Imagens e Crônicas da Arquitetura nas Revistas Ilustradas [1]

Claudia Thurler Ricci

RICCI, Claudia Thurler. Imagens e crônicas da arquitetura nas revistas ilustradas. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 1, jan. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte decorativa/ad_arq_revistas.htm>.

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Em inícios do século XX, a cidade do Rio de Janeiro passou por inúmeras transformações que previam a reestruturação de seu espaço urbano e a reformulação de sua arquitetura. São as reformas idealizadas pelo Prefeito Pereiras Passos, que se inseriam em um amplo projeto de civilização e modernização da sociedade brasileira e colocavam como questão principal a necessidade de uma nova espacialidade, urbana e arquitetônica, que reorganizasse a cidade não só fisicamente mas também simbolicamente.

Deseja-se apontar como, a partir da divulgação e consequentemente da discussão das reformas empreendidas por Pereira Passos, as revistas ilustradas passam a desempenhar uma importante função na construção de uma determinada imagem de cidade. As inúmeras reportagens, fotográficas ou escritas, as crônicas sobre a cidade e os artigos sobre novos edifícios que vão sendo construídos ou reformados, acabam por instaurar uma espécie de diálogo com a sociedade. O objetivo não era somente o de informar os leitores, mas principalmente educar a população no “gosto pelas artes” e assim, dar continuidade à reforma urbana de Pereira Passos ao torná-la não só uma intervenção física mas também civilizadora ao operar as mudanças no gosto e hábitos estéticos da população, conforme previa o Plano de Melhoramentos do Prefeito.[2]

Se em princípios do século XX iniciou-se nas páginas destas revistas, de forma acirrada, uma discussão sobre as reformas e as novas edificações que iam sendo construídas na cidade, podemos afirmar que nas décadas seguintes, publicações como Kosmos, A Renascença, Fon-Fon! O Malho e Selecta acabam por se tornar as responsáveis pela divulgação e construção de uma cultura arquitetônica no Brasil.[3]

Analisando a função “didática” desempenhada pelas revistas percebe-se a presença de uma equação simples na qual, a qualidade de exemplaridade a que seriam elevadas certas construções trataria de difundir, ou mais especificamente, iniciar a população no cultivo do “bom gosto”. Os concursos, de maneira mais direta, seguiam esta orientação. Amplamente manipulados pelo governo e com grande divulgação na imprensa visavam, ao veicular estes novos tipos de construção ao padrão de civilização e modernidade alcançados por países “cultos”, seduzir o cidadão, convencendo-o a mudar seus hábitos, principalmente os estéticos. Como primeiro passo para esta “sedução” cabe citar, sem grande esforço, o Concurso para projetos de fachadas da Avenida Central realizado em 1904, que tinha como principal pressuposto a lógica de que era necessário educar a população nas “belas artes”, fazendo-a perceber, na contraposição com as antigas formas construídas até então, as vantagens a serem obtidas com a adoção de tais modelos, que neste caso vinham associados certamente a adjetivos como “moderno”, “civilizado” e “higiênico” entre outros. Este caráter didático foi claramente explicitado na divulgação do concurso, cujas normas deixavam claro que tais obras não seriam construídas, afirmando como sendo seu principal objetivo a de que tais projetos “servissem de guia ou de modelo às que deveriam ser feitas pelos proprietários e compradores de terrenos daquela nova via pública [a Avenida Central]”.[4] Em matéria intitulada “O Concurso Arquitetônico”, o Jornal do Brasil ao comentar a exposição dos projetos das fachadas nos aponta para a vitória, mesmo que ainda parcial, alcançada pelo Governo em sua campanha pela renovação arquitetônica da cidade:

O sucesso da exposição foi muito além do que esperavam os organizadores do concurso [...] Já os capitalistas e o público em geral começam a convencer-se de que os edifícios da avenida devem ter estética e devem dar testemunho público do nosso adiantamento artístico e intelectual.[5]

Aprendendo com o sucesso alcançado pela exposição do Concurso para projetos de fachadas, diversos outros concursos e prêmios se seguiram a este, sempre apoiados na lógica de patrocinar e incentivar a população a melhorar o aspecto das edificações por elas construídas ou mesmo reformadas. É o caso do prêmio concedido pela prefeitura ao edifício de propriedade do Sr. Coronel Benedito Bueno, construído na recém alargada Rua do Sacramento, que segundo matéria publicada na revista O Malho, foi alvo de grandes elogios, sendo portanto recomendada,

