As rivalidades de Angelo Agostini e Henrique Fleiuss na imprensa durante a guerra contra o Paraguai

Álvaro Saluan da Cunha

Como citar: CUNHA, Álvaro Saluan da . As rivalidades de Angelo Agostini e Henrique Fleiuss na imprensa durante a guerra contra o Paraguai. 19&20, Rio de Janeiro, v. XIX, 2024. DOI: 10.52913/19e20.xix.05. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/19_20/artigo/as-rivalidades-de-angelo-agostini-e-henrique-fleiuss/

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Introdução

1. O desenvolvimento da pesquisa que deu origem a esse artigo teve início em 2016, com a análise da gravura Rendição de Uruguaiana, baseada em esboço de Pedro Américo. Durante essa investigação, descobriu-se que a imagem fazia parte da coleção Quadros Históricos da Guerra do Paraguai, motivando um estudo mais amplo sobre a relação entre litografias e obras contemporâneas.

2. Assim, a pesquisa evoluiu para um projeto de mestrado concluído em 2019,[1] que acabou por estudar toda a coleção de gravuras e as pessoas envolvidas em seu processo de produção, indo de desenhistas até escritores, compreendendo como se deu a circulação do material no período pós-guerra contra o Paraguai.

3. No entanto, durante as pesquisas feitas, percebeu-se a ausência de uma análise sistematizada das produções de Angelo Agostini e Henrique Fleiuss no contexto da imprensa e da iconografia da guerra, compreendendo o período entre 1864 a 1870. Assim, foi possível entender as lacunas nos estudos sobre a iconografia do conflito, levando a uma investigação mais profunda sobre as rivalidades entre os dois artistas e a importância de suas obras no contexto cultural e político do Brasil no século XIX, culminando na tese As batalhas através dos periódicos: a guerra contra o Paraguai e as trajetórias de Henrique Fleiuss e Angelo Agostini na imprensa entre 1864-1870,[2] concluída em 2023, sob a orientação da professora doutora Maraliz de Castro Vieira Christo. Sendo assim, o material que será aqui apresentado é fruto de parte desta pesquisa, que está integralmente disponível no Repositório de Teses da Universidade Federal de Juiz de Fora, e pode ser acessado gratuitamente.

A imprensa durante a guerra contra o Paraguai

4. A guerra contra o Paraguai ocorreu em um momento de intensificação do discurso de modernidade no Brasil, no qual a imprensa e o desenvolvimento das técnicas de imagem desempenharam papéis cruciais. O conflito foi utilizado para reforçar a ideia de uma luta entre civilização e barbárie, unindo, inicialmente, a população em torno da monarquia e de D. Pedro II. No entanto, o prolongamento da guerra, com suas mortes e dívidas, marcou o declínio do regime monárquico, fortalecendo as forças armadas, que desempenhariam papel decisivo na deposição da monarquia em 1889.

5. Esse contexto é evidenciado pela imprensa, que moldou diferentes narrativas sobre o conflito, seja exaltando o nacionalismo, seja denunciando as atrocidades e os alistamentos forçados. Através de imagens e discursos visuais, a imprensa construiu múltiplos Brasis, refletindo as diversas interpretações e sentimentos da população sobre a guerra.

6. Contudo, este artigo analisará um outro conflito ocorrido durante este período nas páginas dos periódicos: as acusações e rusgas entre Angelo Agostini e Henrique Fleiuss, respectivamente editores d’A Vida Fluminense e da Semana Illustrada. Através de todo o conflito, Agostini buscava formas de atacar seu rival mercadológico e político. A hipótese por nós levantada é que as acusações feitas pelo desenhista e editor ítalo-brasileiro, visavam, além de interesses comerciais, à criação de polêmicas, buscando assim fomentar as vendas de seu jornal.

7. Antes de prosseguirmos, contextualizaremos rapidamente a trajetória de ambos os personagens, possibilitando assim uma maior compreensão de suas carreiras, posicionamentos políticos e posturas adotadas na imprensa ilustrada.

8. Angelo Agostini foi um dos principais nomes da imprensa ilustrada no Brasil do século XIX. Nascido na Itália em 1843, mudou-se para o Brasil em 1859, onde se destacou como desenhista, jornalista e militante político. Agostini iniciou sua carreira na imprensa paulista com os periódicos Diabo Coxo e O Cabrião, onde satirizou questões políticas, como a escravidão e o conflito contra o Paraguai, com forte crítica ao recrutamento forçado.

9. Mudando-se para o Rio de Janeiro em 1867, Agostini consolidou sua trajetória na imprensa com os periódicos O Arlequim e A Vida Fluminense. Na capital imperial, ele intensificou suas críticas ao regime monárquico e se envolveu em uma polêmica rivalidade com Henrique Fleiuss, editor da Semana Illustrada. Sua produção, marcada por sátiras e forte engajamento político, desempenhou um papel importante na construção do imaginário popular sobre o conflito, a escravidão e a monarquia.

10. Já Henrique Fleiuss nasceu em 1823, em Colônia, atual Alemanha. Ele foi um pintor, desenhista e caricaturista que se destacou no Brasil, onde se estabeleceu em 1858. Após estudar arte em Düsseldorf e Ciências Naturais em Munique, Fleiuss foi incentivado por Carl Friedrich Philipp Von Martius a imigrar para o Brasil, onde percorreu várias províncias do Nordeste e registrou paisagens e costumes locais em aquarelas.

11. No Rio de Janeiro, em 1859, fundou uma oficina tipo-litográfica junto com seu irmão Carlos Fleiuss e Carlos Linde. A oficina, que se tornou o Instituto Artístico Imperial em 1863, contribuiu significativamente para o desenvolvimento das artes gráficas no Brasil. Fleiuss é reconhecido como um dos pioneiros da imprensa ilustrada no país, sendo o criador da Semana Illustrada, criada em 1860 e que circulou até 1875, sendo considerada um marco na história da imprensa humorística e caricatural brasileira.

