Manoel de Araujo Porto-Alegre: Discurso pronunciado na Academia das Belas Artes em 1855, por ocasião do estabelecimento das aulas de matemáticas, estéticas, etc. [1]

organização de Paula Ferrari [2]

FERRARI, Paula (org.). Manoel de Araujo Porto-Alegre: Discurso pronunciado na Academia das Belas Artes em 1855, por ocasião do estabelecimento das aulas de matemáticas, estéticas, etc.. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 4, out. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/txt_artistas/mapa_1855_discurso.htm>.

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O documento Discurso pronunciado em sessão Solene de 2 de junho de 1855 na Academia das Bellas Artes pelo Sr. Comdor. Manoel de Araújo Porto Alegre por occasião do estabelecimento das aulas de mathematicas, estheticas, etc., etc. permite ao leitor compreender não só as suas propostas do autor como diretor, mas também suas idéias como discípulo da Academia.

Manuel de Araújo Porto-Alegre (Rio Pardo-RS, 1806-1879), presencia ao longo de sua trajetória biográfica as mudanças políticas e estéticas do período. Foi aluno da primeira turma na Academia Imperial de Belas Artes; em 1831 acompanha Debret de volta a Paris e lá conhece Jean Antoine Gros e boa parte da geração romântica parisiense. Na Itália, estuda com o arqueólogo Antonio Nibby. Ainda na França, funda juntamente com Torres Homem e Gonçalves de Magalhães a revista Nitheroy: Revista brasiliense, sciencias, lettras e artes (1836), marco do romantismo brasileiro, posteriormente Porto-Alegre funda e dirige os periódicos: Minerva Brasiliense (1843), Lanterna Mágica (1844) e Guanabara (1849). Foi pintor, professor de pintura histórica, escritor, dramaturgo, cenógrafo, caricaturista, arquiteto, e é considerado primeiro crítico e historiador da arte brasileira. Enquanto diretor da Academia Imperial de Belas Artes propôs reformas no curriculum e na metodologia do ensino do Instituto, ações que fizeram parte da Reforma Pedreira de 1855 (cf. Estatutos).

O gênio, a inspiração do artista, somado ao conhecimento técnico e erudição possibilitaria o desenvolvimento de uma arte superior, capaz de condensar em si todo o conhecimento acumulado até sua época. Esta educação não se restringiria só ao artista, mas a toda a sociedade, dos que se utilizam deste conhecimento para produzir, seja o produtor um artista ou qualquer outro profissional que precise domar a natureza bruta, aos que usufruem dessa produção; pois para se apreciar, compreender e usufruir do Belo também são necessários treino e educação do olhar.

O domínio da técnica aliada à erudição tinha como finalidade, nas Academias de Belas Artes, a ampliação de horizontes e possibilidades de criação para o artista; compreende-se então a necessidade dos exercícios de cópias das obras valorizadas, pois o aprendizado através da imitação aumentaria não só o repertório do possível, mas também os parâmetros a serem alcançados e superados.

A obra de arte, conservando em sua matéria vários conhecimentos - tecnológico, estético, cultural - que são necessários para a sua confecção, encerra em si um arquivo para se compreender o universo onde foi gerada, revelando-se um termômetro de sua sociedade. Uma sociedade capaz de produzir uma obra de arte teria que dominar vários saberes industriais e estéticos, saberes que a Academia Imperial de Belas Artes poderia transmitir aos seus alunos, fossem eles pretensos artistas, ou artífices e artesãos.

O discurso é, pela ocasião, lugar e público, laudatório à arte. O manuscrito se propõe a provar não somente o lado sublime e abstrato da arte, mas utilizando-se de argumentos que aliam a estética ao progresso da cultura material ele defende a Academia e sua utilidade social e cientifica questionada desde a sua fundação.

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Discurso pronunciado em sessão Solene de 2 de junho de 1855 na Academia das Bellas Artes pelo Sr. Comdor. Manoel de Araújo Porto Alegre por occasião do estabelecimento das aulas de mathematicas, estheticas, etc, etc.

Senhores ­ Todas as concessões que os altos poderes do Estado tem feito á Academia das Bellas-artes, tanto na época da minoridade como depois d’ella, estão longe das que se acabam de consumar com effectividade da nova lei que acabamos de receber, e à qual prestamos a mais solenne adhesão.

Vinte e nove annos de pratica demonstraram que o antigo systema não era o mais próprio para fructificar em um paiz cuja civilisação e necessidades estão longe d’aquelles onde a arte foi transplantada com a civilisação, onde ella adormeceu com a philosophia, e onde renasceu com a reapparição do pensamento e forma da Grecia antiga.

A sociedade é uma espécie de placenta para o desenvolvimento intellectual do homem, quando sua organisação e suas tendencias o attrahem e vigoram os fructos do pensamento cultivado; ella se torna em preceptor esclarecido, e espande de si propria essa athmosphera que fecunda e alimenta todas as producções do engenho. Athenas era menor que o Rio-de-Janeiro, e no entanto continha em si aquelles germens sublimes que tem gloriosamente atravessado os tempos e as vicissitude humanas.

O systema que recebemos com esta nova organisação é uma obra experimental, que só o tempo e os nossos bons desejos poderão tornal-o uma verdade pratica; porque temos muito que estudar e que vencer.

