Pedro Correia de Araújo na Academia Ranson, 1911-1918

Rafael Bteshe*

Como citar: BTESHE, Rafael. Pedro Correia de Araújo na Academia Ranson, 1911-1918.  19&20, Rio de Janeiro, v. XX, 2025. DOI: 10.52913/19e20.xx.07. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/19_20/artigo/academie-ranson/

•     •     •  

1. O presente artigo é um recorte da tese de Doutorado intitulada Pedro Luiz Correia De Araújo (1881-1955): entre a ciência da forma e os caracteres brasileiros, realizada no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ. O artigo aborda a participação do artista brasileiro Pedro Correia de Araújo na Academia Ranson, no período de 1911 a 1918. Araújo foi um dos primeiros artistas brasileiros a integrar a chamada École de Paris, ao lado de artistas como artistas Pablo Picasso, Amedeo Modigliani, Diego Rivera e Henri Matisse. Na França, estudou e lecionou na Academia Ranson, ateliê livre criado pelos pintores do grupo Les Nabis, onde ocupou a cadeira de Maurice Denis, lecionando aulas de croquis com notório sucesso de público. Em 1918, deixou o cargo nesta academia e fundou a sua própria escola de ensino de artes – Académie Araújo –, em Montparnasse, onde estudaram artistas vindos de diversas partes do mundo. Em 1929, Araújo retornou definitivamente para o Brasil, encontrando solo fértil na efervescência do art déco, com a sintetização e configuração das formas, aspectos plásticos que já vinha trabalhando em sua metodologia de aula na Académie Araújo, desde 1918. No Rio de Janeiro, ministrou palestras e participou dos salões da Escola Nacional de Belas Artes, escreveu dezenas de artigos no jornal Correio da Manhã, e teve participação ativa na organização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Na década de 1950, esteve diretamente ligado ao Museu de Arte Moderna-RJ, sendo presença constante nos eventos do local. A história de Pedro Correia de Araújo é, portanto, um fio que nos conduz da École de Paris ao desenvolvimento do modernismo no Rio de Janeiro, em uma rede de trocas entre artistas de diferentes nacionalidades e contextos.

A Academia Ranson

2. É a partir do interior da Académie Julian, em Paris, da insatisfação com a metodologia de ensino dessa última, e das paisagens pintadas em Pont-Aven, na Bretanha, que foi fundado, em 1888, o grupo Les Nabis. A partir de 1890, seus membros passaram a encontrar-se no ateliê de Paul Ranson, em Montparnasse, que chamavam de Le Temple.

3. Os primeiros anos de 1900 tornaram-se difíceis para Ranson, que, com a morte de seu pai, declinou em fragilidade emocional, física e financeira.[1]  Com o intuito de levantar recursos para ajudar o colega e sua família, Kerr Xavier Roussel propôs aos outros Nabis a criação de uma escola de arte.  Assim, em outubro de 1908, foi fundada a Académie Paul Ranson, uma “Academia de Pintura, Escultura e Arte Decorativa,” localizada na Rue Henri Monnier, 21 (9e arrondissement), em Montmartre, tendo como professores: Paul Ranson, Aristide Maillol, Théo van Rysselberghe, Paul Sérusier, Félix Vallotton, Pierre Bonnard, Kerr Xavier Roussel, Georges Lacombe, Edouard Vuillard e Maurice Denis.[2]

4. O projeto da Academia acabou revelando a identificação do grupo com o campo da teoria e da educação, interesse existente em muitos artistas dessa época, que passaram a difundir suas teorias por meio do trabalho como professores, além de registrar e publicar suas ideias sobre a arte no formato de livros, manifestos e tratados.

5. Em fevereiro de 1909, Paul Ranson faleceu devido a uma complicação causada por febre tifoide. Com isso, sua esposa, chamada France Ranson, assumiu a direção da Academia, função que exerceu até 1932.

6. Em outubro de 1911, a Academia é transferida para o outro lado do Rio Sena, migrando de Montmartre para Montparnasse, para a Rue Joseph-Bara, 7, aproximando-se assim das principais academias da época – Académie Colarossi, Académie de la Grande Chaumière e Académie Julian. É no novo endereço, na agora chamada Academia Ranson, que Pedro Correia de Araújo iniciou seus estudos de pintura. O novo espaço era maior que o anterior, possuindo um jardim na entrada, dois ateliês, janelas amplas e telhado com claraboia [ Figura 1 ].

7. A mudança de local da Academia acompanhava o movimento de jovens artistas que também migravam para a construção do novo centro artístico cosmopolita de Paris. Como aponta a historiadora Sandrine Goudal-Nicollier,

8. Uma das especificidades da Montparnasse nascente é seu cosmopolitismo. Paris reflete o espírito de tolerância e de liberdade. Afluência de artistas poloneses desde o fim do século XIX, russos emigram em grande número depois de 1905, os tchecos, húngaros, e imigrantes dos países do norte também se instalam no XIVème arrondissement. A Academia [Ranson] se beneficia dessa imigração. Os montparnassianos se nutrem das mudanças artísticas suscitadas pelo cosmopolitismo depois da primeira guerra, novo para sua ampliação, e favorável ao desenvolvimento das academias livres. As colônias de artistas estrangeiros se multiplicavam, fluindo sem cessar o número de inscrições.[3]

9. Com a troca de endereço, é perceptível um aumento sensível no número de inscrições em 1912, com exceção das sessões livres de croquis, que concorriam com as sessões oferecidas pela Académie de la Grande Chaumière, localizada no mesmo bairro.[4] Nesse momento, eram oferecidas aulas com os professores Pierre Bonnard, Maurice Denis, K. X. Roussel, Théo Van Rysselberghe, Paul Sérusier, Félix Valloton e Edouard Vuillard, nos horários da manhã (8h-12h) e da tarde (13h-17h); sessões de croquis com modelo vivo, diariamente no final de tarde (17h-19h); uma biblioteca; e exposições periódicas com trabalhos dos alunos.

10. De 1908 a 1918, a Academia Ranson também funcionou como o ateliê dos Nabis, de maneira que representou o último local em que estes trabalharam juntos, antes de sua dispersão. Em nossa pesquisa, a história dessa academia tem uma importância especial, já que foi o local em que Pedro Correia de Araújo estudou (de 1911 a 1915) e trabalhou (de 1915 a 1918) em grande parte do período que residiu na França. É interessante pensar a importância de Araújo ter vivenciado esse espaço e esse momento, não apenas pela clara influência dos Nabis em sua obra, mas por trazê-la para o Brasil. Quando pensamos a arte moderna brasileira das décadas de 1920 e 1930, pensamos diretamente no cubismo, futurismo e expressionismo; mas, por intermédio de Pedro Correia de Araújo, também podemos pensar nos desdobramentos do sintetismo, cloisonnisme e neotradicionalismo no Brasil. Ademais, o interesse por um novo classicismo e resgate das tradições, presentes nas falas de Maurice Denis e Paul Sérusier é parte da fala de Araújo no Brasil.

A formação de Pedro Correia de Araújo na Academia Ranson

11. O primeiro registro de inscrição de Araújo na Academia Ranson parece no dia 16 de janeiro de 1911, no curso misto, em horário integral. Pelas informações contidas nas cartas enviadas por Araújo para Denis, sabemos que estudou até 1915, quando ingressou como professor.[5]

12. Além de Araújo, entre os alunos que estudaram na Academia Ranson no período entre 1908 e 1915, ao lado de Alice Halicka (Polônia),[6] Maurice Bardier,[7] Gabrielle Faure (França),[8] Hüber, Jean Berque (França),[9] Jeanne Bardey (França),[10] Juan Manuel Gavazzo Buchardo (Argentina),[11] Roger de La Fresnaye (França)[12] e Yves Alix (França)[13] [ Figura 2a e Figura 2b ].[14]

13. A Academia Ranson diferenciava-se da maior parte das academias dessa época pelo fato de oferecer aulas de pintura, escultura e, principalmente, artes decorativas, com o aporte teórico de diferentes professores, que, por sua vez, tinham metodologias distintas. Ela não tinha o desenho de modelo vivo como sua finalidade principal – ainda que fosse parte da metodologia de estudo da forma – e, diferente da Académie de la Grande Chaumière e da Académie Julian, não se pretendia curso preparatório para o ingresso na École des Beaux- Arts.[15]

14. As artes decorativas eram integradas ao curso, tendo importância igual à das outras disciplinas, o que transparece na metodologia de aula de Maurice Denis. Como explica Goudal-Nicollier,

15. numerosos alunos de decoração ou futuros decoradores de teatro passaram pelo ateliê de Ranson. Todos sabem que seus professores mantinham os laços de igualdade entre as disciplinas e mostraram, desde a juventude, que os caminhos da renovação estética também passam pelo palco, pelo cartaz, pelos objetos, pelos biombos, pelos painéis decorativos.[16]

