Pensionistas da Escola Nacional de Belas Artes na Academia Julian (Paris) durante a 1ª República (1890-1930)

Arthur Valle

VALLE, Arthur. Pensionistas da Escola Nacional de Belas Artes na Academia Julian (Paris) durante a 1ª República (1890-1930). 19&20, Rio de Janeiro, v. I, n. 3, nov. 2006. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/academia_julian.htm>. [Français]

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                     1.            Breves referências à Academia Julian (Académie Julian) são abundantes na história da arte europeia de fins do século XIX e início do XX. Fundada em 1868 pelo pintor, professor e empreendedor artístico Rodolphe Julian (1839-1907) [Figura 1], a instituição foi frequentada por uma miríade de artistas, cuja lista completa comporia, por certo, um painel amplo da agitação cultural parisiense do período. Em tal painel, não faltariam nem mesmo figuras canônicas do Modernismo, como Maurice Denis, os nabis Paul Sérusier, Édouard Vuillard e Pierre Bonnard, os fauves Henri Matisse e André Derain, e mesmo alguns artistas como Marcel Duchamp ou Jean Dubuffet, que a princípio poder-se-ia julgar completamente avessos à rotina didática usual naquele ambiente artístico.

                     2.            Simultaneamente, a Academia Julian foi um centro de atração para os artistas deste lado do Atlântico, que, desde finais do Oitocentos avidamente procuraram os ensinamentos dos renomados mestres que lá lecionavam. Não por acaso, nas últimas duas décadas, enquanto a história da Julian continuava praticamente não-abordada no “Velho Mundo,” os estudos que começaram a surgir a seu respeito foram conduzidos, na sua maior parte, por historiadores de arte estadunidenses, seguindo a trilha aberta ainda nos anos 1980 pelos textos pioneiros de Catherine Fehrer, filha de um ex-aluno da instituição.[1] Outros autores como Gabriel Weisberg e Tamar Garb também abordaram a academia, atraídos especialmente pelo seu importante papel na formação artística das mulheres.[2]

                     3.            Para os estudiosos da pintura brasileira, a Academia Julian se reveste de uma importância toda especial, uma vez que ela foi provavelmente o mais importante ponto de confluência de artistas brasileiros na Europa durante o período aqui delimitado. Autores como Jorge Coli,[3] Caleb Farias Alves[4] e José Luis Nunes[5] frisaram a importância da instituição, e, mais recentemente, Ana Paula Cavalcanti Simioni dedicou-lhe boa parte de um artigo no qual divulgou dados obtidos diretamente das fontes primárias francesas.[6] No presente texto, não tenho a pretensão de apresentar dados documentais essencialmente novos, mas, muito simplesmente, discutir a relação entre alguns aspectos da produção artística dos pensionistas brasileiros em Paris e as orientações pedagógicas que então vigoravam na Academia Julian, através da compilação do material fornecido pelos estudos citados e da comparação entre as obras produzidas pelos artistas brasileiros e pelos seus mestres franceses.

Algumas considerações sobre o regime de pensionato na Europa durante a 1ª República

                     4.            Na história do ensino oficial das belas artes no Rio de Janeiro, a criação do Prêmio de Viagem ao Estrangeiro em meados do século XIX veio, entre outras coisas, atender às expectativas dos próprios artistas, que ansiavam pelo aprimoramento e atualização de sua produção junto ao que de mais celebrado se fazia em matéria de arte no Europa. Constituindo a versão oficial e sistematizada de uma prática de viagens de aperfeiçoamento artístico cujos primórdios remontam aos tempos do Brasil Colônia,[7] o Prêmio de Viagem consistia, essencialmente, em uma temporada de estudos no estrangeiro (leia-se Europa) subvencionada pelo Estado brasileiro, e era concedido aos laureados em concursos realizados na Academia especialmente para esse fim. O primeiro desses concursos teve lugar em 1845, quando a instituição oficial de ensino artístico fluminense ainda se chamava Academia das Belas Artes e se encontrava sob a direção do pintor Félix-Émile Taunay. De maneira mais ou menos regular, a concessão das pensões se manteve durante todo o Segundo Reinado, sendo significativamente incrementada com a proclamação da República, especialmente após uma reforma da Academia ocorrida em 1890. A instituição foi então rebatizada como Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) e, além do tradicional Prêmio de Viagem reservado aos seus alunos regularmente inscritos, foi criado um segundo Prêmio de Viagem, que era anualmente concedido aos artistas que se destacavam nas Exposições Gerais de Belas Artes.

                     5.            Na historiografia de arte, brasileira, as avaliações a respeito dessa rotina de viagens à Europa subvencionada pela Academia/ENBA, tem sido, na sua maioria, pouco positivas. Mesmo em estudos recentes, ainda é comum encontrar repetida a opinião expressa por estudiosos como Quirino Campofiorito - curiosamente, ele próprio ex-aluno da ENBA e ganhador do Prêmio de Viagem em 1929 -, segundo a qual as estadias na Europa apenas serviam para encerrar os pensionistas em um conjunto de regras previstas de antemão, constituindo antes uma barreira do que um instrumento promotor da renovação das artes visuais brasileiras.[8] Nesse sentido, é frequentemente lembrada a supostamente rigorosa prestação de contas que os pensionistas brasileiros eram obrigados a fazer, na forma de envios de trabalhos pré-definidos pela Academia, e o fato deles serem obrigados a complementar sua formação em instituições oficiais, onde recebiam a orientação de mestres ditos “passadistas,” sem nunca entrar em contato com as correntes mais inovadoras da arte europeia contemporânea.

                     6.            Tal avaliação, com sua ausência de nuances, parece pouco adequada para descrever a situação do sistema de pensionato mantido pela ENBA, ao menos a partir de 1890. De um lado, creio ser possível afirmar que os envios obrigatórios que os pensionistas deviam fazer não chegavam a constituir um grande fardo. Um desejo de simplificar as obrigações dos pensionistas era perceptível já nos anos finais da Academia e o Regulamento para o processo dos concursos, na Escola Nacional de Belas Artes, para os lugares de pensionista do Estado na Europa, datado de 26 de outubro de 1892, dá provas de sua concretização. Vale a pena reproduzir quais passaram a ser então as obrigações de um pensionista de pintura, durante os seus cinco anos no “Velho Mundo”:

                     7.                                                  1º anno - oito estudos pintados ou dezenhados.

                     8.                                                  2º anno - oito estudos pintados.