O espirito publico ainda não se nivellou com aquelle plano das sociedades altamente educadas, do qual se olha para as belas-artes como para uma necessidade vital: o legislador, apesar das concessões que vemos, ainda não está bem compenetrado do seu valor humanitario, e da veilidade do artista como força civilizadôra.

Os recursos da intelligencia, empregados em uma sciencia qualquer, não são superiores aos que se dispendem no estudo da naturesa e do bello: Homero ou Archimedes, Phidias ou Platão, Miguel Angelo ou Bacon, Leonardo ou Newton, são forças da natureza, são principes da civilisação e ballizas da humanidade ascendente.

Para que o homem se prepare, se fortefique e se colloque no vertice d’este bivio, que sóbe da terra aos céos, da natureza á Deos, é necessario educal-o mais simplesmente do que se pratica: identificado com os divinos preceitos da moral evangelica, bastam-lhe a grammatica, a geometria e o desenho. Na primeira, está a ordem na anunciação das idéas, está a chave de todas as linguas; na segunda, está a logica e o conhecimento dos numeros e da extenção, e no terceiro, a perfeição da vista na apreciação das formas e na comprehensão do belo.

Uma demonstração ampla e eficaz d’esta simples enunciação levaria fóra do terreno á que me devo limitar n’esta circunstancia.

Passemos pois a considerar o desenho como elemento civilisador, como um thermometro social, e como a base de um seguro desenvolvimento nas obras do homem, que pertencem ao dominio da imaginação creadôra por meio das fórmas.

Os espiritos vulgares o consideram como uma arte de luxo, ou passatempo agradavel, porem os homens que pensão, as intelligencias superiores, o encaram como uma necessidade para a civilisação; porque elle é uma revelação do pensamento, e a escripta universal da linguagem das fórmas.

Como a palavra e o alfabeto, esta terceira manifestação do pensamento tambem achou rapidos motores para a sua propagação e para exprimir as refundições da industria quando recompos a naturesa bruta, e fas uma naturesa protectora das necessidades humanas.

A esta escripta universal devemos a comunicação das artes e da industria entre os finados e os vivos, entre os estranhos e os nacionaes.

Ella transporta todos os segredos da mechanica, todas as fórmas da industria, todas as bellesas das artes, todas as creações do genio, e concentra n’um gabinete, n’um ponto, por assim diser, o universo conhecido, archiva idéas que os tempos desenvolveram e aperfeiçoaram; mostra-nos o verbo da infancia dos povos materialisado no seixo do patriarcha, ou do apogeu da gloria symbolisado na colunna cochleada, e por uma maneira tão clara, tão precisa, e com um cunho tão viridico, que não é dado á palavra e á escripta individualisal-o tão distinctamente.

A traducção que o viajante fas das impressões que recebe perante a naturesa e as obras humanas, a descripção d’essa babel immensa que rodêa o nosso planeta, acha no desenho um complanador de todos os embaraços e lacunas da palavra, porque o desenho é um espelho fiel da naturesa e uma lingua que tem o seu elucidario nos olhos de todo o mundo.

A inscripção cuneiforme, a palavra do papyro, o sybolo [sic] do hieroglifo, a vóz d’essa sciencia exoterica, que guarda tantos e tão mysteriosos pensamentos, nunca poderia tornar-se intelligente ao homem de hoje e sem o desenho; porque entre este homem e o sacerdote antigo se interpõe aquelle terrivel Sudario do tempo, que obscurece as maiores verdades e empana a lus da primitiva; ha uma especie de prisma que decompõe a tradicção e translus toda sorte de enganos através dos tempos; pelo contrario o templo, o arco triumphal, o amphitheatro, e a naumachia, a pyramide, o cippo, e todas as memorias monumentaes levantadas á divindade, ao homem ou aos fastos nacionaes, são conservadas e transportadas por esta terceira forma do pensamento, sem commentarios, hypotheses, conjecturas, ou o socorro de algum systema engenhoso, que mais abrilhanta a sagacidade do seu inventor do que esclarece a verdade.

Á economia do espaço, tempo e ouro, o desenho, como lingua de todo o pensamento susceptivel de materializar se, reune a vantagem de offerecer ao philosopho e ao artista thesouros impossiveis de acumular a maior vida, a maior fortuna, e a memoria mais prodigiosa.

Per via d’elle o homem transpõe os limites do tempo e do espaço, e viaja placidamente pelo universo; compara as maravilhas de Ellora com as de Athenas; canta de um rasgo de vista todos os sêres brilhantes do firmamento; passeia nas montanhas lunares, desce ao Hymalaia e aos Andes, penetra no Louvre e no Vaticano; assiste as festas de Versailles; passeia no Pireu ao Acropolis, e colhe no seu gabinete a revelação das fórmas divinas, aquellas que o Céo doou á Grécia, e as que concede ainda [riscado / lug? ilegível] a esses povos fadados para tão bella pratica e triumphos tão agradaveis.

Por elle ainda contemplamos a imagem dos varões que mais honraram a humanidade, dos que amamos em vida, dos que a morte nos roubou ao coração; e de longe, e a todas as horas, imagem d’aquella a quem nos escravisamos erigindo-lhe um altar de amor.

O desenho suppre o Cadaver ao anatomico, as collecções ao Zoologo, as flores ao botanico, as viagens ao geographo, os modêlos ao engenheiro e ao artista, e como um poderoso auxiliar da palavra, que produz aquelle meanto indisivel que experimentei quando o immortal Cuvier narrava a epopéia da creação, e com o giz na ardosia resuscitava a imagem d’esses seres perdidos, d’esse mundo abafado pelo diluvio, e petrificado pelas trevas.