12. Assim, é possível perceber que Agostini e Fleiuss destacaram-se por suas ilustrações e coberturas visuais da guerra contra o Paraguai, contribuindo significativamente para a cultura visual da época.

Os periódicos: cenários de conflitos pessoais

13. Angelo Agostini gostava de criar conflitos em seus periódicos, algo que pode ser percebido em sua produção no Diabo Coxo e n’O Cabrião, em São Paulo. É mesmo possível que, por esse motivo, o ítalo-brasileiro tenha tido que deixar a cidade paulista, rumando para Rio de Janeiro, onde teve grande destaque n’A Vida Fluminense, folha joco-séria-ilustrada criada por seu padrasto, Antônio Pedro Marques de Almeida, e Augusto de Castro.

14. A Semana Illustrada, de Henrique Fleiuss, constantemente figurava, através da imagem do caricato Dr. Semana, nas páginas da Vida Fluminense. Em diversas ocasiões, Agostini e companhia acusavam Fleiuss e sua equipe de estarem plagiando gravuras advindas de revistas europeias, praticamente inacessíveis ao grande público no Brasil. Porém, este não é o único tipo de denúncia contra a folha de Fleiuss: Agostini buscava também criticar os traços do artista, levando o debate rumo a uma questão mais estética, além de acusar Fleuiss de receber subsídios por parte da Coroa para sua publicação, algo relativamente normal para os periódicos na época. Junto disso, o italiano radicado no Brasil explicitava que a Semana Illustrada também fazia apologia à monarquia brasileira.[3]

15. Esta última afirmativa de Agostini e sua equipe pode ser realmente levada em conta. Afinal, Henrique Fleiuss e seus sócios tinham uma proximidade com a monarquia e suas lideranças, evitando assim a crítica mais direta aos problemas que tocavam a política Imperial brasileira. A Semana Illustrada de fato fazia alguns comentários e sátiras aos políticos locais através de gravuras e textos que ironizavam uma série de problemas de uma capital cada vez mais conturbada. Mas, quanto ao Império, praticamente nada era observado, o que corrobora a ideia de proximidade dos editores com a monarquia.

16. Além disso, ao mesmo tempo em que Agostini e a Vida Fluminense faziam questão de acusar Fleiuss e seus companheiros da Semana Illustrada de receber benefícios por parte da Coroa, através de nossa pesquisa de mestrado[4] descobrimos que a sociedade Almeida, Castro & Angelo, formada por Agostini, Antônio Pedro Marques de Almeida e Augusto de Castro recebeu uma série de encomendas da coleção Quadros históricos da guerra do Paraguay. A partir destas informações, presentes nos Balanços da Receita e Despeza do Imperio entre 1872 a 1881,[5] foi possível atestar o recebimento de 15:500$000 de réis – o que denota, assim, uma certa hipocrisia de Agostini.

Cordialidades entre os personagens

17. Antes dessa rivalidade, porém, a relação entre Agostini e Fleiuss era diferente. No dia 28 de outubro de 1866, a Semana Illustrada emitia em suas páginas uma mensagem de boas-vindas ao novo colega de imprensa, o Sr. Cabrião, personagem do periódico de que Agostini fazia parte na província de São Paulo. Na ocasião, o Dr. Semana saudou o novo colega de ofício “com 21 tiros” e “um aperto de mão,” honrando o novo jornal caricato no mercado editorial. Além disso, elogiou o empreendimento de Agostini, afirmando que ele é “jovem, cheio de vida, alegre como uma noiva.” Por fim, desejou que os esforços da nova folha não sucumbissem às perseguições, devendo manter a coragem e “respeitando sempre – a tua consciência:”

18. Antes de entrar na comunicação das novidades da semana, devo cumprir uma obrigação, que já devia ter sido cumprida há 8 dias.

19. É a saudação do novo colega o Sr. Cabrião, que, no mês passado, nasceu na capital da província de S. Paulo, e que, pelas suas qualidades, merece ser anunciado à corte do Império com 21 tiros.

20. Jovem, cheio de vida, alegre como uma noiva, severo como um juiz municipal, justo mais do que o Sr. Justo de S. P… o, espirituoso e satírico como se tivesse sido batizado com sal ático, receba o Sr. Cabrião um aperto de mão de um amigo velho e colega o Dr. Semana, que se consola de ter achado um colega na imprensa, que de braço dado vai descobrir as fraquezas humanas e rir-se de tudo e de todos os que dão motivo para isso.

21. E como o Cabrião vai desenvolver-se, tomando posse da humanidade e pé firme na terra de Santa Cruz, achará igualmente o apoio do Dr. Semana, representante da nação inteira e advogado especial de quem quer que seja.

22. Menino, toma na tua testa este beijo e lembra-te de que, rodeado do bem e do mal, e atacado talvez fortemente, não deves perder a coragem; e apesar de todos os obstáculos, que podes encontrar no teu caminho, há de viver longamente, respeitando sempre – a tua consciência.[6]

23. Como forma de retribuir os elogios e as boas-vindas de Fleiuss, no dia 11 de novembro de 1866, O Cabrião estampou em sua capa [ Figura 1 ] seu personagem homônimo executando justamente o aperto de mãos citado no trecho acima, colocando também o Pipelet e o Moleque, respectivos escudeiros dos narradores.

24. Além da gravura veiculada em sua capa, o periódico de Agostini em São Paulo emitiu uma nota elogiando os redatores “simpáticos, espirituosos e independentes” da Semana Illustrada, alegando que a imprensa da época “diz o que não deve, e cala o que deve dizer,” criticando indiretamente outros periódicos da Corte. Além disso, agradeceu a saudação veiculada no dia 28 de outubro de 1866 no periódico de Fleiuss e a republicou integralmente em suas páginas, dizendo que os assinantes que não possuem a Semana Illustrada cometem um “crime de leso bom gosto:”

25. SEMANA ILLUSTRADA – O Sr. Dr. Semana, o tipo dos redatores simpáticos, espirituosos e independentes, nesta época em que a imprensa, diz o que não deve, e cala o que deve dizer, saudou o nascimento do Cabrião com frases tão eloquentes, que merecem uma honrosa menção das páginas deste jornal.

