A Exposição do Centenário como marco para a profissão do arquiteto [1]

Ruth Nina Vieira Ferreira Levy *

LEVY, Ruth Nina Vieira Ferreira. A Exposição do Centenário como marco para a profissão do arquiteto. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 3, jul. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_ruth.htm>.

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O Rio de Janeiro foi cenário, em 1922, de um grande espetáculo: a Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da Independência. A obra, descrita como “um trabalho hercúleo, executado no curto espaço de alguns meses”, afirmando “solenemente a nossa atividade empreendedora”2, ocupou uma grande área do centro da cidade, que ia do Passeio Público à Ponta do Calabouço e, de lá se estendia pelo espaço recém-conquistado com a demolição do morro do Castelo.

Foram construídos portas monumentais e um grande número de palácios e pavilhões, tanto nacionais quanto estrangeiros, além de pavilhões particulares e de serviços. Prédios já existentes, como o antigo Arsenal de Guerra e parte do Mercado Municipal, também foram aproveitados após sofrerem adaptações. A encomenda dos projetos a vários dos profissionais atuantes no período serviu de vitrine a revelar as tendências da arquitetura naquele momento, as idéias e ideais dos arquitetos, o repertório arquitetônico e estilístico então em voga e, finalmente, como tudo isso se refletia na prática. Por representar uma grande oportunidade profissional, levando em conta, inclusive, a exigência dos projetos serem assinados e executados por arquitetos diplomados, esta exposição assume, entre os arquitetos cariocas, o papel de “marco do renascimento arquitetônico no Brasil”3, sendo a “primeira vez que o arquiteto é chamado a desenvolver os seus conhecimentos em toda a sua plenitude”4 [Figura 1].

Mas em que contexto isso ocorre? O início dos anos 1920 marca um momento de tentativa de reconhecimento e afirmação do profissional de arquitetura. O arquiteto sente-se profissionalmente ameaçado e preterido por duas outras classes. De um lado, os engenheiros, classe extremamente valorizada desde o final do século XIX, que havia conquistado um status invejável e tinha um papel de destaque, inclusive na formação dos próprios arquitetos diplomados pela Escola Nacional de Belas Artes (ENBA)5. De outro lado, existiam os construtores, que eram identificados desdenhosamente pelos arquitetos como “os antigos mestres de obra”. Estes profissionais recebiam, aparentemente, a maior parte das encomendas, executando a maior parte das construções, mas eram responsabilizados pelo empobrecimento estético da cidade. O arquiteto Gastão Bahiana afirmaria que

o que acima de tudo torna ingrata e infecunda, na nossa Capital, a profissão do arquiteto, é esta praxe enraigada de executar por empreitada, entregue pelo menor preço, ao mestre de obra, o projeto organizado por qualquer desenhista, a se intitularem os dois de arquitetos.6

A arquitetura carioca é muito criticada pelos arquitetos neste momento e a cidade é vista como possuindo “aleijões tradicionais que enfeiam a nossa urbanização”7. Mesmo as iniciativas de Rodrigues Alves e Pereira Passos são consideradas, quase vinte anos depois, intervenções de embelezamento da cidade, mas sem a devida preocupação com a qualidade da construção, “gastando rios de dinheiro para edificar sem arte e sem proporção”8.

O arquiteto Cipriano Lemos relata que, logo após voltar ao Rio de Janeiro, depois de cinco anos em Paris, encontrou uma arquitetura que feria seus olhos, “como que a um ouvido educado a música de um violinista principiante”, para depois, aos poucos, ir novamente acostumando-se com o “deplorável conjunto de formas e cores disparatadas”.9

Em artigo da Architectura no Brasil, que trata do projeto para o Palácio da Câmara dos Deputados, fica, mais uma vez, clara a visão que os próprios arquitetos têm do Rio, uma cidade de admirável beleza natural, mas que ressente-se da falta de “edifícios arquitetônicos, palácios, que venham completar essa magnificência”, com exceção de alguns poucos prédios da Avenida Rio Branco, reconhecidos como capazes de prender a “atenção dos que nos visitam”. O texto prossegue com a afirmação de que os edifícios públicos “sem arquitetura interior e sem o mínimo conforto interior, acanhados, estão em lugares impróprios”, e quanto à construção particular, “essa nem se fala, tem sido desastradamente cuidada.” 10

