Lembrança de Mario Barata

José Roberto Teixeira Leite

LEITE, José Roberto Teixeira. Lembrança de Mario Barata. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 1, jan. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/resenhas/jrtl_mb.htm>.

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Mário Barata como Catedrático de História da Arte

da Escola Nacional de Belas Artes, c.1960.

Para Tiziana, com carinho

Sempre que penso em Mário Barata - nosso querido amigo e colega desaparecido no último dia 14 de setembro, aos 86 anos de idade -, três palavras me acodem de imediato: entusiasmo, modéstia, gratidão. As duas primeiras foram as qualidades que lhe nortearam a vida, tão longa quão cheia de realizações e não poucas dificuldades; quanto à terceira, é pelo muito que pessoalmente lhe devo.

Os que tivemos a felicidade de conhecê-lo de perto jamais nos esqueceremos do entusiasmo que punha em tudo quanto fazia, entusiasmo do qual pode servir de pequenino exemplo um fato corriqueiro, ocorrido há muitos e muitos anos comigo mesmo: atendo bem cedinho o telefone, ainda sonolento, e do outro lado do fio eis que escuto a voz inconfundível de Mário, na maior empolgação:

- José Roberto! Já há clima para a História da Arte no Brasil! Bom dia!

Diga-se desde logo que o próprio Mário muito contribuíra para que tal clima pudesse se impor, até porque, tanto quanto eu saiba, foi ele quem, partindo no imediato pós-guerra com uma bolsa de estudos para a França (outro dos bolsistas chamava-se Antonio Bandeira), viria a ser o primeiro brasileiro diplomado em História da Arte pela Universidade de Paris, e a completar os cursos da École du Louvre e do Musée de l´Homme; o fato é que até então nossos historiadores de arte tocavam  por assim dizer de ouvido: Mário foi o primeiro a tocar por música. Nunca esquecendo que, já antes da partida para a Europa,  ele se formara em Museologia pelo Curso de Museus do Museu Histórico Nacional (do qual seria mais tarde professor) e em Ciências Sociais pela Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro.

Era ainda estudante em Paris quando em 1948-1949 participou da fundação tanto da Association Internationale des Critiques d´Art quanto da de sua Seção Brasileira, circunstância que não tem tido o merecido reconhecimento; pouco antes, em 1946, fora um dos fundadores do ICOM - International Council of Museums, canalizando para ambas essas organizações internacionais conhecimentos e energia. Da AICA seria vice-presidente e, por muitos anos, secretário regional para a América Latina; e era presidente de honra da ABCA ao falecer.

Fui um dos que assistiram, em 1955, ao concurso para a cátedra de História da Arte da então Escola Nacional de Belas Artes, à qual concorriam, além do próprio Mário, outros dois candidatos de peso: Carlos Flexa Ribeiro e Wladimir Alves de Souza. Flexa Ribeiro, filho do recém-aposentado catedrático José Pinto Flexa Ribeiro e por isso mesmo visto por muitos como seu natural sucessor, concorria com uma tese sobre Velazques, enquanto Wladimir se inscrevera com uma monografia sobre Van Gogh. Quanto a Mário Barata, voltando-se pioneiramente para um tema da História da Arte Brasileira, apresentou-se com o trabalho Azulejos no Brasil, ainda hoje considerado obra referencial sobre o assunto. Para decepção de muitos saiu vencedor, tanto mais que, naquele meio então dominado pelo conservadorismo, seu ingresso na velha instituição equivalia a uma rajada de vento renovador: infelizmente, menos de dez anos depois, em 1964, os mesmos espíritos tacanhos que ainda não tinham assimilado aquela insofismável vitória conspiraram junto ao governo militar até obterem a exoneração de Mário, para quem se abriu então um período de enormes dificuldades materiais.

Mário Barata foi um dos poucos críticos e historiadores de arte brasileiros que tanto podiam tratar de uma velha igreja setecentista quanto dos Bichos de Lígia Clark: sabia tudo, tudo lhe interessava, sua cabeça (como certa ocasião ouvi Mário Pedrosa dizer) era como uma gaveta de sapateiro, onde tudo se guardava e de onde tudo era possível extrair. Por isso mesmo seus escritos vão da arte colonial à de vanguarda, e constituem um raro conjunto de valiosas fontes para o estudo de nossa produção artística.

Falei até aqui do entusiasmo e do preparo de Mário: resta falar de sua modéstia, e de minha gratidão por quanto lhe fiquei devendo. Modesto ele era, totalmente avesso a reconhecimentos e gloríolas: quantos dentre nós, seus colegas da ABCA, sabemos por exemplo que a organização do Congresso Internacional Extraordinário da Associação Internacional de Críticos de Arte realizado no Brasil em 1959 deveu-se em grandíssima parte ao seu empenho pessoal? Ele em vida não foi celebrado como merecia: talvez seja chegado o momento de o fazer agora.

Quanto a mim, lembro-me da força que me deu quando da publicação de meu primeiro livro, Jheronimus Bosch; também nunca me esqueci, nem esquecerei, de que a ele fiquei devendo a indicação para substituí-lo em 1956 como titular da coluna de artes do Diário de Notícias, do mesmo modo como, em 1999, minha admissão como sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual desde 1994 era um dos vice-presidentes.

Mário Barata, receba a gratidão e a homenagem não só de um velho amigo, mas da Associação que fundou, e tão alto soube elevar.

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Algumas textos de Mário Barata sobre a Arte Brasileira do século XIX

“A chegada da Missão Francesa e a Academia Imperial de Belas Artes e indicações para estudo do Romantismo e as últimas tendências do século XIX”. In: As artes no Brasil no século XIX. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, ago./ set., 1977. (Catálogo).

“As Artes Plásticas de 1808 a 1889”. In: Hollanda, Sergio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960-1977. Tomo III. V. 3 (Volume Brasil Monárquico).

“Aspecto 'histórico' e de evolução formal e sensível na temática brasileira da paisagem de Nicolas-Antoine Taunay, Thomas Ender e Félix-Émile Taunay”. In: Salgueiro, Heliana Angotti (coord.). Paisagem e a arte. São Paulo: CBHA, 2002. p. 265-272.

Escola Politécnica do Largo de São Francisco: berço da engenharia brasileira. Rio de Janeiro: Clube de Engenharia, 1973.

Henrique Bernardelli. Uma coleção de desenhos. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1976.

“Manuscrito inédito de Lebreton - Sobre o estabelecimento da dupla escola de artes no Rio de Janeiro, em 1816”. In: Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1959, pp.283-307.

“Raízes e aspectos da história do ensino artístico no Brasil”. In: Arquivos da Escola de Belas Artes, s.n.v. (XII), 1966. p. 41-47.