26. O aperto de mão dado pelo distinto Sr. Dr. Semana ao Cabrião, é um grito de avante! partido das risonhas plagas do Guanabara, é o juramento solene de uma dúplice aliança, que deve reinar sempre entre dois soldados que militam sob o mesmo estandarte, entre dois crayons que retratam os grandes homens, e caricaturam os homens pequenos.

27. O Cabrião orgulha-se em ter merecido a saudação do Sr. Dr. Semana e não recuará ante sacrifício algum, a fim de viver longamente, respeitando sempre a sua consciência.

28. A aqueles dos nossos assinantes, que não possuem a Semana Illustrada, (crime de leso bom gosto), oferecemos o artigo à que aludimos [trata-se do texto citado acima da Semana Illustrada, 28 de outubro de 1866, n. 307].[7]

29. Em 23 de junho de 1867, O Cabrião cita novamente o Dr. Semana e o Moleque em uma gravura [ Figura 2 ], mostrando os anseios do personagem homônimo desenhado por Agostini. Na imagem, compreendemos através da legenda que o Cabrião se empenha em sua “candidatura pela imprensa,” alegando que fará o possível para seguir. Ao mesmo tempo, observamos por trás de uma porta aberta, a dupla de personagens da Semana Illustrada analisando o protagonista da folha de Agostini. O Dr. Semana ainda diz que, caso ele os amole como pretende, o tomará por sua conta.

30. Esta imagem pode gerar uma série de intepretações, mas observando o cenário cordial ainda existente entre Agostini e Fleiuss, é possível entender a brincadeira ao mostrar que o Cabrião está disposto a chegar ao patamar do Dr. Semana na imprensa – sendo que este personagem já existia desde 1861.

31. As cordialidades entre Fleiuss e Agostini cessaram por aí, dando espaço para críticas e polêmicas na imprensa quando o desenhista e editor italiano chegou ao Rio de Janeiro. Antes de prosseguirmos, porém, vale perceber que o formato ilustrado e satírico d’O Cabrião em muito se assemelha ao observado na Semana Illustrada, que na altura era um dos principais periódicos ilustrados e satíricos do Brasil, servindo talvez como inspiração aos primeiros projetos de Agostini.

32. Todavia, ambos os personagens e suas equipes mantinham as similaridades apenas no gênero de imprensa que faziam, tendo cada um deles seus respectivos posicionamentos políticos e formas distintas de abordar os temas do momento. E é claro, vale frisar, eles escreviam em localidades e realidades distintas.[8]

As batalhas no papel

33. Com ambos os artistas atuando na Corte, iniciou-se uma acirrada disputa, marcada por ataques diretos de Angelo Agostini a Henrique Fleiuss. Na Vida Fluminense, personagens como o Dr. Semana e o Moleque, criados por Fleiuss, foram frequentemente alvo de ironias e caricaturas. Essa postura contrastava com a de Agostini em São Paulo e refletia a intensa competição pela sobrevivência no mercado editorial do Rio de Janeiro. Ambos os periódicos, semelhantes em estilo satírico, utilizavam uma variedade de estratégias, como inovações editoriais, fontes exclusivas e polêmicas, para conquistar mais leitores e aumentar suas vendas.

34. Embora Fleiuss evitasse responder diretamente às críticas de Agostini, ele também tinha desentendimentos com outros periódicos da capital, que, em algumas ocasiões, foram alvos ou destaques em suas próprias caricaturas, conforme o contexto. Dessa forma, a rivalidade entre Agostini e Fleiuss simbolizava não apenas uma batalha artística e ideológica, mas também uma luta pela consolidação de seus jornais no competitivo mercado carioca.

35. Em 12 de maio de 1867, a Semana Illustrada publica uma gravura [ Figura 3 ] criticando a falta de justiça na divulgação de informações oficiais – vindas dos órgãos do Império – reclamando que alguns periódicos como o Jornal do Commercio e o Diario do Rio de Janeiro tinham acesso privilegiado às informações. E, embora Fleiuss fosse contido em suas críticas, ele ainda as fazia, mesmo que raramente.

36. Em outro caso, Agostini toma posicionamento em um conflito entre o Correio Mercantil e o Jornal do Commercio, acusando o primeiro de ser caluniador.[9] O trecho completo no Mercantil ainda havia alegado que o governo tinha se utilizado da caricatura para combater os seus adversários. Segundo Fleiuss, este tipo de acusação seria uma afronta aos jornais ilustrados. Ao mesmo tempo, ele reafirma que a Semana Illustrada e o Dr. Semana não são “testas de ferro” do governo, algo que se prova inconsistente, como já citado anteriormente.

37. Já Agostini tecia críticas a outros periódicos e adotava uma postura um pouco diferente de quando estava em São Paulo. Na primeira delas, no número 2 d’O Cabrião, ele apresentava uma gravura criticando as posturas do Diário de São Paulo, retratado açoitando de maneira igual o Brasil, visto como um indígena, e Solano López, estando ambos amarrados em um tronco [ Figura 4 ]. A legenda alegava que “a verdadeira imparcialidade não tem limite,” dando a entender que o Diário criticava a tudo e todos, sem preocupações. Ironicamente, tal postura crítica seria tomada posteriormente na própria produção de Agostini, ao criticar os alistamentos compulsórios e outras questões brasileiras durante o período da guerra contra o Paraguai.

