico como real - ‘Vasari’ opta por se refugiar na segurança de seus cânones de bom gosto e boas maneiras.

A reação negativa de ‘Vasari’ às novas tecnologias óticas não era, é claro, a única possível. Assim encontramos Rangel de São Paio, em uma crítica de 1879, valendo-se de uma comparação tecnológica para, ao contrário, justificar seu entusiasmo pela habilidade de Victor Meirelles de modelar a figura humana. Segundo o crítico, os corpos no quadro Primeira Batalha dos Guararapes avolumam-se e arrendondam-se “como melhor não acontece ás estampas appropriadas vistas pelo stereoscopio mais bem graduado”. Na medida em que a fotografia vai ganhando em popularidade, esse tipo de comparação - para louvor ou detrimento do artista - torna-se quase automática. O crítico do Jornal do Commercio, ‘Frascati Mangini’, não encontra melhor forma de expressar sua insatisfação com três retratos expostos por Victor Meirelles no Salão de 1872 do que afirmar que parecem “cópias fieis de photographia”. Aliás, ‘Frascati’ levanta a possibilidade de que os ditos retratos tivessem mesmo sido produzidos dessa maneira pouco ortodoxa, lastimando a nova moda entre os retratáveis de fazer a encomenda ao pintor “remettendo-lhe uma photographia para copiar”, o que resultava na economia do tempo que seria gasto em posar para o artista. Discerne-se, nesses e noutros exemplos, um inconfundível desconforto com o impacto de novas tecnologias sobre velhos hábitos de olhar, que só pode ser descrito como sintomático daquela modernité que Baudelaire havia definido em 1863 como a ato de retirar do transitório o eterno. No encontro entre a pintura histórica e o olhar estereoscópico, os valores artísticos que mais se aproximavam na mentalidade da época a um senso de tradição, de permanência e de eternidade mesmo, se viam sujeitados ao escrutínio daquilo que havia de mais efêmero, vulgar e consumista no vasto arsenal dos espetáculos. Aquele olhar que buscava fragmentar em tantos golpes de vista, recortados pelo campo limitado de um cilindro, a totalidade sublime da grande pintura, ameaçava reduzir ao nível do mero entretenimento aquilo que há pelo menos três séculos vinha sendo entendido como transcendência.

À fragmentação do olhar correspondeu uma outra fragmentação, igualmente sintomática da modernidade incipiente e fundamental para a estruturação do próprio argumento que aqui se apresenta: a saber, a fragmentação da crítica. Em seu livro de 1880 - o qual consistiu, em grande parte, em tentativa de compilar e digerir a plétora de opiniões expectoradas ao longo das discussões febris sobre a ‘questão artística de 1879’ - Rangel de São Paio se permite um momento de reflexão sobre a transformação surpreendente ocorrida nos rumos da crítica de arte brasileira ao longo dos cerca de quinze anos anteriores. Recordando o silêncio que marcou a exposição do quadro Moema, de Victor Meirelles [Figura 13], em 1866, ele comenta:

É que naquelle tempo esta superabundancia de vida, que se demonstra mesmo no calor com que se tem discutido nestes ultimos tempos não existia. O sentimento artistico jazia latente. Só depois foi que começou a se desenvolver o interesse pela arte e as exposições chegaram a ser visitadas por mais de duzentos mil pessoas.

