Gente de palmo e meio *

Elena Komissarova

KOMISSAROVA, Elena. Gente de palmo e meio. 19&20, Rio de Janeiro, v. XVI, n. 1, jan.-jun. 2021. https://www.doi.org/10.52913/19e20.XVI1.04

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1.     A estrofe do poeta Augusto Gil[1] escolhida como título para o presente artigo e que foi adotada pelo texto de Joaquim Costa[2] apresentado em conferência ocorrida no Salão de Belas Artes do Palácio de Cristal Portuense no dia 13 de julho de 1936, na sequência de encerramento da exposição póstuma da pintora portuense Aurélia de Sousa (1866-1922), foi a melhor expressão que encontrámos para identificar e batizar um grupo particular de obras, que foi o alvo de um olhar artístico e humano desta artista singular.

2.     A sua obra, que na base do inventário atual e com a relativa precisão, ronda por volta das 300 obras e contém uma generosa variedade de géneros (retratos e autorretratos; paisagens; a natureza-morta; pintura de temática histórica e religiosa; etc.). Mas, no foco do presente estudo, se encontra uma série não muito numerosa, usualmente apresentada como parte da mais vasta série de retratos e, talvez, menos estudada - a das imagens de crianças e jovens.

3.     As telas analisadas no presente texto abrangem, sem tentativa de manter a ordem cronológica,[3] a maior parte do período da atividade artística de Aurélia de Sousa. Pintora portuguesa, nascida no Chile mas desde muito cedo regressada da América do Sul para Portugal, passou a maior parte da sua vida na cidade do Porto. O percurso académico da pintora[4] começou na Academia de Belas Artes portuense, integrando no curso do mestre Marques de Oliveira,[5] e teve a sua continuação na célebre Academia Julian em Paris, sob orientação dos professores Jean-Paul Laurens e Benjamin Constant. Entretanto, “o centro principal da sua atividade artística, foi o estúdio na Quinta da China,[6] um lugar de vivência familiar, um sonho arquitetónico, que a artista transformou numa verdadeira Casa de Artista."[7]

4.     Entre os poucos relatos guardados sobre a sua vida até completar os vnte e sete anos - o momento quando Aurélia entrou na Academia portuense -, encontramos estes testemunhos que descrevem os momentos particulares da vivência da artista na sua residência familiar e que nos parecem relevantes para o presente estudo: “A bondade nativa de Aurélia de Sousa manifestava-se muito cedo. Adorava crianças, que incessantemente fugiam para ela; dava-lhes gulodices; acompanhava-as nos seus brinquedos; contava-lhes histórias de reis, de príncipes e de moiras encantadas; fazia para elas caprichosos desenhos; identificava-se com os seus gostos e a sua psicologia” (COSTA, 1937, p. 42).

5.     O seu amor pelas crianças e indefesos, notado por Joaquim Costa, de facto realizou-se artisticamente numa série impressionante de imagens, que decidimos reunir sob o título Gente de palmo e meio. A seguinte observação perspicaz do mesmo autor resolve-se com uma viragem para o lado mais lírico da artista, que está efetivamente presente na sua obra: Artista envolveu incessantemente tudo quanto pintava num olhar de acariciadora ternura. As flores e as crianças encontraram sempre nas suas telas expressões da mais rara surpreendente poesia” (COSTA, 1937, p. 77). Entretanto, parece que Aurélia de Sousa relata o mundo de crianças sem explorar a sua doçura e beleza, mas, sim, realçando a sua unicidade, revelando a vulnerabilidade e o estado particular em que se encontram - a tripla submissão,[8] que o seu olhar, terno e atento seria capaz de reconhecer.  

6.     Por sua vez, os relatos dos familiares permitem acrescentar um pequeno pormenor biográfico à imagem da mulher nascida no final do Século XIX, que passou por uma das mais prestigiadas escolas particulares europeias de arte e escolheu a pintura como profissão: ser a vigilante e a defensora do seu universo, que não se cansava de retratar.