38. No mesmo número d’O Cabrião, foi possível ver o personagem cumprimentando o Correio Paulistano[10] diante da sede do Diário, um de seus rivais [ Figura 5 ]. Ao que tudo indica, o agradecimento é feito devido a uma recepção feita pelo Correio no dia 30 de setembro de 1866, em seu número 3106, citando a chegada do “jornalzinho de caricaturas intitulado Cabrião que “quer assentar praça nas fileiras do jornalismo paulistano.” Além disso, alega que no periódico os leitores irão encontrar “uma distração inocente, risonha, galhofeira, satírica, útil, e digna de figurar no meio de vós,” elogiando o tom jocoso adotado. Por fim, ressalta que o periódico deve se manter na devida altura, não injuriando ninguém de forma individualizada ou pessoal. Caso siga desta maneira, o desejará um “mar de rosas – vento e popa – e próspera viagem.”

39. Mas o periódico não seguiu assim, com Agostini atacando diversas pessoas e sofrendo problemas como o chamado “processo-cabrião,” ocorrido por conta de uma publicação feita no dia 4 de novembro de 1866, onde ele tratou de satirizar o Dia de Finados, misturando vivos e mortos em uma crítica à sociedade da capital paulista e ao clero, um de seus alvos favoritos [ Figura 6 ].

O início das críticas contra a Semana Illustrada

40. Agora, apresentaremos as primeiras críticas feitas por Agostini n’A Vida Fluminense aos concorrentes editoriais da Semana Illustrada, no dia 28 de março de 1868. Neste trecho, os editores reconhecem que a Vida Fluminense é ainda muito nova, mas está gradativamente crescendo, superando suas crises iniciais e reafirmando seus objetivos de serem críticos às publicações literárias, em reproduzir grandes feitos da Marinha e Exército em terra e mar, além de desejarem ser a principal folha do Império. No final, concluem que farão “enfim, com que a Vida Fluminense […] não seja uma Semana Illustrada,”[11] aproveitando o espaço para atiçar Fleiuss e sua equipe, buscando criar uma rivalidade. Além disso, reforçam as futuras publicações sobre o conflito, como forma de demonstrar ao seu público a preocupação em cobrir cada passo dado pela Tríplice Aliança no teatro de guerra. Como é possível de se perceber em sua vasta produção, Agostini e companhia fizeram o que propuseram ao seu público.

41. Se, por um lado, Fleiuss alegava não ser “testa de ferro” do Império brasileiro, por outro lado, deixava explicita sua proximidade a entes do Império através das imagens. No dia 8 de março de 1868, o Correio Mercantil, o Moleque, o Dr. Semana, Caxias, Osório e outros personagens do período surgem expulsando o Anglo-Brasilian Times, visto por eles como um “incendiário” [ Figura 7 ], que busca enfraquecer as relações entre eles e os personagens brasileiros que estavam no Sul, alegando reinar nestas relações a “mais perfeita harmonia,” vendo a missão deste periódico em trazer instabilidade ao cenário político e impresso do Brasil.

42. Ao contrário do que alegava anteriormente, a Semana Illustrada ressalta sua preocupação no “engrandecimento do Império”. Em um momento como a guerra contra o Paraguai, a preocupação em se reunir a nação em prol de um único objetivo em comum, o de vencer o inimigo, traz à tona a exacerbação do nacionalismo através da imprensa, algo que a Semana Illustrada sempre deixou explícito. Vale também compreender que a própria Vida Fluminense se posicionava favorável ao êxito brasileiro no conflito, apesar de tecer uma série de críticas à forma cujo ele era tocado pelos políticos e militares. Afinal, eles também eram brasileiros e viram que o discurso nacionalista poderia ser mais uma forma de lucrar. Contudo, abordaram esta perspectiva de uma forma mais crítica e até mesmo ácida em alguns momentos, afastando-se assim do tom ufanista da Semana Illustrada.

43. Em 14 de março de 1868,[12] novamente A Vida Fluminense faz questão de citar a Semana Illustrada, mas por uma razão de defesa. Na ocasião, critica o anúncio do periódico de Fleiuss, que alega ser a Semana o único jornal a receber documentos oficiais da guerra, chamando de “fantasistas” os que apresentam desenhos relativos a ela. Sentindo-se atingido pela declaração, que não tratava de nomear nenhum periódico, os editores d’A Vida Fluminense responderam a afronta, chamando a declaração de “leviana,” convidando aos espectadores e leitores a ir ao seu escritório deles ver as plantas e esboços enviados por alguns membros da esquadra. Para trazer uma prova disso, apresentaram no mesmo número uma detalhada planta topográfica da passagem de Humaitá, que foi prometida pelo periódico rival apenas para a semana seguinte, sendo inclusive o desenhista – Carlos Linde – nomeado e elogiado pelo editor da Vida Fluminense dizendo que o desenho será de bom agrado, ao contrário do que se espera do “desenhista especial” da Semana – que, no caso, era Fleiuss.

44. Em 28 de março de 1868, A Vida Fluminense [ Figura 8 ] remete a tal “fidelíssima cópia” sobre a passagem do Humaitá publicada pela Semana Illustrada [ Figura 9 ], e de autoria de Linde, mantendo inclusive a assinatura do artista. No desenho, escuro e propositalmente confuso, é possível perceber que o rio conta com degraus, sendo esta uma forma de zombar de sua disposição na imagem original e, com isso, também criticar o estilo do desenho de Carlos Linde, que havia sido elogiado anteriormente.

45. Observando ambas as gravuras, percebemos exageros na reprodução de Agostini e companhia. A imagem de Linde, de fato, tem uma perspectiva um pouco forçada, mas nada tem a ver com os “degraus” apresentados n’A Vida Fluminense. Seguindo a premissa de apresentar o evento no horário em que ocorreu, ao longo da madrugada, a imagem apresenta-se mais escura, mas é possível visualizar as embarcações, bem como a fortaleza, que é a fonte principal de iluminação, por estar em chamas, e a sinuosidade do rio Paraguai.