Diante desta realidade, os arquitetos passam a considerar “necessário e imprescindível” que se instaure um “movimento de reação bem orientada contra essa calamidade pública11. A revista Architectura no Brasil assume um papel de destaque na campanha que é iniciada, sendo vista como um órgão de defesa dos interesses dos arquitetos. Ela será também a porta voz das duas entidades de classe que são criadas em 1921, o Instituto Brasileiro de Arquitetos e a Sociedade Central de Arquitetos, entidades estas cuja criação revela muito claramente a necessidade de uma união de forças entre esses profissionais que buscam sua posição na sociedade.

É interessante ressaltar aqui a prévia existência da Sociedade Central de Arquitetos em Buenos Aires, bem como a existência de uma revista de arquitetura editada naquela cidade, mencionadas por Cipriano Lemos em carta dirigida a Moura Brasil do Amaral, editor da Architectura no Brasil, e publicada no prefácio do primeiro número desta, na qual elogia a iniciativa brasileira, comparando-a à experiência argentina:

Trata-se de uma iniciativa de grande alcance, quase uma temeridade, dado o atraso em nosso meio, em se tratando de arte tão complexa. Em Buenos Aires, a poderosa corporação de arquitetos possui magnífico semanário ilustrado, digno de rivalizar com as mais luxuosas revistas americanas. É que na República amiga, já há público capaz de sustentar a vida de tão interessante periódico.12

Aliás, a experiência da capital argentina é sistematicamente trazida à baila pelos articulistas da Architectura no Brasil, como modelo a ser seguido.

O Instituto Brasileiro de Architectos (IBA) foi fundado em 26 de janeiro de 1921 por 27 engenheiros arquitetos. O objetivo da entidade era “proporcionar a todos os engenheiros arquitetos e engenheiros civis especializados em arquitetura no Brasil, os meios de coordenarem seus esforços na defesa dos ideais superiores da sua arte e dos interesses materiais da profissão que exercem”13. Os estatutos previam que a maioria de sócios deveria ser de engenheiros arquitetos e que o número de engenheiros civis não deveria exceder de 20% do total de sócios efetivos. Ao completar um ano, o IBA considerava-se bem sucedido em seus objetivos, pois “apesar de mil dificuldades, o Instituto tem conseguido alevantar o arquiteto em um meio que o desconhecia quase completamente”14.

Já a Sociedade Central de Arquitetos (SCA), fundada em meados de 1921, foi criada “no sentido de tornar eficiente em todo o território pátrio a nobre missão do arquiteto”, defendendo que o Brasil, um país novo, “mas com uma intensidade de população e um adiantamento intelectual que contrastavam com seu sistema de edificações, necessitava de homogeneidade nos meios de ação dos arquitetos”15.

A SCA possuía um caráter mais aberto que o IBA, aceitando não diplomados, o que era justificado pelo fato da arquitetura ser uma “profissão absolutamente liberal”, sendo assim “ridículo e injusto fechar as portas aos que por motivos que não queremos saber, não obtiveram diploma oficial que lhes reconheça o valor profissional”. Com esta abertura, pretendia a SCA premiar “os esforçados pela arquitetura e que no desempenho de sua profissão conseguiram nivelar-se com os mais dignos no assunto”.16

Assim, além dos engenheiros arquitetos diplomados pelo governo brasileiro e pelas escolas estrangeiras e engenheiros civis que tivessem escritório de arquitetura, eram admitidos também arquitetos independente de diploma, desde que tivessem dado prova de competência técnica e artística em edifícios construídos e projetados. Mas a abertura da SCA era ainda maior: foi incluída também, em seus estatutos, a classe dos sócios aderentes, que compreendia outros profissionais como desenhistas, aquarelistas e “todos os colaboradores técnicos e artísticos na obra dos arquitetos”. Esta classe, entretanto, não tinha direito a voto, “visto que as idéias que dependerem da resolução da maioria só poderem ser de interesse direto para os arquitetos”17.

A SCA foi fundada com 38 associados e, três meses depois, quando aparece nas páginas do primeiro número da Architectura no Brasil, já possuía 72 sócios, sendo 38 engenheiros arquitetos, 16 engenheiros civis e 8 aderentes.