7.     Aparentemente, esta sua face atenciosa manifestava-se numa outra forma: junto com irmãs intrépidas, Aurélia literalmente protegia o seu reinado, constituído por crianças e mulheres:[9] “[...] É disso exemplo o episódio que a sobrinha Maria Feliciana, em 1964, baseado em relatos de sua mãe, Maria Estela e de sua avó, Olinda, deu conta: devido ao grande isolamento em que a Quinta da China se localizava, Sofia e Elvira tinham por hábito fazer-se acompanhar por armas de fogo, tendo chegado a pô-las em prática.”[10] Com efeito, sob este prisma devemos entender a tal feminidade militante que se realizava nesta forma de defensora dos pequenos e vulneráveis, lendo os seguintes testemunhos da vivência das irmãs Souza: “Foram mulheres e, em toda a sua obra está implícita, o amor pelas crianças, o seu instinto de defesa, porque quase todas usavam armas” (VASCONCELOS, 2010/2011, p. 103)  

8.     Abrimos a nossa galeria das imagens infantis de Aurélia de Sousa com a obra, exposta pela primeira vez numa grande exposição desta pintora que decorreu no Museu Nacional Soares dos Reis da cidade do Porto no ano 1973, sob um título genérico Cabeça de Rapaz [Figura 1]. O perfil do menino de boné, esculpido no nevoeiro do fundo incerto da tela, numa forma tocante, precede uma imagem fotográfica de William Klein [Figura 2], tirada umas décadas mais tarde num lugar muito distante, que Roland Barthes apresenta no livro A Câmara Clara, e que serve ao autor como introdução ao leitor, ou espectador, dos termos de stadium e punctum.[11] É intitulada Primeiro dia em Moscovo.[12]

9.     O fotógrafo “ensina-me como se vestem os russos,” acompanha Barthes (1984, p. 29) a imagem; “noto o grosso boné de um garoto.” Para a nossa análise comparativa de ambas as imagens, o acessório dos meninos em plena rua pouco diz sobre o lugar ou sobre a forma de vestir, mas transforma-se no tal pormenor que proporciona a maneira de captar algo mais. Efetivamente, através do acesso a um infra-saber, o tal biografema barthesiano, e o tal link entre operator e spectator, de que fala Barthes, conseguimos fazer uma leitura múltipla da imagem com o perfil do garoto urbano em boné.  

10.   Justificamos esta analogia entre duas artes visuais diferentes apoiando na reflexão bakhtiniana segundo a qual a obra de arte é uma construção arquitetónica, que pode ser entendida como construção, com uma ligação entre elementos próprios, tal como com elementos externos - com outras obras.[13] Portanto, o link mencionado também proporcionou a leitura polifónica, da imagem em estudo (por exemplo, a noção universal, de unicidade e da vulnerabilidade da criança). Isso, em última análise, é o melhor exemplo da “convivência indispensável” de stadium e de punctum barthesianos, apresentados na sua última obra. Neste caso foi o punctum - um pormenor, algo que me toca, “mas também me mortifica, me fere,”[14] e, ao mesmo tempo “desperta uma espécie de ternura” - a razão, pela qual o perfil do rapaz, captado em 1959 no Primeiro de Maio em Moscovo, fica universalmente semelhante com a imagem do menino portuense memorizado por Aurélia de Sousa na primeira década do mesmo século conturbado.

11.   A tela Rapariga com saquinho roxo [Figura 3], exposta pela primeira vez em 1936 na exposição póstuma de Aurélia no Palácio de Cristal, no Porto, também foi denominada com simplicidade: Rapariga-Estudo.[15] Relativamente à datação desta obra, podemos concordar com Maria Aguiar (2016, p. 227), que sugere que sua realização deverá ser da fase de formação de Aurélia de Souza, ainda que se desconheça a sua relação com a atividade escolar. A notoriedade do olhar desta criança - uma caraterística que migra para o rostos de outros modelos, mesmo que já não sejam infantis, tornada numa caraterística peculiar da obra retratística aureliana -, encontra, nas palavras de Maria João Lello Ortigão de Oliveira (2006, p. 500), a seguinte interpretação:

12.                                 Aurélia transgride as fronteiras sociais, tanto mais densas quanto maior for a proximidade física com as “outras classes”, e no olhar assustado da criança apercebemos-nos da violentação a que está sendo sujeita. Esta tripla submissão, criada e ama, criança e adulto, modelo e pintor, adverte-nos da crueldade do criador sobre a criatura, na aparente bondade e normalidade do gesto.