16. Pedro Correia Araújo é um desses artistas “decoradores.” Sua formação na Academia Ranson se reflete diretamente ao longo de sua obra, na França e no Brasil. Na condição de professores, Sérusier e Denis enfatizavam os aspectos formais da arte, em oposição à abordagem naturalista, presente em muitos casos da época. Tal posicionamento explica a identificação dos dois pintores com a chamada Escola de Beuron, fundada por uma confederação de monges beneditinos na Alemanha no final do século XIX.[17] De acordo com Sérusier,

17. O trabalho da cópia exercita o olho e a mão, mas inevitavelmente enfraquece a faculdade da qual falei [faculdade de perceber os equivalentes formais da natureza na arte] e, especialmente, a memória das formas em que ela se baseia. Que a imagem mental esteja mais ou menos de acordo com a visão comum, pouco importa. A escolha dos objetos nos quais empregamos as formas revela nossos gostos e preferências; ela contribui para o nosso estilo.[18]

18. Sérusier trazia com frequência problemas da teoria da pintura para suas aulas, no que se refere aos aspectos tanto formais – geometria e problemas da forma no espaço bidimensional -, quanto plásticos – estrutura da materialidade e “cozinha” da pintura. Ele enfatizava a teoria e, sintomaticamente, escreveu um tratado sobre os problemas básicos da pintura. Foi um difusor das ideias de Desiderius Lenz e da Escola de Beuron na França, que destacava a idealização poética em oposição ao “desenho fotográfico.”[19]

19. Já Maurice Denis valorizava a vivência empírica, por meio do trabalho com exercícios e materiais variados − decoração de objetos do cotidiano, decoração mural, estudo de composição por meio do exercício de naturezas-mortas, estudo da forma por meio da observação de modelo vivo ou pelo estudo de esculturas em gesso −, trazendo com frequência as artes decorativas para suas aulas. Para Denis, era importante evitar a zona de conforto e o procedimento automático de trabalho. Para isso, variava constantemente os exercícios, a fim de que o aluno não se prendesse a um campo de conformismo ou de fórmulas. Nas palavras de Robert Boulet,[20] um aluno de Denis,

20. para cumprir toda uma semana de trabalho na Academia – da pequena notação de cor, tradução do primeiro frescor de impressão; depois de ser privado de seus pincéis, fazer os estudos de desenho, estudar os mestres do passado; mudar completamente de gênero e de tática de uma semana para outra para aprender o ofício sem cair na pura virtuosidade; acumular as notações de memória; decorar as superfícies e os mais diversos objetos.[21]

21. Além do estudo com técnicas variadas, Denis enfatizava a importância do trabalho coletivo, talvez inspirado na experiência observada na “guilda” de Beuron. Nesse sentido, as artes decorativas tinham um papel fundamental, já que agregavam diferentes artistas em uma mesma obra, trabalho que Denis levava para além da Academia, resultando na fundação dos Ateliers d’Art Sacré (1919-1947), com ex-alunos integrando-se ao grupo.[22]

22. Segundo Goudal-Nicollier, “as aulas teóricas constituíam uma parte importante do programa. Maurice Denis reunia seus alunos em torno de si após a correção da manhã de sábado, estimulando os debates sobre a música e sobre a obra dos antigos mestres.”[23]

23. Como parte das atividades teóricas, os professores convidavam artistas para ministrar palestras na escola, como Louis Anquetin, pintor ligado ao cloisonnisme, e Henri-Gabriel Ibels, pintor e ilustrador que, em dezembro de 1911, ministrou dois cursos, um de história da arte e outro de história da moda, ambos com projeções de imagens [ Figura 3 ].

24. No mesmo ano, a Academia cria sua própria biblioteca, aberta aos alunos. Sérusier, por exemplo, doou à biblioteca uma edição recente do tratado Il libro dell’arte, do pintor Cennino Cennini,[24] com notas explicativas de Maurice Denis.[25]

25. Como argumenta Goudal-Nicollier,

26. Na Academia Ranson, a diversificação voluntária do ensino tende a não separar o artista do artesão e o praticante do intelectual. Tudo contribui para essa síntese: as reflexões de Maurice Denis e Paul Sérusier no plano teórico, o ensino de um conhecimento histórico de modelos, as horas literárias de Ker-Xavier Roussel, as pesquisas de técnicas antigas, o conhecimento da “cozinha” da pintura, o treinamento de decoração de objetos, a criação de cartão de tapeçaria, o desejo de Félix Vallotton de ensinar pela identificação do obstáculo na experiência prática, a dúvida e a desconfiança de Édouard Vuillard em face do absoluto teórico.[26]

27. Dentre os alunos da Academia que deixaram escritos sobre o ensino ministrado, destacam-se Robert Boulet e Gabrielle Faure. Ambos lá ingressaram em 1915, quando Araújo já era professor. Nos manuscritos inéditos de Boulet aparecem informações sobre os apontamentos de Maurice Denis a respeito da obra de Pedro Correia de Araújo. Pela data, acreditamos que se trata de uma visita pontual de Denis à Academia, já que em 1914 ele foi convocado para o serviço militar, se afastando formalmente das aulas. No manuscrito, datado de 15 de janeiro de 1916, Boulet comenta a análise de Denis sobre uma pintura de Araújo, realizada a partir da observação de um modelo vivo:

28. Correção de Academia

29. 1) sobre o fundo pintado de Araújo Tudo bem. A ideia é muito boa de ter colocado esse fundo de papel de parede.

30. I) O que é esse tom frio na barriga? Parece sujo: isso é por causa da tela ou devido à sua própria composição? Ele entra com muito preto. Ah, você coloca preto nesses tons quentes! Tenha cuidado deve haver uma unidade de luz, A luz dos braços, seios e pernas sendo quente, deve ser a mesma para o resto do corpo, caso contrário, parece que esta parte é atingida por um jato de luz artificial, elétrica − por um projetor.[27]

31. Em outra página, com registros da aula do dia 12 de fevereiro de 1916, Boulet escreve:

32. A Araújo. Isso está muito bom; mas procure uma execução. Essa execução seria Renoir, Rubens, Veronese. Pense em copistas: devemos sempre saber como uma obra é feita.[28]

33. Por esses trechos podemos ter uma ideia do ensino prático que Araújo recebeu de Denis. Na primeira correção, o mestre acha interessante o pano de fundo pintado por Araújo, atrás da modelo representada, o que faz pensar na importância do padrão decorativo para esses artistas, como observável em obras de Henri Matisse, Paul Gauguin ou pinturas mais tardias do próprio Araújo [ Figura 4 e Figura 5 ]. No segundo dia de correção, Denis recomenda que Araújo procure pensar o processo de criação da pintura com referência a pintores coloristas, no sentido de que Araújo deveria refletir sobre a construção cromática de sua pintura. Ao indicar “pense em copistas,” Denis se refere ao modo como a combinação de cores foi realizada pelos artistas mencionados não apenas quanto à justaposição de pinceladas, mas também quanto à sobreposição de camadas – o que chamamos de processos de pintura. Talvez por essa razão, Denis tenha indicado pintores em que a construção das etapas fica mais evidente na obra final, o que deveria facilitar o processo de instrução do uso da cor.[29]

34. Durante a pesquisa, encontramos apenas uma pintura realizada por Araújo na época de estudante [ Figura 6 ] e uma série de desenhos [ Figura 7 , Figura 8 e Figura 9 ] que revelam a metodologia de seus professores, principalmente no que se refere à ênfase nos elementos plásticos, o que consequentemente induz ao desenvolvimento das distorções em relação à referência observada na natureza e a uma certa autonomia da forma. Linhas rítmicas em arco configuram as formas dos corpos femininos, num processo sintético e abrupto, em que o olhar está atento ao ritmo geral. Provavelmente, estes desenhos foram executados de modo dinâmico nas aulas de croquis.[30]

A atuação de Pedro Correia de Araújo como professor na Academia Ranson (1915-1918)

35. Em 1914, com a eclosão a Primeira Guerra Mundial, muitos artistas são convocados para o serviço militar, entre os quais estava Maurice Denis, que, a partir de novembro, se afasta temporariamente das atividades do ateliê,[31] assim como, entre os alunos, Robert Boulet, Jean Berque e Hüber.[32] Nesse período, Araújo atua temporariamente como enfermeiro voluntário em Paris e em Biarritz.[33] Sérusier transfere-se para Bretanha, permanecendo afastado da Academia até 1917.[34] O número de alunos inscritos também é reduzido – “às vezes 3 ou 4 alunos inscritos por mês”[35] -, o que demanda sua reorganização.