É interessante observar que o primeiro número da Architectura no Brasil informa que o número de arquitetos no Rio de Janeiro naquele momento era bastante “diminuto”, por volta de 70 profissionais. Assim, é de se imaginar que a grande maioria dos profissionais cariocas estivesse vinculada a uma das duas entidades de classe [Figura 2].

Vale ressaltar que, nesta ocasião, os construtores já possuíam há dois anos a sua Associação dos Construtores Civis do Rio de Janeiro, que havia sido inaugurada em setembro de 1919 e era presidida pelo Comendador Antonio Jannuzzi. Como afirmava L. Remy, secretário desta associação, “a evolução social no atual momento faz com que todos os ramos da atividade humana se congreguem em coletividades”.18

Bem, agora filiados ao IBA à SCA, os arquitetos vão estar engajados numa luta para que os projetos e construção dos prédios sejam obrigatoriamente a eles atribuídos. O desafio que tinham a enfrentar foi traduzido nas palavras de José Mariano Filho dirigidas aos sócios do IBA, que lhe ofereciam um almoço de homenagem:

Tendes sem dúvida, meus senhores, um rude programa a seguir. Começai reivindicando para a vossa nobre profissão as regalias legais que lhes devem ser outorgadas. A arquitetura é para os arquitetos, como a medicina é para os médicos. Não se compreende o aparelhamento oficial de um Instituto de Belas Artes se os diplomas por ele conferidos vêm sofrer na vida prática a concorrência leiga de uma cohorte de curiosos e amadores que se comprazem em caluniar com a mais ampla impunidade a indefesa arquitetura da cidade.19

A comparação com as profissões mais valorizadas, cuja validade e necessidade não eram questionadas, era recorrente:

Infelizmente a arquitetura não é como a Medicina, que tem o instinto de conservação como seu maior baluarte de defesa, nem como o Direito, que o perigo do interesse em jogo nos obriga a procurar um advogado, - ela, a arquitetura, se nos aparece cheia de seduções ilusórias, indicando-nos virtudes de conhecimento que só nas academias e ateliers são adquiridos e que muitas vezes representam longos anos de observação na vida prática. [...] É uma ilusão supor-se alguém com capacidade para dirigir pessoalmente um trabalho de arquitetura, que só o arquiteto pode desempenhar.20

Os arquitetos ressentiam-se do fato do poder público entregar as obras de vulto aos engenheiros e as de menor importância aos construtores e lutam para conquistar a primazia. Acusam sistematicamente o governo e particulares de “desconhecer a verdadeira função do arquiteto”, a culpa maior recaindo, como é tradicional, nas autoridades públicas a quem caberia “o dever de chamar os artistas a dirigir os serviços de sua especialidade”21, bem como a responsabilidade de elaborar leis que garantissem a propriedade artística do arquiteto.

Morales de los Rios Filho, a quem Lúcio Costa chamou de “o incansável paladino da regulamentação profissional”, resumiria, anos mais tarde, a situação enfrentada pelos arquitetos naquele período, bem como a omissão dos governos diante da situação:

Os Estados fundavam escolas, concediam diplomas, mas não amparavam os profissionais, nem protegiam os respectivos títulos científicos. O mesmo ocorria na vida prática. O município, a cidade ou o particular preferia o leigo - chamado vulgarmente de prático - ao profissional formado. Verificando-se a igualdade de tratamento concedido a diplomados e não diplomados, não havia utilidade na realização de cursos - longos, penosos e onerosos - de caráter primário, secundário ou superior. A obtenção final do diploma, carta ou título, nada representava além de um galardão. Dessa forma, nenhum direito tinham os diplomados no Brasil ou aqueles que iam ao estrangeiro fazer seus estudos e que de lá vinham formados. Elementos estranhos - nacionais e estrangeiros - aproveitando-se dessa situação, apoderando-se das funções técnicas, artísticas e científicas. Mas essa situação não podia perdurar [...] o empirismo cedeu lugar ao tecnicismo tornando necessária a habilitação profissional.22

Mas, ao mesmo tempo em que as páginas da Architectura no Brasil estão recheadas destas acusações ao poder público, os arquitetos vão reconhecer neste momento o nascimento de um “belo movimento por parte do Governo”23, através da figura do prefeito Carlos Sampaio, “um provecto engenheiro que tem sabido encarar com descortino o papel do arquiteto na formação estética das cidades”.24