                     9.                                                  3º anno - Uma copia de quadro designado pelo Conselho Escolar e o esboceto para a execução de um quadro de três ou mais figuras, acompanhando o respectivo orçamento para as despezas com o material para o mesmo quadro.

                  10.                                                  4º e 5º annos - execução do quadro que será comprado pela Escola se o conselho Escolar julgar digno de ser adquirido.[9]

                  11.            Embora os regulamentos para os pensionistas tenham sido reformados algumas vezes durante a 1ª República,[10] os envios estipulados em 1892 grosso modo se mantiveram os mesmos. Ora, os estudos - normalmente academias - e a cópia que constam como obrigação nos três primeiros anos nada mais eram do que exercícios usuais na própria ENBA e, levando-se em conta a experiência nesse sentido adquirida pelos artistas ainda aqui no Brasil, pode-se concluir que a execução de tais trabalhos não lhes demandava tempo excessivo. Os pensionistas brasileiros se encontravam assim, em grande medida, livres para desenvolver os estudos que achassem mais condizentes com as suas personalidades e investir em suas produções particulares, o que a exigência final acima referida de execução de um quadro original - que poderia, inclusive, ser “comprado pela Escola” -, tinha como função principal incentivar. No caso acima citado dos artistas que conquistavam o Prêmio de Viagem nas Exposições Gerais, a situação parecia ser ainda mais liberal: se é certo que a duração de suas pensões era menor (apenas dois anos), como que em compensação, ao menos até onde pude apurar, nunca lhes foi pedida qualquer prestação de contas em termos de envios de obras.[11]

                  12.            Por outro lado, é possível perceber que a relação dos pensionistas brasileiros com as instituições de ensino oficiais existentes nas principais capitais europeias sofreu, a partir de 1890, um relativo afrouxamento. O caso dos brasileiros enviados à Paris é sintomático de uma tendência geral. Como é sabido, durante a maior parte do período imperial, o pensionista brasileiro mandado à “Cidade-Luz”, além de frequentar o ateliê de um mestre membro do Institut de France e professor da École nationale supérieure des Beaux-Arts, deveria “concorrer aos lugares da aula de modelo vivo na Escola de Belas Artes se for pintor, escultor ou gravador, logo que se abrir a primeira inscrição depois de sua chegada”,[12] sendo que a não-admissão na École poderia implicar na perda de sua pensão. Nesse sentido, merece ser aqui lembrado o caso de Rodolpho Amoêdo, sobre o qual teria pesado o regulamento “escorchante” da Academia, ainda na década de 1880, como foi narrado pelo próprio pintor no final de sua vida.[13] Desde o início da República, porém, exigências dessa natureza deixaram de constar explicitamente nas instruções aos alunos ganhadores do Prêmio de Viagem. Os poucos artistas oriundos da ENBA que realmente ingressaram na École, como Eliseu d’Angelo Visconti, ali parecem ter permanecido por pouco tempo e a grande maioria dos pensionistas brasileiros sequer teria prestado qualquer dos exames de admissão da instituição parisiense, os rigorosos concours de places.[14] A exigência de frequentar a École só voltou a ser feita, algo incidentalmente, quando Alfredo Galvão ganhou o Prêmio de Viagem da ENBA, em 1927,[15] sem que, no meu entender, esse dado seja significativo o suficiente para alterar uma tendência geral de liberalização do controle institucional sobre os pensionistas.

                  13.            Em parte, essa liberalização se deveu às reivindicações no sentido de uma maior autonomia feitas pelos próprios artistas e notáveis já quando da crise que culminou na reforma da Academia em finais de 1890. Todavia, ele parece refletir também os próprias avanços verificáveis no ensino da ENBA. Me explico melhor: se, durante a época imperial, a obrigação de frequentar as instituições oficiais europeias parece ter tido o objetivo principal de complementar a formação que o pensionista recebera na Academia e que, devido em parte aos problemas estruturais da própria instituição, era deficiente em certos aspectos,[16] alguns dados parecem apontar para uma alteração nesse quadro já no começo da República. Em 1893, por exemplo, o citado Visconti, então recém-chegado do Brasil, se classificou em sétimo lugar no concours de places da École des Beaux-Arts, e, alguns anos mais tarde, Georgina de Albuquerque teria conseguido feito semelhante, obtendo o quarto lugar entre seiscentos candidatos no concorrido concurso de admissão de 1907.[17] Creio que tais dados dão testemunho não só da capacidade  excepcional desses artistas, mas também da relativa qualidade da formação que receberam ainda aqui - fato que, por vezes, foi frisado por eles próprios.[18]

                  14.            Desobrigados de seguir um curso oficial, a maioria dos pensionistas optou por frequentar os chamados ateliês livres, que constituem, sem dúvida, o mais importante capítulo da formação artística dos brasileiros na Europa durante a 1ª República. Essa categoria de instituição de ensino existia nas principais cidades europeias: em Munique, por exemplo, havia a célebre escola do esloveno Anton Ažbè, que foi frequentada pelo brasileiro Antonio de Souza Vianna em meados da década de 1890; em Roma, os brasileiros - que já a partir da década de 1880 evitavam a antes venerada Accademia di San Luca -, podiam escolher entre diversos centros independentes, como a Academia Chigi, a Academia Cauva, a Academia de Belas Artes Espanhola e a Associazione Artistica Internazionale);[19] por fim, em Paris, além dos ateliês particulares mantidos por pintores como Carolus-Duran e Edouard Krug, funcionavam instituições como a Académie Colarossi,[20] a Académie de la Grande Chaumière, e a Academia Julian - certamente a mais famosa de todas e o objeto principal do presente estudo.

A Academia Julian

                  15.            O fundador da Academia Julian, Rodolphe Julian, nasceu na pequena cidade de La Palud, em Vancluse. Com o objetivo de se tornar um artista, ele se mudou ainda jovem para Paris, onde estudou com mestres como Alexandre Cabanel e Léon Cogniet, e expôs com frequência nos Salons parisienses, até finais dos anos 1870. Ao que parece, as próprias dificuldades que Julian enfrentou no início de sua carreira - ele nunca conseguiu ingressar na École des Beaux-Arts, por exemplo - parecem tê-lo sensibilizado para os problemas dos então estudantes de arte. Foi com a intenção inicial de preparar estes últimos para os competitivos exames de admissão da École que Julian estabeleceu o primeiro de seus ateliês na Passage des Panoramas, espaço que tinha a particularidade de, desde o começo da década de 1870, aceitar a inscrição de mulheres. A partir de então, seu empreendimento só fez crescer: por volta de 1890, ele contava com não menos do que cinco estúdios para homens e quatro para mulheres, espalhados em locais estratégicos de Paris.

