Alguns Comentários sobre Pedro Weingärtner

Paulo César Ribeiro Gomes *

GOMES, Paulo César Ribeiro. Alguns Comentários sobre Pedro Weingärtner. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 3, jul. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artistas/pw_pg.htm>.

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Quem foi Pedro Weingärtner? Qual a sua formação? Como foi sua carreira? Qual a importância de sua obra para a arte brasileira? E para a arte sul-rio-grandense? Onde se encontra sua obra? Foi a certeza da importância da sua obra que criou esta aura impenetrável de consagração e silêncio? Muitas perguntas e poucas respostas.

Pintor, desenhista e gravador, um dos mais importantes artistas brasileiros do período de transição entre os séculos XIX e XX, Pedro Weingärtner fez sua formação inicialmente em Porto Alegre, com o pintor Delfim da Câmara e depois, na Europa, onde foi aluno de E. Hildebrand, Ferdinand Keller e Theodor Poech, na Alemanha e, de Robert-Fleury e Adolphe Bouguereau, na França. Após seu período de estudos na Europa, como bolsista do Imperador Pedro II, estabeleceu-se, finalmente, na Itália, de onde retornaria só muito próximo do final da sua vida.

Sua obra pictórica culmina nas paisagens e nas cenas de gênero e fez também grande sucesso como retratista da aristocracia nacional e, principalmente, local. Também tem um trabalho de grande valor e importância como desenhista e como gravador.

Sua carreira se desenvolveu na Europa e no Brasil, simultaneamente e, nas inúmeras vezes que cruzou o Atlântico, levava daqui informações que alimentariam seu trabalho desenvolvido na Itália. Posteriormente esses trabalhos eram trazidos e comercializados no Brasil, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Seu prestígio foi crescente até o início do pré-modernismo brasileiro quando deixa então de despertar um interesse maior. Atualmente, com o processo de resgate da produção plástica brasileira do século XIX e do início do século XX, seu nome torna-se novamente obrigatório. Sua numerosa obra esta dispersa em coleções privadas e públicas e, calculamos, que só nas coleções públicas de Porto Alegre, dispomos de aproximadamente uma centena de seus trabalhos de todos os gêneros.

Referência obrigatória para a compreensão da arte brasileira e sul-rio-grandense, Weingärtner tem sua reputação atual fundada principalmente na sua antiguidade, o que se configura como uma grande injustiça para com um artista responsável pela consolidação de uma auto-imagem plástica, fundada principalmente nas pinturas de paisagens.

Situação atual

A inexplicável escassez de estudos, sobre a vida e obra de Pedro Weingärtner, tem diversas razões, mas acreditamos que a causa principal seja talvez devido ao descaso com que ele tem sido tratado pelas instituições e pelos estudiosos. Acreditamos que a certeza da importância da sua obra criou uma aura impenetrável de consagração e também de silêncio. Em livro temos a sua biografia, obra pioneira e referência obrigatória, escrita por Angelo Guido e o estudo de Athos Damasceno Ferreira[1]. O texto fundador dos estudos sobre a gravura no Rio Grande do Sul, de Carlos Scarinci[2], traz algumas informações precisas e muitas especulações sobre a obra gráfica de Weingärtner[3]. Revendo a reduzida fortuna crítica de Pedro Weingärtner contamos ainda com dois textos de Gonzaga Duque (1863-1911) que, sob o pseudônimo de A. P. (Alfredo Palheta), publicou no Rio de Janeiro[4], páginas que enfatizam o caráter dispersivo da sua pintura. É evidente que a obra de Weingärtner não poderia interessar ao crítico pré-modernista, naquele momento envolvido com artistas voltados para uma pintura de gênero contemporânea, dedicada a crônica do cotidiano e com grande intensidade dramática.[5] Mas atentemos que Gonzaga Duque, ao destacar o miniaturista em Weingärtner, está somente antecipando o que mais tarde será dito por Angelo Guido. Além disto faltam estudos sobre seus desenhos, que estão esparsos, sabemos pouco da sua obra pictórica além de eventuais mostras e, finalmente, quase nada conhecemos sobre sua história de vida com precisão, sua formação, sua atuação como professor no Rio de Janeiro, suas exposições, sua peregrinação pelo interior do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e as inumeráveis viagens entre a Europa e o Brasil.