O governo, sempre apontado como grande responsável pelo não reconhecimento dos direitos dos arquitetos, vai ter na figura do Prefeito Carlos Sampaio a de um governante que muda esse destino, justamente através da Exposição do Centenário, quando todos os prédios são confiados a arquitetos e, nas palavras do arquiteto Nestor de Figueiredo, “pela primeira vez o arquiteto é chamado para desenvolver os seus conhecimentos em toda a sua plenitude nas questões de arquitetura”.25

Um concurso é aberto por Sampaio para os projetos dos edifícios da Exposição do Centenário, com a exigência de que todos os projetos sejam executados e assinados por arquitetos engenheiros diplomados. A Exposição assume assim o papel de marco para a profissão, tendo como patrono Carlos Sampaio:

S. Ex. O Sr. Dr. Carlos Sampaio, Prefeito do Distrito Federal e notável engenheiro, com o talento perspicaz de que é possuidor, compreendeu bem claramente a necessidade de aproveitar o valor desses arquitetos, chamando-os para projetarem os edifícios da Exposição Internacional do Centenário, de que é Superintendente geral, a qual será uma maravilha de arte e o marco do renascimento arquitetônico no Brasil. É a primeira vez que o Governo, num gesto patriótico, chama a esses profissionais, não só para idear, mas para executar suas obras arquitetônicas 26 [cf. Figura 3 e Figura 4]

Na continuação deste trecho, é destacado também o interesse pelo neocolonial, que ficaria associado à figura de Carlos Sampaio, através da Exposição: “nota-se, entre as concepções artísticas dos referidos monumentos, o grande empenho no aproveitamento dos nossos elementos coloniais, com a estilização da nossa flora e fauna, para a criação de um estilo nacional”.27

Em discurso proferido por Nestor de Figueiredo, por ocasião da inauguração do busto do Prof. Araujo Vianna na ENBA, o arquiteto enfatizava também o papel da Exposição e de Carlos Sampaio para a classe dos arquitetos:

Alguns anos atrás não encontrava o arquiteto estímulo para a sua capacidade de produzir e a ignorância da sua profissão tornara-se um dos estado mórbidos de nossa nacionalidade. Estamos nos aproximando de um século de povo livre. Daqui a um ano mau grado as campanhas contrárias, será inaugurada a Exposição Internacional que assinalará a comemoração deste feito grandioso da nossa raça [...] A inteligência do Governo que nos dirige quis que por arquitetos brasileiros fossem construídos os seus palácios da exposição na parte nacional, para que o estrangeiro veja que os nossos produtos são expostos em produtos nossos. E este apoio do Governo aos arquitetos servirá para que o seu valor seja visto pelo que se irá construir naquele certamen e não pelas inharmonias da grande maioria das construções do Rio, que foram essa imensa calúnia de pedra e cal à competência dos arquitetos do Brasil.28

Outra questão fundamental neste momento é a do desenvolvimento urbano do centro da cidade, que está indissociavelmente ligada à Exposição do Centenário e à figura do prefeito:

O talento do sr. dr. Carlos Sampaio consistiu, principalmente, em confundir num só os dois problemas da Exposição e da ampliação da urbs, tornando-os dependentes de tal modo que para erigir os palácios do grande certamen se tornava previamente indispensável derruir o velho bairro da Misericórdia, prolongar a terra firme para dois ou três quilômetros além do litoral, e arrasar conseqüentemente o morro para aterrar a faixa litorânea.

Esta hábil correlação dos fatores do problema deu em resultado a ampliação da zona central do Rio em centenas de milhares de metros quadrados, a edificação de uma nova Avenida, projetada desde uma praça esplendida até, futuramente, Botafogo, improvisando uma outra avenida litorânea, conquistando novas áreas destinadas a construções de caráter monumental. Carlos Sampaio, realmente, criará uma nova cidade, em pouco mais de dois anos! 29

Novamente é salientado o papel de destaque dos arquitetos:

Aos nossos arquitetos cumpre agora fazer dessa cidade nova um atestado magnífico da nossa jovem civilização e das nossas capacidades técnicas.30

Assim com a idéia de que a era Carlos Sampaio é a era da arquitetura, o papel de destaque atribuído aos arquitetos é insistentemente reprisado: “a hora presente é a dos arquitetos. Eles farão o Rio de Janeiro de amanhã”. E novamente a Exposição aparece como uma vitrine para o talento destes arquitetos: “os edifícios da Exposição do Centenário representam a fiança das suas capacidades condutoras. Podemos confiar neles. Devemos contribuir para lhes facilitar o desempenho da missão que os aguarda” 31 [Figura 5].