36. Ainda que afastado, Denis acompanha a rotina da Academia, por meio das cartas trocadas com a diretora e com outros professores. Em 1915, Araújo propõe a Maurice Denis e a France Ranson a ideia de trabalhar como professor na Academia. Com o apoio de Denis e a aprovação de Ranson, Araújo inaugura o curso de croquis expliqué, que substitui as antigas sessões livres de croquis sem professor, e assume o lugar de Denis nas aulas regulares da manhã.[36]

37. Na condição de aluno, Araújo já vinha prestando serviços ao ateliê, tanto como assistente de Denis como por meio da criação de cartazes para divulgação da academia em jornais, que, segundo o artista, foram de grande ajuda ao ateliê.[37]

38. A dinâmica de trabalho de Araújo nessa época aparece brevemente em uma carta enviada a Denis, sem data, anterior a 1918 (provavelmente de 1917):

39. Encontrei duas moças descendo de um Sr. Chassériau, um modelo, uma dançarina, uma jovem suíça, três vontades diferentes e pálidas, Grout, [Georges Hanna] Sabbagh-[Maurice] Bardier. Às jovens e a Grout eu dei suas indicações: Grout fez mais progressos, Sabbagh mais e mais desencadeado – foi corrigido pelo Sr. [Félix] Valloton: que também veio, mas não viu ninguém além dele. Fazer um “ateliê de trabalho” de tudo isso, exercitar os olhos, amolecer as mãos para o seu retorno… Mademoiselle [Gabrielle] Faure, creio eu, deu conselhos antes da minha chegada: tão sem interesse; não sei se Mademoiselle [Andree] Fontainas[38] retornará; e não revi nenhum dos jovens convocados [Robert] Boulet, [Jean] Berque, Hüber. A cara Sra. Ranson está muito preocupada em “fazer a Academia funcionar”: sobre a divulgação: eu trabalho em pequenos cartazes: ela me pede também um pôster mais respeitável para todos os cursos: Se você quisesse fazer um grande desenho colorido, eu reproduziria 4 ou 8 cópias − fielmente à mão?[39]

40. A carta trata da rotina de trabalho da Academia aos sábados, dia da correção dos trabalhos realizada pelos professores – nesse caso Félix Valloton e Pedro Araújo. O primeiro professor parece só ter corrigido o trabalho de Georges Hanna Sabbagh, pintor egípcio que estudou na Academia Ranson, enquanto Araújo orientou jovens mulheres e Grout, a partir das indicações de Denis. O nome de Grout aparece nas fichas de inscrição, mas sem mais informações sobre seu primeiro nome, nacionalidade ou data de nascimento, o que dificulta sua identificação. Além de Valloton e Araújo, Gabrielle Faure também fornece indicações aos alunos, talvez por ser uma aluna mais antiga – uma espécie de estágio antes de tornar-se professora. Faure foi discípula e assistente de Maurice Denis nos Ateliers d’Art Sacré e trabalhou como professora da Academia Ranson em 1921 e 1922. Sabbagh e Faure aparecem na foto da turma de Maurice Denis, que apresentamos na Figura 2a.

41. A carta demonstra o respeito de Araújo por Denis, uma relação de discípulo e mestre, o que transparece em todas as correspondências entre eles. Nesse documento, Araújo se refere aos cartazes de divulgação da Academia que costumava fazer [ Figura 10 e Figura 11 ], e que discutiremos abaixo, prática que também adotará em sua academias pessoais na França e no Brasil. Nesse momento, no entanto, além dos cartazetes, Araújo propõe que Denis componha o desenho de um grande cartaz, que serviria como base para que Araújo fizesse cópias manuais, ideia que possivelmente resultou nos cartazes da Figura 12 e Figura 13. A presumida cópia realizada por Araújo tem origem no pedido de France Ranson, que buscava reduzir ao máximo os gastos da Academia, nesse caso economizando com a contratação do ateliê de impressão de cartazes.

42. O desenho da Figura 12 foi realizado por Denis e encontra-se no Musée Départemental Maurice Denis; o da Figura 13 pertence ao acervo particular de Marc-Olivier Bitker, bisneto de Paul e France Ranson, juntamente com os arquivos da Academia Ranson que sobreviveram ao tempo. Sandrine Goudal-Nicollier levanta a hipótese de que esse cartaz foi último realizado por Araújo, enquanto Bitker defende que ele é de Maurice Denis. A principal argumentação de Goudal-Nicollier para a defesa de sua hipótese é o fato de o cartaz da coleção de Bitker possuir o selo de autorização de postagem da prefeitura (“janeiro de 1918”), de modo que seria improvável que alguém expusesse na rua um desenho original de Maurice Denis, que, nessa época, já era um artista consagrado.[40] Quanto à hipótese de Bitker, é fundamentada nos relatos de sua família, em especial de Brigitte Ranson Bitker.[41]

43. A composição dos cartazes apresenta três musas, tradicionalmente ligadas às ciências e às artes, e fonte de inspiração na cultura clássica ocidental. A figura da esquerda – talvez Urânia, musa da astronomia – traça uma forma num papel com um compasso, instrumento que nos remete à milenar associação de geometria e arte.

44. A referência às musas enquanto alegoria das artes aparece em uma das crônicas de Pedro Correia de Araújo, pelas palavras do personagem “Theodoro:”

45. […] canta Orfeu: “oh Musas, vós que produzis a virtude sem jaça de toda Educação, amas pastoras da alma que dais a reta reflexão” … Eurípedes (Fedra) em Medeia diz: “as Musas vêm a nós dar-nos sapiência” … Aquelas moças representam, em alegoria as obras de Arte” (destaque nosso).[42]

46. A “reta reflexão” que é fornecida pelas musas, como informado por “Theodoro,” parece ter relação direta com a frase em latim que aparece na parte inferior da composição de Denis para os cartazes, abaixo dos pés das mulheres, “ARS EST: RECTA RATIO FACTIBILIUM (S’ THOMAS)” – em português, “Arte é: a razão reta das realizações.” ou seja, é o modo justo, o saber fazer. Retomando elementos da tradição clássica, Maurice Denis remonta à definição de “arte” proposta pelo filósofo e teólogo medieval Tomás de Aquino, para quem a arte é uma das “virtudes dianoéticas,” está entre as “perfeições da alma racional”, estreitamente “conectada com o conhecimento e com a fabricação de objetos,” com o “saber fazer” por meio da “recta ratio.” Tomás de Aquino, por sua vez, recorreu a Aristóteles para estabelecer sua definição de “arte.” A expressão “recta ratio” foi empregada por Aristóteles como a “regra justa.” a regra que está de acordo com a razão ou sabedorias práticas.[43]

47. O projeto original de Denis [ Figura 12 ], abrigado no Musée Maurice Denis, apresenta as marcações realizadas durante o processo de criação da composição. Abaixo das palavras “RECTA RATIO FACTIBILIUM,” aparece em carvão, quase ilegível, a inscrição “THEORIE TRADITION NATURE” (“teoria, tradição e natureza”). Além da associação entre as palavras da marcação e as da composição final, somos conduzidos, por sua localização e seu espaçamento, a associar aquelas palavras a cada uma das musas. Com isso, abre-se uma nova possibilidade de interpretação ligada ao sentido isolado de cada conceito. Desse modo, a primeira musa, a mais introspectiva, estaria relacionada a recta, geometria, teoria; a segunda, a mais alta, que abraça as duas outras e olha para além da composição, é ratio, proporção, razão, tradição; por fim, a terceira musa, que nos encara em contemplação, é factibilium, o fazer, ofício, artes manuais, a natureza. Em uma escola de arte, representavam referências ao ensino teórico, ao estudo da tradição e ao fazer prático por meio da observação da natureza.

O curso de croquis expliqué (1915-1918)

48. Pedro Correia de Araújo foi o primeiro professor a ministrar o curso de croquis expliqué, em dezembro de 1915, o que fazia as terças e sextas-feiras, das 17h às 19h. Nos horários da manhã, Araújo substituía Denis nas aulas de pintura, seguindo rigorosamente o programa do mestre.[44] Além dessas duas disciplinas, em 1916, Araújo passou a ministrar o curso de pochade (esboços pintados) nas segundas-feiras e nos sábados à tarde, passando a ocupar grande parte da grade horária dos cursos da Academia.

49. Como já vimos, as sessões de desenho a partir da observação de um modelo-vivo − as chamadas academias − constituíram a principal motivação, durante muito tempo, das academias independentes. Para compreender esse fato é preciso considerar a importância desse exercício no contexto da arte ocidental.

50. Ainda que o ato de desenhar o corpo humano assuma diferentes significados e objetivos de acordo com o contexto em que é executado (anatomia, referência para composições com figuras etc.), gostaríamos de chamar a atenção para o exercício cuja finalidade é o estudo abstrato da forma, ou seja, o embate com uma forma orgânica complexa, viva, permitindo o contato com problemas de ordem técnica (representação da forma tridimensional no espaço bidimensional, proporção, movimento) e sensível (percepção visual, traduzir o “caráter” da figura em linhas, manchas e cores).