13.   Outro superlativo retrato [Figura 4] não possui elementos de historial seguros. Entretanto, as caraterísticas técnico-temáticas e a presença da assinatura permitem supor que se trata de uma das duas telas expostas na Exposição de Trabalhos Escolares de 1897 da Academia Portuense, ambas com títulos descritivos: Menino sentado e Rapaz sentado.[16] O rapaz urbano, talvez o ajudante numa loja ou empregado de uma tasca, é captado no momento do seu breve descanso, que não pode aliviar o peso carregado num olhar que ultrapassa a noção da idade que o traço infantil do rosto proporciona. O desespero desta silhueta está acrescentado por uma linha das costas curvadas, dos ombros encolhidos e das mãos descaídas num gesto de rendição. Lembrando o comentário de Joaquim Costa citado acima, que juntou numa sentença a natureza morta e as imagens das crianças aurelianas,[17] podemos evocar neste contexto uma das definições do primeiro género - “vida parada num instante ou, vita fermata in um istante immobile,” [18] - o que realmente justifica o mencionado paralelo. 

14.   A origem de uma obra que retrata uma rapariga pensativa [Figura 5], plena de uma inesperada poesia que não é reservada a um simples estudo,[19] provem do lugar apontado por Maria Aguiar (2012, p. 61) que, nós suspeitamos, foi o mais amado pela pintora: a luz surge a partir de cima, incidindo no lado direito o que pode ser indicador da sua execução no estúdio da Quinta da China, em que a claraboia iluminaria o modelo dessa forma.”

15.   Sem um registo histórico seguro, admitimos que a obra da Figura 6 pode nunca ter sido exposta durante a vida da pintora. Mas sugerimos, apoiando-nos na presença da assinatura e na verossimilhança do motivo, de que se trata da obra exposta em 1912 no Porto, com o título Rapariga de pé ligado.[20]  Sendo essa sugestão correta, o título proposto para a tela em estudo apela, mais uma vez, à obra de referência de Roland Barthes e ao referido punctum. Assim, podemos observar um modesto adereço branco não como uma simples condição estética e colorista - que estabelece o equilíbrio cromático entre a ligadura do pé e a camisa da menina -, mas como um elemento essencial. Esta decisão artística têm o seu efeito: um pequeno elemento branco, quase no canto da tela, em última análise vence a cor vibrante das laranjas, graças à exibição dos fragmentos descascados, quase por olfato.     

16.   É paradoxal, mas atualmente o superlativo retrato da Figura 7 não possui elementos de historial seguros. Entretanto, o título Cihilena - atribuído à obra no Leilão São Domingos, ocorrido no 2013 na cidade do Porto - pode justificar, sem segurança absoluta, a sua origem. Como foi referido acima, consta que Aurélia de Sousa, nascida na cidade chilena de Valparaíso, nunca quis deixar de ser chilena.[21] Embora vinda para Portugal apenas com três anos de idade, “foi mais portuense, do que portuguesa” (SILVA, 2016, p. 89). Mas parece que a sua ligação com o continente distante não se rompeu por motivos sentimentais e que existia também uma ligação real: a familiar. Trata-se da hipótese do modelo da tela em estudo ser a menina da família do irmão de Aurélia, César, que, segundo Maria Aguiar (2012, p. 10), “casando no Chile (onde residiu o resto da vida), entretanto, não cortou a relação com Portugal, e os descendentes dele residem, atualmente, no Porto.”

17.   A mesma informação consta nos relatos dos familiares: “Na Quinta da China onde viveu toda a sua vida até aos 91 anos, Sofia [trata-se de Sofia Martins de Sousa][22] partilhou um mundo de mulheres com as suas irmãs Elvira, Luísa, Aurélia e duas crianças que foram crescendo, uma que era filha de um irmão do pai e uma sobrinha, filha do irmão César que fora viver para o Chile (VASCONCELOS, 2010/2011, p. 52)

18.   Sendo ou não uma familiar de Aurélia, a alusão anterior apoia a nossa hipótese. O rosto muito expressivo da menina com um corte de cabelo - que aponta à recuperação após doença ou simplesmente revela uma condição económica - não deixa ninguém indiferente. De resto, o carácter da assinatura que esta obra possui aponta o período portuense, anterior à estadia em Paris (o tempo aproximado à criação de Autorretrato com o Laço Negro - cfr. Imagem).[23]  

