A Influência Italiana na Modernidade Baiana: O caráter público, urbano e monumental da arquitetura de Filinto Santoro

Nivaldo Vieira de Andrade Junior [1]

ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de Andrade. A Influência Italiana na Modernidade Baiana: o caráter público, urbano e monumental da arquitetura de Filinto Santoro19&20, Rio de Janeiro, v. I, n. 4, out. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_fs_vnaj.htm>.

*     *     *

PRECONCEITO E REVALORIZAÇÃO DA ARQUITETURA ECLÉTICA NO BRASIL

No Brasil, pelo menos desde a década de 1930, a historiografia da arquitetura e as políticas públicas de preservação do patrimônio edificado estiveram vinculadas ao pensamento moderno de nomes como Lúcio Costa e Paulo Santos.

Lúcio Costa, além de liderar o grupo de jovens arquitetos que, a partir de meados da década de 1930, implantou e consolidou no Brasil uma arquitetura moderna que mesclava referências dos conceitos e projetos do franco-suíço Le Corbusier com a tradição colonial brasileira, foi o principal responsável, na condição de Diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) [2] entre 1937 e 1972, pelo estabelecimento dos parâmetros e critérios utilizados na constituição do acervo de bens tombados brasileiro.

Paulo Ferreira Santos, por sua vez, foi um dos principais estudiosos da arquitetura luso-brasileira, tendo sido autor de importantes estudos sobre a história da arquitetura e do urbanismo do período colonial (SANTOS, 1951a; 1951b; 1981; 2001) e responsável pela criação, em 1946, da disciplina “Arquitetura no Brasil” na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil. Embora, à diferença de Lúcio Costa, Paulo Santos nunca tenha sido funcionário do IPHAN, ele foi membro do Conselho Consultivo daquela instituição entre 1955 e 1981, tendo sido relator de dezenas de processos de tombamento de monumentos e conjuntos arquitetônicos significativos como Olinda, em Pernambuco, e Serro, em Minas Gerais.

A história da arquitetura brasileira construída por autores como Lúcio Costa e Paulo Santos, através das suas publicações e da seleção de bens para tombamento pelo IPHAN, e que foi hegemônica até pelo menos meados dos anos 1960, privilegiava a arquitetura colonial, especialmente o barroco dos séculos XVII e XVIII, e a arquitetura moderna da “escola carioca” liderada pelo próprio Lúcio Costa e por nomes como Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy e M.M.M. Roberto.

O neoclássico também foi estudado e paulatinamente incorporado ao acervo de bens tombados, embora dentro da diversidade da arquitetura neoclássica produzida no Brasil fosse inicialmente privilegiado o “estilo imperial” realizado pelo francês Grandjean de Montigny no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX, em detrimento de outras manifestações, como a obra produzida pelo italiano Antônio José Landi em Belém do Pará na segunda metade do século XVIII.

Neste panorama de construção da identidade nacional e da história da arquitetura brasileira, “o tombamento do ecletismo, mais que esquecido, foi explicitamente rejeitado”, como confirma Gustavo Rocha-Peixoto (2000, p. 22). Isto pode ser percebido no discurso de alguns dos principais autores dessa construção.

Em seu famoso estudo sobre os primeiros quatro séculos da arquitetura carioca, publicado originalmente em 1965, Paulo Santos interpreta o Ecletismo como “uma mescla estilisticamente múltipla e morfologicamente indefinível” (SANTOS, 1981, p. 69). Lúcio Costa, por sua vez, quando solicitado em 1972 a se pronunciar sobre o tombamento de um conjunto de edifícios ecléticos construídos pelo Prefeito Pereira Passos após a abertura da Avenida Central (atual Rio Branco), no Rio de Janeiro, se referiu ao ecletismo como “pseudo-arquitetura” e lhe negou o status de período da História da Arte, defendendo ter se tratado mais de “um hiato nessa história” (apud PESSÔA, 2004, pp. 275-278).

O fato é que somente a partir de meados da década de 1960 se iniciará no Brasil o processo de revalorização da arquitetura eclética. Neste sentido, o surgimento dos órgãos estaduais do patrimônio cultural teve um papel fundamental: a criação, em 1964, da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Guanabara (DPHA-GB) – primeiro órgão estadual brasileiro de preservação do patrimônio – e o primeiro tombamento por ela realizado, no ano seguinte – do Parque Henrique Lage, incluindo o palacete eclético construído em 1927 – são sintomáticos deste processo. Sucedem-se os tombamentos de edifícios ecléticos pelo DPHA-GB, como o Real Gabinete Português de Leitura em 1970 e a Loja Maçônica Grande Oriente do Brasil em 1972.

Desde então, os tombamentos de bens da arquitetura eclética se tornaram gradativamente mais comuns, nas diversas regiões do país e nas três esferas de governo. Ainda no Rio de Janeiro, o Corredor Cultural, projeto da Prefeitura Municipal criado em 1979, vem desde então promovendo a conservação da arquitetura menos monumental produzida na área central da cidade entre o final do século XIX e o início do século XX.

Na esfera federal, já em 1966 havia sido tombado o Teatro Amazonas em Manaus, construção do ápice do ciclo da borracha, iniciada em 1884 e inaugurada em 1896; em 1967 foi a vez do tombamento de um conjunto de três residências construídas no final do século XIX no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro [3]. Entretanto, em ambos os casos, os bens foram inscritos no Livro de Tombo Histórico e não no Livro de Tombo de Belas Artes, embora pelo menos no caso do Teatro Amazonas – primeiro monumento a ser tombado no estado – o valor do bem seja não somente histórico como também inquestionavelmente artístico.

O tombamento pelo IPHAN, em 1973, de alguns dos imóveis do conjunto arquitetônico eclético da Avenida Rio Branco citado anteriormente é mais representativo do processo de revalorização da arquitetura eclética. Enquanto o Edifício da Caixa de Amortização, hoje Banco Central (1905-1906), a Escola de Belas Artes, hoje Museu Nacional de Belas Artes (1906-1908), o Teatro Municipal (1904-1909) e a Biblioteca Nacional (1905-1910) tiveram as suas propostas de tombamento aceitas, sendo inscritos no Livro de Belas Artes, outras construções do mesmo estilo e pertencentes ao mesmo conjunto foram condenados. É o caso, por exemplo, do Palácio Monroe (1904-1906), sobre o qual afirmou Costa:

Ao contrário de Pereira Passos, as demolições – esse desfazer com os pés o que se fez com as mãos – de um modo geral me repugnam. Mas apesar dessa ojeriza pessoal, há evidentemente casos em que a derrubada se impõe, e, excepcionalmente um destes casos me seria do maior agrado. Refiro-me à conhecida almanjorra de concreto coroada por uma cúpula, situada entre o cais e a Esplanada do Castelo, pertencente ao Ministério da Agricultura e que já nasceu bastarda para a Exposição de 1922 [sic]. (apud PESSÔA, 2004, p. 278).

O desejo de Lúcio Costa não tardou a ser atendido e, após grande polêmica, o Palácio Monroe – construído originalmente para a Exposição Internacional de Saint Louis (Estados Unidos) de 1904, e remontado dois anos depois no trecho inicial da Avenida Rio Branco – foi demolido em 1976. [Figura 1]

Na Bahia, a preocupação com a preservação de exemplares da arquitetura eclética chega um pouco mais tarde e, em 1969, é tombado pelo IPHAN um sobrado azulejado do final do século XIX, localizado na Praça Cayrú, em frente ao Mercado Modelo; o bem, contudo, é inscrito apenas no Livro de Tombo Histórico [Figura 2]. Somente no início da década de 1980, o IPHAN inscreverá simultaneamente nos Livros Histórico e de Belas Artes os primeiros exemplares da arquitetura eclética baiana. Em 1981, é tombado o Solar Amado Bahia, residência urbana inaugurada em 1901 na Península de Itapagipe, e no ano seguinte é a vez da Casa dos Carvalho, um chalé construído na última década do século XIX no bairro da Graça. Em comum, as duas residências urbanas burguesas têm as varandas periféricas em ferro fundido e o fato de mesclarem referências a diversos estilos e linguagens arquitetônicas.