51. A metodologia utilizada pelas academias independentes dos séculos XIX e XX variava, o que se refletia no tempo e na montagem das poses. Parte das academias interessadas no estudo dos valores, do volume, com rigor quanto à representação precisa da anatomia, mantinha poses longas, que eram repetidas por até três dias, com sessões diárias de três horas, com intervalos para o descanso da modelo. Em certos casos, a modelo vestia uma indumentária caracterizada para o estudo do panejamento, o que poderia servir como referência para uma pintura de gênero ou de temática histórica. As academias interessadas no estudo da forma linear, com ênfase nos elementos plásticos da composição e da distorção, trabalhavam, sobretudo com poses rápidas, como uma forma de estimular o olhar para o todo da composição, em uma síntese do ritmo e dinâmica da figura representada. A partir das últimas décadas do século XIX, as sessões de croquis com poses rápidas passaram a ser cada vez mais valorizadas, até tornarem-se um fim em si mesmas.[45]

52. Em Paris, as sessões de croquis, no final de tarde, atraíam artistas dos mais variados contextos – estrangeiros e nacionais, artistas independentes e alunos da École des Beaux-Arts. Amadeo Modigliani, por exemplo, foi um dos frequentadores das sessões livres realizadas pela Academia Ranson, ainda em Montmartre, entre 1908 e 1911.[46]

53. Na primavera, a Academia Ranson costumava suspender as sessões livres de croquis, no intuito de estimular os alunos a aproveitarem a luz tardia e o clima propício ao trabalho no exterior – dos estudos de paisagem aos desenhos na rua e locais públicos.[47]

54. Apesar do sucesso nos ateliês livres, na Academia Ranson, as sessões de croquis não vinham dando bons resultados desde 1912, chegando a ser interrompidas nos meses de janeiro a abril desse ano. Segundo Goudal-Nicollier, uma segunda tentativa foi realizada no ano letivo de 1912-1913, mas, devido aos resultados negativos, foram totalmente abandonadas no ano seguinte.[48]

55. Segundo a autora, uma das hipóteses para explicar a ausência de público nas sessões livres da Academia Ranson no período específico de 1912 a 1914, é o fato de estar localizada próximo à Académie de la Grand Chaumière, espaço que já vinha desde 1904 atraindo um grande público nas sessões de desenho sem professor, de maneira que a concorrência era inevitável. Nesse sentido, a própria estrutura do local poderia influenciar a escolha dos participantes.[49]

56. Vejamos os registros de contas da Academia Ranson referentes às inscrições das sessões livres de croquis, de 1910 a 1913, e do Cours de Croquis Expliqué, de 1916 a 1917:

57. 1910 (outubro a dezembro) – 576 inscrições 1911 (janeiro a abril) – 408 inscrições

58. Total ano 1910-1911 (rue Henri Monnier) – 984 inscrições

59. 1911 (outubro a dezembro) – 331 inscrições 1912 (janeiro a abril) – interrupção das sessões

60. Total ano 1911-1912 (rue Joseph-Bara) – 331 inscrições

61. 1912 (outubro a dezembro) – 172 inscrições 1913 (janeiro a abril) – 54 inscrições

62. Total ano 1912-1913 (rue Joseph-Bara) – 226 inscrições

63. ano 1916-1917 (Cours de Croquis Expliqué – rue Joseph-Bara) – 1.070 inscrições [50]

64. De acordo com Goudal-Nicollier, só em 1915, “em plena guerra, o curso de croquis expliqué aparece e conhece grande sucesso ao contrário dos cursos diurnos que não correspondem aos problemas específicos do período.” A nova disciplina funcionava como uma opção intermediária entre o curso regular, com orientação de um professor, e a prática livre. O preço era baixo, e um sistema de pagamento antecipado diminuía ainda mais o valor do curso. A criação de um curso diferenciado, no final da tarde, possibilitava que a Academia Ranson concorresse com as sessões de croquis promovidas pela Académie Grande Chaumière, o que se verifica nos registros de contas da instituição.[51]

65. A orientação técnica de Araújo, trazendo o diferencial na prática de croquis aparece nos cartazes que criou para a divulgação de seu curso: “poses modelos expressivos indicações técnicas” [ Figura 10 e Figura 11 ]. O primeiro desses cartazes é dedicado ao filho de France e Paul Ranson: “Ao bom [??] Michael, do seu decorador P. Araujo, 1917.” A categoria em que Araújo se insere revela a afirmação e a valorização das artes decorativas nessa época, em especial no interior da Academia Ranson.

66. Os dados apresentados por Goudal-Nicollier demonstram a importância de Araújo como professor da Academia Ranson. No lugar das sessões livres de croquis, que haviam sido um fracasso, o pintor brasileiro ministrava uma nova disciplina, cujo sucesso fez com que superasse a procura dos próprios cursos regulares diurnos, considerados o eixo principal da Academia, atingindo “números inigualáveis quando comparados com os das sessões de croquis ‘clássicas’, em pleno período de funcionamento da Academia.”[52]

67. É dessa época, o desenho Tango [ Figura 14 ], também dado a France Ranson, uma fusão da sintetização dos croquis com a distorção poética do art déco parisiense, estética que nos remete, no Brasil, às ilustrações de J. Carlos [ Figura 15 ].

68. A reestruturação da prática de croquis e a crescente procura da disciplina na Academia Ranson, a partir de 1915, nos fazem supor que a metodologia de Araújo atualizava e trazia contribuições para o estudo dessa disciplina, provavelmente, por meio do viés da geometria, assunto amplamente discutido na época.

69. Entre os alunos que estudaram na academia no período de 1915 a 1918, possivelmente com Pedro Araújo, estão Andree Fontainas, Claire-Lise Monnier,[53] Georges Hanna Sabbagh, Grout, Hüber, Jean Berque, Marthe Donas,[54] Maurice Bardier, Raphael Drouart[55] e Robert Boulet. Alguns dos nomes aparecem na foto da turma de Maurice Denis na Academia Ranson [ Figura 2a ].

70. Em 1917, Araújo visita a casa de Paul Sérusier, em Châteauneuf-du-Faou, na Bretanha, onde realiza uma série de desenhos de paisagens [ Figura 16 ].[56] É dessa época a série de cartas que Araújo envia para Maurice Denis. No final da primeira carta, sem data, mas anterior a 1918, ele comunica seu interesse em abrir seu próprio curso:

71. E também lhe propus [a France Ranson] − mas certamente com o coração apertado – fundar um novo curso ao lado do da Academia, na tarde do Sr. Vallotton: um Curso de Pochade ampliado: onde a deformação subjetiva/objetiva seria estudada. Mas certamente minha vontade foi curta porque infelizmente o ensino me consome/absorve e eu quero “alcançar/realizar.” Eu sei o suficiente? (destaque nosso).[57]

72. Araújo sentia necessidade de desenvolver sua própria metodologia de aula, já que, até então, com exceção do curso de croquis expliqué, seguia o programa básico da academia. Dessa forma, fundar o curso de esboço pintado ampliado (cours de pochade agrandi) seria o começo para o desenvolvimento de suas próprias pesquisas nesse momento – o estudo da “deformação subjetiva/objetiva.”

73. No entanto, as negociações com Ranson eram sempre complicadas, principalmente no âmbito financeiro, de maneira que Araújo e a diretora nem sempre chegavam ao consenso. Em uma segunda tentativa, Araújo propõe a criação do cours d’application, um novo curso, no qual abordaria suas pesquisas mais recentes na academia. Araújo, no entanto, não aceita a proposta de divisão de lucros proposta por Ranson, que, nas palavras do artista, “mal reembolsaria os gastos.”[58] Tal projeto parece ter sido muito importante para Araújo, já que continuará trabalhando na ideia mesmo depois de sua saída da Academia Ranson. Tal fato nos leva a crer que ali estava contido o germe da aplicação da geometria na pintura por meio do estudo dos traçados reguladores, assunto central de seu curso pessoal, fundado entre setembro de 1918 e 1919.