46. Posteriormente, a Vida Fluminense aborda, em desenho assinado por Angelo Agostini, os acontecimentos da guerra, especificamente nos rios, aproveitando para zombar a folha rival [ Figura 10 ]. Trazendo criaturas subaquáticas antropomórficas, satiriza os homens, que lutam como “peixes vorazes”, ao passo em que “os peixes banqueteiam-se como se fossem homens civilizados” com o que cai da superfície – os soldados e todo o resquício da guerra. Na imagem, além de Solano Lopez, que aparece na parte superior direita, sendo mordiscado por peixes e segurando-se nas folhagens para não afundar, também se encontra, de forma discreta, o Dr. Semana. O personagem aparece sendo levado por um vendedor, localizado um pouco mais abaixo de Lopez, e chamado de “sardinha.” Nesta gravura, podemos perceber como Agostini ironiza o conflito e, ao mesmo tempo, busca uma brecha para ironizar seu concorrente.

47. Voltando seu lápis litográfico de volta para a Semana Illustrada, Agostini assina mais um desenho [ Figura 11 ], retratando o Dr. Semana e o Moleque tendo pesadelos com A Vida Fluminense, carregada por diversos diabretes, remetendo a um pesadelo sofrido por ambos os personagens. Isto se deve ao fato de que a Vida Fluminense estava alcançando considerável êxito desde a sua estreia, angariando cada vez mais um público cativo, e sendo cada vez mais lida e vista nos domicílios do Rio de Janeiro, mostrando que sua ideia de superar as folhas rivais era possível. Ressaltamos aqui um pequeno demônio prestes a puxar os pés descobertos do Dr. Semana que, com uma expressão de terror, se vê em uma situação complicada, sendo assombrado também pela folha de Agostini.

48. Agostini estava longe de findar as críticas à Semana Illustrada. No dia 11 de abril de 1868, novamente estavam sendo criticados nas páginas d’A Vida Fluminense os desenhos de Fleiuss e sua equipe [ Figura 12 ]. Desta vez, é satirizada uma gravura sobre uma passagem do encouraçado Lima Barros [ Figura 13 ], ocorrida no dia 2 de março de 1868. Na imagem em questão, Agostini ironiza o desenho do periódico rival, alegando que este parece “o chapéu do Sr. C. Ottoni.” De fato, a escolha nos traços de Fleiuss não foi das mais exitosas. Além da torre do encouraçado estar realmente parecendo um chapéu ou uma cartola, a posição do soldado paraguaio que vai dar combate à embarcação é cômica, não condizendo com o objetivo do desenho, de dramatizar um acontecimento. Agostini, que já estava habituado a fazer suas constantes críticas ao jornal rival, aproveita-se da situação para provocá-lo, fazendo uma sátira das escolhas tomadas na gravura. Ou seja, ignora-se na segunda imagem toda a carga informativa em troca de pura jocosidade, marca registrada de Agostini e d’A Vida Fluminense.

49. Em mais uma ocasião, o Dr. Semana e o Moleque figuram nas páginas d’A Vida Fluminense [ Figura 14 ]. Desta vez, o protagonista da Semana Illustrada aparece com um “acesso de Vida-fluminensite aguda.” O seu fiel companheiro carrega consigo uma enorme seringa com a palavra “suplemento,” referida pelo menino como um “requentado de Cuevas, Mercedes, Riachuelo, Humaitá e outros adstringentes,” criticando a produção de suplementos de Fleiuss e sua equipe, elaboradas meses ou até anos após os acontecimentos.

50. Em uma capa d’A Vida Fluminense do dia 20 de junho de 1868, temos estampados o Dr. Semana, caracterizado como Hermes, o deus mensageiro, carregando em seu caduceu o Moleque [ Figura 15 ]. Não há nenhum texto explicativo no periódico que demonstre o motivo da zombaria que tomou a capa; porém, através dos textos e de outra gravura presente no mesmo número – onde o Dr. Semana é transformado em um “paio para agradar linguiça” – há algum motivo para zombar do conteúdo criado pelo periódico de Fleiuss. Muito provavelmente, o que se deseja com a imagem é mostrar que a Semana Illustrada é um jornal de mensagens e banalidades, enquanto o jornal de Agostini é focado em informações relevantes que cobrem a vida política, social e cultural na capital, além da guerra e acontecimentos ao redor do globo.

51. Em 4 de julho de 1868, Angelo Agostini novamente volta a atacar [ Figura 16 ], desta vez criticando a elaboração dos suplementos divulgados pela Semana Illustrada, os classificando como feitos para crianças. Na mesma imagem, figura um homem segurando uma imagem baseada em um suplemento da Vida Fluminense com a vista geral do teatro de guerra [ Figura 17 ]. Mais uma vez, observamos Agostini, que assina a gravura, a atacar as produções de Fleiuss e equipe, as tratando como feitas para crianças, dando destaque a sua produção. Vale ressaltar que a estampa veiculada pelo suplemento da Vida Fluminense é reconhecida até os dias atuais, tendo sido inclusive transposta para outros tipos de suporte como, por exemplo, em um lenço que se encontra no Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora [ Figura 18 ].

52. Meses depois, no dia 3 de outubro de 1868, Agostini retrata os leitores da “Semana Lustrada” requisitando ao Dr. Semana e ao Moleque amas secas [ Figura 19 ], dando a entender que o público do periódico tinha voltado para um estágio infantil em que eram necessárias babás. Ao mesmo tempo, podemos perceber que Fleiuss praticamente ignora o rival em suas páginas, buscando não cair no jogo jocoso de Agostini.

53. Em outra situação, a Semana Illustrada retrata um banquete entre duas alegorias: a Brasília e a imprensa europeia [ Figura 20 ]. No banquete, a primeira serve diversos pratos para a segunda, remetendo às vitórias da Tríplice Aliança no conflito. Ao servir a de Angostura, fortificação que foi tomada em 30 de dezembro de 1868, prepara a convidada para o possível risco de que essa costeleta “pode não ser para os seus dentes” e que possivelmente poderá ficar “atravessado o osso na garganta.”