Como se descceria ao fundo do oceano para admirar essas muralhas de zoophitos, essa variedade de algas, esses vergeis sem flores?! O botanico só pode guardar no seu herbario o fragmento da mumia de uma planta, sem perfume e sem viço, que já não respira e não ostenta a sua grandesa, formosura e magestade.

O que seria d’esse homem ethereo, que gyra no grande circulo da creação, que mede com o pensamento distancias milenarias, marca o itinerario dos astros, si entranha pelas nebulosas e devassa o espaço, e como que abrange o infinito?

Poderia elle, como um geographo sem cartas, ensinar ao nauta as vias do oceano, e as relações do seu oculo por todo esse campo, onde a humanidade procura Deos, onde deposita todas a as suas esperanças e toda sua felicidade?! O pensamento seria como uma ave rasteira na contemplação do universo sem este poderoso auxiliar, sem este ostensor das escalas da creação, que transportou o mestre do divino Platão da fórma á essencia, da geometria á metaphisica, e da materia ao espirito.

Sem esta percepção do bello, sem esse meio, sem esta revellação da bellesa ideal, o homem não poderia contemplar as outras faces da obra da creação, não poderia achar estas leis que os gregos acharam, e das quaes não é possivel desviar-se; porque a naturesa nas suas renovações continuas, na sua ordem, na sua simplicidade, só varia em circunstancias especiaes.

A esthetica, a theoria do gosto, com suas idéas indeterminadas, com seos principios vacillantes, não pode ensinar o segrêdo do bello em meia dusia de regras, em alguns preitos empiricos; já que as modificações do mundo das formas se negam a uma ordenação systematica. A eurythimia tem suas leis nos segredos do engenho, nas faculdades innatas, nos mysterios do instincto, nas harmonias do bom senso, e seu aperfeiçoamento nas qualidades adquiridas pela comparação e pelo trabalho pratico.

Para attingirmos á perfeição artistica, necessaria se torna a cultura do desenho, afim de não justificarmos o absurdo de Kant, que, pouco sciente da transcedencia das artes plasticas, considerou-as como pertencentes ás faculdades de segunda ordem, talves porque o artista obedeça ás leis preestabelecidas pela naturesa nas creações que ella offerece ao homem.

O desenho, pelo contacto em que nos põe com a forma, relações e bellesa do universo, pela quantidade de harmonias que nos fornece, pela synthese e pela analyse da estructura de todos os seres, por esta accumulação de idéas e pela colheita que fasemos do trabalho humano, dilata a nossa esphera intellectual, alonga-nos a existencia com a poupança de tempo, de viagens, de trabalhos e perigos; e com a maravilhosa transformação que fas do homem, tornando-o um receptaculo da obra dos seculos, e um depositario do pensamento graphico que encerra a primeira e a ultima pedra do monumento que ha de ser concluido pelas gerações vindouras.

Sem esta linguagem das fórmas, a unidade de pensamento não existiria nos templos egypcios; e nenhum de nós se poderia extasiar e contemplar esse grande poema que se estende do Indostão á China, do Euphrates ao Nilo, do Acropolis ao Capitolio, do Danubio ao Reno, do Sena ao Tamisa, e do Neva ao Téjo. Todas as nações que a tem cultivado com esmero se distinguem pelo seu bom gosto, pela sua superioridade, e pela perfeição de suas obras symbolicas: o palacio de Crystal justificou esta asserção. Sem arte não ha cunho de civilisação, não ha expressão do bello, não ha documento do passado. A ella deve a Grecia a eviternidade de seu imperio no futuro, e o respeito continuo que se tem consagrado a essa nação que nos deixou tão famosas e sublimes recordações; typos admiraveis, transfoleados com amor e enthusiasmo por todos aquelles que aspiram ás idéas archétypas.

Os caracteres de uma nobre civilisação, como a do seculo em que vivemos, se distinguem pela economia do tempo em planejar, pela prestesa na execução e pela tolerancia e liberdade do pensamento.

O homem de hoje, o herdeiro dos thesouros das gerações finadas, sciente da sua rapida passagem sobre a terra, e ambicioso de ajuntar idéas, de gôsal-as, procura abreviar o tempo em todas as suas execuções, communicações e especulações, para nivelar-se com os conhecimentos d’esse thesouro herdado, e progredir na sua nobre missão da perfectibilidade. Especie de Assucro, impellido a caminhar por uma força resultante dos elementos que o rodeiam, entrega o seu destino á velocidade e aos perigos da mechanica, e poupa tempo e esforços com a applicação que fas das forças da naturesa que elle escravisou pelo poderio do engenho.

A machina esculpe, grava, pinta, tece arabescos, cose, borda, e confectiona; ella se constitue um operário mudo e multiplice em suas producções; mas o que ganha em numero, ordem, proporção e velocidade, perde em variedade e naquelle encanto que nos dá toda a producção antimonotona, onde ha o cunho do genio e do individualismo.