A saída da Academia Ranson (1918): “com que olhos amargos eu vou rever tudo isso”

74. Em 1918, a necessidade de Araújo de desenvolver seu próprio curso, paralelo aos cursos da Academia, tornou-se constante, e ele voltou a entrar em contato com Ranson. A insistência do artista acabou gerando um mal-estar com a diretora, que não aceitava a ideia das aulas particulares em sua residência, o que, em seu entendimento, afastaria os alunos da academia.[59] O primeiro sintoma da discórdia aparece em uma carta de Araújo para Denis, no dia 8 de fevereiro de 1918, que já aponta para a saída do brasileiro:

75. Eis aqui uma coisa bem pequena que toma proporções bem dramáticas. A fim de evitar as prestações de contas, bem trabalhosas com a Senhora Ranson, que considera sua academia sua casa e não um negócio – e ela tem todo o direito –, e de ter em mãos certos alunos que o ateliê não pode reter, eu me permiti propor à Senhora Ranson suprimir o pequeno curso de pochade (segunda e sábado, à tarde) e abrir um na minha casa com outro programa. Assim eu contava realizar um pequeno lucro suficiente para ser independente nas manhãs, sob o ponto de vista do “salário” que é de 5% bruto sobre as mensalidades e me desinteressar das contas de 50% líquido do Croquis Expliqué – ganhando apenas no final dos meses, de acordo somente com o julgamento da Senhora Ranson. Porque, certamente, não é mais a questão de dinheiro – ainda que infelizmente isso seja tão importante – que me governa, mas o desejo de evitar contas sempre trabalhosas e incômodas por causa de sentimentos e da personalidade da Senhora Ranson que tendem a ser generalistas e aleatórios. Essa é também a causa do abandono do Cours d’Application (é naturalmente impossível dividir um negócio que mal reembolsaria os gastos). Naturalmente minha pequena declaração não visou a nenhuma mudança de minha atitude diante do ateliê onde o senhor tão generosamente me permite ser útil: seria como um pequeno curso que eu recriaria na minha casa com alunos como os que eu tenho na cidade, particulares como eu tinha antes mesmo de ser professor na Academia.  Certamente, alguns do ateliê viriam para cá, uma vez que eles estão lá por minha causa – mas jamais em oposição ao curso da manhã [curso regular deixado temporariamente por Denis], naturalmente. A Senhora Ranson não quis ver que eu não esqueço a ética! Ela então declarou que não admitirá absolutamente mais minha presença na Academia nesse caso. No entanto, ela me disse para ouvir o seu conselho – e me pediu para lhe escrever – eu comuniquei a ela meu grande espanto. Porque todos devem poder viver. Que ela devia certamente compreender mal meu pensamento, que eu continuarei sempre afetuosa e respeitosamente ligado a ela e sempre, também, vivamente interessado e dedicado ao ensino no seu ateliê; que eu sempre contei mais com a ajuda dela do que com suas reprovações; e que eu esperaria o seu conselho para sair desse ateliê onde eu coloquei tanto de mim mesmo. Eis aqui minha carta, caríssimo Senhor Denis. (destaques nossos)[60]

76. Nessa carta, Araújo informa que já dava aulas particulares antes de 1915, quando ingressara como professor da Academia Ranson, e que em 1918 possuía alunos particulares no centro de Paris. Diante da dificuldade em chegar ao consenso com France Ranson sobre suas propostas de novos cursos e sobre a divisão de lucros, pensara em criar um pequeno curso em sua casa, suspendendo as aulas do curso de pochade, mantendo apenas as do curso de croquis expliqué e as aulas regulares da manhã, nas quais substituía Maurice Denis. Para isso, deixaria de receber os 50% líquido deste último curso, ficando apenas com os 5% mensais (espécie de salário) bruto do total arrecadado com as mensalidades da Academia. Precisamos lembrar, que além de suas aulas, que formavam grande parte da grade horária do ateliê, Araújo prestava serviços gerais para a academia como a criação de cartazes, e ajuda na divulgação. Como mostram os números, o curso de croquis expliqué era um dos mais procurados da academia, de maneira que continuaria rendendo lucros à instituição.

77. As cartas evidenciam que Araújo sempre deixou esclarecidas suas intenções de criar um curso próprio em sua casa. Além de informar Denis e Ranson a respeito de seus anseios, dava à diretora conhecimento das cartas que eram enviadas para Denis, tendo mesmo, em um dos casos, lido para Ranson a carta antes de enviá-la a Denis.[61] Quanto aos cálculos dos pagamentos, ele parecia ter dificuldades em chegar ao consenso com a diretora, já que, em suas palavras, as contas eram “sempre trabalhosas e incômodas, por causa de sentimentos e da personalidade da Senhora Ranson, que tendem a ser generalistas e aleatórios.”[62] No Entender de Araújo, France Ranson considerava a “Academia sua casa e não um negócio,” o que dificultava a relação profissional. De acordo com o artista, esses fatores causaram o abandono do projeto de criação do cours d’application. Por outro lado, Ranson temia que Araújo levasse embora os alunos da academia, aproveitando-se do cargo de professor para fazer propaganda de seu próprio curso, ainda que Araújo afirmasse que seus alunos só estavam ali por sua causa, e não pela academia em si.

78. Finalmente, em 19 de março de 1918 Araújo informou Denis sobre sua demissão da Academia Ranson, sobre sua decepção e tristeza diante desse fato, e sobre seu sentimento de estar sendo rejeitado por France Ranson. Araújo havia retomado o curso de pochade, mas foi obrigado a encerrá-lo em 30 de março de 1918, seu último dia de trabalho na Academia.

79. A ausência de pinturas de Araújo desse período é explicada pelo próprio pintor, que, em 1918, se dedicava integralmente ao ensino: “desde a Guerra, eu abandonei a pintura para o ensino. […]. Hoje eu me encontro parado nas minhas duas vias, eu não pinto mais, meu ensino anda sem sair do lugar. E a isso se acrescenta: minhas rendas estão estagnadas: é preciso ganhar mais para viver.”[63]

80. Em 4 de setembro de 1918, Araújo escreveu uma penúltima carta para Denis, dessa vez, de Francueil, comuna francesa na região Centro-Vale do Loire, onde parece ter-se retirado para maturar as novas mudanças em sua vida. Araújo relatou a Denis que acabara de receber uma mensagem de France Ranson informando a “morte do curso de croquis,” o que o deixou ainda mais desanimado, já que, apesar de tudo, ainda tinha esperança em voltar a ministrar aulas na Academia Ranson. Em suas palavras:

81. E você sabe bem, caro Senhor Denis, quais lamentos eu posso ter de não mais fazer parte daqueles que seriam honrados; e com que olhos amargos eu vou rever tudo isso. Eu estava sozinho com meus pensamentos: eu vim me encontrar sozinho com os atos. Que responsabilidade: “ensinar”. … E a delicadeza, que é a flor soberana… da vida. (destaque nosso)[64]

82. A frase “com que olhos amargos eu vou rever tudo isso” talvez explique por que Araújo pouquíssimas vezes comentou – e sempre de maneira breve – sua formação na Academia Ranson e suas experiências com os Nabis, período tão importante dessa formação. Com efeito, em seus escritos aparecem mais informações sobre o cubismo do que sobre os Nabis.

83. A última correspondência para Denis foi enviada em 13 de setembro de 1918, ainda de Francueil. Trata-se de resposta a uma carta enviada pelo pintor francês. Este parece ter perguntado se Araújo iria abrir sua própria academia. Pela resposta de Araújo, percebemos que a saída da Academia Ranson foi totalmente inesperada e contra sua vontade. Incialmente sua ideia era apenas desenvolver um curso particular chamado cours d’application, que seria ministrado em sua casa e na própria Academia Ranson, mas que não fora bem visto por France Ranson. Araújo nunca escondeu que tinha alunos particulares e interesse em desenvolver sua própria metodologia.[65] O retiro em outras cidades parece confirmar que ele ainda não estava certo sobre seus planos para o futuro.[66] Além de Francueil, o artista viajou para Clohars-Carnoët, na região da Bretanha, onde realizou uma série de esboços de paisagens [ Figura 17 , Figura 18 e Figura 19 ].

84. A saída brusca da academia parece ter sido fruto de um desentendimento pessoal com a diretora France Ranson, já que Araújo continuou mantendo contato com Denis (até 13 de setembro de 1918), e informou na última carta enviada ao pintor francês que também escrevera para Roussel e Vuillard, lamentando o fato não os ver mais.[67] Ainda assim, a forma como tudo aconteceu fez com que Araújo se sentisse humilhado e desprezado por todos.[68]

85. France Ranson também interpretou o ocorrido como uma grande tragédia. Sentiu- se igualmente traída – em seu caso, com o argumento de que Araújo se utilizava do cargo de professor para levar alunos da Academia para seu próprio curso.[69] Com a saída de Araújo, Ranson passou a se preocupar com o futuro da Academia, o que transparece nas cartas trocadas com outros professores.[70]

86. Segundo Goudal-Nicollier, após a Guerra, o cours de croquis expliqué foi retomado, e passou a ser dirigido por Yves Alix, “que manterá uma cota honrável de participantes, sem, no entanto, atender ao recorde de popularidade que Araújo havia alcançado. […] As sessões de ‘croquis livre’, sem professor, jamais foram restauradas na Academia Ranson”.[71]

87. O Gráfico 1 ressalta a queda de alunos inscritos no difícil período da guerra, e o quanto ele abalou a academia. Em 1913, o número de alunos começou a cair, chegando em 1915 ao seu ponto mais baixo. A partir daí, houve um lento crescimento, que só vai retomar a média anterior à guerra após 1918, encontrando seu ápice em 1920.