54. Essa cena remete ao criticismo europeu sobre o conflito contra o Paraguai, em que constantemente se reprovavam as ações brasileiras, obrigando personagens como o futuro Barão de Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos Júnior, a defender o Brasil nas folhas francesas. Como se sabe, ele remetia croquis e informações das batalhas para o jornal francês L’Illustration.[13]

55. Durante 1868, Agostini não poupou espaço em sua folha para seguir caçoando do concorrente. Agora, cria As apoquentações do Dr. Semana [ Figura 21 ], pensada como uma publicação voltada para o público infantil, repetindo a ofensa e narrando as aventuras dos personagens da Semana em uma noite de pesadelo. Porém, o ponto mais relevante nas “apoquentações” é os parênteses, que carregam a frase “que não copiou de nenhum jornal alemão,” uma acusação costumeiramente feita a Fleiuss e sua equipe, acusados de transcreverem gravuras e desenhos estrangeiros em suas páginas, sobretudo por tais materiais serem desconhecidos do grande público brasileiro.

56. No entanto, se levarmos em consideração a possibilidade – alías, negada por Henrique Fleiuss e seus companheiros de empreitada – do uso de gravuras com autorias distintas não era algo criminoso, sendo boa parte das litogravuras da guerra presentes nos jornais reproduzidas de fotografias, esboços e outras fontes. Em alguns casos, tais materiais sequer citavam sua procedência, algo verificável em ambos os periódicos aqui emquestão, ainda que, quando citadas as fontes, tal artifício trouxesse ao leitor mais veracidade do que lhe era narrado.

57. Desta maneira, percebemos que Agostini não poupa, em momento algum, o folhetim rival, exagerando e dedicando grandes espaços aos protagonistas da Semana Illustrada. Esse pode ter sido um artifício usado por ele para cobrir ausências de notícias relevantes. Há também a questão de que, possivelmente, poucos navios trazendo publicações estrangeiras possam ter aportado no Rio de Janeiro neste período, que foi crucial para o conflito.

58. Outro aspecto que pode ser levado em consideração é o uso da polêmica para atrair o olhar de mais leitores, algo que culminaria em um maior lucro aos envolvidos. Ambas as hipóteses são bem plausíveis, se levarmos em conta o modus operandi de alguns jornais ilustrados e humorísticos daquele período e de suas equipes. Além disso, a ideia do lucro é importante para levarmos em conta que esses estabelecimentos necessitavam do máximo de dinheiro possível, sobretudo ao analisarmos que muitos assinantes mantinham seus vencimentos atrasados, sendo essa questão constantemente anunciada nas páginas de ambos os jornais.

59. No dia 14 de novembro de 1868, novamente temos o Dr. Semana sendo retratado jocosamente em duas imagens veiculadas pela Vida Fluminense [ Figura 22 e Figura 23 ]. Na ocasião, zomba-se de um poema e uma gravura [ Figura 24 ] divulgados no número 412 da Semana Illustrada. Na primeira das cenas em questão, o Dr. Semana encontra-se sob os cuidados de diversos amos escravos, que lhe afastam os maus agouros, chegando a desafiar até mesmo o diabo. A imagem em questão pode representar muito bem a tranquilidade dos responsáveis pelo periódico em relação as críticas sofridas não só pela Vida Fluminense, mas por outros jornais de posicionamento político e opiniões distintas.

60. Abaixo, situa-se uma “cópia fiel o desenho” [ Figura 22 ] divulgada pela Semana Illustrada, buscando traduzir a essência da imagem, bem como reproduzir perfeitamente o texto que complementa a cena. Aqui, vale ressaltar a distinção dos traços dos artistas de ambos os periódicos, onde Agostini acaba por se ressaltar pela melhor definição de seus desenhos, podendo ser considerado um melhor desenhista do que Henrique Fleiuss ao observarmos não só esta imagem, mas todo o conjunto da obra. Nem por isso consideramos Fleiuss um artista de menor importância, sendo ele e Agostini essenciais para a imprensa ilustrada do período.

61. Porém, a imagem não foi reproduzida apenas por um simples acaso, e a resposta seguiria logo abaixo, em outra gravura [ Figura 23 ]. Esta, trata de mostrar a explicação d’A Vida Fluminense sobre o que realmente havia por trás da imagem do periódico rival: desta vez, o Dr. Semana aparece como uma espiga prestes a morrer, sendo castigada pelo sol à pino, identificado como a própria Vida Fluminense, e por insetos zumbidores, representando as constantes queixas do público. Por último, os responsáveis pelo periódico questionam: “Porque será que o Dr. Semana gosta tanto […] estar no meio de moleques?,” acentuando ainda mais a polêmica com o folhetim rival e alegando que este questionamento é “inocente.”

62. Mais uma vez, a necessidade de se buscar polêmica presente n’A Vida Fluminense parece exceder o bom senso. Se o artista escolhesse criticar o posicionamento político de Fleiuss e equipe, ou até mesmo questões ligadas ao pensamento escravocrata da época, seria algo muito mais pertinente. Todavia, parece-nos novamente que Agostini deseja justamente criar uma nova polêmica com a folha rival com o intuito de agitar o cenário ilustrado do período e, consequentemente, gerar mais vendas, usando da jocosidade e da polêmica para lucrar.

63. Tal hipótese vai ficando cada vez mais perceptível através de cada uma das imagens que são analisadas aqui, majoritariamente de autoria de Agostini e equipe. Contudo, um assunto nítido nas imagens – a questão da escravidão – é simplesmente ignorado, sendo o traço o único problema apontado.

64. Durante 1869, Agostini seguiria a perturbar o Dr. Semana e o Moleque – desta vez, por conta de um mapa. Em duas ocasiões diferentes, em 6 e 20 de fevereiro, as páginas d’A Vida Fluminense voltavam a caçoar do periódico rival. Na ocasião, um personagem compara um mapa comercial do Rio de Janeiro feito pela Litografia Rensburg com outro mapa feito pela Semana Illustrada [ Figura 25 ], apontando que aquilo que está diante dele que é um verdadeiro mapa, sendo o do Dr. Semana um monte de retalhos. O doutor, diante do insulto, retorna ao seu lar e despeja toda sua ira na molecada, os obrigando a entregar o tal mapa logo, antes que os assinantes se arrependam, temendo ir à falência e ao fim da carreira por conta disso.

