A relevância das retóricas visuais na formação artística brasileira

Reginaldo da Rocha Leite e Danilo Ribeiro Coelho*

COELHO, Danilo Ribeiro; LEITE, Reginaldo da Rocha. A relevância das retóricas visuais na formação artística brasileira. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 4, out. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/ea_ret_reg.htm>.

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Este artigo é fragmento de um estudo maior voltado para a relevância da Retórica dos Materiais Artísticos na Produção Visual Brasileira financiado pelo Centro Universitário Bennett - Metodista do Rio.  No presente texto são verificadas diversas visões teóricas e definições sobre a Retórica Visual na formação do artista e suas implicações na produção artística.

Durante os séculos, filósofos e poetas se esmeraram na técnica do discurso, oral ou escrito, através da Retórica.  Entendendo tal conceito como a arte de bem falar ou escrever, com o propósito de convencer ou persuadir, a Retórica também foi um recurso largamente utilizado na pintura.  Lembrando que a arte pictórica primou pela narrativa dos grandes temas do passado, os artistas precisaram recorrer a uma linguagem que pudesse contribuir para um 'imediato' entendimento por parte do observador do contexto geral da cena pintada.  Esse auxílio empregado de forma visualmente narrativa foi a Retórica Visual que teve como aliado o caracter gestual[1] .

Os antigos reconheciam a arte da Retórica como fundamental às diversas linguagens, quer pertencessem ao âmbito jurídico, político ou artístico, principalmente em relação à arte figurativa[2].  Contudo, na Itália por volta do início do século XVI, a aproximação da arte pictórica com a poesia se dá no campo da analogia, difundindo-se assim, a Retórica aristotélica[3].  Jacqueline Lichtenstein chama atenção para a importância dessa analogia, pois com ela a pintura assumiu status de arte liberal com caráter narrativo pela imagem figurativa tal como a poesia pela palavra[4].  Dessa forma, a função retórica da pintura é explorada em larga escala pela Igreja católica a fim de persuadir, convencer, emocional o fiél[5].

Na visão de Argan a pintura não só ascende socialmente com a ênfase dada à Retórica como também absorve os elementos gramaticais da poesia capazes de sublimar sentimentalmente a relação pintura-observador[6].  Já, segundo Sonia Gomes Pereira,

o Ut pictura poesis tanto modificava o estatuto da pintura, como lhe impunha as categorias da poética e da retórica, concedendo-lhe a mesma finalidade que Aristóteles atribuía à poesia dramática: a de contar história. Desde então, pintar consistia em transpor uma sequência narrativa - e portanto temporal - para o espaço imóvel do quadro. O problema, então, passava a ser como transmitir as ações e os sentimentos que a história envolvia para um meio 'instantâneo' - assunto discutido por vários teóricos. [7] 

Pereira levanta, ainda, um outro ponto importante para a face retórica da pintura: “Nessa difícil passagem da sequência narrativa para o espaço imóvel do quadro, o pintor contava com um recurso fundamental: a representação das emoções pelos movimentos e expressões corporais[8].  Assim o artista mergulha cada vez mais no oceano da teatralidade pintando espetáculos bidimensionais representados por ações de personagens, expressões faciais ou gestos na tela que enriquecem a cena, ou melhor, são os elementos sintetizadores e fundamentais da narrativa pictórica[9].

Félibien cita os dois elementos que, para ele, são os dois pontos essenciais para a composição em pintura: a teoria e a prática[10].  Destacando o tema como ponto nodal de uma pintura, elemento ligado à teoria e ao raciocínio, o teórico ainda estabelece a hierarquia temática da arte pictórica consistindo, segundo ele, nos “temas mais sublimes”, ou ainda, “os mais excelentes” que englobam todos os outros: a fábula, a história e a alegoria.  Nesse contexto, um fator é citado por Félibien visando a compreensão do assunto pintado: a relação entre as personagens da cena.  Segundo ele, mesmo se a obra possuir muitas figuras com ações e gestos variegados, todas elas devem relacionar-se diretamente com a personagem central, que deve estar destacada e visível aos olhos do observador.  Portanto, é cobrado ao pintor a necessária aproximação com a realidade do mundo físico, com toda a riqueza e variedade de detalhes a serem representados, mas principalmente, hipervalorizando os aspectos sentimentais das paixões humanas externados pelo pathos[11].  Félibien também chama atenção para a comunicação narrativo-visual entre o artista e o observador em relação à obra.  Segundo o teórico é importante a representação pela verossimilhança das expressões passionais para que a pintura possa atingir “o espírito de todos”, levando o público ao “deleite” devido a rápida identificação com a cena pintada e seu 'imediato' entendimento.  De acordo com Félibien para que o teatro pictórico seja 'perfeitamente encenado' o pintor não pode esquecer de um dos elementos primordiais da ambientação temática, a indumentária[12].