88. De 1919 a 1922, Denis e Sérusier retomaram as aulas na Academia Ranson, juntamente com Vuillard. Em 1923, France convidou Roger Bissière, pintor também voltado para a geometrização da forma, a assumir a cadeira de croquis. Em 1934, Bissière fundou um curso de afresco na academia. Dentre os alunos que estudaram no período de entreguerras, destacam-se o moldavo Samson Flexor, a portuguesa Maria Helena Vieira da Silva e o húngaro Árpád Szenes, na década de 1930. Em 1932, France Ranson passou o cargo da direção da Academia para o escultor suíço e ex-aluno Harriet Von Tschudi Cérésole. Em 1945, a academia foi fechada, e o edifício alugado para os artistas do grupo L’Échelle. Reaberta em 1951, entre os artistas que atuavam como professores estava Roger Chastel, que fora aluno de Pedro Correia de Araújo na França, no período entre 1919 e 1922. No entanto, devido a dificuldades financeiras, em 1955 a academia foi definitivamente fechada. O antigo prédio da Rua Joseph-Bara n. 7 que testemunhara tantas histórias, parte da formação artística de Pedro Correia de Araújo na França, foi demolido em 1966.

 


* Rafael Bteshe é Doutor em História e Crítica da Arte pelo Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro com Doutorado Sanduíche (PDSE/CAPES) realizado na Université de Bourgogne da França. É Professor Adjunto do Curso de Conservação e Restauração da UFRJ.

[1] GOUDAL-NICOLIER, Sandrine. L’académie Ranson, 1908-1918. Memoire de troisiéme cycle de L’École du Louvre. Paris: École du Louvre, 1997, p. 13-14).

[2] Um anúncio de jornal informava: “a Academia compreenderá um ateliê de homens, um ateliê de mulheres, um ateliê misto, um ateliê de escultores.”

[3] GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 39-40.

[4] GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p.41.

[5] Acervo Musée Départemental Maurice Denis, Saint-Germain-en-Laye.

[6] Alice Marcoussis Halicka nasceu na Cracóvia, chegou em Paris em 1912 para estudar arte, e matriculou- se na Academia Ranson, onde teve aulas com Maurice Denis e Paul Sérusier. Pouco depois, casou-se com o pintor Louis Marcoussis, também de origem polonesa. Assim como tantos outros artistas desse contexto, caminhou na direção do abstracionismo e trabalhou com a cenografia de peças de balé. Em 1924, Halicka escreveu: “Eu me esforcei mais e mais para pintar tendo em conta unicamente os problemas da forma, da cor e dos valores, em vez de me preocupar com a literatura, com as anedotas ou sobre as figuras populares, tão na moda então” (HALICKA apud VERGINE, L. L’Autre moitié de l’avant-garde: femmes peintres et femmes sculpteurs dans les mouvements d’avant-garde historiques. Paris: Des Femmes, 1982, p. 69-83).

[7] Inscrito de 1908 a 1918. Ministrou um “pequeno curso de química das cores” em 1916 (GOUDAL- NICOLLIER, 1997, p. 75).

[8] Professora da Academia Ranson entre 1921 e 1922, discípula e assistente de Maurice Denis nos Ateliers d´Art Sacré (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 177, 224).

[9] Pintor e ilustrador, inscrito na Academia Ranson em 1916, trocou correspondências com Paul Sérusier. Foi um dos primeiros membros da Union Rémoise des Arts décoratifs (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 176).

[10] Pintora muralista e escultora, estudou na Academia Ranson no período de dezembro de 1910 a fevereiro 1911, com o intuito de aprender a técnica do afresco. Também estudou com o escultor Auguste Rodin (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 63).

[11] Pintor, escultor e decorador. Estudou na Academia Ranson em 1915. (Dados do Acervo Marc-Olivier Bitker, Sèvres)

[12] Roger de La Fresnaye estudou na Academia Ranson no período de 1908 a 1909 (LUCBERT, F; DESBIOLLES, Y. C. Par-delà le cubisme: études sur Roger de la Fresnaye, suivies de correspondances de l’artiste. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2017).

[13] Aluno entre 1909 e 1912. Torna-se professor do curso de croquis em 1918 (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 40, 140, 141, 164).

[14] Na foto original, presente na coleção de Claire Denis, neta de Maurice Denis, aparecem informações nas bordas e no verso da foto. Margem superior esquerda: “G. Mathival, Boulet, Gavazzo, Berque;” margem superior direita: Gabrielle Faure; margem inferior esquerda: “Groult [?], Araujo;” centro inferior: “Monnier;” margem inferior direita: “Bne de Sarret [?], Eisenschitz [Willy, 1889-1974?];” margem direita: “Sabbagh”. No verso da foto está escrito: “a droite la concierge de l’atelier: Concetta, 1914-1915”. Contamos com a ajuda da conservadora Fabienne Stahl para a confirmação dos nomes inseridos na montagem digital da Figura 2b.

[15] Inicialmente, em 1908, os cursos eram divididos em 3 turmas: ateliê misto, ateliê dos homens e ateliê das mulheres. Em 1910, todos os cursos são juntados, diferente da Académie de la Grande Chaumière e da Académie Julian que continuam com o curso para mulheres (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 54).

[16] GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 63

[17] A Escola de Beuron (Beuroner Kunstschule) foi uma guilda de arte formada em 1868 por monges beneditinos na Abadia de Beuron, no sul da Alemanha. Foi fundada por Desiderius Lenz e por Gabriel Wüger para dedicarem-se à arte e à espiritualidade, conceitos que se fundem nesse contexto. Além da produção teórica, Lenz foi um artista atuante, com produção de murais e projetos arquitetônicos ligados ao círculo beneditino, na Alemanha e na região da atual República Checa (Praga).

[18] SÉRUSIER, 1942, p.23-24.

[19] Maurice Denis utiliza essa expressão diversas vezes em seu livro Théories, para se referir ao “naturalismo” presente no método de ensino da Académie Julian e na obra de artistas interessados na cópia da natureza. (DENIS, M. Théories, 1890-1910. Du symbolisme et de Gauguin vers un nouvel ordre classique. Paris: Bibliothèque de L’Occident, terceira edição, 1913, p. 75, 201, 202, 222 e 254). Nas palavras de Denis : “[…] nous allions à ceux-là qui faisaient table rase non seulement de l’enseignement académique mais encore et surtout du naturalisme, romantique ou photographique, alors universellement admis comme la seule théorie digne d’une époque de science et de démocratie” (DENIS, 1913, p. 254).

[20] Charles Robert Boulet estudou na Academia Ranson no período de 1915 a 1917, foi discípulo e assistente de Maurice Denis, e trabalhou na fundação dos Ateliers d´Art Sacré. Em 1923, Boulet casou-se com Noële Denis, filha mais velha de Maurice Denis e Marthe Meurier. (Informações fornecidas pela conservadora do Musée Maurice Denis – Fabienne Stahl). Provavelmente, Boulet foi aluno de Pedro Correia de Araújo na Academia Ranson, e menciona o nome de Araújo em um de seus diários.

[21] BOULET apud GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 54.

[22] “M. Maurice Denis, qui assume la direction de l’atelier, a tenté de renouveler les méthodes d’enseignement du moyen âge, et de remettre en honneur le travail collectif. La chose était difficile, à une époque où la plupart des artistes semblent avoir la néfaste superstition de la personnalité, à une époque où chacun veut à tout prix être original et ne ressembler à personne. Les élèves de l’Académie Ranson, au contraire, travaillent selon une direction commune, et leurs œuvres sont en général le fruit d’une collaboration. Chacun apporte sa pierre à l’édifice, et s’efface pour ne songer qu’à créer un ensemble cohérent où les réalisations seules comptent. Comme les maîtres du XIII siècle, M. Demis ne se contente pas de donner des indications à ses élèves il les fait participer à ses grands travaux décoratifs et tâche de leur transmettre pratiquement son expérience des vastes surfaces murales. Dans l’anarchie où se débat l’art moderne sollicité par mille tentatives contraires, le besoin se fait sentir d’une école fortement organisée, ayant des doctrines bien définies et capable de nous donner enfin non des promesses mais des certitudes, je veux dire des œuvres vraiment collectives, où s’affirment les caractères essentiels de notre race, ses espoirs et sa foi. Ce sera l’honneur de M. Maurice Denis, d’avoir deviné ce désir encore inexprimé et d’avoir de toute sa force aidée à le réaliser. Ainsi quelques personnalités charmantes seront peut-être méconnues, mais les œuvres fortes et pleines pourront s’épanouir sans contrainte et c’est l’essentiel” (BISSIERE, R. Petites expositions. Á l’Académie Ranson. Le Siècle, Paris, 9 dez. 1916, p. 3-4).