[...] pela correção de suas linhas, formando um conjunto simples e agradável e por suas proporções arquitetônicas. É uma das construções que mais se adaptam à solução do problema da higiene no Brasil. Seus longos janelões e as suas largas portas principais, de 2,40m cada uma, produzem agradável bem estar pela abundância de luz e ar, ao que obedecem todos os espaçosos cômodos de elevada altura com finas pinturas.[6]

Contudo, a participação do governo na reorganização da paisagem carioca não ficou restrita à promoção de concursos, mas também tomou para si a responsabilidade de construir ou reformar antigos prédios com o objetivo de adequá-los à nova imagem da capital republicana. Tais edifícios públicos deveriam servir como modelo na medida em que iam sendo vinculados na imprensa e vangloriados como exemplo de comodidade, modernidade e apuro estético.

Assim, também constam das páginas destes periódicos os projetos de reformas, tão comuns neste período,[7] que propõem a reordenação dos ambientes e das fachadas das edificações, reestruturando-as simbólica e espacialmente segundo os preceitos ecléticos. Como exemplo citamos o artigo sobre a reconstrução do Quartel General, publicado na revista Kosmos, que instrui o leitor sobre a presença de determinados elementos arquitetônicos, como as “platibandas denticuladas à feição de seteiras”, que resulta do desejo de imprimir ao prédio uma feição de fortificação, sendo o projeto

[...] calcado inteiramente sobre o primitivo plano, apenas embelezando o conjunto com outras proporções, procurando dar uma certa imponência, a par de comodidades, à sede da alta administração militar. [...] A primitiva monotonia de um parâmetro longo, corrido, completamente desordenado, cheio de vãos sem arte e desgracioso, será quebrado pela intercalação de dois torreões no centro.[8]

Ao apresentar o projeto a revista esclarece o porquê da adoção do estilo e informa sobre os princípios que guiaram a reforma, justificando tais intervenções e tornando o leitor apto a participar da discussão sobre as edificações que vão sendo construídas. Ou seja, faz com que o leitor seja cooptado na defesa da reestruturação da cidade e consequentemente compartilhe deste processo, ao perceber como tais intervenções reestruturam a paisagem da cidade e a tornam mais moderna e civilizada, em contraposição as antigas edificações coloniais, duramente criticadas neste período.[9]

Tal abordagem também está presente na construção de novas instalações, como no caso do projeto de Heitor de Mello para o Quartel do Batalhão Naval. O artigo, ilustrado com “uma bela fotografia da interessante construção de estilo militar, que dominando os altos da ilha recorta o céu com sua silhueta endentada” [Figura 1], nos informa sobre a correção de suas linhas arquitetônicas e estilo escolhido pelo autor, “tudor-renascimento inglês”, o mais apropriado para construções militares. A qualidade da obra resulta da propriedade do arquiteto em seguir os preceitos de uma boa disposição espacial e apuro no estilo escolhido, apontando para o fato de que “pode-se considerar a caserna naval modelo no gênero”.[10]

Desta forma, as revistas ilustradas vão compondo uma imagem de modernidade e civilização ao descrever as novas construções que vão povoando a cidade, instruindo e consequentemente seduzindo a população para o aspecto simbólico que as mesmas buscavam representar. Exemplo ímpar deste tipo de abordagem foram as reportagens sobre o Pavilhão do Brasil na Exposição de St. Louis, posteriormente reconstruído no Rio de Janeiro, recebendo a denominação de Palácio Monroe [Figura 2]. Ao apresentar este projeto o cronista nos leva a crer que a arquitetura eclética cumpre de forma modelar sua função de traduzir os ideais republicanos de modernidade e civilização, principalmente porque através das formas do edifício poderia representar o progresso alcançado pela nação brasileira.[11]

