Louis Rochet: Nova proposição apresentada à Comissão da estátua equestre de D. Pedro I, em 18 de setembro de 1856

organização de Jorge Coli

COLI, Jorge (org.). Louis Rochet: Nova proposição apresentada à Comissão da estátua equestre de D. Pedro I, em 18 de setembro de 1856; tradução Arthur Valle. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 2, abr. 2010. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/rochet coli.htm>.

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Em 1855, foi promovido o concurso para a realização da estátua equestre em homenagem a D. Pedro I [cf. Imagem], que seria definitivamente instalada, em 1862, naquela que é hoje a Praça Tiradentes, localizada no centro do Rio de Janeiro. O primeiro lugar foi concedido a um projeto de autoria de João Maximiniano Mafra, mas coube ao escultor francês Louis Rochet (1813-1878), classificado em terceiro lugar no certame, o desenvolvimento do projeto e a efetiva realização da estátua. Em 1856, durante a primeira de duas visitas que fez ao Brasil visando à realização e instalação do monumento, Rochet apresentou, à Comissão encarregada da promoção e execução da estátua, a proposição que vai abaixo transcrita, na qual sugeria significativas modificações - de ordem material e iconográfica - ao programa original. A fonte da presente tradução foi o texto originalmente publicado em francês, com grafia atualizada, In: ROCHET, André. Louis Rochet, Sculpteur Sinologue 1813 - 1878. Paris: André Bonne, 1978, p. 161-167.

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Nova proposição de M. Louis Rochet, apresentada à Comissão da estátua equestre de D. Pedro I, em 18 de setembro de 1856, à Academia das Belas Artes, no salão onde estava exposto o modelo em gesso realizado por esse estatuário.

Senhor Presidente,

Parecer-me-ia não desempenhar o meu dever e não mostrar-me digno da escolha da Comissão se, antes de começar definitivamente meus trabalhos, eu não apresentasse aqui, diante da Comissão reunida, o resultado de meus estudos, que tiveram como único intuito, limitando-me ao orçamento possível e sem desviar-me do programa fixado, colocar em harmonia o pedestal e a estátua, e de conferir a essa última todo o esplendor e a grandeza que exige esse monumento erigido pelo Brasil não apenas a um homem, mas sim ao mais alto feito do qual uma nação possa se orgulhar, sua Independência, sua Liberdade!

A partir do momento, Senhores, que eu tive a honra de ser escolhido por V. Sas., dediquei-me a sérios trabalhos para cumprir essa nobre missão: ouso dizer que minha presença no Rio de Janeiro é testemunha disso. Eu já conhecia a maior parte das estátuas equestres existentes na Europa; cuidei de ir ver as que não conhecia. É, portanto, com conhecimento de causa que eu posso dar à Comissão a certeza de que, se ela fizer por bem examinar as modificações que eu julguei absolutamente necessárias propor ao projeto inicial e aceitar as despesas que elas acarretam, a cidade do Rio de Janeiro possuirá um dos monumentos mais suntuosos do mundo inteiro; a Itália e Alemanha poderão invejá-la; mesmo Paris, Londres e Lisboa não possuem nada de comparável; só talvez a cidade de Berlim poderia superá-la, não por sua grandeza, mas por sua importância.

Devo dizer à Comissão que eu não projetei um programa tão ambicioso, pois eu não tinha a minha disposição as somas consideráveis que foram necessárias para realizar o monumento de Berlim, e que, enfim, meu programa comportava apenas um estátua equestre com alguns acessórios, e não todo um Panteão.

Quase todos os monumentos equestres realizados até o presente na Europa são constituídos unicamente por um grupo de bronze, colocado sobre um pedestal de pedra, ou revestido de placas de mármore, muito simples; eu não falo daqueles que existiam em Paris outrora e que não mais existem, mas daqueles que são hoje a exceção, aqueles de Berlim, de Lisboa, o monumento a Napoleão em Lyon, que apresentam acessórios decorativos mais ou menos ricos; eu poderia igualmente mencionar aquele de São Petersburgo, sobretudo em razão da sua originalidade e do preço fabuloso do imenso rochedo que suporta a estátua equestre de Pedro, o Grande.

Tais eram as minhas reflexões, Senhores, ao deixar Paris. Desde a minha chegada ao Rio, examinei em primeiro lugar a qualidade dos materiais que eu tinha à minha disposição para a construção do pedestal: observei todos os granitos das redondezas, todos os monumentos da cidade com a maior das atenções; pois eu devia me assegurar da qualidade das molduras e dos ornamentos que se podia executar com tais granitos. Após toda sorte de ensaios, eu cheguei à convicção profunda de que, se esses granitos convinham bem para a base do pedestal, o mesmo não pode ser dito do pedestal ele próprio, que deve suportar a estátua do imperador, não somente porque os granitos são de qualidade inferior, mas também em razão do efeito medíocre e monótono que produziria uma massa acinzentada do topo à base, que só poderia ser decorada por molduras grosseiras, sem nenhuma espécie de ornamento.