[23] GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 64.

[24] CENNINI, C. Le Livre de L’Art ou Traité de la Peintura. Paris: Bibliothèque de l’Occident, 1911.

[25] GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 65.

[26] GOUDAL- NICOLLIER, 1997, p. 65.

[27] BOULET, manuscrito de 1915-1916

[28] BOULET, manuscrito de 1915-1916.

[29] Para maiores informações sobre processos de pintura no ensino acadêmico do entresséculos XIX e XX, conferir: QUEIROZ, M. As técnicas de pintura das Academias Francesa e Brasileira no séculoXIX: O caso do Museu D. João VI. 19&20, v. VI, n. 4, out.-dez. 2011. Disponível em:  http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/pintura_tecnicas.htm Acesso em:17 ago. 2013.

[30] Os desenhos de 1911 a 1915 tem como tema sobretudo modelo vivos e estudos de cabeças, como os aqui apresentados. No caso das cabeças, talvez sejam estudos para retratos.

[31] “Maurice Denis est mobilisé à Conches à partir de novembre 1914. Il sera démobilisé en mars 1915 et se réengage comme peintre aux armées en 1917. D’après l’article de Bissière sur l’exposition des élèves de l’académie Ranson, Denis serait revenu épisodiquement à l’académie durant l’année 1916″ (GOUDAL- NICOLLIER, 1997, p. 74).

[32] CORREIA DE ARAÚJO, P. L. Carta assinada enviada a Maurice Denis, Paris, s/d [1917?]. Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, ref.: 166J 2, Ms 194.

[33] D’ALMEIDA apud OLIVA, F.; PEDROSA, A. (org.). Pedro Correia de Araújo: Erótica. São Paulo: MASP, 2017, p. 184.

[34] De 1915 a 1918, Sérusier isolou-se em Châteauneuf-du-Faou, comuna francesa na região da Bretanha. Disponível em: http://www.comite-serusier.com/biographie-paul-serusier Acesso em: 02 de maio de 2019. Em 1917, Sérusier faz visitas a Academia Ranson (GOUDAL-NICOLLIER, 1997)

[35] GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p.58.

[36] A entrada de Araújo no corpo docente da Academia aparece em uma carta enviada a Maurice Denis, quando relembra aquele momento: “[…] desde a Guerra, eu abandonei a pintura para o ensino. Devido a meu sucesso, com os pequenos anúncios do Jornal, eu vim oferecer de abrir um curso na Academia Ranson. Você quis me apoiar: senhora Ranson aceitou”. (CORREIA DE ARAÚJO, P. L. Carta assinada enviada a Maurice Denis, Paris, 18 fev. 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, ref.: 166J 2, Ms 190). Até a publicação do catálogo do MASP (2017), as biografias de Pedro Correia de Araújo informavam que “em 1917, Maurice Denis, convocado pelo serviço militar, lhe entregou a direção da Academia Ranson até o término da guerra” (SILVEIRA, M. S.; MÜLLER, M. M.; SAAD, E.M.; LAPORT, M. A. Bases para a análise da obra do pintor Pedro Luiz Correia de Araújo (1881-1955). Acervo Galeria de Arte, Rio de Janeiro, 1981. Coleção particular, manuscrito inédito, p.11). No entanto, nenhum documento registra a atuação formal de Araújo enquanto diretor da academia, o que não descarta sua importância na manutenção do local nesse momento.

[37] CORREIA DE ARAÚJO, P. L. Carta assinada enviada a Maurice Denis, 18 fev. 1918. Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, ref.: 166J 2, Ms 190. (Anexo C)

[38] Melle. Andree Fontainas (1893-1973) expos no Salon d’automne (1921) e no Salon des Tuileries (1924- 1931).

[39] CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada a Maurice Denis, “samedi” – s/d [1917?]. Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, référence: 166J 2, Ms 194.

[40] “En effet, elle [France Ranson] avait pour habitude de faire imprimer ses affiches et prospectus chez Lainé, toutefois avec la guerre elle ne fait plus appel à l’imprimeur (livre de compte). La meilleure façon de réaliser des économies est encore de demander des projets d’affiches à ses amis. La lettre de Pedro Araujo pose un problème nouveau quant à l’attribution des deux grandes affiches. Sont-elles de la main de Maurice Denis ou de Pedro Araujo? Celle conservée dans une collection privée [atual coleção Marc- Olivier Bitker] ne peut-être que d’Araujo. En effet, elle porte le timbre d’autorisation d’affichage de la préfecture (janvier 1918), et il est peu vraisemblable que l’on ait placardé à l’extérieur un dessin original de Maurice Denis. De plus, elle comporte des traces de report très net surtout dans le titre. L’autre projet, conservé au musée Maurice Denis de Saint Germain-en-Laye (P.M. D.976 1 358), ne comporte pas de trace d’autorisation d’affichage de la préfecture. Elle n’a donc pas été exposée dans la rue. Son tracé parait moins schématique notamment dans le visage de la femme de gauche qui fait penser à celui de Marthe Denis. Elle porte les traces de plusieurs types de fixations dans les coins, les unes pour la maintenir solidement et d’autres plus fines comme des épingles destinées à fixer et refixer facilement un calque. Les rehauts de gouache dans les drapés s’apparentent bien à la manière dont Maurice Denis accentue la lumière dans ces travaux d’esquisse préparatoire. Nous privilégions donc l’hypothèse qu’il s’agit bien là du projet que Pedro Araujo avait demandé à Maurice Denis, et non pas d’une copie. La lettre de Pedro Araujo ainsi que le cachet de la préfecture nous incitent à dater ces deux projets de décembre 1917 ou début janvier 1918” (GOUDAL-SANDRINE, 1997, p.116).

[41] Informação relatada ao autor do artigo por Marc-Olivier Bitker, em entrevista realizada no dia 19 de janeiro de 2019, Sèvres, França. Além do projeto original e da cópia apresentada acima, uma parte rasgada de uma segunda cópia do cartaz foi guardada e vendida em um leilão de Rennes, em 1995. Fonte: Rennes: Mes J. Livinec Ch. Pincemin, X. Gauducheau – Commissaires-Priseurs Associés. Gazette de l’Hôtel Drouot, n. 22, 2 jun. de 1995.

[42] CORREIA DE ARAÚJO, 12 jan. 1952, Segundo Caderno, p. 3.

[43] Para Aristóteles a “razão reta” vai além da arte, tendo relação “tanto em matérias de conhecimento da realidade como em matérias de juízo sobre o que é preciso fazer com o fim de cumprir determinados fins morais (ou políticos).” Tomás de Aquino, por sua vez, “introduziu a expressão ‘recta ratio’ em vários contextos com o fim de caracterizar o saber. […] A ‘recta ratio’ é, em suma, a que permite exercer todo tipo de virtudes, sejam intelectuais, ‘artísticas’, ou propriamente ‘morais’” (MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. Tomo IV (Q-Z). São Paulo: Edições Loyola, 2001, p. 2466).

[44] “[…] A única restrição: no curso da manhã só desenvolver aqui o que o Senhor Denis aconselhou”. CORREIA DE ARAUJO, P. Carta assinada enviada a Maurice Denis, 18 fev. 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, référence: 166J 2, Ms 190.

[45] O tempo das sessões de croquis variava, mas a lógica era começar com poses de tempo médio – geralmente 30 minutos -, e em seguida o tempo de duração das poses era diminuído para – 10 minutos, e, em alguns casos, chegando a sessões rápidas de 5 minutos. Pedro Correia de Araújo costumava registrar no canto inferior de seus desenhos de observação o tempo da pose. De acordo com André Wanod, “Le cours de croquis est le plus suivi. Il a lieu tous les jours à la fin de l’après-midi et quelquefois même il commence à deux heures. Le modèle commence par des poses d’une demi-heure, et termine la séance par de petites poses de dix minutes. Le public est nombreux composé d’élèves studieux et aussi de peintres qui après avoir travaillé chez eux finissent la journée en prenant quelques documents qui leur serviron plus tard, en même temps qu’ils s’exercent l’oeil et la main. A ce cours, on voit, sagement assis sur leurs hauts tabourets des jeunes filles scandinaves à lunettes, des dames américaines, des jeunes gens modestes. Le modèle sur la table prend des poses classiques dans la lumière du projecteur. Personne ne rit, ni ne s’amuse, travail scolaire et peu attrayant” (WANOD, A. apud GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 56). De acordo com Goudal-Nicollier, a Académie Colarossi (antiga Académie Suisse) foi a primeira academia independente a oferecer as sessões livres de croquis sem professor. (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 56).