                  16.            Uma parte da celebridade que a Academia Julian rapidamente adquiriu se deveu ao fato dela ter funcionado como um ponto de atração para diversos grupos pouco favorecidos na cena artística parisiense da virada do século XIX para o XX. Nesse sentido, além da procurada por amadores e estrangeiros de todas as latitudes, cumpre destacar, como acima me referi, a atuação pioneira da Academia Julian no que diz respeito à formação artística das mulheres, uma vez que foi virtualmente a primeira instituição francesa a aceitá-las em seus ateliês. Estes últimos constituíram, por um bom tempo, a melhor alternativa das artistas, uma vez que o ingresso na École des Beaux-Arts lhes foi vedado até 1897. Na Julian, as mulheres tinham a oportunidade de pintar nus a partir de modelos-vivos, fato significativo não só como prova de uma liberalidade então ainda pouco comum, mas principalmente por ampliar o acesso à uma prática indispensável para quem quisesse se tornar celebrado nos meios oficiais de então, nos quais as pintura histórica e de gênero, invariavelmente centradas na figura humana, eram ainda as mais valorizadas.

                  17.            Isso me leva à questão da orientação pedagógica vigente na Academia Julian. Apesar de possuir uma postura mais liberal que a École des Beaux-Arts, a forma de instrução dispensada nos seus ateliês era, em seus aspectos principais, similar à da instituição oficial; em seus primórdios, convém não esquecer, a Academia Julian teria sido pensada como uma preparação para a École. Nesse sentido, e graças a uma poderosa rede de relações sociais, Julian engajou diversos mestres então muito renomados, como Adolphe-William Bouguereau, Gustave Boulanger, Jean-Paul Laurens, Jules-Joseph Lefebvre, Tony Robert-Fleury, entre outros mais. O ensino desses mestres frisava, como seria de se esperar, o desenho - primeiro a partir de gravuras e moldagens de gesso e, em estágios mais avançados, diretamente a partir do modelo-vivo; duas vezes por semana, eles visitavam as classes, promovendo as suas famosas seções de correção (séances de correction). Dessa maneira, graças à qualidade de seus professores e à similitude com o ensino ministrado na École, a Academia Julian adquiriu rapidamente respeitabilidade: seus alunos podiam se apresentar ao cobiçado Prix de Rome, ao mesmo tempo em que utilizavam a instituição como um trampolim para expor nos Salons ou lançar suas carreiras artísticas independentes.

                  18.            Porém, o ensino na Academia Julian não se restringia ao estrito treinamento acadêmico, procurando promover igualmente a improvisação e a liberdade artística de seus alunos. “Já que não punham em vigor um sistema muito constrangedor”, observa Gabriel Weisberg, “Julian e os outros instrutores permitiam que os estudantes desenvolvessem seus estilos pessoais dentro de uma atmosfera zelosa, mas ainda assim profissional.”[21] Nos ateliês de Julian “toda aluna, fosse francesa ou irlandesa ou de outra nacionalidade, era confrontada com o mesmo modelo e tentava dominar poses e expressões de acordo com seu talento inato”[22] - asserção feita sobre os ateliês femininos, mas que poderia ser estendida também aos dos homens. Uma marca do treinamento dispensado na Julian era justamente a habilidade de trabalhar em registros estilísticos diferenciados, que frequentemente rompiam com os limites de uma resposta meramente “realista” aos modelos, como bem demonstra a prática da caricatura, usual entre os alunos e alunas da instituição.

                  19.            Além disso, as tendências estéticas independentes que alardeavam seus novos preceitos para além dos muros da Julian também ali encontravam um relativo eco. “Por volta de 1887”, como lembra Catherine Fehrer, “a Académie era descrita como modernista, mesmo impressionista em sua inclinação.”[23] A febre do japonismo, que invadiu a cena artística francesa de finais de Oitocentos e que deixou marcas bem visíveis na obra de pintores como Claude Monet, James McNeill Whistler ou Vincent Van Gogh, não deixou de se refletir nos trabalhos dos alunos da Academia Julian, especialmente nos retratos, como os da artista de origem polonesa Anna Bilinska-Bohdanowicz [Figura 2].

                  20.            Gabriel Weisberg vai ainda mais longe ao indicar as relações entre o ensino ministrado na Julian e as novas tendências estéticas que emergiam no período, quando comenta alguns trabalhos da pintora de origem francesa Rose-Marie Guillaume [Figura 3]. Para Weisberg, obras como as de Guillaume

                  21.                                                  responde[riam] ao interesse corrente por concepções decorativas e bi-dimensionais, que era popular na virada do século. As delicadas tonalidades de cor e o interesse evidente em padrões silhuetadas, combinado com suas qualidades de esboço e seu formato horizontal, indicam que novas orientações estilísticas e composições decorativas pensadas para interiores estavam sendo exploradas nos estúdios de Julian. Elas também indicam que as formas simplificadas visíveis nos pôsteres contemporâneos e na arte comercial estavam influenciando a maneira como os artistas estavam sendo treinados em pintura.[24]

                  22.            Nessa tolerância com relação às tendências artísticas independentes, ao que parece, residia o principal fator de atração da Academia Julian sobre artistas como Bonnard, Matisse ou Derain, que citei na abertura desse texto e que, posteriormente, se tornariam estreitamente identificados com as vanguardas modernistas francesas. A Academia Julian era assim, desde as décadas finais do século XIX, um palco de intermediação entre tradição e inovação, fatores de uma equação estética que, até pouco tempo, muitos historiadores da arte teimaram em ver como exclusivos. Foi nesse palco que alguns artistas brasileiros absorveram elementos que viriam a conferir um caráter todo especial à pintura da 1ª República.