65. Em outra ocasião, agora apresentada na primeira página d’A Vida Fluminense, Agostini retrata a recusa dos assinantes em receberem o tal mapa [ Figura 26 ], alegando que este encontra-se cheio de erros, que os anúncios são feios. Antes que o Moleque cite mais críticas, o enfurecido Dr. Semana trata de calá-lo, retrucando que o pajem diga aos assinantes que o mapa está em perfeitas condições, pois “foi feito pelos esgotos” e que os leitores da Fida Fluminense são testemunhas de que o viram entrar no esgoto e sair pelo mar. No final, diz ao Moleque que, contanto que seja pago, os assinantes podem reclamar o quanto quiserem, levando a crer que a redação da Semana Illustrada não se importa com os leitores, mas com os lucros recebidos através deles.

66. Na mesma edição, Agostini segue criticando o mapa, que não conseguimos encontrar, sendo possivelmente um material suplementar. Em uma narrativa apresentada em pequenos quadros, tal como as HQs contemporâneas, mostra como o material foi elaborado, desde a negociação de anúncios até a recusa dos leitores e anunciantes em seguir com o material [ Figura 27 ]. Na história, observamos uma série de críticas ao mapa: o seu tamanho enorme; o excesso de anúncios, essenciais para que a folha lucre; a insatisfação dos assinantes que acabam tendo de ficar com um enorme mapa, que mal cabe dentro de uma casa; dentre outras questões.

67. O fato é que Agostini utiliza-se de suas páginas por três vezes para falar do tal fracasso do mapa da Semana Illustrada. Novamente, nos questionamos se não haveria naquele momento algo mais relevante que não fosse essa crítica, seja na sociedade carioca ou até mesmo no teatro de guerra. Porém, nos parece novamente que Agostini, aproveitando-se do fracasso e, possivelmente, das diversas críticas na opinião pública, usa do acontecimento para, mais uma vez, se promover em cima do fracasso da folha rival.

68. Em 27 de março de 1869, mais um suplemento da Semana Illustrada é alvo do lápis de Agostini. Outra vez ocupando a capa d’A Vida Fluminense, temos o Dr. Semana e o Moleque debatendo sobre o mais novo material [ Figura 28 ]. O Moleque, ao ser questionado pelo doutor sobre o que achou da estampa, vai apontando uma série de problemas estéticos e de anatomia, trazidos de forma detalhada pelo pajem. O Dr. Semana concorda com o menino e alega que, se o público já está habituado a consumir outros materiais de seu periódico, certamente aceitará este sem nenhum problema, acreditando inclusive que a maior parte deles achará o suplemento bem bonito. A conclusão, traz uma fala do Dr. Semana, que reconhece que o Moleque conhece muito mais de arte do que ele mesmo, depois de apontar tantas imprecisões na obra. Agostini se aproveita das constantes tiradas do Moleque para fazê-lo, mais uma vez, pôr em xeque a figura do Dr. Semana.

69. O Moleque, que vive fazendo favores ao protagonista da Semana Illustrada, mas sem deixar de cutucá-lo, remete exatamente ao pensamento dominante do século XIX: um período em que a escravidão era vigente e a população negra era colocada sempre em cargos subalternos, como o de pajem. Porém, neste ponto, Agostini e até mesmo Fleiuss, em alguns momentos, colocam o menino como um personagem esperto, não sendo retratado como um ignorante.

70. Se somarmos isso à perspectiva de Agostini, que se tornava cada vez mais um abolicionista, o Moleque seria o personagem perfeito para alfinetar seu patrão, que representava exatamente o status quo daquele momento, sendo um homem branco, estrangeiro e com título de “doutor,” que se colocava em suas próprias charges como pajeado por diversos escravos, mostrando exatamente como era boa parte de sua redação.

71. Ainda sobre a questão do mapa, em 10 de abril de 1869, o Dr. Semana aparece sendo retratado em um enorme pote de conservas [ Figura 29 ], alegando para o Moleque que, como o mapa não teve êxito, se os ricos e poderosos não forem ao auxílio da Semana Illustrada, eles darão com os “purrinhos n’água.” Agostini insiste em crer que a questão do tal mapa poderia decretar o possível fim do periódico concorrente, algo que não se concretizou, indo ele até o ano de 1875. Um detalhe interessante é que, em algumas charges, Agostini e equipe narram o sotaque alemão do Dr. Semana de uma forma estereotipada.

72. No dia 4 de setembro de 1869, a dupla da Semana Illustrada figura na capa da Vida Fluminense [ Figura 30 ]. Agora, o assunto abordado é o progresso, que Agostini retrata como se fosse o inverso do que representa o Dr. Semana. O personagem, indagando ao Moleque sobre o que está acontecendo, tem como resposta a vinda do progresso para retirar dali o “carrancismo,” algo dito pelos inimigos do periódico. O Dr. Semana responde ao seu pajem alegando que escangalhará tal progresso. Esta analogia feita por Agostini retrata a Semana Illustrada como uma folha conservadora, presa a um estilo de publicação e até mesmo na perspectiva política atrasada, arcaica, sendo o progresso para ela algo temível.

73. Em 6 de dezembro de 1869, novamente os protagonistas da Semana figuram na capa da Vida Fluminense. Desta vez, somos apresentados ao “Cemitério Particular do Dr. Cabeludo,” um dos vários apelidos dados ao Dr. Semana [ Figura 31 ]. Na ocasião, ele e o Moleque visitam os seus ex-assinantes, retratados como vítimas de suas próprias falhas. Na lápide central, está jazido o “finado espírito da Semana Desillustrada.”