[46] O nome de Modigliani não aparece nos registros de contas pois não se inscreveu em nenhum curso com professores. (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 58).

[47] “En revanche nous dessinions beaucoup en dehors de l’École. Nous remplissions de croquis de pleins carnets. Nous voulions surprendre la vie dans ses tressaillements, ses raccourcis et ses étonnantes arabesques. Nous les cherchions dans la rue et les lieux publics. Nos croquis valaient ce qu’ils valaient Mais, par la volonté de toujours voir, nous espérions atteindre au style, nous libérer d’une conception trop scolaire” (CHEVALLIER, G. apud GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p.57)

[48] GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 58.

[49] As sessões de croquis da Académie de la Grande Chaumière eram amplamente procuradas pelo preço acessível (que variava entre 0,50 à 2 francos, dependendo do tempo da sessão contratada) e variedade de horários que eram oferecidos, diariamente, de 14h às 19h. As sessões eram frequentadas inclusive por estudantes da Academia Ranson e da École des Beaux-Arts, além de artistas dos mais variados contextos, como uma espécie de conclusão dos trabalhos diários. Usualmente as sessões eram iniciadas com poses de 1 hora, com o modelo vestido em uma indumentária caracterizada; em seguida eram realizadas duas poses de 30 minutos com o modelo nu, e por fim, aconteciam as poses rápidas de 5 minutos. Com a grande procura, passaram a ser oferecidos até dois ateliês de croquis no mesmo prédio (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 58).

[50] GOUDAL-NICOLLIER, 1997. Não tivemos acesso aos números do período de 1915 a 1918.

[51] “Depuis décembre 1915, les cours de croquis de l’académie Ranson se transforment en cours de ‘croquis expliqués’ placés tout d’abord sous régie de Pedro Araujo, puis sous celle de Yves Alix. Les élèves y assistent toujours le soir, et selon leur volonté à la séance, sans astreinte. Le prix en est peu élevé et un système de cachets achetés à l’avance le réduit encore. Contrairement à l’ancienne formule, ces cours se poursuivent jusqu’au mois de juin inclus. Le changement intervient pendant la guerre au moment où la majorité des jeunes artistes n’est pas susceptible d’entreprendre des sessions de longue durée. Le ‘croquis expliqué’ permettrait alors une alternative entre la pratique du cours régulier avec professeur et le travail libre sans obligation de suivi d’après le modèle vivant. […] Et c’est l’année suivante en pleine guerre que le cours de croquis expliqué apparaît et connaît un grand succès contrairement aux cours de journée qui ne correspondent pas aux problèmes spécifiques à la période” (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 58).

[52] “Pour l’année scolaire 1916, Araújo effectue une recette de 535,00 Francs, soit 1070 règlements à 0,50 centimes la séance, score inégalé par les cours de croquis classiques, en pleine période de fonctionnement de l’académie. […] Le cours de ‘croquis expliqué’ se poursuivra après la guerre sous la direction d’Yves Alix, qui maintiendra un quota honorable de participants, sans pour autant atteindre les records de popularité qu’Araujo avait précédemment obtenus” (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 59).

[53] Claire-Lise Monnier esteve inscrita na Academia Ranson no período de 1915 a 1917. (Registros de contas da Academia Ranson, acervo Marc-Olivier Bitker).

[54] Marthe Donas frequentou a Academia Ranson, a Académie de la Grande Chaumière e a Académie André Lhote. (Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germain-em-Laye).

[55] Raphael Drouart trocou correspondência com Denis em 1916. (Acervo Musée Maurice Denis, Saint- Germain-em-Laye).

[56] Araújo escreveu na parte inferior esquerda desse desenho: “Châteauneuf-du-Faou vu de chez Sérusier.” Sérusier construiu sua casa em Châteauneuf-du-Faou em 1906, em uma encosta à leste da saída da vila. Até 1914, viveu entre Paris e a Bretanha. Com a eclosão da Guerra, isolou-se até 1918 na casa bretã. (cfr.: http://www.comite-serusier.com/biographie-paul-serusier)

[57] CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, s/d (“sábado”). Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 194.

[58] CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 8 de fevereiro de 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 189.

[59] O projeto de criação do Cours d’Application na casa de Araújo foi abandonado, já que, nas palavras do artista “Nem Ranson, devido aos alunos que segundo ela sairão de manhã para vir depois à tarde, nem eu [Araújo], devido os altos custos devendo absorver os lucros, pudemos encontrar a realização” (CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 18 fev. 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 190).

[60] CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 8 de fevereiro de 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 189.

[61] “Eu li essa carta para Madame Ranson.” (CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 18 de fevereiro de 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 190).

[62] CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 8 fev. 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 189. Como pagamento pelos serviços prestados à academia, inicialmente é acordado que Araújo receberia metade da soma paga pelos seus alunos. No entanto, de dezembro de 1915 a abril de 1916, Ranson não respeita o contrato, e apenas em abril de 1916, lhe paga um montante compensatório. De maio a setembro de 1916, é realizado um novo acordo, no qual Araújo passa a receber metade da soma paga pelos seus alunos referente ao curso de Croquis Expliqué e ao curso da manhã, mesmo valor que será pago posteriormente à Yves Alix (professor que entra no lugar de Araújo, em 1918), após a saída de Araújo (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p.66). Em 1917, Araújo abandona os ganhos em porcentagem, e estabelece um sistema de lições particulares na academia e na própria casa, cujo produto ele lucra integralmente (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p.67). Nesse caso, ele continua ministrando o Cours de Croquis Expliqué, o Cours de Pochade e o curso da manhã, sem receber pagamento, ficando apenas com o lucro dos cursos particulares na academia e em sua casa. De outubro de 1916 a setembro de 1917, Araújo passa a receber uma porcentagem dos lucros mensais pagos pelos alunos à academia, referente a todos os cursos ministrados. De outubro de 1917 a março de 1918, Araújo recebe a soma de 2 salários – uma porcentagem sobre o total das mensalidades, somada ao pagamento da metade das receitas do curso de Croquis Expliqué. (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p.68)

[63] CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 18 fev. 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 190.

[64] CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 4 de setembro de 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 192.

[65] “Aux élèves j’ai toujours parlé d’un cours impérieux. J’ai été jusqu’à afficher le cours d’application plus encore dans l’espoir d’être secondé que d’attirer du monde: car j’ai défendu (plus qu’il n’est croyable) le groupe au dessus de tout. C’est la force. J’ai piétiné, piaffé,espéré” (CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 13 de setembro de 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint- Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 193).

[66] “La très jeune pousse est arrachée : qui peut prétendre savoir ce que je vais faire, puisque j’avoue mon désarroi total! Et… je vais ouvrir une Académie! Je n ‘ai pas encore supposé cette eventualité. Tout est possible dans l’avenir, mais jusqu’à ce vendredi, je n’ai que mon projet défini- la réalisation pas encore – d’aucune façon du ‘cours d’application’…” (CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 13 de setembro de 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 193).

[67] “La mort du croquis me parait une chose si définitive que je me suis empressé de vous écrire et à Mr. Roussel et à Mr Vuillard, pour les remercier et dire mon regret de ne plus les revoir” (CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 13 de setembro de 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 193).

[68] “Le mal qu’on a voulu me faire est fait. C’est impossible cependant de me laisser accuser d’être Tartuffe, quand je proteste de ma délicatesse de sentiments. Très humilié, bien cher Monsieur Denis, je suis” (CORREIA DE ARAUJO, P. L. Carta assinada enviada para Maurice Denis, 13 de setembro de 1918, Acervo Musée Maurice Denis, Saint-Germaine-en-Laye, referência: 166J 2, Ms 193).

[69] “Jusqu’au bout chacun restera sur ses positions : France Ranson accusant Araujo d’arrivisme et Araujo accusant France de mauvaise foi. Quelles qu’en soient les circonstances, il dirigera bien sa propre académie” (GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 69).

[70] “Je ne pense pas qu’il faille s’émouvoir beaucoup du projet d’Araujo, il cherche à gagner sa vie comme il peut, momentanément; si Paris est tranquille cet hiver vous reprendrez l’Académie et il n’y fera rien; si l’on ne rentre pas que vous importe ce qu’il fera à Tours? Ceux qui seront à Paris n’iront pas l’y chercher” (Carta de Kerr Xavier Roussel para France Ranson, s.d., provavelmente escrita em setembro de 1918, apud GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p. 70. Pela resposta de Roussel, havia a ideia de que Pedro Correia Araújo iria abrir sua academia na cidade de Tours, na região Centre-Val de Loire, provavelmente devido as cartas que Araújo enviou dessa região para o próprio Rouseel, Vuillard e Denis.

[71] GOUDAL-NICOLLIER, 1997, p.59