Pensionistas brasileiros na Academia Julian

                  23.            Durante as quatro décadas da 1ª República, diversos artistas brasileiros frequentaram os ateliês da Academia Julian. Em artigo acima referido, Ana Paula Cavalcanti Simioni apresentou uma lista elaborada após uma consulta direta aos documentos encontrados nos Archives Nationales franceses[25] e nos arquivos particulares de Andre Del Debbio, que preservou a tradição do desenho de modelo-vivo, no ateliê da Rue de Berri que outrora pertencera a Julian. Ainda que tal lista não se estenda até os anos 1920, ela é de grande valor para os estudiosos e muito das duas tabelas que vão abaixo nela se baseiam. Nelas constam os pensionistas oficiais da ENBA, juntamente com o ano em que obtiveram o Prêmio de Viagem (como alunos regularmente inscritos ou como expositores nas Exposições Gerais de Belas Artes), os anos de passagem pela Julian, como pensionistas, e os seus mestres nessa instituição:

[26]

                  24.            Cumpre lembrar que vários outros artistas que tiveram importante atuação na cena fluminense durante o período da 1ª República frequentaram, às suas próprias custas e nesse mesmo período, a Academia Julian. Eu poderia citar, por exemplo, nomes como os de Henrique Bernardelli, Belmiro de Almeida ou Eduardo de Sá. Sabe-se também que artistas como a escultora Julieta de França (Prêmio de Viagem como aluna da ENBA, em 1900) ou Georgina de Albuquerque frequentaram os estúdios de Julian, mas, os registros a respeito dos ateliês femininos - se ainda existentes - não foram até o momento divulgados. Dessa enumeração não exaustiva se pode perceber como a frequência à Julian era uma prática quase obrigatória entre os pensionistas brasileiros na França. Vários fatores contribuíram para isso e, a seguir, gostaria de relembrar os principais.

                  25.            Em primeiro lugar, havia o caráter liberal da admissão nos ateliês da Academia Julian: Por intermédio do pagamento de uma quantia relaticativamente módica, os brasileiros podiam “exercitar-se” no desenho de modelo-vivo, hábito ainda considerado fundamental pela maior parte dos artistas da época. É certo que tal rotina não diferia muito daquela vigente na ENBA e, com o tempo, alguns dos pensionistas brasileiros passaram mesmo a julgá-la redundante. Para aqueles que haviam obtido o prêmio como alunos da ENBA havia, porém, a necessidade de executar os trabalhos que vigoravam como obrigações de pensionista e aos quais me referi no início desse artigo. Georgina de Albuquerque forneceu um testemunho indireto dessa situação, ao se referir à passagem do marido Lucílio pelo ateliê Julian situado na Rue de Dragon, frisando que a permanência dele ali teria sido “a estrita necessária para executar as cabeças e academias de obrigações de envios de pensionista”.[27] Henrique Cavalleiro, em uma entrevista dada a Angyone Costa em fins dos anos 1920, expôs de maneira ainda mais clara esse interesse pragmático com relação à Julian: “Embarcando para Paris, fiz o sacrifício imposto pelas minhas condições de pensionato de matricular-me na Academie Julien [sic], onde apenas estudei seis mezes. Não tive mais paciência para supportar aquella severa disciplina, a que nove annos de Escola me acostumara, passivamente.”[28]

                  26.            Outro atrativo mais substancial para os brasileiros com relação à Academia Julian dizia respeito às possibilidades ali oferecidas de se projetar no meio artístico parisiense. Como já fiz referência, o trabalho desenvolvido por Julian e seus professores contratados não se limitava às lições de ateliê, mas envolvia também o lançamento das carreiras independentes de seus discípulos. À medida que o ingresso em instituições como a École des Beaux-Arts cada vez menos de tornava um expediente obrigatório para a afirmação profissional na dinâmica cena das artes em Paris, Julian inclusive incrementou os esforços nessa direção. Com um objetivo análogo, vigorava nos ateliês da Julian um acirrado sistema de emulação, com concursos preparando os estudantes para os desafios que iriam enfrentar no futuro, tanto na competição do mundo profissional, quanto ao exibir seus trabalhos nos Salons da época.[29]

                  27.            Com relação a esse último tópico, Julian implementou desde os primórdios de seu empreendimento uma eficaz política de favorecimento dos alunos que frequentavam seus ateliês. Estes participavam dos dois grandes Salons que monopolizavam as atenções no período aqui tratado - o da Société des Artistes Français e o da Société Nationale des Beaux-Arts[30] - não só devido à qualidade intrínseca de seus trabalhos, mas graças também à influência direta de seus mestres na Academia Julian. Como membros frequentes dos júris dos certames, esses últimos asseguravam que seus discípulos fossem ali bem representados; por volta de 1890, certa quantidade de espaço nos Salons parisienses parecia mesmo se encontrar reservada aos alunos da Academia Julian. Isso nem sempre foi encarado como um expediente positivo por estes, como se pode deduzir da seguinte declaração de Alice Kellog, uma aluna estadunidense da Julian, se queixando após ter tido um de seus esboços aceito no Salon, ainda no final da década de 1880: “Nosso entusiasmo pelo Salon é decididamente precipitado pelo fato inegável - e nada dissimulado - da onipotência da 'influência' e da manipulação. Todos sentimos que o fato de sermos pupilos de Julian fez mais da metade do que era necessário para obtermos nossa admissão.”[31]

                  28.            É muito provável que a frequente e ainda pouco pesquisada participação de brasileiros nos certames parisienses durante a década final do século XIX e as primeiras décadas do século passado se deva, ao menos em parte, a essa estratégia de promoção levada a cabo por Julian visando ao favorecimento daqueles que frequentavam seus ateliês. Aqui, é necessário não perder de vista o quão importante era para um artista brasileiro ter uma obra exposta em um dos Salons parisienses: tal feito invariavelmente obtinha repercussão no meio acadêmico brasileiro e mesmo na imprensa local, contribuindo para a consolidação da carreira profissional do pensionista, quando de sua volta ao Brasil.

                  29.            Por fim, o último fator de atração da Academia Julian sobre os brasileiros que eu gostaria de destacar se relaciona aos próprios mestres que lá lecionavam. Cumpre logo frisar, de imediato, que o contato com estes era necessariamente ligeiro: as classes da Julian eram normalmente superlotadas e, portanto, a atenção que cada mestre podia dispensar a um determinado aluno em particular era forçosamente pequena. Ainda assim é possível detectar traços nas obras dos pensionistas brasileiros que remetem para os seus mestres franceses, tendo sido possivelmente deles assimilados.

                  30.            Jean-Paul Laurens foi um dos principais desses mestres. Artista muito associado àquela que, na época, era comumente designada Escola de Toulouse (École Toulousaine),[32] Laurens foi citado por Rodolpho Chambelland como o professor que mais o havia impressionado em Paris[33]; nesse mesmo sentido, é possível que o interesse perene de Lucílio de Albuquerque pelo gênero da pintura histórica, testemunhada nas suas reiteradas abordagens da vida do Padre Anchieta ou de episódios da Guerra dos Farrapos, deva algo ao celebrado pintor de L’excommunication de Robert le Pieux - quadro que foi copiado, vale lembrar, por Oscar Pereira da Silva [Figura 4], o último pintor a conquistar o Prêmio de Viagem pela Academia AIBA, em 1887, mas que, de fato, só seguiu para a Europa como pensionista após a proclamação da República.