Em 1998, o IPHAN recebeu do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Estado da Bahia (Sinarq-BA) a solicitação de tombamento de um conjunto de dezessete construções distribuídas entre a Rua da Graça, o Largo da Vitória, o Corredor da Vitória, a Praça Dois de Julho (Campo Grande), a Praça da Aclamação e o trecho inicial da Avenida Araújo Pinho, em Salvador. Dos imóveis incluídos no conjunto, à exceção do Teatro Castro Alves (1957-1968), marco da arquitetura moderna baiana, todos correspondiam a construções ecléticas das últimas décadas do século XIX e das primeiras décadas do século XX, sendo a maioria originalmente residências burguesas que passaram posteriormente a abrigar outros usos. [Figura 3, Figura 4, Figura 5 e Figura 6]

Após uma longa celeuma que envolveu pressões dos empresários ligados à especulação imobiliária e discussões técnicas, em diversos âmbitos, sobre a existência de valor individual ou de conjunto nestes imóveis, o processo de tombamento nº 1.451-T-99, referente ao conjunto conhecido como “Corredor da Vitória”, acabou sendo arquivado pelo Conselho Consultivo do IPHAN em 26 de maio de 2004.

Embora na ocasião o presidente do IPHAN, Antônio Augusto Arantes Neto, tenha divulgado uma nota oficial em que declarava que “o Conselho recomenda fortemente ao Governo do Estado da Bahia e à Prefeitura de Salvador que adotem medidas visando à efetiva salvaguarda dos remanescentes que são do interesse da população local e que ainda contribuem para a qualidade ambiental dessa área da cidade”, nada foi feito desde então, seja pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (IPAC), seja pela Prefeitura Municipal de Salvador, que não conta com uma Secretaria de Cultura nem tampouco com um órgão voltado especificamente à questão da preservação do patrimônio cultural. O resultado é que, de lá pra cá, em pouco mais de três anos, diversos imóveis cujo tombamento fora solicitado já desapareceram ou foram irreversivelmente descaracterizados.

O IPAC, criado em 1967 como Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (FPAC), vem protegendo através do instrumento do tombamento alguns exemplares da arquitetura eclética na Bahia, com particular destaque para o tombamento, em 1986, do Palacete do Comendador Bernardo Martins Catharino, projetado e construído pelo arquiteto italiano Rossi Baptista entre 1911 e 1912 na Rua da Graça e um dos mais significativos exemplares da residência urbana da burguesia baiana do início do século. O parecer favorável ao tombamento deste bem, datado de 1984 e de autoria de Godofredo Filho, chefe da representação do IPHAN na Bahia por quase quarenta anos e na ocasião membro do Conselho Estadual de Cultura, foi imediatamente publicado pela Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (GODOFREDO FILHO, 1984), tornando-se não somente um dos primeiros textos dedicados à arquitetura baiana das primeiras décadas do século XX como também uma referência a nível nacional do processo de requalificação da arquitetura eclética.

No mesmo ano de 1984, a realização do II Congresso Nacional de História da Arte, organizado pelo Comitê Brasileiro de História da Arte tendo como tema o neoclássico e o eclético também representou um marco neste processo revisionista. Três anos depois, como conseqüência direta daquele congresso, foi publicada uma coletânea de artigos dedicada ao Ecletismo na Arquitetura Brasileira (FABRIS, 1987), com artigos que analisam a produção arquitetônica eclética nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Sul e incluindo ainda um artigo sobre o Ecletismo na Europa de autoria do arquiteto italiano Luciano Patetta, um dos mais respeitados pesquisadores do tema no mundo.

A arquitetura eclética produzida na Bahia, não contemplada nesta obra, só veio a ser objeto de pesquisas mais aprofundadas há pouco mais de dez anos, com a defesa de dissertações (ALMEIDA, 1997; PUPPI, 1998) e a publicação de artigos (ALMEIDA, 2006; AZEVEDO, 2006) dedicados ao tema. Há muito ainda a pesquisar, portanto, sobre a produção arquitetônica baiana ligada ao Ecletismo, para que se possa valorar, de forma efetivamente crítica, os edifícios produzidos no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX.

A ARQUITETURA ECLÉTICA NA BAHIA

A arquitetura eclética no Brasil está diretamente vinculada à República Velha (1889-1930). Para além de outras implicações políticas, do ponto de vista cultural e ideológico a proclamação da República em 15 de novembro de 1889 representa um passo importante em direção ao rompimento com o nosso passado lusitano, que permanecera fortemente presente durante os anos do Império.

A negação da matriz portuguesa da nossa cultura esteve associada a uma valorização de outros modelos europeus, particularmente o francês e o italiano. Esta transformação cultural coincide com a chegada da modernidade, representada pela expansão das ferrovias, pelo início da industrialização e pelo surgimento da energia elétrica, do bonde elétrico e, já no século XX, do automóvel, de avanços tecnológicos no campo da construção civil, através da utilização de materiais como o ferro fundido e o concreto, além da substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho assalariado dos imigrantes italianos, espanhóis, alemães, sírio-libaneses, japoneses, polacos e ucranianos, dentre outros, que passaram a chegar às centenas a partir do último quartel do século XIX.

Do ponto de vista econômico e no caso específico da Bahia, a República Velha corresponde ao declínio da monocultura açucareira e à ascensão de novas atividades econômicas: a produção cacaueira do sul do Estado (Ilhéus, Itabuna e arredores), que representava 1,5% do valor das exportações brasileiras na década de 1890; a indústria fumageira do Recôncavo Baiano, sediada nas cidades de Maragojipe, Cachoeira, São Félix e Muritiba; e o surgimento de um parque industrial têxtil em Salvador, que contava na década de 1890 com sete fábricas, das quais quatro estavam na Península de Itapagipe (STELLING, 2003).

A República Velha corresponde ainda ao período das grandes reformas urbanas em algumas das principais cidades brasileiras, inspiradas nas radicais intervenções realizadas em Paris pelo Barão de Haussmann, prefeito da capital francesa entre 1853 e 1870. Nas reformas empreendidas pelo Prefeito Francisco Pereira Passos no Rio de Janeiro entre 1902 e 1906, dezenas de quarteirões e edifícios dos períodos colonial e imperial foram demolidos em nome do progresso e sob a justificativa de alargar as vias existentes ou de construir novas avenidas.

No caso de Salvador não foi diferente. A primeira gestão de José Joaquim Seabra [4] à frente do Governo Estadual (1912-1916) foi marcada por obras monumentais e de grande transformação na cidade fundacional e no seu entorno, com a criação de um imenso aterro na Cidade Baixa, que incluiu a construção de um porto organizado; o alargamento de diversas ruas da Cidade Baixa; a abertura da Avenida Sete de Setembro – principal via da Cidade Alta; e a ligação da cidade à orla atlântica, através da construção da Avenida Oceânica. Estas reformas contribuíram no processo de expansão urbana já em curso; as famílias abastadas que, desde a fundação da cidade, habitavam o núcleo fundacional e seus arredores, migravam agora para os novos bairros ao sul, como Vitória, Canela, Graça e Barra.

Embora já existissem desde a década de 1870 alguns exemplos de reformas de edificações existentes e de construções ex-novo com características da arquitetura eclética [5], é somente a partir da década de 1910 que o eclético se torna a linguagem arquitetônica oficial do poder público e do poder econômico, com as mais imponentes e significativas construções de Salvador sendo objeto de reformas internas e externas, nas quais as características ligadas ao passado colonial português eram suprimidas e substituídas por uma ornamentação eclética com referências simultâneas às diversas vertentes histórico-geográficas da arquitetura européia, como o barroco francês ou o renascimento italiano.