A machina não funde o metal, mas metamorphosea-o pela galvanoplastica, não talha o marfim, mas o funde e o comprime no molde; não trabalha para a arte, mas para a industria, para o luxo material, para os conchegos, para essa vida compassada e inquieta do Norte-Americano, onde parece que o homem devera em breve, á força de calculo, admittir o suicidio como uma necessidade social, como termo legal de um consumidor que não póde produsir, nem equilibrar a balança material do cidadão do positivo concreto. Então virá essa nova especie de selvagem insaciavel para demonstrar que não é um paradoxo aquelle dito de Anarchasis: a tudo o homem se sujeita, excepto ao repouso e á felicidade. E no entanto, senhores, será sempre admiravel este prodigio da mechanica que se entranhou no gremio das bellas-artes, e supera a destresa humana pela velocidade, uniformidade e perfeição.

Será sempre admiravel o homem diante desta sua creação, deste espectaculo magnifico, crusando os braços, e a pensar em novas conquistas, em novos meios, em novos motores para encurtar o tempo e o espaço!

E o que será isto, Senhores, que pressa é esta, que pressentimentos nos assaltam, ou que nobre ambição é a que nos leva a tanto affan, e a estreitar a vida no circulo intenso de tão varias e incessantes necessidades?!

Tudo parece crescer e multiplicar-se n’este seculo.

O céo de Hyparco e Gallileo duplica a tribu luminosa a que pertence o mundo que habitamos; elle se engrandece com a apparição de novos astros, e offerece, por assim diser, um novo planeta em cada dia; e o homem, pela abundancia de tantos prodigios, parece olhar com indifferença para esses novos luzeiras, para essas apparições sidereas, a quem a antiguidade teria saudado com novos templos e novas oblações.

A terra acóde ao brado da Soberba Albião, que marca o meiado do seculo 19o com esse congresso da industria conjuncto da intelligencia materialisada. Nesse immenso concurso manual dos povos, n’essa festa da civilisação, com magoa o digo, meos senhos [sic], não figurou como deveria a nossa patria. E porque a segunda potencia americana, a terra mais opulenta em obras da Creação, a filha do Ypiranga e do Sol não compareceu na reunião secular que a rainha dos mares offereceu a todas as nações?

Porque a nossa industria não tem a bellesa suprema do estylo, porque não tem as formas agradaveis, porque não tem desenho, porque a arte ainda não se encarnou nas producções do artifice.

Quando as preocupações da Europa forem igualmente as nossas, quando olharmos para o tempo e para a extensão como duas preciosidades vitaes, a arte então se erguerá; e aquelle valor da naturêsa brasileira, que tão alto rutilou em Valentim, Caldas e José Mauricio, resplenderá tambem no espirito de uma mocidade intelligente e corajosa, que mais de uma vês o tem mostrado no Campo da batalha, nos lyceus e nos vôos sublimes da poesia.

Os élos da cadêa tecida pelo espírito da chicana e do fanqueirismo se hão de enfraquecer e dar largas ás idéas generosas, e a todas as manifestações de um nobre patriotismo.

Então o homem será mais flexível ás verdades dos factos, aos conselhos dos provectos; será mais accesivel ao estudo, e mais convicto de sua força e liberdade; então teremos o homem vidente, e com elle todo o cortejo luminoso de uma época organica, e a devida apreciação de todos os elementos civilisadores; e então não seremos tão diariamente victimas d’aquellas fraquesas que obliterão as faculdades da rasão e da previdencia: seremos uma nação com todos os nobres caracteres, e poderemos dizer á Europa culta como o Artista lombardo á vista de um primor de Raphael: Anch’io sono pittore!

E o que será do futuro, meos senhores, si a Providencia não interromper esta cadêa electrica, estes élos reveladores de novas harmonias, de novos segredos da naturesa, de novos meios para encurtar o tempo e o espaço!

O que será do futuro com tantas e variadas necessidades para a vida material, e tantos e multiplicadissimos factos para a vida intelligente!

Nada prevejo além do pressentimento de apparecerão genios simplificadores, apostolos do resumo, para n’uma especie de bateia colherem o precioso, e lançarem á margem os fragmentos impuros d’essas antigas jazedas [sic] que esconderam a verdade durante as luctas do pensamento em busca d’essa mesma verdade.

A palavra, o reflector finita das idéas, achou a escripta para faser permanecer o pensamento, e o desenho para simbolisal-o. A escripta achou a imprensa, a tachygraphia e o telegrapho electrico, e o desenho, a gravura, a lithographia e a photographia.

O carro e a nave, que encurtaram o tempo e a extenção ao homem do passado, se acham vencidos hoje pelo vapôr. Os dias de nossos Pais redusimos a minutos; e este globo immenso, limitado por Homero e Herodoto, engrandecido pelos Phenicios, pelos Carthagineses, e pelos Arabes, dilatado por Colombo, e medido por Magalhães, se acha hoje tão pequeno que parece um sonho! Os hemispherios se confundem, as nações se avisinham, e apenas restam, como um testimunho do passado, esses nomes divisorios, essas grandes linhas, essas distancias que o século XIX interrompeo com os brilhos de ferro, com helices voadoras, e com esses fios metallicos que levam o pensamento por cima da terra, pelo coração das montanhas e as profundidades do oceano. O vapor e a electricidade são os complementos do evangelho na fraternisação dos homens. Quantas crenças erroneas, quantos trabalhos contemporaneos não estarão condennados à desapparcer diante da retorta do chimico, a alavanca do machinista e da pilha do physico! O invento do americano Franklim, depois de espedaçar o raio, passou a esboaroar as rochas; o de Fulton está mudando a face da humanidade, e o do brasileiro Gusmão é um problema a resolver-se: os seos tres pontos já estão lançados por Icaro, pelo Voador, e por Montgolfier.