A obra

A par dessa carência de estudos temos a quase total ausência de levantamentos sobre sua produção plástica. Conforme já assinalamos, sua pintura, assim como seus desenhos estão sem estudo e esparsos. Com a ambição de estabelecer um catálogo sistemático da obra gravada de Pedro Weingärtner[6], saímos em busca das fontes primárias sobre sua vida e obra. A cinqüentenária monografia de Angelo Guido ainda é o documento mais consistente (o texto de Athos Damasceno é posterior). Quanto às gravuras, Guido lista, ao final, uma série de quinze águas-fortes e, fora isso, são poucas as referências à técnica, como podemos ler as páginas 54, 75 e 144, conforme transcrevemos em “A Obra Gravada de Pedro Weingärtner”[7]. Conforme informamos no citado texto “Angelo Guido na sua lista somente enumera as águas-fortes a ele atribuídas. Infelizmente não reproduz qualquer uma delas, não informa as medidas, não descreve conteúdos, não indica tiragem, não diz se estão ou não assinadas (nas matrizes) e tão pouco descreve as imagens(GOMES, 2006: 7).

Inventários

As investigações sobre a vida e a obra do artista sempre foram fonte de inesgotáveis problemas, conforme podemos ler em nota publicada por Angelo Guido. Esse autor explicita a quase total ausência de informações fidedignas sobre a obra de Weingärtner ao escrever que

Das fotografias guardadas dos seus quadros Weingärtner nunca anotou o título, nunca tomou nota das pessoas, museu ou associação a que vendeu numerosas das suas obras, cujo destino ignoramos. O trabalho para elaborar uma lista, embora incompleta, das obras pintadas por Weingärtner foi enorme. (GUIDO, 1956: 154)

Ele lista um total de 196 obras pictóricas, 15 gravuras e reproduz (em preto e branco) 28 pinturas. Já Athos Damasceno Ferreira, em 1971, propõe uma outra lista. A soma total das obras listadas pelos dois autores chega a 289. Isso não significa que seja esse o número de obras do artista, pois a tentativa de comparar as duas listas - a de Guido e Damasceno - resulta num imbróglio inacreditável devido à discordância de dados, principalmente dos títulos, além da ausência de medidas e descrição dos temas, impedindo assim uma lista definitiva.

Considerando as dificuldades encontradas, que só poderão ser minimizadas após um cadastramento das obras procedemos a um levantamento das peças encontradas em coleções públicas de Porto Alegre. Uma lista foi publicada no Jornal do MARGS, em julho de 2003, juntamente com notícia biográfica e cronologia, organizadas por Neiva Bohns [8]. O levantamento de obras de Pedro Weingärtner nas coleções públicas de Porto Alegre tem, atualmente, os resultados expostos na Tabela I.

Gêneros

Pedro Weingärtner praticou quase todos os gêneros pictóricos: a paisagem, os retratos, as cenas históricas, as cenas de gênero, em praticamente todas as técnicas: pintura, desenho, gravura, escultura [9]. Conforme Angelo Guido, ele “preferiu a mais modesta pintura de gênero, da paisagem e do retratoe destacou-se pelo “[...] gosto pelo pequeno quadro, minucioso, bem acabado, de assunto sugestivo, com umas tintas de romantismo(GUIDO, 1956: 29), ao invés de dedicar-se aos temas grandiosos, dignos da chamada pintura de história.

Talvez a ausência de grandes narrativas visuais de caráter histórico deva-se ao temperamento quieto e calmo do artista, diversas vezes declarado em Guido. Sua obra está quase que totalmente fundada na observação direta do real, mas Weingärtner tem, entretanto, uma reduzida mas importante parte de sua obra, dedicada as experiências pictóricas com base histórica e literária. Podemos citar aqui a notável Revolucionários, de 1893, além daquela que lhe rendeu fama, o tríptico intitulado Faiseuse d’anges, exposto com enorme sucesso na São Paulo de 1910.

Angelo Guido nos explica as razões desse sucesso como resultado da publicação, algumas semanas antes da exibição da tela, de uma reportagem sobre a terrível indústria das faiseuses d’anges em Paris, o mesmo assunto da tela (GUIDO, 1956: 120-123). A ecfrasis praticada por Guido no seu texto é enriquecida com comentários entusiásticos e por uma reconstituição detalhada da narrativa.