A década de 1910 coincide também com a chegada, em Salvador, de diversos engenheiros, arquitetos e construtores estrangeiros, principalmente italianos, que vão se ocupar da construção dos novos edifícios institucionais e da renovação dos antigos palácios e sobrados coloniais, ao mesmo tempo em que erguem os palacetes da nova burguesia baiana, financiados com os recursos oriundos da atividade industrial e das plantações de fumo do Recôncavo e de cacau do sul da Bahia. [Figura 7]

Segundo Godofredo Filho (1984, p. 15), essa renovação arquitetônica e artística se deve principalmente aos “técnicos italianos aqui chegados a partir de 1912, no 1º Governo Seabra, quando o Secretário Geral Arlindo Fragoso e, sobretudo, o Intendente Júlio Viveiros Brandão, buscaram abastecer-se em São Paulo, de arquitetos, escultores, pintores, decoradores e artesãos especializados, com o fito de mudar, como pretenderam e em parte conseguiram, a grave e tranqüila fisionomia plástica de Salvador”:

Os Chirico, os Conti, os Santoro, os Rossi, os Sercelli e tantos outros, diferentes entre si nos misteres e nos méritos, trabalharam com afinco, brindando a cidade ora de bronzes e mármores duradouros, ora de pinturas de salão mundano em igrejas austeras e, ainda, em edifícios públicos e particulares, da glace caricatural dos estuques, as grinaldas, os festões, as águias de bico voraz e asas abertas, e, até, de mulheres aladas ou de corpo natural inteiro, todas elas de seios duros e pontudos ede Dânae de Corregio, por onde se pudessem modelar, acaso, as taças cônicas das festanças inaugurais. (GODOFREDO FILHO, op. cit., p. 15)

Dentre os arquitetos, engenheiros e construtores [6] italianos que atuaram, ainda que temporariamente, em Salvador entre as décadas de 1910 e 1920 podemos destacar: Júlio Conti, responsável pela versão original do projeto de reconstrução do Palácio Rio Branco, iniciada em 1912, pela nova Igreja da Ajuda, construída entre 1912 e 1923, e pela construção do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, também inaugurado em 1923 (PUPPI, 1998, p. 129); Alberto Borelli, que chegou a Salvador, procedente de São Paulo, em 1912 e que foi autor do projeto do Gabinete Português de Leitura, inaugurado em 1918 (ibid., p. 107); e Michele Caselli, autor do projeto original da nova Igreja de São Pedro da Piedade, datado de 1914 e não executado.

Alguns destes profissionais estavam sediados no Rio de Janeiro, onde eram bastante atuantes, tendo realizado poucas obras em Salvador, como Antonio Virzi, que elaborou, em 1914, um projeto para o novo Teatro Municipal na Praça Castro Alves e que teve apenas suas fundações concluídas; e Raphael Rebecchi, autor do pavilhão da Bahia na Exposição Internacional de 1908 no Rio de Janeiro e que executou alguns projetos em Salvador na década de 1920, tal como a sede do Banco Francês Italiano no bairro do Comércio e uma agência telegráfica no Largo da Barra (PUPPI, 1998, p. 102).

Entretanto, os dois principais projetistas italianos atuantes na Bahia neste período foram, certamente, Rossi Baptista e Filinto Santoro. Ao contrário da maioria dos projetistas anteriormente citados, que estavam sediados no Rio de Janeiro ou em São Paulo e desenvolveram esporadicamente projetos para Salvador, tanto Rossi Baptista quanto Filinto Santoro tiveram intensa atuação na capital baiana a partir da primeira metade da década de 1910 e pelo menos até o início dos anos 1920.

Rossi Baptista estava originalmente sediado no Rio de Janeiro e o primeiro projeto elaborado por ele para Salvador é o do Palacete do Comendador Bernardo Martins Catharino (1911-1912), na Rua da Graça [Figura 8]. Paulo Ormindo de Azevedo, em seu detalhado levantamento da produção arquitetônica de Rossi Baptista em Salvador (AZEVEDO, 2006), afirma que Rossi Baptista projetou, reformou ou construiu pelo menos 32 edifícios na capital baiana entre 1911 e 1933.

Segundo Azevedo, sua atuação se concentrou basicamente em duas frentes: novos edifícios comerciais ou reformas de edifícios existentes na área consolidada da cidade, principalmente no bairro do Comércio e na Rua Chile; e novos edifícios residenciais para a burguesia em ascensão, nos bairros da expansão urbana meridional, principalmente Canela, Graça e Barra. Dentre os seus projetos mais importantes, além do Palacete Martins Catharino, destacam-se uma outra residência construída para o mesmo cliente na Rua do Canela, nº 08 (1912), que abriga atualmente a Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA); a sede da Associação dos Empregados do Comércio (1914-1917), na esquina da Rua do Tira Chapéu com a Rua Chile, que é certamente um dos mais significativos edifícios baianos do período [Figura 9]; o chalé construído como residência de Otávio Ariani Machado, na Rua do Canela, nº 03 (1926), que atualmente abriga a Residência Universitária Feminina da UFBA [Figura 10]; e a antiga sede do Bank of London & South America na Rua Miguel Calmon, no Comércio (1928), que atualmente abriga um bingo (AZEVEDO, 2006, pp. 71-75). Rossi Baptista foi ainda o responsável pelo novo projeto e pela construção da nova Igreja de São Pedro da Piedade (1916-1917), após desentendimentos entre Michele Caselli, autor do projeto original, e a Mesa da Irmandade do Santíssimo Sacramento (ALMEIDA, 2006, p. 101).

Porém, ao contrário do que afirma Paulo Ormindo de Azevedo, Rossi Baptista não foi o único projetista italiano radicado em Salvador naquele período. A partir de 1913 e pelo menos até 1920, o engenheiro napolitano Filinto Santoro não somente residiu na Bahia como foi o projetista oficial do Estado, concebendo e executando algumas das principais obras públicas da cidade de Salvador. Se no período do apogeu da arquitetura eclética na Bahia – correspondente às décadas de 1910 e 1920 – Rossi Baptista foi o projetista preferido da burguesia industrial em ascensão, desenhando e construindo as suas residências e as sedes das suas empresas, Filinto Santoro foi o projetista do poder político, responsável por diversos edifícios públicos e equipamentos urbanos produzidos em Salvador a partir de 1913 e, principalmente, durante a gestão de Antônio Ferrão Muniz de Aragão (1916-1920) à frente do Governo Estadual.

FILINTO SANTORO, UM PROJETISTA NÔMADE

A principal referência sobre a vida e a obra de Filinto Santoro no Brasil é uma publicação da seção de Nápoles da Associazione Nazionale Ingegneri e Architetti Italiani, intitulada L’Opera dell’Ingegnere Filinto Santoro al Brasile (ASSOCIAZIONE..., 1923). Publicada em 1923, consta de 84 páginas ilustradas e dedicadas ao registro e à divulgação, entre seus patriotas, dos encargos profissionais que Santoro, então recém-chegado à Itália, teve durante os mais de trinta anos em que residiu no Brasil.[7] Os textos desta publicação são anônimos, porém a riqueza de detalhes com que relatam as atividades desenvolvidas por Santoro no Brasil nos levam a concluir que teriam sido escritos pelo próprio engenheiro.

Rio de Janeiro

Filinto Santoro realizou todos os seus estudos em Nápoles, e lá recebeu o título de engenheiro pela Reale Scuola di Applicazione per gli Ingegneri (ibid., p. 10). Em 1889, partiu para o Brasil, se estabelecendo inicialmente no Rio de Janeiro, capital da recém proclamada República. Em um primeiro momento, Santoro ensinou italiano num colégio secundário – onde instituiu, pela primeira vez, uma cátedra de italiano – e dirigiu alguns jornais da colônia italiana carioca, como Il Bersagliere e l’Aquila Latina, fundando ainda, em São Paulo, o periódico Il Fanfulla (ibid., pp. 10-14).

As atividades de projetista de Santoro no Rio de Janeiro se deram, inicialmente, como engenheiro-chefe da Companhia Evoneas Fluminense, responsável pela construção de casas populares, até que, em 1892, conheceu o presidente Marechal Hermes da Fonseca, que lhe encarregou de uma série de projetos importantes a partir do ano seguinte. O mais importante destes encargos foi o projeto da Nova Estação Ferroviária do Rio de Janeiro. Para elaborá-lo, Santoro partiu para a Europa em fevereiro de 1893, visitando as principais estações francesas e italianas; no ano seguinte, apresentou o seu projeto que, infelizmente, não conseguimos descobrir se foi executado.

Espírito Santo

No mesmo ano de 1894, Filinto Santoro foi nomeado Diretor-Geral das Obras Públicas e Empreendimentos Gerais do Espírito Santo pelo então Presidente do Estado José de Mello Carvalho Moniz Freire, se transferindo para Vitória. Na capital capixaba, além de atuar administrativamente, projetou e construiu diversos edifícios públicos e executou obras de infra-estrutura urbana e territorial. Santoro deu prosseguimento à construção do Quartel da Polícia, no Parque Moscoso; iniciou a construção do novo Hospital na Praia do Suá e da Estrada de Ferro Sul do Estado; e deu início às melhorias no saneamento urbano da cidade, contratando a Companhia Brasileira Torrens. Foi em 1895, durante a gestão de Santoro à frente da Diretoria de Obras Públicas do Espírito Santo, que o engenheiro Francisco Saturnino de Brito elaborou o projeto do Novo Arrabalde de Vitória, tendo como objetivo dar à cidade uma concepção moderna, em detrimento da “cidade velha e pessimamente construída, sem alinhamentos, sem gosto, sem arquitetura, seguindo os caprichos do terreno”, nas palavras do Governador Moniz Freire (apud MENDONÇA, 1999, p. 184).