Também fica clara a expectativa de crescimento da cidade, mas um crescimento monumental, e não mesquinho:

Encerrada a Exposição, um trecho de nova cidade permanecerá, com seus palácios, as suas avenidas, o parque de diversões, a sua vasta praça. Pode profetizar-se que, em meia dúzia de anos, os terrenos obtidos com a demolição do morro do Castelo estarão edificados; e esperemos que não sejam com prediozinhos de sobrado, mesquinhos e inestéticos, de vila sertaneja, mas ao estilo e nas dimensões apropriadas a uma capital da hierarquia da nossa. 32 [Figura 6]

A Revista da Semana de 19 de agosto de 1922 anuncia o memorial apresentado ao Prefeito Carlos Sampaio pela Sociedade Central dos Arquitetos, elogiando-o como sendo “a consubstanciação da doutrina por que sempre pugnou a Revista da Semana na sua campanha pelo engrandecimento estético do Rio de Janeiro”.33

Ao introduzir a transcrição do memorial, mais uma vez a Revista coloca seus pontos de vista a respeito do estado insatisfatório da cidade, apontando suas causas e supostas soluções, passando sempre pela questão da reforma:

Até os recentes trabalhos da demolição do morro do Castelo, estávamos ainda em plena era Passos. Só agora novas perspectivas se rasgam ao progresso da cidade. Este novo movimento de expansão e de transformação deverá incidir principalmente sobre a arquitetura, sem o que se estiolará. Os grandes edifícios terão de substituir a edificação ainda deplorável da zona central do Rio. A submissão dos projetos de construção ao parecer de um conselho consultivo, constituído de técnicos, proposto pela Sociedade dos Arquitetos, constitui a base insubstituível pela qual esta revista vem reclamando há cinco anos - de uma reforma radical na fisionomia arquitetônica do Rio de Janeiro.34

A Revista transcreve o memorial apresentado pela Sociedade de Arquitetos, que começa defendendo a necessidade da garantia de trabalho para os arquitetos:

Temos visto moços cheios de valor, quais aqueles de cujas obras a próxima Exposição dará uma amostra, perderem-se pela indiferença do meio, desaparecerem pela falta de serviços. Considerar, pois, os serviços de arquitetura em um país é garantir a difusão de sua arte, é criar e conservar o ambiente artístico que formam as escolas e estabelecem as correntes de evolução.35

Ao dirigir-se ao Prefeito, a Sociedade faz questão de dizer que não estava pleiteando privilégios para a classe, mas que considerava que o julgamento dos projetos apresentados para construção teria que sofrer uma censura por parte de arquitetos competentes: “não há no que pedimos, o interesse egoísta de uma classe, e sim o privilégio da competência, único título que honra o mérito”. 36 Defendiam que, com projetos que estivessem dentro das normas da “sã arquitetura”, e com obras dirigidas por arquitetos em todos os seus detalhes, a cidade teria enfim as edificações dignas da “majestosa moldura” da natureza e não mais a “anarquia arquitetônica” que reinava então.

Novamente é feita referência à importância de Carlos Sampaio como grande incentivador da arquitetura realizada por arquitetos. Ao encaminhar o memorial, estes se dizem estimulados pela postura do prefeito, “cuja compreensão do nosso valor se atesta na feliz orientação da arquitetura da Exposição do Centenário, onde pela primeira vez foi chamado o arquiteto para projetar e dirigir o que sua imaginação tinha concebido”.37

É bem verdade que se Carlos Sampaio foi a grande promessa para os arquitetos, não deixou de causar depois uma certa decepção. A Revista da Semana, que o reconhece tantas vezes como merecedor de elogios, não lhe poupa críticas também. Se por um lado afirma que “pela sua amplitude e pelos seus resultados, a obra de Carlos Sampaio é das que mais influíram na evolução do Rio de Janeiro”, também acusa o prefeito de deixar inconclusos seus vultosos empreendimentos. Se para a Exposição, até então, só havia elogios, agora começavam a aparecer críticas, afirmando não ter havido para ela um “prévio e refletido plano de conjunto”, resultando em “edifícios semeados ao acaso”38, que apareciam agora como sérios complicadores para o arruamento da nova área do Castelo.