19.   A designação de “pequenina Bretãpara uma imagem de menina rural, com um olhar desconfiado [Figura 8], que foi batizada de Bretã-Auray na Exposição de 1936, onde foi exposta pela primeira vez,[24] parece perfeitamente verosímil, considerando o adereço visível: os grandes tamancos típicos desta região da França.[25]

20.   Curiosamente, a tela que, entre todas as obras apresentadas no presente texto talvez seja a mais conhecida [Figura 9],[26] de facto possuiu um título que é o menos preciso. A jovem “bretã,” como foi batizada na altura da sua primeira exibição em 1936, é, na verdade, “une boulonnaise.” A finíssima touca que adorna o rosto de rapariga e que cria a impressão de santidade para esta imagem, faz parte de um traje festivo das mulheres de Boulogne-sur-Mer [Figura 10], outra região de França, e não de Auray, como foi reconhecido na altura da referida exposição.

21.   A particularidade do retrato da Figura 9, sem mencionar o acessório que nimba o rosto do modelo, é o olhar da rapariga e os seus paradigmas. Segundo Raquel Henriques da Silva:

22.                                 [...] para além das evidentes distâncias formais, esta pequena bretã, na associação subtil que se estabelece entre a mudez do rosto e o corpo como adereço, pode ser entendida como um trabalho de esboço para o Auto-Retrato de casaco vermelho [ver Imagem]. Trata-se de uma articulação complexa, mas de sentido idêntico à que existe entre o desenho La Femme qui passe e o Auto-Retrato enquanto bretã. Nestas alusões difusas, entre o despojamento de si e a apropriação de sinais físicos alheios, a pintora aprofundou, ou definitivamente iludiu, uma rara vertigem de autoconhecimento. (SILVA, 1992, p. 42)

23.   A obra-prima de Aurélia de Sousa, o Autorretrato de casaco vermelho,[27] evocado por Raquel Henriques da Silva neste contexto, é um dos fortes exemplos da manifestação plástica daquilo que nós entendemos como uma profunda empatia. Com esta referência - apoiada pela seguinte observação de Joaquim Costa (1936, p. 79): Os melhores retratos que pintou, quando não são a sua própria fisionomia, a revelar a estranha dramatização da sua alma, representam quase sempre o estudo e a fixação de figuras profundamente amadas” -, podemos avançar com a tese que este  “reconhecimento de si no outro e do outro em si” evoluiu com o tempo numa característica distinta de Aurélia de Sousa: a de metamorfosear-se na personagem que está a retratar.

24.   Para justificar esta última tese, nos voltamos para a tela que é um dos oito autorretratos de Aurélia de Sousa [Figura 11].[28] Esta obra foi criada na altura em que Aurélia recebera lições particulares do professor Caetano Moreira da Costa Lima,[29] antes de se matricular na Academia Portuense de Belas Artes.[30] De facto, é o primeiro autorretrato conhecido da autora, uma obra estudantil que ainda não manifesta todo o poder das suas futuras autorrepresentações. Portanto, arriscamos apresentar este óleo ao lado de outra obra de sua autoria: Retrato de Mariana [Figura 12], que foi exposta pela primeira vez em 1936, com o título Cabeça de Estudo, e também exibida nas exposições de 1973, 1984 e 2016, todas na cidade do Porto. Nesta última ocasião, foi apelidada de modo mais personalizado.  

25.   Efetivamente, podemos observar algumas caraterísticas semelhantes no tratamento do rosto do seu autorretrato juvenil e do modelo da tela de 1895. Este pormenor plástico revela a peculiar caraterística aureliana notada pelo seu contemporâneo Joaquim Costa - o dom da empatia. O exercício desta capacidade humana e artística resulta de tal maneira que, em certo ponto, já não é possível de distinguir bem entre o que é o reflexo da própria artista e o que pertence ao modelo que ela está a representar. A artista e o seu modelo tornam-se complementares. 

26.   Para finalizar o nosso discurso sobre a galeria das imagens infantis selecionadas de Aurélia de Sousa, escolhemos uma obra que foi exibida durante a última grande exposição das obras de Aurélia de Sousa, em 2016, sob o título descritivo Estudo - Menina a ler [Figura 13]. Mas que, muito provavelmente, dada a evidente semelhança das feições, retratava a mesma criança - a “Mariana”, que conhecemos pela tela anterior.