Entre 1895 e 1896, Filinto Santoro projetou e construiu em Vitória o Teatro Melpômene, uma monumental sala com 1.200 assentos totalmente construída em pinho-de-riga, importado da Suécia [Figura 11]. A construção do Teatro Melpômene incluiu a demolição da antiga Igreja de Nossa Senhora da Conceição, do século XVIII, e do largo homônimo. Em 1923, ocorreu um incêndio no Teatro Melpômene, o que levou à sua interdição e, em 1925, à sua venda para um particular que o demoliu imediatamente. Os poucos elementos do teatro que haviam sobrevivido ao incêndio, como as colunas de ferro, foram utilizados nas obras do novo Teatro Carlos Gomes, então em construção.

Segundo a publicação dedicada à obra de Santoro no Brasil, neste mesmo período o engenheiro italiano realizou diversas ações em prol dos imigrantes italianos residentes no Espírito Santo, terminando por ser nomeado, em 1895, Cavaleiro da Coroa pelo Rei Humberto I. Esta teria sido a primeira honorificência concedida pelo governo italiano a um imigrante residente no Brasil. (ASSOCIAZIONE..., op. cit., p. 17)

Amazonas

Em 1900, a convite do Presidente do Estado do Amazonas, José Cardoso Ramalho Júnior, Filinto Santoro transferiu-se para Manaus, então no auge do ciclo da borracha. Santoro havia sido convidado “a dar o seu parecer sobre as condições estruturais da construção do palácio destinado a ser a sede do Governo e ver a possibilidade de transformá-lo em um edifício que respondesse a todas as exigências de uma verdadeira sede de governo.” (ibid., p. 19):

Devido ao clima de Manaus, quentíssimo, aquele palácio foi construído sem critérios higiênicos, nem foram respeitadas as noções elementares de estrutura; foi finalmente constatada a impossibilidade de executar uma radical transformação: os gastos teriam sido enormes e a reforma não poderia de forma alguma responder ao espírito das modernas construções (loc. cit.).

Embora a crítica ao palácio preexistente deva ser lida com ressalvas, o fato é que Santoro terminou por convencer o Presidente do Estado a pôr abaixo o edifício existente e edificar um novo, segundo projeto de sua autoria.

Decorridos somente um mês e meio, Santoro apresentou um novo estudo preliminar, imediatamente aprovado pelo Presidente, e após um mês foram iniciadas as demolições para abrir espaço ao novo Palácio. O projeto de Santoro [Figura 12 e Figura 13] – que não possui qualquer relação com o Palácio Rio Negro, construído no mesmo período por um imigrante alemão e comprado pelo Governo do Amazonas em 1917 – nunca chegou a ser concluído:

Desgraçadamente, esta obra precisou ser interrompida quando os trabalhos estavam já bastante adiantados e o projeto definitivo estudado em todos os seus detalhes. Ela encontra-se atualmente no mesmo estágio em que foi deixada por Santoro devido à crise financeira que se instaurou no antes opulento Amazonas! (ibid., pp. 20-21)

Além do inconcluso Palácio do Governo, nos três anos em que esteve em Manaus Santoro realizou outros projetos. Em 1902, foi encarregado pelo superintendente municipal Adolpho Guilherme de Almeida Lisboa de reformar e ampliar o Mercado Municipal, uma estrutura em ferro fundido importada de Liverpool e montada às margens do Rio Negro entre 1880 e 1883. Segundo a pesquisadora Jussara Derenji (1987, p. 159), a intervenção realizada por Santoro no Mercado Municipal corresponde à construção da “frontaria em alvenaria de tijolos”. Os valores histórico e artístico do Mercado Municipal Adolpho Lisboa foram reconhecidos em 1987, através do seu tombamento pelo IPHAN com a dupla inscrição nos Livros de Tombo Histórico e de Belas Artes.

Segundo a publicação italiana, em Manaus, Santoro iniciou ainda as obras de uma nova catedral (ASSOCIAZIONE..., op. cit., p. 22). Entretanto, segundo Jussara Derenji (1987, p. 159), Santoro teria sido o responsável não pela construção de uma nova igreja, mas pela reforma efetuada na Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, construída originalmente em 1818, e que passou a ter “características ligadas ao neoclássico – pilastras com capitéis coríntios, o simples frontão triangular, a modenatura e a parcimônia dos ornatos”, remetendo ao que Derenji denomina de “primeira fase do eclético na capital do Amazonas”.

Pará

Passados catorze anos da sua chegada ao Brasil, nos quais atuou profissionalmente em três estados diferentes, Santoro se transferiu em 1903 para Belém do Pará, onde permaneceria por quase onze anos e se dividiria entre o cargo de cônsul italiano e os encargos como projetista. Além disso, Santoro redigiu a primeira legislação municipal que buscou regulamentar as edificações na cidade de Belém.

Durante o seu período paraense, Santoro projetou diversas obras importantes para Belém, como o Colégio Gentil Bittencourt [Figura 14] e três palacetes: um para servir de residência a Augusto Montenegro; um para o Senador Virgílio Sampaio, vizinho ao anterior (também inaugurado em 1905); e o terceiro para o Senador Marques Braga, em estilo lombardo (ASSOCIAZIONE..., op. cit., pp. 23-25).

O de maior destaque dentre os três é o Palacete Augusto Montenegro, construído entre 1903 e 1904 [Figura 15]. Augusto Montenegro, que seria governador do Estado do Pará entre 1904 e 1908, residiria ali somente até 1910. Este Palacete foi adquirido pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em 1962 para abrigar a Reitoria, e desde 1984 abriga o Museu da UFPA. O edifício foi tombado em 13 de dezembro de 2002 pela Secretaria Estadual de Cultura do Pará.

Outras obras projetadas e construídas por Santoro em Belém são a sede do jornal Província do Pará (atualmente sede do Instituto de Educação do Pará) e o Mercado de São Braz, cujo projeto foi iniciado em 30 de dezembro de 1909 e que foi construído no prazo recorde de 18 meses (ibid., p. 29) [Figura 16]. Para Jussara Derenji (1987, p. 159), trata-se de uma “composição equilibrada com planta bem resolvida, [...] interiores claros e climaticamente agradáveis”. O “Conjunto Arquitetônico e Paisagístico do Mercado de São Braz e Caixa d’Água de Ferro” encontra-se tombado pelo governo estadual do Pará desde 1981.

Ainda em Belém, “por encargo do chefe político do Estado e prefeito da capital, Senador Antônio Lemos, Santoro projetou o novo e grandioso Palácio Municipal” (ASSOCIAZIONE..., op. cit., p. 31). A respeito deste projeto, datado de 1906 e aparentemente não construído, Jussara Derenji (1987, p. 159) informa que Santoro “fora enviado à Europa para colher elementos e sugestões para traçar os desenhos do futuro Palácio”.

Segundo o próprio engenheiro, as duas obras que ele utilizou como referência para o projeto de Palácio Municipal de Belém foram o Palácio da Justiça de Bruxelas e o Palácio da Justiça de Roma (apud DERENJI, 1987, p. 159). Para Derenji, o projeto do Palácio Municipal de Belém, diferentemente do Mercado de São Braz, resultou numa obra deselegante e exageradamente decorada: “a fachada mostra uma profusão de ornatos, esculturas isoladas e em grupos, com o uso de touros, leões, cavalos de bronze em insólita mistura no prédio deselegante e pesado” (loc. cit.).

Antes de partir definitivamente de Belém em 1913, Santoro projeta ainda um novo museu e “um novo bairro aristocrático consistindo em um trecho de ‘Avenida’ e a construção de 46 casas nobres” (ASSOCIAZIONE..., op. cit., p. 33).