Cabe ressaltar o emprego do termo ‘superabundância de vida’ pelo crítico pernambucano, pois é de um fervilhamento não somente jornalístico como também popular que ele fala. O Rio de Janeiro da década de 1870 era percebido por seus moradores - pelo menos, por aqueles que possuíam a liberdade de ir e vir - como um espaço urbano moderno em relação ao seu passado recente, literalmente ocupado pelas multidões e pelos espetáculos que atingiam sua densidade máxima na Rua do Ouvidor e na “loja lojíssima de modas”, Notre Dame de Paris, ambas celebradas por Joaquim Manuel de Macedo em 1878. Uma sociedade suficientemente expansiva para abrigar tanto multidões quanto uma diversidade de espetáculos exigia que estes últimos fossem anunciados, interpretados, ordenados para o consumo pelas primeiras, e é justamente nesse sentido que a crítica passa a exercer um papel cada vez mais ativo. Rangel não erra na sua percepção de que o interesse por arte havia-se avultado desde meados da década de 1860: a crítica de arte brasileira, iniciada notoriamente por Araújo Porto-Alegre no final da década de 1840, permaneceu mais ou menos esporádica até sua ampliação nítida após 1870. Pode-se afirmar, independentemente de haver ou não uma relação causal, que o término da Guerra marcou a eclosão das batalhas críticas em torno da arte e que a escalada subsequente de opiniões conduziu quase que inexoravelmente às primeiras tentativas de transferir as apreciações da arte brasileira do plano meramente crítico para o plano da construção de uma narrativa histórica. O índice mais concreto dessa transformação gradativa está no aparecimento, nas décadas de 1870 e 1880, dos primeiros livros (em contraposição a artigos ou folhetos) dedicados ao assunto. São pioneiros nessa linha os livros de ‘Arseos’ (1871) e de Rangel de São Paio (1880), amplamente citados aqui, e também as Vulgaridades da Arte (1884), do arquiteto Bethencourt da Silva, volume que representa a compilação em forma de livro de diversos escritos publicados anteriormente na imprensa periódica. Seguindo-se a esses precursores, a década de 1880 assistiu ao nascimento de livros que acrescentam de maneira consciente uma dimensão histórica - de evolução diacrônica - a seu teor crítico, tais quais o Belas Artes: Estudos e Apreciações (1885), de Félix Ferreira,, e A Arte Brasileira (1888), de Gonzaga Duque. É válido destacar o papel primordial exercido pelas críticas das batalhas de 1872 e 1879 na cristalização desse processo, pois a discussão em torno desses quadros guerreiros coloca-se, sem dúvida, como o manancial de todas as avaliações posteriores. Ao enunciar do ponto de vista de 1880, a distância percorrida desde 1866, Rangel se faz ao mesmo tempo cronista e crônica desse processo de modernização do discurso crítico. No limite estrutural mesmo desse discurso, é possível apontar uma continuidade entre o fervor patriótico da década de 1860 e o fervilhamento cultural das décadas seguintes, mediada pela relação entre o bélico e o artístico que se faz concreta nos quadros sob discussão.

Voltamos, assim, à questão do sentido de progresso nacional que os críticos da época destacaram como um dos atributos das realizações pictóricas de Victor Meirelles e Pedro Américo. Naquele momento em que se profetizava o ingresso da sociedade brasileira para uma nova era de modernidade tecnológica e abundância material, tornava-se indispensável a constatação empírica de qualquer movimento nessa direção. Em uma sociedade que se sentia sacrificada pela Guerra e retardada por uma ideologia escravocrata cada vez menos sustentável, as camadas urbanas em crescimento buscavam de forma quase obsessiva alguma prova de sua inserção no ‘progresso’ amplamente anunciado como a maior conquista material e espiritual da época. Encontraram-na, ironicamente, no gênero velho e quase esgotado da pintura histórica que, ao dar seus primeiros passos por aqui, constituiu-se em mais uma demonstração de que ‘também no Brasil’ se geravam os aparatos da ‘civilização’. Não é surpreendente, portanto, que grupos de tendências tão opostas quanto monarquistas e republicanos, governistas e oposicionistas, tenham batalhado de maneira estridente para se apropriarem desse legado, para se posicionarem como os aliados naturais de um movimento percebido como progressista. Afinal, diante do profundo sentimento de degradação e de desterro que marcou (e que marca) a cultura brasileira, qualquer ação, qualquer movimento, podia ser interpretado como progresso. Não seria exagero sugerir mesmo que a ação de fazer arte, e também de expô-la e de criticá-la, possuía naquele contexto uma importância muito maior do que o produto deste fazer, do que o objeto de arte propriamente dito. No que diz respeito aos quadros guerreiros de Victor Meirelles e Pedro Américo, pelo menos, é seguro que as personalidades dos artistas, e principalmente os fatos da sua nacionalidade e do seu esforço individual, acabaram por assumir um vulto bem maior do que qualquer sentido ou valor atribuído às pinturas enquanto pintura, mesmo na época de sua produção. Até hoje, aquelas telas continuam a chamar atenção principalmente por sua escala, por seu porte, e apenas marginalmente por seu conteúdo manifesto. Em um movimento moderno por excelência e modernista quase que por paradoxo, as ‘batalhas’ de 1879 constituem-se em obras que expressam seus significados mais pela lógica situationniste do gesto, do acontecimento e do espetáculo do que por qualquer mecanismo narrativo ou pictórico que teria sido reconhecível a seus autores: ou seja, elas são importantes pelo que são e não pelo que retratam ou pela maneira em que o fazem. Essas obras, tão antiquadas, defasadas e retrógradas aos olhos do nosso Modernismo, cumpriram no seu contexto a função eminentemente modernizadora de representar (nos dois sentidos possíveis da palavra) o progresso.

Referências Bibliográficas

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* Este artigo foi originalmente publicado em Concinnitas Arte Cultura e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p.191-233, 1999.

** Professor associado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Centro de Teologia e Ciências Humanas, Departamento de Design).