Existe uma consciência clara, por parte dos arquitetos, de que os melhoramentos parciais não só não resolvem, como muitas vezes prejudicam a elaboração de um plano geral. E a partir deste momento vai começar a se desenhar um espaço privilegiado para a discussão do papel do arquiteto não apenas na construção isolada de edifícios, mas também como pensador das questões urbanas.

É a partir desses elementos que a Exposição do Centenário pode ser entendida e estudada como este cenário privilegiado que possibilitou a expressão das idéias e ideais dos arquitetos do período e propiciou a conquista de novas posições a estes profissionais.

* Ruth Nina Vieira Ferreira Levy é Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ; Pós-graduada em História da Arte e Arquitetura no Brasil pela PUC-RJ; Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense e em Museologia pela Uni-Rio. É museóloga da Fundação Eva Klabin.

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1O presente artigo consiste em resumo do segundo capítulo da tese de doutorado intitulada A Exposição do Centenário e o meio arquitetônico carioca no início dos anos 1920, defendida pela autora no PPGAV/EBA/UFRJ em dezembro de 2003.

2Livro de ouro comemorativo do Centenário da Independência do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Laemmert, 1923. p. 303.

3Architectura no Brasil - Engenharia/Construção: revista ilustrada de assuntos técnicos e artísticos. Rio de Janeiro: M. Moura Brasil do Amaral, 1921-1926. Ano I, vol. I, n. 3, dez 1921. p. 95.

4Architectura no Brasil. Ano I, n. 1, out 1921. p. 43.

5Estes carregavam nesta época ainda o título de engenheiro antes do título de arquiteto, sendo intitulados engenheiros tanto os Engenheiros Architectos formados pela ENBA, quanto os Engenheiros Civis, diplomados pela Escola Politécnica.

6Architectura no Brasil. Ano I, n. 1, out 1921. p. 4.

7Ibid, p. 25.

8Ibid, p. 19.

9Ibid, p. 2

10Architectura no Brasil. Ano I, vol I, nº 4, jan 1922. p.152.

11Idem.

12Architectura no Brasil. Ano I, vol I, nº 1, out 1921. p. 2.

13Ibid. p. 19.

14Architectura no Brasil. Ano I, vol I, n. 5, fev 1922. p. 177.

15Architectura no Brasil. Ano I, vol I, n. 1, out 1921. p. 24.

16Idem.

17Idem.

18Architectura no Brasil. Ano I, n. 2, nov 1921. p. 83

19Architectura no Brasil. Ano I, n. 1, out 1921. p. 45

20Architectura no Brasil. Ano I, vol. II, n. 9 e 10, jun e jul 1922. p. 32.

21Architectura no Brasil. Ano I, n. 1, out 1921. p. 4.

22Morales de los Rios Filho, Adolfo. Teoria e filosofia da arquitetura. Rio de Janeiro: Borsoi, 1960. vol. 2. p. 272-273. A regulamentação da profissão de arquiteto viria em 1933, através de decreto de 11 de dezembro.

23Architectura no Brasil. Ano I, vol. I, n. 4, jan 1922. p.152.

24Architectura no Brasil. Ano I, n. 1, out 1921. p. 8.

25Ibid. p. 43.

26Architectura no Brasil. Ano I, vol. I, n. 3, dez 1921. p. 95.

27Idem.

28Architectura no Brasil. Ano I, n. 1, out 1921. p. 43.

29Revista da Semana. Ano XXIII, n. 31, 29 jun 1922.

30Ibid.

31Ibid.

32Ibid.

33Revista da Semana. Ano XXIII, n. 34, 19 ago 1922.

34Ibid.

35Ibid.

36Revista da Semana. Ano XXIII, n. 31, 29 jul 1922.

37Ibid.

38Revista da Semana. Ano XXIII, n. 49, 02 dez 1922.