A OBRA DE FILINTO SANTORO NA BAHIA

Reforma e ampliação do Mercado Modelo

Em 1913, Filinto Santoro se transfere para Salvador. O primeiro trabalho desenvolvido pelo engenheiro napolitano em terras baianas é a reformulação do Mercado Modelo (ibid., p.39). O Mercado Modelo havia sido originalmente construído entre 1911 e 1912, como parte das obras do porto sob a responsabilidade da Companhia Docas e Melhoramentos da Bahia:

Tratava-se de um edifício retangular, medindo, aproximadamente, 40x60 m, envolvido por marquises. Estrutura metálica, importada, com cobertura, constituída por três telhados superpostos, de modo a permitir boa ventilação e iluminação naturais, este edifício foi, provavelmente, o primeiro edifício inteiramente metálico montado na Bahia. (AZEVEDO, 1985, p. 50). [Figura 17 e Figura 18]

Como “a simplicidade de sua forma geométrica e o material empregado – perfis metálicos e chapas de zinco – não causaram boa impressão” e “o primeiro exemplar de arquitetura industrial não foi bem aceito na capital barroca do país” (loc. cit.), em 12 de agosto de 1915 a Intendência Municipal abriu uma concorrência para ampliação e reforma do mercado. Foi apresentada uma única proposta, dos engenheiros Filinto Santoro e Portella Passos, que foram consequentemente contratados para realizar a intervenção.

Os anexos previstos na concorrência, que deveriam ampliar a área do mercado em 900,00 m2 e incluíam um pavilhão especial para as “sentinas” e um novo “hangar” para as feiras exteriores, não foram jamais construídos.

O que de fato foi executado segundo o projeto de Santoro foi um anel periférico, constituído de 55 lojas voltadas para o exterior, e fechado por uma fachada de cimento armado aposta ao edifício em estrutura metálica existente. Esta fachada possuía dez portões de acesso ao grande espaço central do mercado, sendo três em cada uma das fachadas principais e dois em cada uma das fachadas laterais. Os dois maiores portões, localizados no eixo central das fachadas principais, tinham tratamento monumental em arco do triunfo. Destacavam-se na volumetria deste anel periférico os seis torreões, “com janelas de oxímez, cada qual ocupando a área de três lojas” (AZEVEDO, 1985, p. 50). Certamente as experiências prévias de Santoro nos projetos do Mercado Municipal de Manaus e do Mercado de São Braz em Belém lhe foram úteis na elaboração deste projeto. [Figura 19 e Figura 20]

Apesar do Mercado Modelo ter passado por dois grandes incêndios em 1922 e 1943, foi a configuração dada por Santoro que ele conservou até a sua destruição total por um suspeito incêndio no dia 1º de agosto de 1969 (ibid., pp. 50-69). [Figura 21]

Quartel do Corpo de Bombeiros

Em 1916, Filinto Santoro venceu uma outra concorrência pública importante, dessa vez para a construção do Quartel Central do Corpo de Bombeiros, na esquina da Ladeira da Praça com a Baixa dos Sapateiros. O edital da concorrência exigia a apresentação de um projeto executivo, com todos os detalhes; Santoro teria vencido a concorrência dentre outros motivos por ter assumido o compromisso de entregar o edifício no prazo máximo de seis meses.

As obras se iniciaram em novembro de 1916 e, até a sua inauguração, em 29 de fevereiro de 1917, teriam se passado apenas quatro meses. Este limitado prazo de execução leva o autor do texto laudatório publicado pela Associação Nacional de Engenheiros e Arquitetos Italianos a afirmar que “com esta rápida construção foi batido o record nas construções públicas e privadas daquela capital.” (ASSOCIAZIONE..., op. cit., 39-40). Segundo este mesmo autor, “o arquiteto se inspirou para a fachada externa deste edifício nos antigos monumentos de Siena e especialmente no Palazzo della Signoria.” (loc. cit.). [Figura 22 e Figura 23]

O edifício, que ainda hoje abriga o 1º Grupamento de Bombeiros de Salvador, não possui qualquer proteção a nível federal ou estadual, encontrando-se dentro da poligonal da Área de Preservação Rigorosa estabelecida pela Lei Municipal nº 3.289/83, que estabelece limitações às transformações desta área e determina que todas as intervenções propostas para os imóveis ali localizados devem ser analisadas e aprovadas por técnicos da Prefeitura Municipal de Salvador, do IPAC e do IPHAN.

No final de 2006, problemas na estrutura de alvenaria e na rede elétrica do edifício, identificados pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA-BA), levaram à interdição do edifício pelo Ministério Público Estadual. Recentemente, foram iniciadas obras de restauração deste edifício.

Palácio da Aclamação e Palácio Rio Branco

Santoro teria, a partir de então, estabelecido excelentes relações com o Governador do Estado da Bahia, Antonio Ferrão Muniz de Aragão (1916-1920), de quem recebeu o encargo de projetar e executar a reforma de dois importantíssimos palácios que, assim como o Quartel dos Bombeiros, chegaram até os nossos dias: o Palácio da Aclamação, residência dos governadores, e o Palácio Rio Branco, sede do Governo estadual (ASSOCIAZIONE..., op. cit., p. 40). Em ambos os projetos, o objetivo era o de ampliar e “atualizar” edificações centenárias.

A respeito destes dois projetos de reciclagem edilícia – para usarmos uma expressão atual –, o anônimo autor da publicação italiana sobre a obra de Santoro afirma que “difícil e árdua é a ação do engenheiro em casos semelhantes, uma vez que as construções, confiadas à imperícia dos primeiros colonizadores, nenhuma segurança oferecem na transformação arquitetônica exigida pelo espírito dos tempos modernos e pela aplicação dos novos materiais de construção” (ibid., p. 43).

O projeto de reforma e ampliação do Palácio da Aclamação é de autoria exclusiva de Santoro, e sua construção durou cinco anos (1913-1918). Suely Puppi afirma, baseada no relato de Sílio Bocanera, que “as obras teriam sido começadas a partir da antiga residência colonial, e a execução da ala nova, projetada por Santoro, foi realizada ainda no governo de Muniz de Aragão” (PUPPI, 1998, p. 136): [Figura 24, Figura 25, Figura 26 e Figura 27]

No Palácio ‘Acclamação’ [sic], toda a ala esquerda, incluindo o ‘Hall’ central, assim como as colunatas com os respectivos terraços, são novas construções, enquanto a velha casa colonial corresponde apenas à ala direita, a qual, por mais que tenha sido modificada, apresenta ainda alguns defeitos que não foi possível corrigir, como por exemplo a posição das portas em relação às colunas do terraço anexo (ASSOCIAZIONE..., op. cit., pp. 44-45).

O Palácio Rio Branco, por sua vez, foi construído no mesmo local onde, desde a fundação da cidade em 1549, se situava a Casa dos Governadores, na Praça Municipal. O Palácio dos Governadores já havia passado por inúmeras reformas, atualizações e reconstruções ao longo dos séculos, e desde a última intervenção, em 1900, adquirira uma feição eclética. Bombardeado em 10 de janeiro de 1912, o edifício foi reconstruído a partir daquele mesmo ano, logo após a posse de J.J. Seabra como governador. O projeto de reconstrução foi elaborado inicialmente pelo projetista italiano Júlio Conti, tendo sofrido alterações realizadas pelo então Secretário Geral do Estado Eng. Arlindo Fragoso (GODOFREDO FILHO, 1984, p. 20).

Com o início do Governo de Antônio Moniz de Aragão, em 1916, o encargo foi transferido para Filinto Santoro que, segundo Suely Puppi (respaldada em textos de Sílio Boccanera), teria sido o responsável por toda a configuração interna do edifício (PUPPI, op. cit., p. 136).