                  31.            Mais acima, fiz referência à difusão das novas estéticas da pintura decorativa dentro da Academia Julian. Isso se devia, em grande parte, a atuação de figuras como J.-P. Laurens, que foi também um renomado pintor de decorações públicas. Em obras como La muraille também chamada La défense de Toulouse devant Montfort [Figura 5] ou Le Lauragais, ambas adquiridas pelo Estado francês para decorar o Capitólio da cidade de Toulouse, Laurens apresenta uma maneira de pintar então julgada especialmente adequada à sua função decorativa. Críticos de arte da época, como André Michel e Albert Maignan, assim comentavam a fatura de Laurens em tais obras: “o grão da tela é visível por toda parte, a cor, sustentada pelo veículo leve e móvel na qual esta dissolvida, penetrou seu suporte sem alterá-lo”; “esse processo confere ao todo um delicadeza, um aspecto de fresco, qualidade muito apreciável em uma decoração.”[34] Essas decorações de Laurens se inseriam, portanto, na linhagem daquelas realizadas por Pierre Puvis de Chavannes, o mais festejado decorador de seu tempo, louvado justamente pela maneira como adequava suas pinturas aos espaços arquitetônicos que era chamado a ornamentar. Os discípulos brasileiros de Laurens, como Lucílio e Rodolpho Chambelland, não tardaram a incorporar em seus próprios trabalhos decorativos essas características presentes nos exemplos do mestre. Disso dão testemunho as decorações em marouflage de Chambelland para a cúpula do atual Palácio Tiradentes [Figura 6] ou para o Salão Nobre do Palácio Pedro Ernesto [Figura 7], nas quais foi auxiliado por seu irmão Carlos Chambelland, bem como as pinturas feitas por Lucílio, nesse último edifício, para os tetos das Salas da Maioria e da Minoria [Figura 8]. As decorações do Palácio Pedro Ernesto remetem, igualmente, para outros trabalhos decorativos realizados para o Capitólio de Toulouse, como aqueles de Paul-Jean Gervais, professor da Academia Julian e outro mestre toulousiano.[35]

                  32.            Ao meu ver, a tão falada absorção da estética impressionista por parte dos pensionistas brasileiros também se encontrava em parte relacionada à relação com alguns desses mestres que lecionavam na Julian. Entre a de diversos outros brasileiros, a produção de Georgina de Albuquerque (que não foi, a bem dizer, pensionista da ENBA, mas cuja permanência em Paris se deveu ao marido) é representativa desse fato. Em quadros como Manacá [Figura 9], Georgina aplica uma fatura “impressionista” à pintura de uma figura humana, procedimento muito comum em sua obra desde a década de 1910, pouco após a sua volta da Europa. Empregar esse tipo de tratamento, baseado em uma fatura bastante livre e na exacerbação da vibração cromática do quadro, a retratos e mesmo a pinturas de gênero era um partido já utilizado pelos próprios artistas ligados aos círculos independentes, especialmente na década de 1870, mas que foi levado a extremos por pintores como Paul Albert Besnard e o acima citado Paul Gervais, que teria sido mestre de Georgina na École des Beaux Arts e de outros brasileiros na Academia Julian. Uma comparação entre as pinturas de Gervais realizados para a Sala de Casamentos, no Capitólio de Toulouse [Figura 10], e Manacá ou outra tela da mesma Georgina, a famosa Sessão do Conselho de Estado que decidiu a Independência [Figura 11], evidencia o parentesco de tratamento que o francês e a brasileira imprimem a seus quadros e no qual convivem a liberdade das pinceladas e a plena manutenção do caráter anedótico dos motivos representados. Esse procedimento logo se tornaria moeda-corrente na orientação artística ministrada dentro da própria ENBA, como demonstra a tela de Primavera em flor [Figura 12], com a qual Armando Martins Vianna obteve o Prêmio de Viagem da Exposição Geral em 1926.

                  33.            Uma dinâmica similar de aproximação entre os brasileiros e segmentos da cultura figurativa francesa por via da Academia Julian, pode ser encontrada na absorção de tendências que marcaram os Salons, em especial a partir dos anos 1880, e que evoluíam entre Naturalismo,[36] Simbolismo, ideal moral e engajamento social. Nesse sentido, parece ter sido particularmente importante a relação do brasileiros com os pintores da chamada École de Nancy.[37] Henri Royer, mestre nomeado de alguns dos pensionistas brasileiros na Julian, foi um deles e a sua abordagem das tradições regionais e da vida contemporânea fora da capital francesa, presente em seus quadros ambientados na Bretanha como L’ex-voto ou La bénédicite [Figura 13], parecia, de fato, bastante afinada com os interesses dos brasileiros, muito interessados na criação de uma muito discutida “Escola Brasileira” de pintura. Um exemplo da relação entre Royer , cujo quadro Sur la butte [Figura 14] foi, inclusive, adquirido pela ENBA -, e os artistas brasileiros pode ser verificada, a meu ver, na obra de Carlos Chambelland, vencedor do Prêmio de Viagem na Exposição Geral de 1907. Após a sua volta da Europa, Carlos realizou uma série de quadros retratando tipos e cenas do nordeste brasileiro [Figura 15 e Figura 16], com uma fatura e em um realismo que remetem à produção do mestre francês. Mesmo que não tenha estudado diretamente com Royer, é pouco provável que Carlos não tenha se sentido atraído pela obra de um artista que, pouco antes da sua chegada à Paris, teria sido professor de seu irmão e participava ativamente do salão da Société Nationale des Beaux-Arts.

                  34.            Nesse mesmo sentido, a aproximação dos brasileiros da chamada Art Nouveau e das correntes simbolistas pode ser vista, em certa medida, como relacionada a essa presumida afinidade com pintores da École de Nancy e tendo como palco de mediação a Academia Julian. Só para citar um exemplo: em uma vertente da produção de Lucílio de Albuquerque particularmente perceptível em quadros como Primeiros frutos [Figura 17] ou Paraíso Restituído [Figura 18] - este último pintado ainda em Paris -, se nos apresenta a visão idílica de uma humanidade redimida e centrada na família, carregada de conotações análogas àquelas presentes nas pinturas de artistas como Émile Friant e, especialmente, nas obras decorativas de Victor Prouvé [Figura 19], um pintor que certamente não passou despercebido aos olhos de outros brasileiros, como Visconti e Helios Seelinger.