A Faiseuse d’anges é obra evidentemente inspirada por fonte literária[10], talvez menos pelo episódio de Margarida, no primeiro Fausto, de Goethe, mas mais provavelmente no romance de folhetim. Lembremos aqui aquele intitulado La Faiseuse d’anges, de Mie d’Aghonne, cuja frase resumo “O corolário da humilhação da mãe solteira é a impunidade da parteira, nos é informado por Marlise Meyer, em seu ensaio intitulado Folhetim, uma história (MAYER, 1996:247). Escreve a mesma autora que dentro do desenvolvimento da temática da sedução e do abandono “O aborto pode ser a única solução encontrada tanto pela seduzida - principalmente se for casada - como pelo sedutor que deseja, antes de casar-se burguesamente, apagar os resquícios de uma vida dissoluta(MEYER, 1996:247). Guido, conclui que “[...] Tudo isso poderá parecer mais assunto de literatura que de pintura, mas o certo é que por meio de elementos plásticos o artista nos faz sentir o que através da sua composição quis comunicar. [...]” (GUIDO, 1956: 122).

Considerações finais

Pedro Weingärtner era um pintor moralista? É difícil afirmar, pois sabemos tão pouco sobre seu pensamento que poderíamos aceitar essa ou qualquer outra explicação. O que podemos sobre, por exemplo, seu humor, visível em uma pintura como Chegou tarde!?

Aos poucos vamos descobrindo detalhes, informações, facetas desconhecidas. Descobertas recentes são as fotos de seu ateliê em Roma, de propriedade do senhor Percy Becker, seu sobrinho-neto, gentilmente cedidas para serem apresentadas aqui.

Na primeira delas [Figura 1], vemos a possível modelo que podemos encontrar na tela intitulada Caçadora de Borboletas [Figura 2]. Observem a caixa de borboletas, presente na tela As Borboletas [Figura 3]. Na segunda [Figura 4], temos, acima das figuras, algumas obras expostas, inclusive a Academia Julien (coleção MARGS) [Figura 5]. Abaixo vemos o modelo masculino da primeira versão de Flauta de Pã, com suas ninfas nuas e tão festivas, e podemos ainda ver ao fundo, à direita [Figura 6], o próprio Weingärtner! Estamos tratando apenas de um artista plenamente inserido no contexto de um público moralista e burguês, principalmente as classes abastadas, mas, e os outros Weingärtners? Vamos descobrir ...

Referências Bibliográficas

DUQUE, Gonzaga. Impressões de um amador: textos esparsos de crítica (1882-1909).Belo Horizonte: Editora da UFMG, Fundação Casa de Rui Barbosa, 2001.

FERREIRA, Athos Damasceno. Artes Plásticas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Globo em 1971.

GOMES, Paulo. A Obra Gravada de Pedro Weingärtner. Porto Alegre: Núcleo de Gravura do Rio Grande do Sul/FUMPROARTE, 2006.

____________. Artes Plásticas no Rio Grande do Sul: uma Panorâmica. Porto Alegre:Lahtu Sensu, 2007.

____________. “Registros Precários nas Coleções Públicas”, Jornal do MARGS, Julho de 2003, p. 5.

GUIDO, Angelo. Pedro Weingärtner. Porto Alegre: Divisão de Cultura – Diretoria de Artes da Secretaria de Educação e Cultura, 1956.

MEYER, Marlise. Folhetim, uma história. SP: Companhia da Letras, 1996.

SCARINCI, Carlos. A Gravura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Editora Mercado Aberto, 1982.


* Professor Assistente no Curso de Design junto ao Centro Universitário Ritter dos Reis. Mestre em Arte Visuais - Poéticas Visuais (1998) e Doutor em Artes Visuais - Poéticas Visuais (2003), ambas pela UFRGS.

[1] As obras são: “Pedro Weingärtner”, de Angelo Guido, e “Artes Plásticas no Rio Grande do Sul”, de Athos Damasceno (ver Referências Bibliográficas).

[2] Conforme Referências Bibliográficas

[3] A estes devem ser acrescentadas as recentes contribuições de Susana Gastal e Maria Lucia Bastos Kern em ensaios publicados em “Artes Plásticas no Rio Grande do Sul: uma Panorâmica (Conforme Referências Bibliográficas). Além destas podemos acrescentar as produções acadêmicas (dissertação e teses) de Susana Gastal, Maria Lucia Bastos Kern e Neiva Maria Fonseca Bohns.