As intervenções externas realizadas por Conti, Fragoso e Santoro corresponderam ao reforço dos muros perimetrais, à demolição da fachada principal, à construção da cúpula em concreto armado, do terraço do lado direito e do jardim que avança sobre a encosta. As fachadas novas, assim como as do Palácio da Aclamação, são em mármores de origem italiana, e a escadaria em ferro fundido e bronze dourado, com degraus em vidro, é de procedência francesa (ASSOCIAZIONE..., op. cit., pp. 45-50). [Figura 28 e Figura 29]

Na decoração interna do Palácio Rio Branco, inaugurado em 1919, “os estilos preferidos [...] foram o Renascimento italiano e o barroco italiano e francês. O gabinete de trabalho, por desejo expresso do então governador, no seu esqueleto e respectiva decoração, é em estilo pompeano” (ibid., p. 46). [Figura 30, Figura 31, Figura 32, Figura 33 e Figura 34]

Segundo Jussara Derenji, existem diversas semelhanças entre o Palácio Rio Branco e o projeto não construído do Palácio Municipal de Belém, embora o palácio baiano seja, no seu entendimento, mais interessante que o projeto do palácio paraense:

Em Salvador, o volume central ficaria mais leve, a cúpula mais alta e o conjunto seria todo depurado, diminuindo-se os ornamentos e a estatuária. (DERENJI, 1987, p. 159)

Godofredo Filho, por sua vez, considera o Palácio Rio Branco uma das obras mais grotescas do período, pelo menos em sua configuração externa: [Figura 35 e Figura 36]

Tudo de ornamentalmente pomposo, de praticamente inútil além de feio, cúpula, estátuas, florões, pináculos, águias de asas espalmadas no vôo, tudo, no seu exterior, se aglomerou num despropósito, pelo prazer pueril de carregar na ornamentação e boquiabrir os ingênuos. Era o fervor do gesso e da cola, o festival do estuque, embora internamente a planta permitisse vestíbulo e salão nobre de agradáveis proporções, sobretudo este, e saguão espaçoso de onde arranca monumental e bela escadaria de vidro e bronze. (GODOFREDO FILHO, 1984, p. 20)

A propósito do Palácio Rio Branco, Godofredo Filho cita ainda Sílio Bocanera, quando este afirma sobre a arquitetura eclética que “o tal novo estilo, esse complexo heterogêneo de todos os estilos, muito acertadamente consideram os técnicos - decadência da Arte” (apud GODOFREDO FILHO, op. cit., p. 20).

O fato é que sendo Santoro o principal responsável pela configuração interna do Palácio Rio Branco, como afirmam diversas fontes, e tendo ele encontrado volumetria e fachadas já definidas por Conti e Fragoso, é justamente a sua contribuição o que este monumento possui de maior mérito artístico. [Figura 37]

O Palácio Rio Branco encontra-se dentro da poligonal do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do Centro Histórico de Salvador, inscrito no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do IPHAN em 1984, mas não é tombado individualmente em nenhuma instância, não obstante a qualidade artística e arquitetônica dos seus espaços internos e seu inquestionável valor histórico.

O Palácio da Aclamação, por sua vez, não possui qualquer tipo de proteção, apesar de ter sido incluído no Conjunto Arquitetônico do Corredor da Vitória, cujo tombamento pelo IPHAN foi solicitado em 1998 e arquivado pelo Conselho Consultivo em 2004.

Kursaal-Bahiano

Outro importante projeto realizado por Filinto Santoro em seu período baiano foi aquele do cine-teatro chamado de Kursaal-Bahiano, construído no mesmo local para o qual, em 1914, fora projetado, a pedido do governador baiano J. J. Seabra, um teatro eclético por um outro arquiteto italiano, Antônio Virzi (PUPPI, op. cit., p. 125). [Figura 38, Figura 39 e Figura 40]

O cine-teatro, de propriedade de um grupo privado chefiado pelo próprio Santoro e construído na Praça Castro Alves a partir do início de 1918, foi inaugurado no dia 24 de dezembro de 1919 (ASSOCIAZIONE..., op. cit., pp. 51-52):

Na cidade de S. Salvador, capital do Estado da Bahia (Brasil) não existia até alguns anos atrás uma sala de espetáculos para cinema e números de arte com todos os requisitos da higiene e da estética.

O Engenheiro Filinto Santoro solicitou ao Município a concessão para a construção às próprias custas de um edifício exatamente com aquele fim, pedindo apenas o terreno necessário e a isenção de quaisquer taxas pelo período de 30 anos. Além do edifício principal para a sala dos espetáculos solicitava, igualmente, o Eng. Santoro, a permissão para construir alguns quiosques para “lanches” e especiais jogos de atração, bem como os jardins indispensáveis, batizando, desta forma, o conjunto de construções com o nome de Kursaal-Bahiano. (loc. cit.)

Além da sala de espetáculos com capacidade para 1.200 espectadores [Figura 41] e dos espaços anexos, como sala de espera, palco, camarins e depósitos, o projeto do Kursaal-Bahiano elaborado por Santoro incluiu uma lanchonete, um quiosque de jogos, um jardim e “uma balaustrada que contorna a praça Castro Alves com estátuas e duas pirâmides decorativas iniciais” (loc. cit.).

O Kursaal-Bahiano atendia às mais novas tecnologias e normas de higiene e segurança:

Pela disposição das portas laterais de saída, a sala [de espetáculos] pode ser evacuada em menos de 5 minutos.

A ventilação é natural, auxiliada por 4 exaustores capazes de remover o ar viciado do ambiente interno em 3 minutos.

A iluminação elétrica é rica e brilhante.

Para os espetáculos cinematográficos foram colocadas 240 lâmpadas de 50 velas na curva perimetral do teto, de forma que a luz, projetando-se por reflexão, tênue e opaca, não incomode a visão dos espectadores ao final de cada ato. (ASSOCIAZIONE..., op. cit., p. 56)

O edifício foi profundamente alterado ao longo do século XX: em 1920, teve seu nome mudado para Cine-Teatro Guarani; foi “totalmente reformado em 1952” (RUY, 1959, p. 92) e novamente alterado em 1986, em uma homenagem ao cineasta Glauber Rocha, com novo projeto de fachada realizado pelo artista gráfico Rogério Duarte – autor do cartaz de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” – no âmbito do “Projeto Barroquinha”, coordenado e idealizado pela arquiteta de origem italiana Lina Bo Bardi (FERRAZ, 1993, pp. 276-281). [Figura 42]

Com o advento dos cinemas de Shopping Center e a degradação da Praça Castro Alves nas últimas décadas, o Cine Glauber Rocha acabou fechando as suas portas em 1998. Atualmente, encontra-se em obras que deverão adaptá-lo – à custa do que ainda restava da sua constituição original – em um complexo de salas de cinema de arte, batizado de Unibanco Arteplex Glauber Rocha.

Avenida Oceânica

Durante os quase dez anos em que esteve na Bahia, Santoro não realizou somente projetos de edifícios públicos e equipamentos urbanos, mas também desenhou e dirigiu as obras de uma das vias mais importantes da cidade até os dias atuais: a Avenida Oceânica, “uma via que, quase toda banhada pelo Oceano Atlântico, liga o bairro do ‘Rio Vermelho’ à ‘Capital do estado da Bahia’.” (ASSOCIAZIONE..., op. cit., p. 58).

Na verdade, a avenida litorânea projetada por Santoro conecta o Farol da Barra ao Rio Vermelho, tendo sido iniciada no Governo de Muniz de Aragão (1916-1920) e concluída somente em 1922, após muitos anos de obras, já no 2º Governo de J.J. Seabra (1920-1924), sendo por isto chamada de “Estrada Eterna” (ARAÚJO, 2004, p. 193). [Figura 43 e Figura 44]

Trata-se de uma obra cuja execução foi tecnicamente bastante complexa, principalmente no trecho da Praia da Paciência, no Rio Vermelho, ao qual se refere no trecho abaixo:

Quase toda a via está à beira-mar e, portanto, foi necessário executar importantíssimas obras de arte, superando sérias dificuldades técnicas. As ondas furiosas do Oceano por diversas vezes destruíram obras de arte quase terminadas de modo que foi necessário recorrer a meios especiais de defesa e a trabalhos de caráter provisório bastante custosos. [...] A fundação executada por meio de uma extensíssima contenção em curva [...] representa um trabalho de real dificuldade técnica devido à ação das ondas do mar quase sempre agitadas naquele ponto. (ASSOCIAZIONE..., op. cit., pp. 58-60) [Figura 45 e Figura 46]

No ponto inicial da nova avenida, em frente ao Forte de Santo Antônio da Barra (Farol da Barra), “foi construída uma coluna comemorativa na base da qual foram esculpidos os nomes dos engenheiros Filinto Santoro, construtor e autor de todos os projetos de detalhe, e doutor Celso Torres, representante oficial do Governo do Estado, para recordar às gerações seguintes, com gratidão, as dificuldades superadas na realização da importante artéria que é hoje o mais belo e encantador passeio do norte do Brasil. ” (loc. cit.). [Figura 47]

Sob a responsabilidade de Santoro estiveram não somente o projeto do traçado e das contenções da Avenida Oceânica, mas também o desenho e a execução das suas escadas, balaustradas, obeliscos e demais elementos arquitetônicos e artísticos.