27.   Por um lado, esta obra intimista pode surgir como objeto de reflexão sobre outra vasta série de obras aurelianas que, em sua monografia de 1992 que colocou Aurelia no cânone artístico português, Raquel Henriques da Silva, designou Quotidianos:

28.                                 [...] numerosos interiores em que a pintora foi imobilizando, ou lentamente movimentando, os ritmos diários da Casa: no território fundado pela velha mãe, lendo, tricotando ou suspensa, quase em concretização do tempo, giram as outras mulheres, ocupadas em tarefas domésticas, as crianças na aprendizagem das prendas feminis, as caseiras ou criadas nos trabalhos mais árduos. (SILVA, 1992, p. 66)

29.   Por outro lado, a imagem da menina estudiosa, num vestido turquesa de modelo distinto que, pela observação de Vasconcelos, é muito parecido com o do retrato de Luísa de Sousa, irmã de Aurélia,[31] pode apontar ao traço familiar ou, simplesmente, revelar o espírito desta vivência partilhada num reinado constituído por crianças e mulheres. Lembramos neste contexto que a casa foi sempre habitada por crianças, não só as suas irmãs e irmãos, mas também primas e sobrinhas, crianças adotadas e os filhos das criadas

30.   Terminamos, assim, a nossa apresentação, que pode ser vista como um convite para o estudo desta galeria de rostos infantis, abertos para nós, tal como foram abertos no seu tempo “à criatividade do olhar com que, ternamente, a pintora os confrontara” (SILVA, 1992, p. 19) Acreditamos, que o presente texto não se resume a uma tentativa da simples reflexão sobre a velha dicotomia entre o autor e a sua obra, mesmo que escolhamos segui-la conforme a indicação dada por Bakhtin, segundo o qual o autor procura-se na obra, e apenas nela devemos procurá-lo.[32] Segundo esta formulação, deduzimos que a série que, seguindo Joaquim Costa, denominamos de Gente a palmo e meio, pode contar-nos bastante sobre os seus modelos, e, talvez, muito mais sobre a sua discreta autora.[33] 

Referências bibliográficas

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AGUIAR, M.; CALVO, A; e CRUZ A. J.. As Academias e as suas implicações na representação da figura humana por Aurélia de Sousa. In: NETO, M. J.; MALTA, M.. (org.). Coleções de Arte em Portugal e no Brasil nos séculos XIX e XX: As Academias de Belas Artes. Lisboa: Caleidoscópio, 2016, p. 225-234.

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COSTA, Joaquim. Aurélia de Sousa. A Sua Vida e a Sua Obra. Porto: Imprensa Portuguesa, 1937.

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OLIVEIRA, Maria João Lello Ortigão de. Aurélia de Sousa em Contexto. A Cultura Artística no Fim de Século. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa de Moeda, 2006 .

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VASCONCELOS, Emília Albertina Sá Pereira de. Sofia de Sousa e o retrato. Dissertação de Mestrado da História de Arte Portuguesa, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Orientador Científico: Professor Doutor Agostinho Rui Marques Araújo. Porto, 2010/2011.

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* Esta expressão (que também é o título do livro) do poeta Augusto Gil (1873-1929), foi citada por Joaquim Costa no seu texto de 1936 dedicado à pintora portuense: COSTA, Joaquim. Aurélia de Sousa a Sua Vida e a Sua Obra, Porto, Imprensa Portuguesa,1937, p.43.

[1] O livro Gente de Palmo e Meio de poeta e advogado português Augusto Gil foi pela primeira vez editado em 1913.

[2] Joaquim Costa (1877-1950) foi um poeta e jornalista português. A primeira exposição de Homenagem Póstuma à Grande Aurélia de Sousa em 1936, no Palácio Cristal no Porto, ocorreu principalmente graças ao empenho dele. Ver: Catálogo de Exposição Aurélia de Sousa, Mulher Artista (1866-1922). Lisboa, Tinta-da-China, Porto, 2016, p. 28.

[3] Um dos motivos que justifica esta decisão é que a pintora nem sempre assinava e raramente datava as suas obras. Ou seja, as obras em estudo tem a datação aproximada.