E quem nos conservou, Senhores, uma idéa d’este invento abafado nas trevas da inquisição? A arte, o desenho e a poesia, como demonstrou o Visconde de São Leopoldo; a estes agentes civilisadores devemos a gloria de possuir a aerostatica, a navegação etherea, que um dia fará seccar os mares, e achanar as montanhas.

Passemos d’estas generalidades aos pontos praticos, e vamos tentar mostrar mais positivamente o benigno influxo da arte nas sciencias, na industria, na philosophia, e na educação moral.

Se preencher uma parte d’este meu escopo, farei um serviço a minha patria e a minha gente que considera as bellas artes como invenções luxuosas, sem applicação aos altos destinos sociaes, e indignas de serem cultivadas pelos homens nobres e intelligentes.

Sendo todo o artefacto a expressão de uma idéa materialisada, é claro que este artefacto exprime pela sua forma, e pela perfeição do seu trabalho um pensamento e o estado da industria do homem que o confectionou. Se trepidamos em assegurar este principio sobre um objecto isolado, ou pertencente: aos conchegos domesticos, tomemos o que serviu ou serve, para o culto ou para o soberano, porque nos templos e nas regias a arte procura nivellar-se com as alturas do seu destino.

Comparados os tempos em que a industria mais há florecido entre as nações vemos sempre a arte revestir todos os seos productos de um todo harmonioso, de uma fórma commoda e agradavel, e de outras perfeições; n’esta mesma espécie de productos, expostos chronologicamente, podemos encontrar um seguro vestigio de todas as gradações moraes porque passaram aquelles tempos, e as idéas que dominaram desde o seu principio até a sua decadencia: Nos palacios e nos templos se encontram os extremos desta medida philosofica.

Ao perpassar pelo mundo domestico, fixemos as nossas vistas sobre algum objecto dos que abrigam o homem, e sobre outros que o rodeiam na chamada sepultura da vida.

A gradação que vai do chão batido ao mosaico é a mesma que se encontra da esteira á alcatifa, da pelle dos animaes á tapeçaria, da pedra á mesa, do tronco ao sofá, do giráu ao thalamo, do esteio á colunna, da grade á porta, do ferro á telha, e desta ao fastigio coroado pela mão do genio.

Olhemos attentamente para a superficie da terra, para este terreno onde caminha sem cessar o protheu da humanidade, onde elle se acampou, e deixou os vestigios da sua passagem nessas ruinas de marmore e porphiro, que podemos considerar como a ossada do seu organismo social, cujas proporções derrotam sua demóra, sua grandesa e seos triumphos, e veremos sempre a industria elevar-se progressivamente da cabana ao Parthenão, da tenda á torre de porcelana, do tabernaculo do deserto á cupola de São Pedro, do dolmem aos altares, da pedra bruta do pariarcha ao obelisco, e do cercado aos propilcos.

Para se avaliar precisamente esta gradação ascendente, para syntheticamente marcharmos sem tropeçar atravez de tantos e tão variados objectos, tomemos ainda por norma um dos monumentos mais duráveis sahidos da mão do homem, que, por sua pequena e solida materia, foge á voracidade do tempo, e se esconde intacto entre os delubros collossaes do orgulho humano.

Tomemos uma moeda, e com esse pequeno disco avaliaremos o estado da industria do povo que a cunhou, e mais ainda, as phases da sua história, a marcha das bellas-artes, e com estas o estado do desenho, que é o supremo indicador, o thermometro infallivel das oscillações do espirito revelado pela materia.

Para não allongarmos esta demonstração, passaremos por alto as sete phases caracteriscas da numinastica, de Alexandre até hoje, das quaes um dia vos entreterei, para mostrar-vos palpavelmente a sua elevação com o apparecimento de Phidias, na segunda época; as suas oscillações da Republica romana até Adriano, e a sua decadencia até o seculo 15; para de novo se elevar na época da renascença e deixar-vos os magnificos padrões dos reinados de Luis XIV, Napoleão Io, e os das época actual na Europa.

Deixemos esse bello campo de magnificas recordações, e passemos á uma demonstração infallivel desta doutrina, applicando-a aos factos do nosso Brasil. A historia do estado da nossa industria e estado moral, se conhece pelas nossas moedas. Tomemos tres moedas imperiaes, uma de 1822, outra de 1832, e outra de1850 para cá, e veremos que aquillo que vos digo não é o fructo de uma bella theoria que quer achar um nexo infallivel entre a materia e o espirito, por uma dessas subtilesas philosophicas que se baseam em raciocínios hypotheticos.

O que eramos nós em 1822? ­ os membros dissidentes de uma familia descentralisada e discorde nos meios de progredir; um povo assentado sobre um pedestal provisorio, com os olhos [riscado: f--t--] além do oceano, com o receio no coração, com o futuro ameaçado, e com a consciencia de que podia basear-se organica e definitivamente.

A industria portugueza tinha voltado ao ponto em que a encontrára o marques de Pombal no começo do seu reinado.

Todos os elementos civilizadores que o Senhor D. João VI concedeu ao Brasil não podiam fructificar, porque todos tinham o cunho mortifero provisorio.