Reforma do Teatro Municipal

O último trabalho realizado por Santoro em Salvador foi o projeto para a reforma do teatro São João – o “único decrépito e secular teatro existente na capital do Estado da Bahia.” (ASSOCIAZIONE, op. cit., p. 63). [Figura 48]

O projeto elaborado por Santoro para o Teatro São João, originalmente construído em estilo neoclássico no início do século XIX na Praça Castro Alves, foi vencedor de concurso realizado pelo Governo do Estado da Bahia em 1920. A proposta apresentada por Santoro incluía, além do projeto de reforma arquitetônica, uma monografia sobre a arquitetura teatral, incluindo a análise dos teatros italianos, franceses, ingleses, alemães, espanhóis e russos, a relação entre a forma teatral e a acústica, precauções contra incêndios e outras questões ligadas ao tema (ibid., p. 64). [Figura 49]

O projeto de Santoro, entretanto, não chegou a ser executado; o Teatro São João, que já havia sofrido graves danos com o bombardeio de 1912, acabou sendo completamente destruído por um incêndio em 1923. Imediatamente depois, foi construído em seu lugar a sede da Secretaria de Agricultura (depois denominada de Palácio dos Esportes), edifício déco existente até os dias de hoje.

Segundo Godofredo Filho (1984, p. 20), o novo teatro municipal projetado por Santoro e jamais construído correspondia a um “pesadelo plástico de que nos livraria a exaustão das finanças estaduais”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Filinto Santoro retornou definitivamente à Itália em algum momento entre os anos de 1920 e 1923. Não nos foi possível estabelecer com precisão a data do seu retorno, porém sabemos que em 1920 o arquiteto napolitano ainda estava em Salvador, uma vez que naquele ano participou e saiu vencedor do concurso para reforma do Teatro São João e, em julho, recebeu na capital baiana Sua Alteza Real o Príncipe Aimone, Duque de Spoleto (ASSOCIAZIONE..., op. cit., p. 82). Ao mesmo tempo, sabemos que em setembro de 1923 Santoro havia “retornado à pátria para gozar de um merecido repouso, após 30 anos fecundamente gastos no Brasil” (ibid., p. 07). Não nos foi possível obter mais informações sobre sua vida e eventual atuação profissional posterior a estas datas.

O fato é que, ainda que tivesse se aposentado definitivamente após retornar à Itália na primeira metade da década de 1920, Filinto Santoro já teria cumprido o invejável papel de realizar alguns dos principais encargos públicos em cinco estados brasileiros, ao longo dos primeiros trinta anos de República.

Ao contrário da maioria dos arquitetos do seu tempo que, como Rossi Baptista, se dedicaram a produzir basicamente as residências e escritórios de uma burguesia industrial em ascensão, a produção arquitetônica do engenheiro Filinto Santoro se caracteriza pelo seu caráter institucional, público e monumental.

Sejam edifícios institucionais (como palácios de governo), sejam equipamentos urbanos (mercados e teatros) ou espaços públicos (como a Avenida Oceânica), são arquiteturas urbanas, de acesso público e de uso coletivo, cuja monumentalidade marcou – e ainda marca – intensamente a paisagem de várias capitais brasileiras. São sempre construções de grande porte, localizadas em espaços de grande importância e significado para as cidades que as abrigam.

Durante a sua carreira profissional, Santoro participou de diversas exposições. Na Exposição Internacional de Milão de 1906, expôs alguns dos projetos realizados no Brasil, que foram premiados com a Medalha de Ouro. Na Exposição Internacional de Turim de 1911, produziu uma monografia registrando “os quase vinte anos de sua fecunda residência no exterior e o Júri lhe conferiu o Grande Prêmio” (ASSOCIAZIONE..., op. cit., p. 33).

Para Jussara Derenji, a obra construída por Santoro no Brasil apresenta heterogeneidades e descontinuidades que diminuiriam seus méritos frente à produção de outros projetistas contemporâneos:

A análise do conjunto de obras de Santoro mostra como um só profissional podia, nesse período, ir progressivamente mudando seu direcionamento. De um começo pautado pelo neoclássico, segue Santoro para uma associação de estilos e tendências seguindo inspirações de fora, como o próprio autor admite em seus relatórios. Os extremos de monumentalidade e ornamentação de seus últimos projetos não foram porém acompanhados de uma correta apropriação dos materiais da era industrial como aconteceu com Francisco Bolonha. [8] (DERENJI, 1987, p. 159)

Na verdade, como vimos, as “inspirações de fora” na obra de Santoro existiram desde seus primeiros projetos brasileiros, como a nova Estação Ferroviária do Rio de Janeiro – como de resto aconteceu em praticamente todas as manifestações da arquitetura eclética. Por outro lado, há de fato um rigor nas proporções e ornamentos das primeiras obras realizadas por Santoro no Brasil que não são encontrados em outras obras posteriores. As cúpulas do Palácio Municipal de Belém, do Teatro Municipal de Salvador (ambos não construídos) e do Palácio Rio Branco em Salvador, por exemplo, são elementos desproporcionais aos edifícios que encimam – o que não tira o mérito do Palácio Rio Branco, seja pelo valor artístico dos seus espaços internos, seja pela sua importância na história da Bahia e do Brasil.

De qualquer forma, algumas obras da fase baiana de Santoro possuem – ou possuíam, uma vez que já desaparecidas – inegável valor arquitetônico, como o Palácio da Aclamação ou o antigo Mercado Modelo. Em outras cidades, como Manaus e Belém, a produção arquitetônica de Santoro já há alguns anos vem sendo estudada e preservada através do instrumento do tombamento. Na Bahia, contudo, não foram realizados ainda estudos sistematizados sobre a sua obra, e enquanto isso seus projetos vêm sendo descaracterizados – como ocorreu com a Avenida Oceânica e, mais recentemente, com o Kursaal-Baiano – e até mesmo desaparecendo – como ocorreu com o antigo Mercado Modelo.

O mesmo ocorre com a obra de outros projetistas do mesmo período. É preciso que os pesquisadores da nossa arquitetura se desliguem dos preconceitos arraigados contra a arquitetura eclética e realizem estudos sobre as suas diversas manifestações. Da mesma forma, urge que as instituições públicas voltadas à preservação do patrimônio cultural executem estudos e inventários dos bens produzidos durante as últimas décadas do século XIX e as primeiras décadas do século XX.

Enfim, é preciso que estejamos atentos à qualidade artística e à importância histórica de determinados exemplares da arquitetura eclética baiana, sob o risco de permitirmos que sejam apagadas importantes páginas da nossa história política, econômica, social, tecnológica, cultural e artística, como vem ocorrendo no Corredor da Vitória. Neste sentido, cabe recordarmos o que escreveu, há quinze anos, um dos nossos maiores intelectuais:

Quem conheceu o Corredor da Vitória nos tempos do esplendor dos solares sabe disso: quando a ambição do lucro ainda não havia liquidado o bom gosto e superado por completo o amor à cidade pela qual todos somos responsáveis. Para quem chegava de navio à cidade da Bahia, a vista era de graça infinita, dizia-se um presépio e assim era. Hoje, selva de agressivas torres de cimento armado, paisagem igual a qualquer outra pelo mundo desolado dos arranha-céus, mesquinha e feia. O que era rico fez-se pobre, o que era grande fez-se pequeno. Assim, nas bordas e por dentro, os ratos foram roendo toda nossa cidade da Bahia. (AMADO, 1992, p. 46)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Maria do Carmo Baltar Esnaty de. A Victória na Renascença Baiana: a ocupação do distrito e sua arquitetura na Primeira República (1890-1930). Salvador, 1997. Dissertação apresentada ao Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da FAUFBA.

ALMEIDA, Maria do Carmo . A Villa Catharino, a alcândora baiana. In: JORDAN, Kátia Fraga et alli. De Villa Catharino a Museu Rodin da Bahia 1912-2006: um palacete bahiano e sua história. Salvador: Solisluna Design e Editora, 2006, pp. 83-102.

AMADO, Jorge. Jorge Amado e o Pelourinho. Revista Projeto, nº 149, jan.-fev.1992, p. 46.

ARAÚJO, Anete Régis Castro de. Espaço Privado Moderno e Relações Sociais de Gênero. Salvador 1930-1949. Salvador, 2004. Tese apresentada ao Doutorado em Arquitetura e Urbanismo da FAUFBA.