[4] Este assunto, de maneira mais detalhada, foi abordado no artigo: KOMISSAROVA, Elena. O Pierrot-Artista no Viragem do Século: O Autorretrato com o Laço Negro de Aurélia de Sousa (1866-1922) 19&20, v. XV, n. 1, jan.-jun. 2020. https://doi.org/10.52913/19e20.vXVi1.00005 .

[5] João Joaquim Marques da Silva Oliveira (1853-1927) foi eminente professor, pintor e introdutor do Naturalismo em Portugal. Sendo o professor e depois diretor da Academia portuense das Belas Artes, foi o mestre de figuras excecionais como António Carneiro e Aurélia de Sousa.

[6] A “formosa Quinta de China, a propriedade magnifica, que no século XVIII, foi a moradia opulenta e fidalga dos Padres Gracianos de Santo Agostinho, de Belomonte” (COSTA, 1937, p. 29), foi uma das mais belas propriedades situadas na beira do rio Douro, na zona oriental da cidade do Porto, que António de Sousa, pai de Aurelia, adquiriu após a família voltar para Portugal. Com curtos períodos de ausência, foi o lugar onde a pintora viveu toda a sua vida

[7] Segundo Joaquim Costa (1937, p. 39), foi essa expressão que, na sua infância, a futura pintora usou para definir o lugar ideal da sua imaginação.

[8] Criada e ama, criança e adulto, modelo e pintor” (OLIVEIRA, Maria João Lello Ortigão de, Aurélia em Contexto a cultura artística no fim de século, Lisboa, Casa da Moeda, 2006, p. 50).

[9] Tal como referiu Raquel Henriques da Silva, “insinuara-se, no entanto, uma especifica autonomia feminina na Quinta da China, onde, morto o pai, nenhum homem foi importante” (SILVA, Raquel Henriques de, Aurélia de Sousa. Lisboa: Edições Inapa, 1992, p. 12). O pai da futura pintora faleceu quando Aurélia tinha cerca de oito anos de idade.

[10] Maria Ortigão Sampaio Correia de Oliveira, citada em: AGUIAR, Maria Cunha Matos Lopes Pinto Leão. Os Materiais e a Técnica de Pintura a Óleo na Obra de Aurélia de Sousa e a Sua Relação Com a Conservação. Tese apresentada à Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de Doutor em Conservação de Pintura, 2012, p. 10. Maria Estela, Sofia e Elvira são as irmãs de Aurélia de Souza.

[11] Sendo stadium lido como “um afeto médio [...] a uma aplicação a uma coisa, o gosto por alguém,” enquanto o punctum é o algo que quebra este último, um “detalhe” que, como “uma flecha”, “vem me trespassar” (BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1984, p. 45-46).

[12] O Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador, conta o seu início na greve geral nas ruas de Chicago em 1886. Em 1891, a Internacional Socialista de Bruxelas proclamou a data como dia internacional de reivindicação de condições laborais. Em 1919, o senado francês proclamou feriado o dia 1 de maio daquele ano. Em 1920, a União Soviética adotou o Primeiro de maio como feriado nacional, sendo seguida por alguns países. Em Portugal, só a partir de maio de 1974, após a Revolução dos Cravos, é que se voltou a comemorar livremente o Primeiro de Maio, que passou a ser feriado. Durante o período do Estado Novo, a data era reprimida.  

[13] Ver: BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

[14] BARTHES, 1984, p. 46.

[15] Este é o título atribuído na exposição de 1936 no Porto, onde esta obra foi exposta pela primeira vez, sendo o nº 68 no respetivo catálogo. Em 2016, na exposição Aurélia de Sousa, Mulher Artista (1866-1922), a obra foi exposta com o título Rapariga segurando uma abada (nº 63).

[16] Este foi o título atribuído no Leilão Veritas Art Auctioners (65), 2017, Lisboa, onde esta obra foi transacionada, tendo sido reproduzido com o nº 245 no respetivo catálogo.

[17] Ver p. 2 do presente artigo.

[18] Ver: CALABRESE, Omar, Como se Lê Uma Obra de Arte. Lisboa: Edições 70, p. 20-21.

[19] Ttítulo atribuído na exposição de 1973 no Porto, onde esta obra foi exposta pela primeira vez, sendo o nº 40 no respetivo catálogo.