Nas moedas de 1822 nota=se na face: 1a, medalha mal cunhada, trabalho grosseiro, e em tudo semelhante ás do reinado anterior; 2a, uma effigie mal desenhada, sem estylo, e sem os conhecimentos proprios da arte de modelar, e das relações dos planos para com a luz, afim de mostrar as fórmas e a phisionomia do principe; 3a, o busto coroado de louros, para symbolisar a victoria politica do Ypiranga, e a legenda em latim, para conhecimento do mundo intelligente.

Pelo reverso, está ainda a corôa real e o globo antigo, melhor gravados do que o resto, e que derrota o estado do espirito de uma época em reconstrucção, e o quanto influem as reminiscencias do passado.

O novo escudo, a zona armillar, o fumo e o café estão gravados sem arte, sem gosto, e com todos os caracteres da infancia da gravura; mas se não há dignidade estylo, ha um pensamento que denota aquelle momento de patriotismo, e de algumas virtudes heroicas: a inscripção do labaro de Constantino e do pathroado da ordem de Christo se acha encravado no escudo, e protegendo as antigas armas do Brasil, o globo e a cruz.

Comparemos esta meia-dobla com uma das cunhadas na minoridade, na época da incertesa, do egoismo e do exaltamento da politica individual, e veremos a legenda da cruz deslocada do seu logar significativo para o limbo da medalha, onde já significa que a victoria não é mais da cruz, mas sim do metal, e vereis com a historia na mão que esta mudança exprime o pensamento de uma época de recriminações internas, de indifferença para tudo o que não é materialmente pessoal. E o que foram as artes na Minoridade? Tradições de tradições.

Comparemos estas moedas com as que fasem actualmente, e acharemos um progresso da arte, que vai de par com a industria e com o espirito latente da nossa época.

Mas, a inscripção ainda não significa o que ella intenta; está como uma reminiscencia, está cortada como uma época que se modifica, e começa a mutilar as crenças do passado, sua fórma, e o seu dominio.

Aos que objectarem que estas observações não são significativas, e disserem que tudo desapareceria se o Governo chamasse um habil Gravador, responderemos: e porque não o fes, porque não reconheceu estes defeitos?

Porque não tinha consciencia delles, porque taes factos fôram a expressão da sua rasão e do seu consêlho. Quando um governo chama os homens habeis para exprimir suas idéas, o paiz está em progresso, a rasão publica em um plano superior, e as idéas generosas por sobre o campo do egoismo.

Juntai ainda, senhores, a má gravura ao máo cunho e baixo quilate do metal, que não vereis uma cousa isolada da outra; tanto mais que dous chimicos contemporaneos, depois de repetidas analyses, annunciaram ao paiz que o governo da Colonia, do reino Unido, do primeiro imperato, e da minoridade havia falsificado, por ignorancia sem duvida, o ouro de nossas moédas; e estes dous chimicos são dous Lentes da Escola Militar. Os detalhes destas analyses foram publicadas no Guanabara.

Comparai ainda as nossas ultimas medalhas com as ultimas de Portugal, comparai as effigies dos dous soberanos irmãos, e vereis que as de Portugal são incontestavelmente superiores ás nossas; e porque? Porque Portugal figurou mais do que nós no palacio de crystal; porque o governo de Portugal mandou vir um gravador ingles. A arte que preside ás moedas é a mesma que preside á confecção d’essas pesadas mobilias, sem gosto e commodo; é a mesma que dirige o ourives brasileiro n’essas baixellas, onde o pêso e a impuresa do metal superam a elegancia exigida nas obras de luxo.

Olhai para a folha de acantho, para as laçarias e meandros que o buril ou o cinzel dos nossos artistas vos levanta nesses vasos informes que por ali se fazem, e vereis uma completa ausencia do estylo, do gosto, da invenção e do raciocinio que infunde a cultura do desenho.

O estylo, esta palavra que na linguagem artistica encerra tantas e tão nobres qualidades, é a forma plastica porque se representa a naturesa; ou como se exprime o Snr. Semper, a saliencia elevada á significação artistica. No estylo estão as phases de uma civilisação.

Nas épocas de fé e de enthusiasmo, elle sobe de Orcagno á Raphael e á Miguel Angelo; nas de scepticismo desce á Pedro Beretini e á Bernini; e nas de reconstrucção volta a David e a Schinckel; e nas mixtas, como a nossa, se baralha e se confunde. A arte arte nos revela a aurora de uma nova phase humanitaria.

Quando, ha annos, a sociedade dos ourives propoz uma medalha para premiar a melhor memoria que lhe indicasse os meios de elevar a sua arte a par das obras da Europa, tive vontade de corresponder a esta nobre exigencia com duas palavras somente ­ chimico e desenho ­; e se não o fiz foi por temer que tanta simplicidade não fosse comprehendida pela maioria dos seos membros. Á primeira palavra já respondeu a casa da moeda, e á segunda responde agora a Academia das Bellas - Artes.

As novas aulas, que o Governo Imperial offerece [riscado / ilegível] hoje á mocidade n’esta reforma do ensino, vão abrir uma nova época para a industria brasileira, e dar á mocidade uma segura subsistencia.