Desde então, eu estava persuadido de que era necessário renunciar ao granito para a construção do pedestal.

Que fazer? - Que devo eu submeter à vossa apreciação? - Da minha parte, não há o que hesitar: existem apenas duas espécies de material que são dignos do projeto e, simultaneamente, suntuosos; o bronze e o mármore. Ainda que de natureza bem diferente, esses dois materiais tem as mesmas vantagens e a mesma beleza; ambos permitem a execução de molduras de um grande refinamento e ornamentos muito ricos, e são, ao mesmo tempo, muito sólidos; todavia, essa modificação de material acarreta despesas bastante consideráveis.

Portanto, é apenas em bronze ou em mármore que pode ser executado o projeto do pedestal que tenho a honra de submeter-vos, para que vós decidais. Eis, de maneira mais circunstanciada, como eu imagino a execução deste pedestal utilizando um ou outro desses materiais.

Realizado em bronze, segundo a maquete em gesso que submeto-vos (essa maquete corresponde a um oitavo das dimensões do monumento), o pedestal composto no estilo arquitetural mais rico da Renascença, terá cerca de 5 metros de altura, por mais de 6 metros de comprimento.

Para conferir-lhe a maior majestade e atenuar o aspecto um tanto sombrio do bronze, os escudos com armas imperiais, circundados dos dragões de Bragança, poderiam ser dourados por galvanização, assim como as armas da cidade do Rio; e os escudos com letras douradas com os nomes das vinte províncias do Império seriam em mármore verde da Itália, rodeados de ramos de ebenáceas e coroadas com estrelas de ouro; os painéis decorando o lado do pedestal poderiam ser recobertos de grandes placas de mármore colorido, sobre os quais se destacariam os grupos de Índios, o que produziria, parece-me, o efeito mais harmonioso e mais notável; os motivos ornando as faces das pilastras dos ângulos seriam decorados com arabescos e com um cartucho dourado com assinatura do imperador Dom Pedro I.

Esse pedestal terá uma superfície de, ao menos, 130 metros quadrados; e ele pesará com as armações, sem dúvida, de 22 a 25 mil quilogramas.

Ele custará cerca de 320 000 francos, dos quais se poderia deduzir os 120 000 francos previstos para a construção do pedestal em granito, o que daria uma diferença de somente 200 000 francos.

Poder-se-ia também empregar, para o pedestal, o mármore de Carrara (mármore branco).

O mármore não tem evidentemente a durabilidade e a resistência do bronze, mas, em razão de sua dureza e do refinamento de seu grão, ele permite um trabalho muito rico e delicado; sua brancura dará talvez maior brilho e luminosidade ao monumento, ainda que o efeito, com a cor verde do bronze, não seja muito harmonioso; um inconveniente, mas que se pode atenuar sensivelmente com algumas precauções, é o fato de que manchas esverdeadas podem surgir em função da oxidação da estátua, oxidação que será naturalmente maior por causa das chuvas e da temperatura elevada, combinada com os vapores salinos do ar marinho.

Convém precisar que um tal pedestal não poderia ser construído, como de costume, com placas de mármore sobre uma massa de pedra, procedimento que tem o terrível inconveniente de se deteriorar rapidamente: as infiltrações de água e as plantas que podem crescer nos interstícios das placas de mármore as fariam se deslocar ao fim de poucos anos.

De toda maneira, esse procedimento, por vezes empregado na Europa por razões de economia mal compreendida, não permitiria reduzir sensivelmente as despesas e inspiraria de imediato arrependimentos. No meu projeto, ao contrário, o pedestal seria feito de blocos de mármore de um metro a 1 metro e 50 de espessura, única maneira de assegurar a solidez e a durabilidade da construção. Essas pedras de grande dimensão seriam talhadas e sobrepostas, como se faz ordinariamente para o granito, e ricamente decoradas de molduras delicadas e de ornamentos; elas seriam realçadas com bronze dourado, com os escudos do Império e da cidade, e com inscrições sobre fundo dourado. Esse pedestal produzirá um efeito suntuoso e grandioso, o que dará à população uma ideia mais majestosa e mais brilhante do monumento. Infelizmente, o mármore custará ainda mais caro do que o bronze e, todavia, eu admito, dar-me-á ainda mais preocupações: ainda que muito duro, o mármore não é menos frágil, sobretudo quando é trabalhado e esculpido; o seu transporte é mais dispendioso, assim como a sua colocação. Resumindo, seria necessário contar com ao menos 420 000 francos, ou seja, uma aumento de despesa de 300 000 francos, sempre reduzindo-se a soma de 120 000 francos prevista para pedestal granito.