74. Mais uma vez, há uma insistência dos responsáveis pela Vida Fluminense de que os dias do Dr. Semana e do Moleque estão contados, utilizando-se agora do artifício do decréscimo dos assinantes para tentar pensar no fim do periódico concorrente, algo que só aconteceria em 1875, sendo a Semana Illustrada um dos periódicos de maior duração no século XIX.

Conclusão

75. Neste artigo, pudemos compreender melhor a insistência de Angelo Agostini e sua equipe em tentar atingir os concorrentes da Semana Illustrada e outros periódicos, algo que corrobora com nossa concepção dele como um polemista. Contudo, Fleiuss e seus companheiros, por sua vez, pareciam pouco se importar com as diversas investidas em que foram citados no periódico rival. Com isso, é possível perceber que a própria questão da rivalidade foi algo sobretudo unilateral, arquitetada pela equipe da Vida Fluminense. Isso fica claro pois, se analisarmos as diferentes perspectivas de ambos os jornais, notamos que ambos possuíam públicos, formas de cobertura e fontes totalmente diferentes.

76. Assim, a produção do periódico de Fleiuss, mais ligado aos simpatizantes da monarquia e do regime escravocrata, destoa do que era visto na produção de Agostini e da Vida Fluminense, que se colocavam como críticos da monarquia e, posteriormente, cada vez mais favoráveis à abolição.

77. Dentro desta distinção, podemos perceber que Agostini e companhia estavam mais interessados em fomentar polêmicas, possivelmente para que os assinantes pudessem acompanhar o cenário de disputa criado. Com isso, é bem possível afirmar que a postura dos membros da Vida Fluminense tenha sido criada para vender mais números avulsos e/ou até mesmo para angariar novos assinantes. Tal preocupação com a questão financeira era comum aos periódicos, que necessitavam da rotatividade financeira para subsidiar funcionários, materiais e, consequentemente, a continuidade de suas circulações.

78. Isso fica ainda mais explícito quando percebemos que nesta época, era comum as folhas publicarem pedidos para que os signatários acertassem os valores de suas subscrições, de modo a não correrem o risco de falência. Essa situação ocorreu com outros jornais da época, que sucumbiram por questões financeiras e até mesmo por ausência de conteúdos, o que atrapalhava a periodicidade prometida aos assinantes.

79. Assim, percebemos através deste artigo que os conflitos entre Agostini e Fleiuss foram, em boa medida, uma narrativa criada pela perspectiva do desenhista italiano, que buscava polemizar para tentar levantar ainda mais o nome da Vida Fluminense, um periódico recente, ante a opinião popular. E, de fato, o periódico teve um considerável êxito, mesmo com a saída de Agostini em 1869. A isso, podemos atribuir a constante preocupação na cobertura da guerra, as críticas feitas aos outros órgãos de imprensa e, de certa forma, ao status quo vivido na monarquia. Porém, ao contrário do que era observado nas produções de Agostini no período em que esteve em São Paulo, suas críticas foram mais contidas, talvez por receio de sofrer com os mesmos problemas que provavelmente o levaram a abandonar a capital paulista. Assim, percebemos que a polêmica, além de fomentar a venda dos jornais, acabou gerando uma produção específica, que culminou em nossa análise.

Referências bibliográficas

A Vida Fluminense, 14 de março de 1868, n. 11.

A Vida Fluminense, 28 de março de 1868, n. 13.

BALABAN, Marcelo. Poeta do lápis: sátira e política na trajetória de Angelo Agostini no Brasil perial (1864-1888). Campinas: Editora da Unicamp, 2009, pp. 145-146.

Balanço da Receita e Despeza do Imperio. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875-1883.

Correio Paulistano, 30 de setembro de 1866, n. 3106.

CUNHA, Álvaro Saluan da. As batalhas através dos periódicos: a guerra contra o Paraguai e as trajetórias de Henrique Fleiuss e Angelo Agostini na imprensa entre 1864-1870. Tese (História). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2023.

CUNHA, Álvaro Saluan da. As litografias da coleção “Quadros historicos da guerra do Paraguai” na década de 1870: projeto editorial e imagens. Dissertação (História). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2019.

MARINGONI, Gilberto. Angelo Agostini: A Imprensa Ilustrada da Corte à Capital Federal: 1864-1910. São Paulo: Devir, 2011.

O Cabrião, 11 de novembro de 1866, n. 7.

Semana Illustrada, 2 de fevereiro de 1868, n. 373.

Semana Illustrada, 28 de outubro de 1866, n. 307.

 

[1] CUNHA, Álvaro Saluan da. As litografias da coleção “Quadros historicos da guerra do Paraguai” na década de 1870: projeto editorial e imagens. Dissertação (História). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2019.

[2] CUNHA, Álvaro Saluan da. As batalhas através dos periódicos: a guerra contra o Paraguai e as trajetórias de Henrique Fleiuss e Angelo Agostini na imprensa entre 1864-1870. Tese (História). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2023.

[3] MARINGONI, Gilberto. Angelo Agostini: A Imprensa Ilustrada da Corte à Capital Federal: 1864-1910. São Paulo: Devir, 2011.

[4] Ver mais em: CUNHA, As litografias da coleção “Quadros historicos da guerra do Paraguai” na década de 1870.

[5] Balanço da Receita e Despeza do Imperio. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875-1883.

[6] Semana Illustrada, 28 out. 1866, n. 307.

[7] O Cabrião, 11 nov. 1866, n. 7.

[8] BALABAN, Marcelo. Poeta do lápis: sátira e política na trajetória de Angelo Agostini no Brasil Imperial (1864-1888). Campinas: Editora da Unicamp, 2009, p. 145-146.

[9] Semana Illustrada, 2 fev. 1868, n. 373.

[10] Correio Paulistano, 30 set. de 1866, n. 3106.

[11] A Vida Fluminense, 28 mar. 1868, n. 13.

[12] A Vida Fluminense, 14 mar. 1868, n. 11.

[13] CUNHA, op. cit.