Este discurso é claramente expresso quando se trata de justificar o estilo e os elementos ornamentais escolhidos pelo autor do projeto, Coronel Engenheiro Francisco de Souza Aguiar, para a construção do Pavilhão. Em uma entrevista, o engenheiro busca frisar o caráter de construção simbólica da qual se vale esta obra arquitetônica, que deveria “representar o Brasil frente às nações civilizadas”, cabendo-lhe portanto expor “nossa prosperidade e desenvolvimento, nosso justo orgulho”.[12] No edifício, que “no conjunto arquitetônico lembra o renascimento francês”, as armas do Brasil representam papel importante na ornamentação, e por toda parte encontra-se o emblema da República, além de escudos nos quais se lê os nomes dos estados do Brasil e da Capital Federal. Segundo crônica do período, “Parece ser ideia do Coronel, ao inscrever aqueles nomes, torná-los conhecidos dos milhares de pessoas que visitem o edifício, além de decorativo, instrutivo.[13] Portanto cabe refletir sobre esta função simbólica que era atribuído à arquitetura neste momento, em seu sentido político e estético de caráter didático.

Entretanto tamanha era a referência aos mais variados estilos que eram utilizados nas novas edificações que foi também necessário que as revistas cumprissem a função de instruir o leitor sobre a história da arquitetura, fosse ela ocidental ou oriental, tornando claro desta forma uma certa confusão que deveria povoar a mente dos leitores. Surgem então colunas que se detém na explicação dos diversos estilos históricos, dissertando sobre seu surgimento e suas principais características ornamentais, entremeados por exemplos ou citações acerca da utilização das linguagens plásticas do passado na construção de um novo estilo arquitetônico. A série publicada por A. de Lima Campos na revista Kosmos, denominada “Estilos em Arquitetura”, é um claro exemplo da tentativa de instruir o leitor sobre os estilos do passado e também de colocá-lo a par dos novos usos das linguagens plásticas nas construções atuais, evitando assim equívocos na sua utilização. Após uma longa explicação sobre o surgimento do “Estilo Grego” Lima Campos inicia uma “aula” na qual é dado ao leitor ensinamentos e conselhos básicos para lidar com os elementos arquitetônicos e inclusive saber onde melhor aplicá-los:

Modernamente os arquitetos admitem apenas três ordens de colunas: a dórica, a jônica e a coríntia. A toscana está caindo em desuso e a compósita raramente se emprega.

A característica da ordem dórica é a simplicidade aliada à força e à solidez [...]

A ordem Jônica, consubstanciando os ensinamentos de alegria e as manifestações egoístas da vaidade feminina, acompanha quase sempre as cariátides no conjunto harmônico das ornamentações, sua característica é o prazer. A aplicação desta ordem predomina principalmente nos edifícios destinados a teatros, cassinos, clubes e casas de banhos e em dependências de habitações luxuosas.

A ordem coríntia resume o sublime nas ornamentações externas e internas, sua característica é a elegância aliada à riqueza. O critério e o escrúpulo deverão predominar na escolha e emprego dessa ordem, unicamente destinada às construções grandiosas de apurado gosto, e que satisfaçam por completo a todas as condições técnicas exigidas em construções arquitetônicas. Convém por isso empregá-la o menos possível, dispensando-a sempre que a delicadeza do trabalho e o apuro das construções não consigam sobrepujar o luxo pretensioso de edificações pedantescas e ridículas.[14]

Assim, para além da vulgarização, da difusão de um conhecimento sobre a história da arquitetura, as revistas ilustradas se tornam um local de discussão das novas proposições estéticas. O interessante na matéria de Lima Campos é exatamente o fato de que o autor trabalha a questão histórica e o uso “moderno” das ordens arquitetônicas - quando e como usar - apontando para exemplos da boa utilização do estilo grego. Em Paris o melhor exemplo de “utilização moderna” seria o Louvre, e no Rio de Janeiro as “representações condignas” seriam as fachadas da Academia de Belas Artes, do Museu Nacional e da Igreja do Carmo. Mas este estilo, segundo o autor, está também presente nas construções industriais, e justifica sua adoção ao estabelecer uma relação entre as linhas retas do estilo grego, sua simplicidade e a classe trabalhadora.