N’ellas receberá o artifice uma nova luz, negada ha trinta annos por aquelles que vivem de uma parte do seu suor; n’ellas se subtrahem mais uma parcella da divida contrahida no Ypiranga; porque uma nação só é independente quando permuta os productos da sua intelligencia, quando se satisfaz a si propria, ou quando se levanta a consciencia nacional, e sahe da arena tulmutuosa, onde se debatem as contradicções internas com as externas, para se occupar dos seos progressos materiaes como base de sua felicidade moral.

Nestas novas aulas terá elle um manancial fecundo em todo o seu futuro, uma nova vista para estudar a natureza e admirar a sua infinita variedade e formosura.

Estudai, oh môços mais felizes que os velhos, a quem se não franquearam os bens de que gozais. O tempo em que se aprende é uma doce expiação porque passa no meio das delicias da esperança, para gozar mais tarde d’aquelle prazer ineffavel de entrar em contacto com o mundo do bello, e discorrer livremente com a phantazia adornada. O alunno das artes deve ser como o servo russo, que se submete ás armas, á uma escravidão mais regular e mais severa, para obter uma alforria, que o torna cidadão na sociedade que o desprezava.

Aproxima-te, Lavrante, e dize-me porque as tuas obras não são como as de teu avô, que fez essas lampadas de prata que illuminam os templos, e essas banquetas e frontaes que adornam os seos altares? Será porque teu avô pedia ao mestre Valentim um desenho, e reconhecia que na fronte do esculptor raiava uma parcella do lume da divindade; ou porque tu crês que o mundo hade admirar os teos esforços secretos em compores obras sem conhecer a lingua das artes?

Diz-me, Artesão, porque as tuas obras são tão rudes, e paressem condennadas á uma immobilidade vergonhosa, e tu mesmo a viveres como uma machina rustica; dize-me a rasão porque te vence o estrangeiro, esse homem que tem uma cabeça como a tua, e dous braços como os teos? Será porque não te ensinaram a segurar o compasso; será porque te calaram a lingua das harmonias, ou porque e fecharam o livro do bello e todas as avenidas da luz; ou porque a tua natureza refractaria te condenna a uma escuridão forçada?!

Pedreiro, onde está o segredo da bellesa concordando com a força e a economia; onde estão essas leis que ensinam a harmonia das linhas, e dar aos teos muros um novo encanto á luz do dia?

Carpinteiro, onde estão essas doutrinas que o teu collega desconhece, e que tu igualmente ignoras; por que foges das leis da naturesa, da estatica, e mal travas o teu madeiramento, e revestes o interno das tuas obras sem gosto nem variedade, como o castôr na immutabilidade das suas construcções?

Será porque te não ensinaram a manejar o compasso do geometra; porque não te ensinaram, a ter n’essa parte da sciencia humana, que é tua e da tua profissão, ou porque és indocil aos conselhos da arte, e não queres aprender a travar o lenho, a firmar uma tesoura, a conheceres as leis da pressão, e a levantares uma cupola como a dos Invalidos, ou uma grimpa como a de Santo Estevam?

Dise-me, oh Entalhador, porque os teos ornamentos não têm estylo, não tem invenção, porque não dás vida e graça á folhagem que encrespa a tua goiva e ás figuras que o teu formão modela, porque vives n’essa vida monotona da escravidão do copista; porque te assemelhas á critica de Pope, estragando o passado e aniquilando o futuro?

Será porque não desenhas, ou porque foges do architecto, ou porque não te ensinaram as leis da ordem da symetria e do bello esthetico?

Responde-me, oh Canteiro, porque a pedra se torna escabrosa e desalinhada ás pancadas de teu ferro, e não se modela como a cera ao morder do teu cinzel; porque não alteras essas linhas da tua porta e cimalha que tão mal se ajustam com o fastigio informe com que as corôas; porque não te aproximas do typo grego, aquelle que foi creado para as regiões de sol, para que a lus obrasse em seos relevos e cavidades esses contrates, essas modificações suaves, essas céos brilhantes da eurythimia, essa vida e encanto dos ornatos e laçarias? Desconheces a tua nobre missão; não sabes que és o nobilitador das cidades e das éras, e que em tuas obras estão os padrões de nobresa da cidade? Será porque é indolente, ou porque só vês na tua arte o cibo animal, e não a gloria, ou por que o teu espirito é rude como a pedra que esboroas, ou porque te fecharam o templo das artes?!

E vós, estrucadores, apostolos caprichosos de uma arte bastarda e insignificante, que mascarais diariamente esta cidade, e a ides convertendo n’uma cidade mourisca; porque fazeis tectos pesados como os de um subterraneo; porque nivelais o toucador com a cripta funerea; porque povoais de engrimanços e folhagens as frentes dos edificios, sem idéas, sem pensamento algum?!

Oleiros, filhos de Bernardo de Palissy, onde estão as tradicções da arte ceramica, tão formosa em todas as épocas de gôsto; conheceis o vaso das Panathenéas modelado por Phisia; conheceis os primores da Etruria e da Grecia magna? Não, a vossa arte está na infancia, está ainda na barbaria.

Quintino Metins é desconhecido dos nossos ferreiros..... e até vós sapateiros e alfaiates, sacerdotes da moda, porque não vindes aprender o que vos falta, para acompanhardes a naturesa com os trajes, e libertar o homem da incónstancia da moda, que com os seos estultos devarios o condenna a torturas perniciosas?