Resta ainda uma modificação importante: ela diz respeito às estátuas dos Índios, que devem representar os principais rios do Brasil. Para responder às exigências da arquitetura do pedestal de uma estátua equestre, eu tive que duplicar os grupos ornando os lados do monumento: executar uma só estátua seria impossível. A Comissão pode observar com cuidado o desenvolvimento que eu dei a essas estátuas: e eu creio, Senhores, que vós estareis de acordo comigo, em relação a esse ponto.

Malgrado a despesa acarretada pela execução desses dois grandes grupos, tomando por base a cifra do contrato, eu sou obrigado a dobrar o preço dos dois grupos, o que dará 40 000 francos para a cada um, ou seja, 80 000 francos ao todo. O preço desses dois grupos poderia ser coberto pela soma de 80 000 francos prevista para os quatro lampadários em forma de palmeiras; esses lampadários não são indispensáveis ao conjunto do monumento e podem perfeitamente ser suprimidos, a menos que decida-se realizá-los mais tarde; mas devo desde já dizer à Comissão que, para bem guarnecer o pedestal, serão necessários oito lampadários, e não apenas quatro.

Em resumo, mesmo utilizando o preço dos lampadários para cobrir a aumento do preço dos dois grupos, permanecerá uma diferença de 200 000 francos para o mármore.

Nada mais simples do que indicar-vos a diferença de preço entre o pedestal de bronze e aquele de mármore; pois, não somente o mármore, em função de seu peso, acarretará maiores despesas de transporte, como também o seu acondicionamento será mais delicado: o encaixotamento dessas enormes massas delicadamente esculpidas demandará muitos cuidados e tempo; eu terei que prover uma reserva de mármore para o caso em que ocorreram desgastes, reserva que será devolvida à Comissão se não for utilizada; enfim, terei que contratar escultores que não poderão ser os mesmos operários encarregados da instalação da estátua e do pedestal em bronze. Notar-se-á que há ainda uma parte da decoração da qual eu não falei: me refiro à grade que circunda o monumento; essa grade não terá menos do que 60 metros de comprimento. Devemos nos ocupar dela nesse momento? Eu creio que não. Estimo ser preferível deixá-la, assim como os palmeiras, para um julgamento posterior à finalização da estátua.

Se vos ativerdes à essa grade, como será ela executada? Em bronze, como no monumento de Lisboa? Em ferro forjado, que poder-se-ia, além disso, recobrir com uma camada de bronze por galvanização? Eu não saberia, nesse momento, dar uma indicação precisa; mas, se a Comissão desejar, eu responderei a todas essas questões depois do meu retorno à Paris.

Essas são, Senhores, as principais modificações que me foram sugeridas por estudos atentos e prolongados: eu as creio absolutamente necessárias, pois elas visam, como objetivo exclusivo, a grandeza e a dignidade do monumento que vós chamastes-me a realizar; talvez, pensareis que o desejo de secundar-vos na sua missão patriótica levou-me muito longe, e que as modificações que tive a honra de propor-vos correspondem apenas a uma fantasia de artista. Não se trata disso, Senhores! As Belas Artes obedecem a certas leis, a certas convenções; e são as leis da arquitetura e da construção que não me permitem agir de outra maneira: se eu recusei o granito, não é somente porque ele é rude, mas porque isso me pareceu mais em conformidade com a arquitetura do monumento e com a sua dignidade; o granito, com o qual vós pavimentais vossas ruas, não é digno da minha estátua e do Homem ilustre que ela deve representar; e eu devo dizer-vos, também muito sinceramente, que lamentarei vivamente ser forçado a abandonar o projeto do pedestal que vos apresento, pois ele é o único digno, o único que convém ao vosso monumento.

Nada mais acrescentarei, Senhores. Meu amor e minha devoção pelo ofício que exerço me fizeram ultrapassar os limites permitidos? Não. Eu pensei ser o meu dever, para responder à confiança que vós depositastes em mim, não recuar diante de nenhum trabalho, de nenhum estudo; uma vez que o Brasil deseja celebrar para a posteridade a memória de sua Independência, ele deve não somente à América, mas ao mundo inteiro, um monumento ao mesmo tempo suntuoso e imponente.

Quando eu vos asseguro, Senhores, que pelo terço, ou ao menos pela metade das somas despendidas para erigir os monumentos de Berlim, de São Petersburgo e de Lisboa, a cidade do Rio de Janeiro terá um monumento maior, e mesmo mais belo, do que todos esses que cito, eu estou seguro de que vós deveis me ajudar. E se, por razões que eu não posso conhecer, a Comissão estimar que não deve ou não pode arcar com essas novas despesas, eu me conformarei ao primeiro programa, com a satisfação de ter cumprido conscienciosamente o meu dever para convosco; mas devo dizer que não assumirei a responsabilidade quanto à arquitetura do projeto.

Queiram aceitar, Senhor Presidente e Senhores membros da Comissão, a expressão de meus sentimentos mais respeitosos e mais cordiais.

Rio de Janeiro,18 setembro de 1856.

Assinado: Louis Rochet - estatuário.

Traduzido do francês por Arthur Valle