                  35.            À medida que se aproxima a década de 1920, começam a escassear os dados a respeito da atuação dos pensionistas brasileiros na Academia Julian. Novas investigações são necessárias para aprofundar o conhecimento a respeito desse período, mas desde já gostaria de fazer algumas considerações. É certo que os artistas brasileiros continuaram sendo atraídos pelos encantos de Paris. Ganhadores do Prêmio de Viagem nas Exposições Gerais como João de Paula Fonseca (prêmio em 1923), o citado Armando Vianna ou Manoel Santiago (prêmio em 1927) lá passaram a maior parte de suas estadias na Europa - porém, carecemos de indicações precisas a respeito das instituições de ensino que eles porventura frequentaram. Um outro exemplo: Guttmann Bicho, prêmio de viagem na Exposição Geral de 1921, em uma carta datada de agosto de 1922 e endereçada ao seu cunhado, o escritor Agrippino Grieco, relatou sua rotina - “eu aqui meio isolado, a não ser o Cavalleiro, que sempre janta comigo, o resto é pintar e passeiar as tardes, nos jardins e nos museus que já se paga um franco” -, sem fazer referências à frequência de qualquer academia.

                  36.            Por outro lado, no final da 1ª República, alguns indícios apontam para o fato de que, ao menos para alguns pensionistas, o sistema pedagógico da arte na França se encontrava caracterizado por uma crescente decadência. É o que se pode deduzir do testemunho apresentado por Alfredo Galvão, em uma carta endereçada ao secretario da ENBA, datada de 1930. Galvão já se encontrava então no seu terceiro ano como pensionista e, justificando perante as críticas feitas pelos professores-pareceristas da Escola aos seus envios anteriores, teceu uma descrição deprimente do meio artístico parisiense, procurando, simultaneamente, apontar as causas de tal estado de coisas. Nas palavras de Galvão, um ciclo parecia terminar:

                  37.                                                  Paris de hoje não é a de 40 annos passados. As academias são perigosas pelo ambiente desorganisado e pello que nelas se faz.

                  38.                                                  O numero de amadores é immenso; inglezas velhas e chinezes e americanos “nouveaux riches” e futuristas e dadaístas e “snobs” de toda espécie que tomam todos os lugares e tudo pertubam estabelecendo a confusão e o deboche cultural.

                  39.                                                  Os professores, mesmo os de grande nome, perderam as idéas e o fervor do magistério. Nada ensinam de útil, preoccupando-se mais com “estylo” e “personalidade” e ”symphonias” do que com o officio de pintar e com a verdadeira arte.

                  40.                                                  Isso tudo é natural: a Europa perdeu na guerra 10.000.000 de homens que deveriam ser a sua fina flor intellectual. O que ficou, salvo raras excepções, não representa grande cousa. Os artistas edosos, os que amadureceram na Escola do trabalho honesto ou não ensinam ou temem o julgamento dos novos e não fazem do mesmo senão um meio de vida.

                  41.                                                  Assim, as únicas coisas que se aproveitam aqui, Sr. Secretario, são - ver museus, assistir, ouvir conferencias e comprar livros a prestações... salvo se nos fosse dado ter um atelier e modelos para trabalhar-se conscienciosamente, cousa impossível com poses de 6 dias ou de 5 minutos, num ambiente desastroso e sem a menor animação, como as academias...

                  42.                                                  Esse “premio de viagem”, Sr. Secretario, é um suplicio de Tantalo.[38]

                  43.            Tal descrição parece abarcar, indiscriminadamente, tanto a École des Beaux-Arts - que, como vimos, Galvão foi obrigado a frequentar, quanto as academias livres - segundo o próprio pintor, ele frequentou não a academia Julian, mas sim a Académie de la Grande Chaumière, onde foi aluno de René Prinet.[39] A trajetória em Paris de contemporâneos de Galvão, como Candido Portinari e o já citado Quirino Campofiorito, parece confirmar um desinteresse pelo ensino artístico ali dispensado. Portinari, aluno livre da ENBA na década de 1920 e ganhador do Prêmio de Viagem na Exposição Geral de 1928, sequer teria se aproximado de qualquer das academias parisienses durante sua estadia na cidade; já Campofiorito, que chegou à Paris em 1930, teria, sim, frequentado a Julian, mas por pouquíssimo tempo, se mudando logo em seguida para Roma. Os atrativos da “Cidade-Luz” para os brasileiros se identificavam, cada vez mais, com o seu riquíssimo acervo cultural (“Só o ambiente francês que era muito favorável. Ambiente histórico: castelos, o museu do Louvre com milhares e milhares de pinturas e esculturas. Nesse ponto é que a gente lucrava mesmo”, lembraria Galvão em uma entrevista tardia).[40] Já o outrora procurado sistema de ensino artístico de Paris, no qual por décadas pontificaram os abarrotados ateliês da Academia Julian, parecia mergulhar em um irreversível ostracismo.

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[1] Os textos fundamentais de C. Fehrer são: New Light on the Académie Julian and its founder (Rodolphe Julian), Gazette des Beaux-Arts, maio/junho, 1984; The Julian academy, Paris 1868-1939. Nova Iorque: Shepherd Gallery, 1989 (Catálogo de exposição seguido de listas alfabéticas dos professores e alunos); e Women at the Académie Julian in Paris, The Burlington Magazine, Londres, cxxxvi (1100), novembro, 1994.

[2] Nesse sentido, ver, por exemplo, os textos reunidos no catálogo da exposição organizada no Dahesh Museum por Gabriel Weisberg e Jane Becker, Overcoming all obstacles: the women of the Académie Julian. Nova York/Londres, The Dahesh Museum / Rutgers University Press, 2000.

[3] COLI, Jorge. A Batalha de Guararapes de Victor Meirelles e suas relações com a pintura internacional. (Tese de Livre-Docência) Campinas: Unicamp, IFCH, 1997.

[4] ALVES, Caleb Faria. Benedito Calixto e a construção do imaginário republicano. Bauru: Edusc, 2003.

[5] NUNES, José Luis. Eliseu d’Angelo Visconti: Sua formação artística no Brasil e na França. (Dissertação de Mestrado) Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, UFRJ, 2002, especialmente a parte 3.3, “A Academie Julian (1893-1897)”.

[6] SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. A viagem a Paris de artistas brasileiros no final do século XIX. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1, p. 345; texto disponível em PDF no site <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702005000100015> Acesso em 12 jun. 2006.