Se o exemplo de Lima Campos nos fornece uma abordagem mais erudita, e certamente mais utilitária e direta ao apontar inclusive a necessidade de adaptação que os elementos arquitetônicos deveriam ser alvo, com o objetivo de serem utilizados modernamente, o que vemos na verdade é uma profusão de pequenos comentários, por vezes pequenas notas, que tem o intuito de divulgar conhecimentos gerais sobre a arquitetura, afastando a população da ignorância acerca das principais características dos mais variados estilos que eram citados, mencionados e, é claro, utilizados nas novas construções da cidade. Cabe às revistas ilustradas esclarecem, por exemplo, o que seria o “Estilo Manuelino”, como foi feito na coluna “Block-Notes Mundial” da revista Fon-Fon!, que, em meio aos mais variados assuntos mundanos a que se dedicava esta coluna, nos ensina:

O estilo manuelino é assim chamado por ter aparecido no tempo de D. Manuel (1495-1521), é uma adaptação do estilo gótico, na sua última maneira, com certas particularidades ornamentais, nascidas das descobertas marítimas dos séculos XV e XVI, estilizações de cordoarias de naus, a esfera armilar, a cruz da ordem de Cristo desenhada sobre as caravelas dos navegantes do tempo e ainda alguns motivos de decoração inspirados pela flora e pela fauna indianas.[15]

Os exemplos seriam inúmeros, cobrindo toda a história da arquitetura, desde a egípcia até a renascentista, passando pelo gótico, barroco e o rococó.[16] Mas foram certamente tais reportagens que possibilitaram a discussão sobre a boa ou má utilização de determinados estilos, a exemplo da coluna “Norte-Americanas” de João do Norte. O cronista, ao comentar os diferentes aspectos das cidades americanas, apreendidos sua recente viagem aos Estados Unidos, aproveita para reclamar da má utilização do estilo gótico na construção do edifício americano Woolworth Building que, com seus cinquenta e dois andares, havia sido construído em estilo gótico, o que para ele era “uma perversão de gosto porque o gótico foi feito para exprimir o sentimento geral e profundo duma época religiosa, não para enfeitar os arranha-céus dum tempo comercial e materialista”.[17]  E continua o autor em sua crítica, ao reclamar sobre a “mania destas cópias”, afirmando que em Boston existem nas ruas principais sobrados de vários andares em estilo manuelino, “A arquitetura dos navegadores, das conquistas, das aventuras, dos descobrimentos, cheia de cordames, de âncoras, e de esferas armilares, [...] no meio do fundo das fábricas e do poeirado asfalto. Um verdadeiro crime!”.[18]

Por vezes, as colunas se detém não na inadequação entre forma plástica e função a que se destina o edifício mas, sobre a utilização incorreta do estilo escolhido pelo projetista. É o caso do comentário sobre a construção da catedral de São Paulo, que embora se valesse das formas góticas, que conforme a lógica do período era a mais apropriada para edificações religiosas, deixava muito a desejar por não possuir, segundo o cronista, nenhuma das características fundamentais deste estilo. Inúmeros são os “pecados” cometidos pelo autor do projeto e apontados na coluna:

Rodeei-a várias vezes, completamente tonto. Onde a forma de cruz, plano simbólico sobre que repousa toda Igreja ogival? Onde as proporções? [...] Onde a finesse das esculturas e dos pormenores de ornamentação? [...] Que horror! Nem proporções, nem forma, nem nada do estilo. Paredões de granito liso e triste. Nada de arcobotantes. Ausência dos mais indispensáveis caracteres estilísticos do gótico. Um pastiche de marca alemã, pesado, horrendo e contrário a todas as regras da arte. [...] Estilo grótico! Lá isso pode ser. É glória que ninguém lhe tira.[19]

Entretanto, se estas discussões sobre estilo forneciam um conhecimento mais “erudito”, foram também publicados outros tipos de reportagens de caráter mais pragmático, que buscavam instruir o leitor acerca da melhor forma de construir sua casa, contribuindo assim para a melhoria do aspecto das edificações da cidade. Sempre seguindo a lógica do estabelecimento dos modelos, foram identificadas duas formas pelas quais tais publicações se valiam para ministrar “doses de bom gosto” aos seus leitores. A primeira era a publicação de residências tidas como exemplares, colocando-se em relevo a moderna utilização dos estilos - ressaltando sempre a importância da escolha de um estilo apropriado para cada tipo de construção -, a qualidade da espacialidade decorrente da racional distribuição dos ambientes, as modernas instalações e, consequentemente, o conforto por elas proporcionado. É o caso da coluna “As Nossas Vivendas” que passa a ser publicada na Fon-Fon! a partir de 1912, [20] com a apresentação da Residência do Sr. Comendador Augusto Monteiro Gallo, no Silvestre, com fotos do seu interior e exterior. Ou mesmo a coluna “Vivendas Pitorescas”, publicada pela Revista Selecta, que trataria de apresentar os “tipos mais modernos de casas, ‘bungalows’, vivendas de campo, fachadas artísticas e uma infinidade de pequenos detalhes de interiores artísticos e cômodos”, tudo isto é claro, como faz questão de frisar a publicação, “dirigido por um técnico”.[21]