E vós mesmos, artistas, estatuarios, pintores, architectos, e...... Seja-nos permittida uma introversão n’este momento, porque a hora se aproxima: do operário surgirá o artista e o fabricante, e d’elles a época que aguardamos n’esta Academia. Ah! vinde saudar a nova aurora. Na atalaia do templo das Musas sôa a hora da vossa regeneração, e de vossa emancipação da escravidão da rotina; as portas estão abertas e a sciencia vos espera.

Aqui vos ensinaremos d’ora avante o caminho que seguio Ghiberti, Benvenito Cellini, Valerio Vicentino, Alexandre Cezare, Grechetto, Cavino, e o moderno Vichte; aqui te faremos ver como se chega ás portas do baptisterio de Florença, às baixellas de Francisco 1o, de Carlos 5o, dos Medicis e dos Cezares; e como ao movimento do torno se convertem as cornalinas e as agathas de Taquary em rivaes do brilhante do Serro, como outr’ora os Dioscorides, Apolonios e Pirgoletis.

Aqui te ensinaremos a fundar como no Egypto, a murar como em Roma, a esculpir como na Grecia, e a tornear como no Pireu; porque aqui te repetiremos todas as tradicções herdadas, e collocaremos diante dos teos olhos e da tua alma esses exemplares divinos que immortalisaram um Paladio, Schinkel, um Percier, um Hittorf e um Klenze, até o dia afortunado em que a munuficencia imperial te outorgar a ventura de ir saudar o Louvre, o Vaticano, e o Parthenão.

Mas não vamos tão longe nos ardentes vôos de nosso patriotismo; esperemos um pouco, arranquemos algumas pennas das asas da esperança até que de novo cresção. Não se atire ao Céo a flecha de Dario após uma victoria; porque depois da conquista de tantas cidades o Céo mandou-lhe as derrotas de Salamina e Marathona.

Ha um orgão maravilhoso na humanidade, que quando sôa acorde á gloria de um principe entrega-lhe o século em que elle viveu: assim o fez aos Medices, á Francisco 1o, á Luis 14, aos Philippes, á Pedro - o Grande, á Napoleão 1o, e a todos esses lumminares da antiguidade. Este orgão sonoro e harmonioso, que se repercute na posteridade, é composto das filhas das Musas; é hynno da intelligencia, é a vós de uma época inteira que para melhor atravessar a humanidade se resume nas melodias do poéta, nas voses do historiador, nos monumentos das artes, e nos prodigios da industria.

Esse orgão começa agora a abrir as suas primeiras voses no Brasil.

O brasileiro usando da phrase do Snr. D.or Capanema, já desenha com a luz, escreve com o raio, e navega com o fogo; já se apoderou das trez almas do grande seculo em que vivemos: a photographia, a electricidade, e o vapor! O homem d’este seculo tornou-se um semideus, porque unio a si um outro ser por elle creado, que duplica a sua naturesa: A alavanca e o carretel são os orgãos d’esse novo ser que augmenta as suas forças, multiplica o seu trabalho, abrevia-lhe o tempo e o espaço, encadêa os elementos, e os combate diariamente. Quem não pasmará á vista d’esse ser complementar, com seu esqueleto de ferro, com seos musculos de bronze, movendo-se, já para reprodusir o pensamento da industria, já para disputar a força de mil Alcides, e já para fazer o homem voar pelos mares e por toda a terra!

Para chegar á estas alturas, para conquistar esse paraíso da creação, é que o governo vos abre estas novas aulas industriaes, onde podereis aprender o segredo de transportar a fórma e a sciencia de um ponto a outro.

A philosofia da fórma tem a sua linguagem no desenho, o seu raciocinio na mecanica, e os seos triumphos na industria. O fogo de Prometheu está na lampada de Minerva.

Mocidade, deixai o prejuiso de almejar os empregos publicos, o telonio das repartições, que vos envelhece prematuramente, e vos condus á pobresa e á uma escravidão continua; apliccai-vos ás artes e á industria: o braço que nasceu para rabote ou para a trolha não deve manejar a penna. Bani os preconceitos de uma raça decadente, e as maximas da preguiça e da corrupção: o artista, o artifice e o artesão são tão bons obreiros na edificação da patria sublime como o padre, o magistrado e o soldado: o trabalho é força, a força intelligencia, e a intelligencia poder e divindade.

Snr. Minisro do Imperio. Está dado o primeiro passo para a emancipação do artista, para o progresso fundamental das bellas artes e da industria brasileira. O coração de Vossa Exa. deve regogisar-se n’este dia; deve provar aquella doce effusão que sente todo o varão animado da religião do patriotismo.

A Academia das Bellas-Artes, para perpetuar o seu reconhecimento de uma maneira condigna dos desvellos que V. Exa. tem mostrado a bem dos filhos das Musas, ordenou que á sua custa se fizesse em marmore o busto de V. Exa., e que este fosse collocado na sala publica da sua biblioteca a par do busto do venerando Visconde de São Leopoldo, fundador d’este estabelecimento.

É este o testemunho que deixaremos á posteridade para assignalar o nosso reconhecimento para com preclaro e laborioso executor desta reforma, toda devida a patrioticos e paternaes sentimentos do Senhor Dom Pedro Segundo nosso Imperador. “Disse.”

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[1] Documento manuscrito contendo 34 páginas. Encontra-se no Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Coleção Araújo Porto-alegre, DL 653.21

[2] Discente do Mestrado em História social da cultura do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Juiz de Fora.