[7] Quirino Campofiorito lembra, por exemplo, dos pintores fluminenses Manuel da Cunha e Manuel Dias de Oliveira, e dos baianos José Joaquim da Rocha e José Teófilo de Jesus , que estudaram, ainda no século XVIII, em capitais européias como Lisboa e Roma (CAMPOFIORITO, Quirino. História da Pintura Brasileira no Século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983, p.27-33).

[8] Idem, ibidem, p.98.

[9] Regulamento para o processo dos concursos, na Escola Nacional de Belas Artes, para os lugares de pensionista do Estado na Europa, a que se refere o aviso desta data. Capital Federal, 26 de Outubro de 1892, Art. 9o., Capitulo unico (ver link).

[10] Nesse sentido, consultar as Instruções para os Premios de Viagem aos alumnos por aviso de 23 de outubro de 1905. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905 (ver link), e as instruções reformadas que constam na Acta do Conselho Docente, realizada em 9 de maio de 1914. Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Notação: 6156, p.43 verso-47 recto (ver link).

[11] Cfr. a esse respeito o Capítulo III (Das Recompensas), constante no Regimento das Exposições Geraes de Bellas Artes - 1893 (ver link).

[12] Instruções para a execução do Título IX dos Estatutos da Academia de Belas Artes, que trata dos pensionistas do estado..., 31 de outubro de 1855 (documento transcrito por Alfredo Galvão e pertencente a Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ).

[13] Após chegar a Paris, Amoedo “[...] não se livrou desde logo, da má vontade dos que ficaram. Se o regulamento dos prêmios de viagem já era por si mesmo exigente, para Rodolpho Amoedo se tronou escorchante.” GOMES, Tapajós. Rodolpho Amoêdo, mestre do nosso museu. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 23 de julho de 1939, p. 28.

[14] O concurso de admissão da École des Beaux-Arts, a partir do decreto de 1884, determinava o mesmo procedimento para franceses e estrangeiros. As provas de ingresso realizavam-se duas vezes ao ano, nos meses de março e agosto, e consistiam nas seguintes etapas: para os pintores, um desenho a partir do natural em uma das sessões e a partir de um gesso em outra, a serem executados em doze horas (exame considerado eliminatório); depois um desenho de anatomia (osteologia) executável nas loges em duas horas; um exame de perspectiva a ser feito nas galerias em quatro horas; um objeto em relevo com indicações de linhas em perspectiva; um fragmento de figura modelada a partir de um gesso, a ser feito em nove horas; um exercício de arquitetura elementar, feito ao longo de seis horas nas galerias; um exame, escrito ou oral, sobre as noções gerais de história. Para os escultores mantinham-se as mesmas etapas, porém não haveria prova de perspectiva, a figura deveria ser modelada d’après nature em condições similares às dos pintores” (SIMIONI, Ana Ana Paula Cavalcanti, op. cit., p.345).

[15] A comissão julgadora aprovou então “um additivo proposto pelo prof. Amoêdo para que se exigisse mais do pensionista a matricula na Escola de Bellas Artes de Paris” (Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Notação: 6158. Acta da sessão da Congregação da Escola Nacional de Bellas Artes, effectuada em 7 de novembro de 1927, p.124 recto.

[16] É o que se pode inferir, por exemplo, da constatação de Manoel de Araújo Porto-alegre - “nossa escola está muito fraca no desenho, muito e muito fraca” -, feita à Victor Meirelles, exortando-o a trabalhar com afinco na Europa (consultar, no presente site, Três cartas a Victor Meirelles, 1854, 1855, 1856 cfr. link), e das considerações de Cesare Marianni, professor da Accademia di San Luca em Roma, a respeito da necessidade do então pensionista Zeferino da Costa se aplicar “ao Desenho, aos modelo vivos e ao clássicos para aperfeiçoar seus estudos” (citado em SÁ, Ivan Coelho de. Academias de modelo vivo e bastidores da pintura acadêmica brasileira: a metodologia de ensino do desenho e da figura humana na matriz francesa e a sua adaptação no Brasil do século XIX e início do século XX. (Tese de Doutorado) Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, UFRJ, 2004, p.532).

[17] ALBUQUERQUE, Georgina. Auto-Biografia. Documento datilografado pela artista, 18 de janeiro de 1958, p.1 (Pasta A 42/15, Biblioteca do Museu Nacional de Belas Artes/RJ).

[18] Ao ser indagado por um jornalista a respeito do que ele havia aprendido na Europa, Visconti  respondeu: “Nada. Na Europa eu apenas trabalhei. A minha arte aprendi-a realmente aqui como aluno do Liceu e da Escola. Daqui levei a base que, quando muito, poderiam ter sido aperfeiçoadas lá. E isto eu não me canso de proclamar sempre que se me oferece a oportunidade” (Citado em CAVALCANTI, Ana M. T. Les Artistes Brasiliens et “Les Prix de Voyage en Europe” a la Fin du XIXe Siécle: Vision d’Ensemble et Etude Approfondie sur le Peintre Eliseu D’Angelo Visconti (1866-1944). Université de Paris I - Pantheon-Sorbonne, 1999 (Tese de Doutorado), p.101. Disponível em: <http://ana.canti.googlepages.com/>. Acesso em 12 jun. 2006.

[19] A respeito das academias livres na Itália, ver: DAZZI, Camila. Pensionistas da Escola Nacional de Belas Artes na Itália (1890-1900) - Questionando o “afrancesamento” da cultura brasileira no início da República. 19&20, Rio de Janeiro, v. I, n. 3, nov. 2006. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/pensionista_1890.htm>. Post scriptum, set. 2015: DAZZI, Camila. A Associazione Artistica Internazionale di Roma - sodalício de artistas estrangeiros residentes na Itália em fins do século XIX. 19&20, Rio de Janeiro, v. IX, n. 1, jan./jun. 2014. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/aairoma.htm>.

[20] A Academia Colarossi foi uma instituição fundada pelo escultor italiano Filippo Colarossi e contava entre seus professores com artistas consagrados como Paul-Émile Colin, Courtois e P. A. Dagnan-Bouveret.

[21] WEISBERG, Gabriel. The women of the Académie Julian: The power of professional emulation. WEISBERG, G.; BECKER, J. (edit.). Overcoming all obstacles: the women of the Académie Julian. Nova York/Londres, The Dahesh Museum / Rutgers University Press, 2000, p.20-21).

[22] Idem, ibidem, p.22-23.