A segunda forma refere-se à interessante publicação da coluna “Arte e comodidade no lar da mulher elegante”, que abarca os mais diferentes assuntos, desde riscos e bordados, até a melhor disposição do mobiliário no interior de uma sala ou biblioteca, apontando sugestões de estilos de móveis ou até mesmo modelos para a sua confecção por marceneiros. Mas, como o título mesmo da coluna nos informa, visando fornecer elementos para que o lar da mulher elegante seja contemplado pela “arte e comodidade”, a coluna dedica-se também a fornecer exemplos de residências e de pequenas reformas, como na recomendação abaixo sobre a construção de um jardim:

Aqui damos as fotografias das 2 partes do claustro secular, e se algum dos nossos patrícios tiver a requintada ideia de reproduzir esses simples e lindos modelos góticos, basta dar ao seu arquiteto uma página do nosso jornal e ele terá um caminho para fazer o trabalho desejado. [...] Os interiores verdadeiramente artísticos são raríssimos entre nós. Vê-se mais disparatadas mistura de estilos, o maior abuso de “Art Nouveau”, e o uso de adornos por toda a parte.[22]

Desta forma, noções de bom gosto vão sendo ministradas aos leitores, seguidas de conselhos, como o tão importante, ao nosso ver, de  entregar a fotografia do modelo a ser seguido nas mãos de um profissional, o arquiteto, evitando-se cair no erro das “disparatadas misturas de estilo” e garantindo, com certeza, ambientes artísticos de qualidade. Por vezes o exemplo é de uma residência e a coluna oferece a perspectivas e plantas de uma “casa original”, no caso geminada, para aqueles que não desejam morar em apartamentos, mas querem dividir o custo da construção. A casa em questão tem dois andares, como mostra a fotografia do projeto, de autoria de Raymond Ellis, sendo sua “aparência agradável e as comodidades incontestáveis”, além do preço ser reduzido. A colunista fornece os mínimos detalhes para o bom andamento da construção, indicando como dispor a casa no terreno, obtendo assim a melhor orientação, aconselha sobre os materiais a serem usados em cada cômodo, e a forma mais correta de fazer-se os alicerces.[23]

Assim, o ecletismo vai se firmando como o estilo moderno e civilizado, contando com o auxílio dos meios de divulgação que tratam de alçá-lo a este patamar. E este fato decorre não somente das inúmeras colunas relativas à divulgação de residências e comércios exemplares, mas a uma trama que, ao ser composta por todos os fatores mostrados acima, objetiva criar um determinado padrão de “bom gosto”, que ao se associar a quesito como modernidade e civilização acaba por vingar como modelo hegemônico entre a elite carioca.

Portanto, como se afirmou acima, a modernização da cidade, sua remodelação urbana, e, em consequência, a inserção do país no rol das nações civilizadas, pressupunha uma série de medidas difusoras e propagadoras do bom gosto estético, com o claro objetivo de transformar usos e costumes da sociedade brasileira que ainda não se encontravam em compasso com a modernização do país. Se em alguns setores e instituições o progresso intelectual e o elevado grau de cultura era percebido a “olhos nus”,[24] o mesmo não se poderia afirmar sobre o aspecto da cidade, incapaz de simbolizar, os avanços do Brasil. Citando a tão significativa frase de Francisco de Souza Aguiar, fazia-se necessário “representar o Brasil frente às nações civilizadas”, e à arquitetura foi designada a função de expor “nossa prosperidade e desenvolvimento, nosso justo orgulho”.[25]


[1] O presente trabalho expõe algumas das questões que venho desenvolvendo em minha tese de doutorado sobre a arquitetura eclética no Rio de Janeiro, junto ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, PPGHIS-IFCS/UFRJ. Agradeço ao CNPq e a Capes o apoio financeiro para o desenvolvimento de minha pesquisa.