[20] Segundo Maria Aguiar, foi publicado no Jornal de Notícias de 1912: “Na Misericórdia do Porto - Exposição da Pintura [...] foram vendidas [a obra de] A. de Souza ‘Rapariga de pé ligado’, que foi adquirido por Sr. J. Nascimento [...]” (AGUIAR, Maria Cunha Matos Lopes Pinto Leão. Os Materiais e a Técnica de Pintura a Óleo na Obra de Aurélia de Sousa e a Sua Relação Com a Conservação. Tese de doutoramento. Porto, 2012, p. 377). 

[21]A pintora (nascida na cidade de Valparaíso, na freguesia dos Doze Apóstolos, em cuja igreja foi batizada), já que nunca quis renunciar à nacionalidade chilena, e todos os anos enfrentava a burocracia do consulado para renovar o passaporte. [...] Sabe que sim que esse português (António de Sousa, pai de Aurélia), natural da freguesia de Raiva, em Castelo de Paiva, no Norte de Portugal, já tinha estado emigrado no Brasil, e que no Chile se dedicou ao negócio [...]. Parece que os negócios correram bem e António resolveu voltar definitivamente, em 1869 [...]” (OLIVEIRA, 2006, p. 317-318).

[22] Irmã e fiel companheira nos seus estudos e na atividade profissional, Sofia Martins de Sousa (1870-1960) foi uma pintora portuguesa.

[23]  Ver: KOMISSAROVA, 2020.

[24] Na Exposição de 1936, foram expostos três óleos com títulos semelhantes: Rapariga-Bretã; Bretã-Auray; e uma outra Bretã-Auray.

[25] No período dos seus estudos parisienses, Aurélia, acompanhada pela irmã Sofia, visitou vários regiões  de França (Étaples, Pas de Calais, Côté d’Opale, Boulonnais, entre outras), o que resultou na criação de uma série de obras.

[26] Trata-se de obra com vasta bibliografia e historial. A tela é reproduzida em cor nas monografias de SILVA, 1992, p. 43 e de OLIVEIRA, 2006, p. 423. A tela foi exposta pelo menos nas três grandes exposições ocorridas na cidade do Porto, em 1936, 1973 e 1992-3.

[27] A obra-prima de Aurélia de Sousa, “o mais belo autorretrato da pintura portuguesa” (SILVA, 1992, p. 40), encontrou o seu maior reconhecimento internacional nas exposições: Soleil et Ombres. L’art portugais du XIXème siècle, realizada em Paris em 1987, e 1900: Art at The Crossroads, que decorreu em Londres e Nova York, em 2000.

[28] Atualmente, conhecemos oito autorretratos da pintora, sem contar com as outras imagens sugestivamente autorrepresentativas.

[29] Caetano Moreira da Costa Lima (1835-1898) foi um pintor português, especializado em pintura de história. Foi o primeiro mestre particular de pintura de Aurélia.

[30] O autorretrato, que sugestivamente batizamos Enquanto Jovem, aparece no segundo plano de pelo menos duas obras aurelianas que representam os interiores da Quinta da China. Trata-se da Cena Interior com Figura Feminina e No Atelier. 

[31] Ver: VASCONCELOS, 2010, p.71. Trata-se do Retrato de D. Luisa de Sousa, reproduzido a cor em: OLIVEIRA, 2006, p. 399.

[32]O autor está por inteiro no produto criado, e só nos pode nos remeter à sua obra: e é, de facto, apenas nela que vamos procurá-lo” (BAKHTIN,1997, p. 27).

[33] Temos duas justificações para este termo. Em primeiro lugar, mesmo que o seu talento tena sido notado (por poucos, mas pelos mais sábios), lembramos que durante sua vida ela foi rotulada por alguns como “pintora de flores,” e, depois de quatorze anos da sua morte, em 1936, Júlio Brandão afirmava que a “a eminente pintora [...] estava quase esquecida”. (Catálogo, 2016, p. 29). Em segundo lugar, é um facto biográfico que Aurélia de Sousa, relativamente à sua vida privada, foi uma pessoa bastante reservada: ”O seu feitio era mais inclinado à concentração e ao isolamento” (COSTA, 1937, p. 55) O seu diário pessoal, que Aurélia manteve toda a vida, foi destruído segundo as indicações deixadas pela própria autora ao seus familiares, logo depois do falecimento da pintora.