[4] Publicado originalmente no Diário de Notícias (Rio de Janeiro, 9 de setembro de 1888) foi republicado em 2001 (conforme Referências Bibliográficas). Escreve ele que: “Vendo os quadros do Sr. Pedro Weingärtner lembro-me do trabalho daquele obscuro construtor naval. Todos esses alfarrábios, panos, escrínios, leques, rosários, carteiras de colecionador, todas essas recordações de viagens, de tempos, de história, de artes, de arqueologia, e essas cabeleiras empoadas, esses rostos, esses corpos, do Espólio, custaram ao artista um trabalho fatigante, um ano de existência dispendido (sic) em alguns meses de paciência, de observação e de cuidados. E tudo isso reunido, dificilmente dá uma impressão intensa. Mais adiante, no mesmo texto, ele explica-se melhor “[...] não quero dizer com isso que os quadros do Sr. Pedro Weingärtner sejam defeituosos. As suas telas têm incontestável valor, tomadas como reunião de acessórios escrupulosamente concluídos, e, sobretudo muito recomendáveis são o Almoço em Capri e a Passagem. Em outras, posto que o desenho nem sempre corresponda à verdade anatômica de um corpo, cousas apresentam-se à curiosidade do amador que tornam-se dignas de estima [...]”.

[5] Como na celebérrima Arrufos, de Belmiro de Almeida, para a qual o crítico aparece como o marido indiferente.

[6] Não temos, e não tivemos, em qualquer momento, a ambição de ir além de um levantamento sistemático e cuidadoso. A ausência de expectativas e do rigoroso aparato científico, que caracteriza tal tipo de publicação, nos interdita nomeá-lo de catalogue raisonné.

[7] As gravuras do artista foram objeto da pesquisa intitulada “A Obra Gravada de Pedro Weingärtner”, projeto do Núcleo de Gravura do Rio Grande do Sul, com apoio do FUMPROARTE (produzido por Marisa Veeck, com curadoria e ensaio de Paulo Gomes e ainda comentários técnicos sobre as gravuras, de Anico Herskovits), com mostra apresenta no MARGS, em 2006. O resultado apresentou 27 imagens gravadas, entre paisagens, temática greco-romana (Angelo Guido usa o termo “temática clássica”), retratos, temática gaúcha, um convite e uma monotipia, obras predominantemente de pequenos formatos e foram localizadas ainda algumas matrizes, conforme o catálogo da mostra.

[8] Em julho de 2003, marcando os 150 anos de nascimento do artista, o Jornal do MARGS publicou meu texto intitulado “Registros Precários nas Coleções Públicas”, no qual apresento um levantamento das obras pertencentes a algumas coleções públicas em Porto Alegre (MARGS, Pinacotecas Municipais da Prefeitura de Porto Alegre, Pinacoteca Barão de Santo Angelo, Pinacoteca APLUB, Museu Júlio de Castilhos, Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul). Toda esta produção, de fácil localização e bastante conhecida, até hoje não mereceu um catálogo.

[9] Angelo Guido (obra citada, p. 144) escreve que Pedro Weingärtner, “[...] Em 1920 chega ao Sul, com seus quadros, inúmeros desenhos, águas-fortes, seus livros e todas aquelas coisas guardadas com tanto carinho que as não poderia nunca abandonar, como os retratos e as cartas dos amigos, documentos das escolas freqüentadas, diplomas, medalhas, recortes de jornais, os cadernos com estudos de paisagens, se figuras e esboços de composição, as pequenas esculturas que ele fez e as recordações de uma vida nobre e clara, toda consagrada à arte. (destaque meu). Temos informações ainda, não comprovadas, de peças escultóricas do artista em Porto Alegre. Seu sobrinho-neto, o senhor Percy Becker possui, entretanto, duas peças de artes aplicadas – um cinzeiro em majólica, e uma placa cerâmica - ambas pintadas e assinadas pelo artista, peças  a que tivemos acesso e das quais possuímos documentação fotográfica.

[10] No mesmo texto, na p. 121, Guido escreve que Weingärtner criou uma “linda fantasia evocadora da romântica Margarida de Goethe, [que] desce do carro para entrar num palácio em festa. Na mesma página, um pouco mais adiante ele explica-se, afirmando que a figura pintada estava “Fantasiada assim de Margarida. Como podemos ver a obra é inspirada e não uma ilustração do Fausto. Em outra passagem do mesmo texto (p. 123) Guido escreve informando sobre “alguns esboços num caderno de desenho de 1881 - projeto de um quadro em torno da Margarida do Fausto.