[2] Em seu plano de melhoramentos Pereira Passos afirma que a reforma era uma das maneiras de possibilitar  o “despertar do gosto arquitetônico pois, oferecendo às ruas largas e bem situadas uma renda compensadora aos prédios nela edificados, os proprietários animar-se-ão a construí-los em melhores condições”. Melhoramentos da Cidade projetados pelo prefeito do Distrito Federal Dr. Francisco Pereira Passos. Rio de Janeiro: Gazeta de Notícias, 1903.

[3] A primeira revista de arquitetura carioca foi lançada em 1921. Denominada Architetura no Brasil, foi recebida com entusiasmo, como aponta a revista Fon-Fon: “De certo tempo a esta parte, felizmente, se vem notando no nosso país um certo interesse pelas questões de arquitetura. [...] A prova evidente desse movimento sintomático de progresso,  de cultura e podemos dize-lo - de nacionalismo é a bela revista Architetura no Brasil que um grupo de jovens e futurosos arquitetos fundou no Rio de Janeiro”.  Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 48, 26 de novembro, 1921.

[4] Concurso de fachadas.  A Renascença, Rio de Janeiro, n. 2, abril, 1904. Grifo meu.

[5] O Concurso Arquitetônico. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 de março de 1904.

[6] Fachada do prédio n. 62 da Avenida Passos, premiada pela prefeitura. O Malho, Rio de Janeiro, 14 de janeiro, 1905.

[7] No que se refere às reformas de prédios públicos, tão constantes neste período citamos aqui a discussão levantada por Adolfo Morales de Los Rios, da qual trato em minha dissertação de mestrado. RICCI, Claudia. Adolfo Morales de Los Rios: uma história escrita com pedras e letras. Dissertação de Mestrado. PUC/RJ. 1996. 

[8] Kosmos, Rio de Janeiro, n.9, setembro, 1905.

[9] Infelizmente não podemos discutir aqui todas as questões implicadas no projeto civilizador e modernizador presente nas revistas ilustradas. Portanto apontamos algumas daquelas que discutimos mais detidamente em minha tese de doutorado: a maciça campanha contra a arquitetura colonial, símbolo de atraso desleixo e principalmente não higiênica, adjetivos que não ficaram restritos a arquitetura mas referiam-se também ao estado da cidade; a campanha contra o mestre de obras, e a favor de uma atuação mais afeita aos modelos técnicos e estéticos associados a um saber especializado, e consequentemente a luta pelo espaço profissional do arquiteto.

[10] Reorganização naval. Kosmos, Rio de Janeiro, n. 2, fevereiro, 1909.

[11]  CARVALHO, José Carlos de. Palácio da Educação. Kosmos, Rio de Janeiro, n. 6, junho, 1904.

[12] Idem.

[13] Idem.

[14] LIMA CAMPOS, Arthur de. Estilos em Arquitetura III - Estilo Grego. Kosmos, Rio de Janeiro, n. 11, novembro, 1904. Na primeira, matéria Lima Campos discorre sobre as primeiras construções edificadas pelo homem iniciando depois uma explanação sobre o estilo egípcio, na segunda matéria o tema é a arquitetura oriental.

[15] Block-Notes Mundial. Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 46, 13 de novembro, 1915.

[16] Na revista Fon-Fon! localizamos a publicação de outras colunas referentes à arquitetura, como exemplo citamos a de 4 dezembro de 1912, que trata especificamente do século XIV na França.

[17] Norte- Americanas. Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 2, agosto, 1919.

[18] Idem.

[19] Estilo grótico. Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n.11, dezembro, 1920. 

[20] Nossas Vivendas. Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 2, 13 de janeiro, 1912.

[21] Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 13, 26 de março, 1921. 

[22] Arte e comodidade no lar da mulher elegante. Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 8, 24 de fevereiro, 1923. Importante mais uma vez assinalar a defesa, nas revistas ilustradas, do arquiteto como único profissional capacitado a comandar o projeto arquitetônico devido as suas capacidades técnicas e artísticas. 

[23] Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 12, 22 de março 1924.

[24] Crônica. A Renascença, Rio de Janeiro, abril, 1904.

[25] Citamos aqui a frase do Coronel Francisco de Souza Aguiar, autor do Pavilhão do Brasil para a Exposição de St. Louis, ao frisar o caráter de construção simbólica da qual se valia esta obra arquitetônica. In: CARVALHO, José Carlos de. Palácio da Educação. Kosmos, Rio de Janeiro, n. 6, junho, 1904.