[23] FEHRER, C. Women at the Académie Julian in Paris. The Burlington Magazine, Londres, cxxxvi (1100), novembro, 1994, p.757); Fehrer cita, nesse sentido, o artigo Les Ateliers d’Amateurs, publicado no Figaro de 10 de janeiro de 1887.

[24] Idem, ibidem, p.38.

[25] Inventário: Archives de l'Académie Julian, 63AS 1 a 8, período compreendido entre 1890-1928. Repertório numérico datilografado por Françoise Hildesheimer, 5 p.

[26] Eliseu Visconti frequentou a Academia Julian em duas outras oportunidades, em 1904 e 1916, períodos em que se encontrava em Paris não mais como pensionista. Com relação a passagem de Campofiorito pela Julian, cfr. Quirino Campofiorito - Retrospectiva. Rio de Janeiro/Niterói: MNBA/Museu Antonio Parreiras, p.22 (Catálogo de exposição). No que diz respeito a Baptista da Costa, indico aqui o ano de 1896 como data aproximada de sua matrícula na Julian, com base no fato do artista só ter se dirigido para a Europa após a conquista do Prêmio de Viagem na Exposição Geral, em finais de 1894. De todos os artistas listados, o único não-pintor foi Modestino Kanto, escultor, que, segundo ele próprio, frequentou a Julian por poucos meses, estudando estatuária com “Landwsky [sic], pae, e Bouchard”. COSTA, Angyone. A inquietação das abelhas (O que dizem nossos pintores, escultores, arquitetos e gravadores, sobre as artes plásticas no Brasil). Rio de Janeiro: Pimenta de Mello & Cia, p.234.

[27] ALBUQUERQUE, Georgina de. Lucilio de Albuquerque e a fase impressionista de sua pintura. Texto datilografado da conferência pronunciada pela artista na Pinacoteca de São Paulo, em 11 de outubro de 1951, p.2 (Acervo da Pinacoteca de São Paulo, pasta Georgina de Albuquerque).

[28] Citado em COSTA, Angyone, op. cit., p.127.

[29] Lucilio de Albuquerque foi um dos brasileiros premiados nesses concursos da Julian, como demonstram as seguintes notas reproduzidos no catálogo de sua retrospectiva póstuma, realizada em 1942: “Lucilio de Albuquerque obtient le prix (dessin) pour um homme bien equilibré, appuyé sur as lance, l’autre poing fermé” (L’Academie Julian, Paris, n.º 5, março de 1908); “Concours de Dessins: Je tiens a nommer Lucilio de Albuquerque, eleve de J. P. Laurens et H. Royer dont l’effet d’ombres etait amusant et seducteur” (L’Academie Julian, Paris, novembro de 1909), citado em Lucilio de Albuquerque - Exposição Retrospectiva. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo, 1942, p.55 e 57 (Catálogo de exposição).

[30] O primeiro, organizado Société des Artistes Français era o herdeiro direto do Salon criado por Louis XIV, em fins do Seiscentos, e realizava-se anualmente no Champs-Elysées. A partir de 1890, depois de uma cisão na Société, um segundo Salon, também subvencionado pelo Estado, passou a ser realizado no Champ de Mars, sob a égide da então criada Société Nationale des Beaux-Arts, cujo primeiro presidente foi Ernest Meissonier. Ao lado desses certames oficiais, haviam outros nos quais as novas correntes estéticas apareciam com maior destaque. O mais famoso foi certamente o Salon des Indépendants, criado em 1884: não possuindo júri nem premiações, foi um marco da era das chamadas secessões na Europa. Em 1903, foi inaugurado o Salon d’Automne, exposição também realizada anualmente, que nos seus primórdios abrigou os Fauves.

[31] Citado em FEHRER, Catherine, op. cit., p.754.

[32] Termo que descreve mal a tendência, já que, além do local de nascimento, existem poucos laços que unam os artistas normalmente a ela referidos. Para além do citado Laurens, diversos outros artistas são normalmente referidos a tal escola, como Benjamin Constant, Henri Martin, Edouard Debat-Ponsan, Alexandre Falguière, Antoine Mercié, Henri Rachou, Jean-André Rixens, Paul Gervais, Casimir Destrem, Edmond Yarz e Jules-Jacques Labatut.

[33]Durante seis mezes, freqüentei o ‘atelier’ Julien [sic]. Tive contato com diversos professores, sendo que o velho mestre João Paulo Laurens foi talvez o espírito que maior influencia exerceu sobre o meu, nesta época distante da minha vida” (Citado em COSTA, Angyone, op. cit., p.96; cfr. link).

[34] Citados em VAISSSE, Pierre. La IIIe République et les peintres. Paris: Flammarion, p.263.

[35] As ligações dos brasileiros com a École Toulousaine parecem ter sido estreitas. Basta lembrar que, nesses mesmos meados dos anos 1900, quando da realização das decorações do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Eliseu Visconti parece ter se inspirado diretamente nos procedimentos divisionistas utilizados por Henri Martin em suas pinturas para o acima referido Capitólio de Toulouse, que decoram a hoje chamada, em homenagem ao próprio artista, Sala Henri Martin. Essas pinturas foram expostas no Salon des Artistes Français, em 1906, e Visconti então anotou a respeito delas: “Capitole de Toulouse H .M. Toute sa peinture est vue de loin. Il modèle par valeur e non par le modelé lui-même. C’est ce qui donne simplicité. Toutes ce couleur se mêlent depuis le premier plan jusqu’au le dernier. L’air circule partout. Comme valeur trois au maximun. Le mélange de couleur se fait pour juxtaposition avec beaucoup [...] est jamais fondues les unes dans les autres. C’est justament le résultat frais et lumineux que l’on obtient de sa peinture” (CAVALCANTI, Ana M. T., op. cit., p. 247).

[36] O termo é pensado aqui na linha da acepção proposta por Edward Lucie-Smith e Célestine Dars em Work and struggle: the painter as witness 1870-1914. Paddington Press, 1977.

[37] A respeito dos pintores da École de Nancy, cfr. o catálogo da exposição L'école de Nancy: peinture et art nouveau. Paris: Éditions de la Réunion des Musées Nationaux, 1999.

[38] Acervo Arquivístico do Museu Dom João VI/EBA/UFRJ. Notação: 6104. Data: 09/11/1930.

[39] Cfr. Palestra do Professor Alfredo Galvão - Pintura. In: Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1959, p.72.

[40] Citado em TERRA, Carlos G. Alfredo Galvão e o ensino na EBA, Arquivos da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ / EBA, 1999, p.56.