ASSOCIAZIONE NAZIONALE INGEGNERI E ARCHITETTI ITALIANI – SEZIONE DI NAPOLI. L’Opera dell’Ingegnere Filinto Santoro al Brasile. Napoli: Tipo Editrice Meridionale Anonima, 1923.

AZEVEDO, Paulo Ormindo de. A Alfândega e o Mercado – Memória e Restauração. Salvador: SEPLANTEC, 1985.

_____. A arquitetura e o urbanismo da nova burguesia baiana. In: JORDAN, Kátia Fraga et alli. De Villa Catharino a Museu Rodin da Bahia 1912-2006: um palacete bahiano e sua história. Salvador: Solisluna Design e Editora, 2006, pp. 58-81.

BARBOZA, Maísa. Estudo de Tombamento: Palácio Rio Branco. Salvador, 2007. Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em História com Habilitação em Patrimônio Cultural apresentado ao IFCH/UCSAL.

DERENJI, Jussara. Arquitetura Eclética no Pará no período correspondente ao ciclo econômico da borracha: 1870-1912. In: FABRIS, Annateresa (org.). Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel : EDUSP, 1987, pp. 146-175.

FABRIS, Annateresa (org.). Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel : EDUSP, 1987.

FERRAZ, Marcelo Carvalho (coord.). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1993.

FERREZ, Gilberto. Bahia: Velhas Fotografias, 1858-1900. Rio de Janeiro: Kosmos, 1989.

FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/IPHAN, 1997.

FLEXOR, Maria Helena Ochi. J. J. Seabra e a Reforma Urbana de Salvador. Comunicação apresentada no 49º ICA – International Congress of Americanists. Disponível em: www.naya.org.ar/miembros/congresos/contenido/49CAI/Flexor.htm

GODOFREDO FILHO. A Influência do Ecletismo na Arquitetura Baiana. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 19, 1984, pp. 15-27.

JORDAN, Kátia Fraga et alli. De Villa Catharino a Museu Rodin da Bahia 1912-2006: um palacete bahiano e sua história. Salvador: Solisluna Design e Editora, 2006.

LEME, Maria Cristina da Silva (coord.). Urbanismo no Brasil (1895-1965). São Paulo: Studio Nobel / FAU-USP / FUPAM, 1999.

MATTOS, Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de. Da ideologia à arquitetura, um projeto além-mar: os Gabinetes Portugueses de Leitura no Brasil. 19&20 – A Revista Eletrônica de DezenoveVinte. Volume II, nº 2, abril de 2007. Disponível em: www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/gabinete_portugues.htm

MENDONÇA, Eneida Maria Souza. O traçado de novos bairros em Vitória: repercussões do projeto de um novo arrabalde. In: LEME, Maria Cristina da Silva (coord.). Urbanismo no Brasil (1895-1965). São Paulo: Studio Nobel / FAU-USP / FUPAM, 1999, pp. 183-195.

PESSOA, José (Org.). Lúcio Costa: documentos de trabalho. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004.

PINHEIRO, Eloísa Petti. Europa, França e Bahia: difusão e adaptação de modelos urbanos. Salvador: EDUFBA, 2002.

PUPPI, Suely de Oliveira Figueiredo. A Arquitetura dos Italianos em Salvador, 1912-1924. Monumentos de traços europeus e modernização urbana no início do século XX. São Paulo, 1998. Dissertação apresentada ao Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da FAU-USP.

ROCHA-PEIXOTO, Gustavo. Introdução. In: CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Guia da Arquitetura Eclética no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Casa da Palavra : Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2000, pp. 05-24.

RUY, Affonso. História do Teatro na Bahia. Séculos XVI a XX. Salvador: Publicações da Universidade da Bahia, 1959.

SALMONI, Anita & DEBENEDETTI, Emma. Arquitetura Italiana em São Paulo. São Paulo: Perspectiva, 1981.

SANTOS, Paulo. O Barroco e o Jesuítico na Arquitetura Brasileira. Rio de Janeiro: Livraria Kosmos, 1951a.

_____. Subsídios para o Estudo da Arquitetura Religiosa em Ouro Preto. Rio de Janeiro: Livraria Kosmos, 1951b.

_____. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: Instituto de Arquitetos do Brasil, 1981.

_____. A Formação de Cidades no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001.

STELLING, Webber. Indústria Têxtil na Bahia: o apogeu no século XIX e as tendências atuais. Cadernos de Análise Regional, número especial, ago./2003, pp. 73-88. Disponível em www.unifacs.br/cedre/cadernos/cadernospdf/CARNEspecial.pdf.

TEIXEIRA, Cid. Salvador: História Visual. Salvador: Correio da Bahia, 2001. 10 v.


[1] Arquiteto e urbanista, Mestre e Doutorando em Arquitetura e Urbanismo. Técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do curso de História com Concentração em Patrimônio Cultural da Universidade Católica do Salvador (UCSal).

[2] Tendo em vista as diversas denominações que o órgão federal responsável pela identificação, documentação, preservação e divulgação do patrimônio cultural brasileiro teve desde a sua criação, em 1937, como Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), optamos por utilizar a sigla atual IPHAN, independentemente do período abordado.

[3] Corresponde aos imóveis localizados na Rua das Palmeiras nº 32, Rua das Palmeiras nº 55 (atual Museu do Índio) e Rua Sorocaba nº 200 (Museu Villa-Lobos).

[4] José Joaquim Seabra (1855-1942) era bacharel e Doutor em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito do Recife, da qual posteriormente foi professor catedrático e diretor geral. Exerceu diversos cargos políticos a partir de 1891, quando foi eleito deputado constituinte. Ligado a Rodrigues Alves, no seu governo foi Ministro Interino das Relações Exteriores (1902) e Ministro do Interior e da Justiça (1902-1906); no governo de Hermes da Fonseca, foi Ministro da Viação e Obras Públicas (1910-1912). Governou a Bahia por dois mandatos (1912-1916 e 1920-1924). No quadriênio 1916-1920 foi Senador da República, enquanto o Governo Estadual da Bahia era ocupado por Antônio Muniz de de Aragão.

[5] Paulo Ormindo de Azevedo (2006) atribui a introdução da arquitetura eclética na Bahia a José Nivaldo Allioni, que estudou arquitetura na Escola de Gand (Bélgica) e foi autor de alguns projetos importantes na década de 1870, como a reforma da casa de Jonathas Abott, na Rua do Tijolo (1877), que passou abrigar a Escola de Belas Artes, e a escola construída na Praça da Piedade em 1878 que, após a proclamação da República, passou a abrigar o Senado da Província. Outros projetos ecléticos anteriores ao 1º governo de Seabra são a reforma empreendida no Paço Municipal (antiga Casa de Câmara e Cadeia) pelo engenheiro Francisco de Azevedo Caminhoá em 1887 e a reconstrução e ampliação da Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus, realizada entre 1905 e 1909, segundo projeto do arquiteto Victor Dubugras, executado pelo engenheiro Theodoro Sampaio. Curiosamente, a realização desta última intervenção também se deve, em grande parte, a J.J. Seabra que, na condição de Ministro do Interior, liberou em 1905 os primeiros recursos para a reconstrução da Faculdade.

[6] Os diversos autores que analisam a produção arquitetônica eclética baiana chamam a atenção para a dificuldade de identificar, na maioria dos casos, se os projetistas italianos deste período possuíam algum tipo de formação de nível superior.

[7] Curiosamente, de toda a bibliografia pesquisada sobre a arquitetura eclética na Bahia, somente Suely Puppi, em sua dissertação de mestrado (PUPPI, 1998), faz menção a esta publicação ou a inclui nas suas referências bibliográficas. Tivemos acesso a uma fotocópia integral desta publicação através do restaurador José Dirson Argolo, professor da Escola de Belas Artes da UFBA. Todas as traduções do italiano foram realizadas pelo autor deste artigo.

[8] Francisco Bolonha foi Secretário de Obras do Estado do Pará e o engenheiro responsável pela maior parte das obras públicas realizadas em Belém no Governo de Augusto Montenegro (1901-1909), tendo como intendente da capital paraense Antônio Lemos. Dentre suas obras mais significativas, destacam-se o Edifício da Folha do Norte (atual Jornal Liberal), o Palacete Bolonha (inaugurado em 1915) e a Residência do Major Carlos Brício da Costa (inaugurado antes de 1907). (DERENJI, 1987, p. 156).