Para que a narrativa seja transladada integralmente ao âmbito do quadro o pintor recorre a uma ferramenta imprescindível para consolidar a 'perfeita' comunicação entre obra e observador, ou seja, o gesto.  Segundo Michael Baxandall a representação do gesto na tela é parte integralmente responsável pela consistência da Retórica e extremamente necessário no que diz respeito à persuasão[13].  O gesto pictórico deve ser de fácil compreensão e para que isso ocorra o artista se utiliza do método seguido pelos pregadores buscando com isso alcançar o total convencimento da história contada[14]. O teórico, no mesmo texto, descreve uma listagem publicada no século XVI que servia de orientação aos oradores objetivando com isso a perfeita ligação entre gesto e Retórica com efeito de persuadir[15].  Destaca ainda, a necessidade do pintor em distinguir a tipologia dos gestos nas diversas categorias, tais como: o gesto de caráter religioso, o mundano, o retratístico, entre outros[16].

A conclusão que se impõe é que no âmbito da Retórica Visual o gesto é a principal ferramenta para a consolidação da clareza narrativa do tema.  Para representar a personificação da melancolia, por exemplo, o pintor deve recorrer a uma pose, a um gesto específico consolidado pela tradição.

Inaugurando a Biblioteca da Academia Imperial das Belas Artes em 1835 Félix-Èmile Taunay dava mais um passo à frente contribuindo com a formação teórica do artista oitocentista.  Compondo o acervo bibliográfico da instituição a partir de doações dos professores e de obras duplicadas oriundas da Biblioteca Pública do Tesouro Nacional, Taunay traduziu tratados de anatomia e livros correspondentes, entre outros assuntos, ao ensino da perspectiva e da pintura a óleo. A tradução de tais obras fazia-se fundamental no acesso dos alunos brasileiros às teorias artísticas das Escolas Européias facilitando o entendimento das técnicas utilizadas em quadros existentes nos museus estrangeiros.  Essa idéia de Taunay ia ao encontro da proposta por Lebreton na criação da Academia Imperial das Belas Artes que condicionava a formação do artista brasileiro à fundamentação européia, seja pela observação das telas adquiridas para a futura Pinacoteca ou pelo estudo das obras literárias que continham os segredos pictóricos da tradição dos grandes mestres da história da arte.  Uma das obras traduzidas por Taunay, pertencente ao Setor de Obras Raras do Centro de Memória da Escola de Belas Artes da UFRJ, é Arte de pintar a óleo conforme a prática de Bardwell, baseada sobre o estudo e a imitação dos primeiros Mestres das Escolas Italianas, Inglesa e Flamenga, do autor Thomas Bardwell (1704-1767), que apresenta uma introdução escrita por Taunay e direcionada aos alunos brasileiros[17].  Assumindo os pontos negativos do trabalho traduzido Taunay aconselha os alunos brasileiros a terem cuidado ao usarem as cores, advertindo também, o dever da dedicação ao desenho, elemento primordial à confecção de uma pintura.

Outra obra traduzida por Taunay, em 1837 e fundamental às nossas discussões, é o Epítome de Anatomia relativa às Bellas Artes seguido de hum compêndio de physiologia das paixões e de algumas considerações geraes sobre as proporções com as divisões do corpo humano; offerecido aos alumnos da Imperial Academia das Bellas Artes do Rio de Janeiro [cf. Fac-simile]. Localizado atualmente no acervo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ a obra era um importante complemento às aulas de modelo vivo e de anatomia inseridas na Reforma dos Estatutos de 1833 da Academia e fundamentalmente um suporte para o estudo da Osteologia e miologia[18].  Apesar da introdução e consequentemente, do correr do correr do texto indicar as tábuas de imagens, não foi possível angariar fundos para tal confecção ocasionando a ausência das figuras no corpo da publicação[19].  Devido à escassez de verbas para a ilustração do Epítome ficou a cargo de Taunay apenas a tradução já que as imagens seriam buscadas na coleção de pinturas da  Academia Imperial, para que essas servissem de exemplos nas questões descritas no livro[20].  Nesse momento fica caracterizado o entrelaçamento da qualidade narrativa da pintura figurativa com o texto descritivo, ou seja, externar por ações e gestos imagéticos os estados da alma das diversas personagens inseridas no quadro.  Esse diálogo entre figura e narração é consolidado pela Retórica Visual elemento imprescindível na educação do olhar e no enriquecimento do repertório temático do aluno.

O Epítome é constituído por três partes oriunda de obras de autoria distintas.  A primeira parte apresenta o estudo referente à “Osteologia, Myologia e Physiologia das Paixões” de Roger De Piles e François Tortebat sendo a mais extensa da publicação com trinta e uma páginas.  A segunda “Physiologia das Paixões” de Charles Lebrun contendo oito páginas e, finalmente a terceira e última parte destinada ao trabalho dee Aubin-Louis Millin “Algumas Considerações Gerais Sobre as Proporções” com oito páginas. É fundamental às nossas discussões aprofundarmos o estudo da segunda parte do Epítome dedicada à representação dos estados da alma[21].

Taunay enumera um grupo vasto de paixões.  São elas: tranquilidade, alegria, admiração, pasmo, attenção, estima, desprezo, ódio, horror, espanto, tristeza, abatimento, riso, choro, cólera, extremo desespero, amor simples, desejo, esperança, veneração, êxtase, dor corporal simples, dor aguda de corpo e de espírito, dor corporal extrema, temor, compaixão e ciúme.  Com esse trabalho Taunay alcançou um objetivo extremamente relevante; proporcionar aos estudantes brasileiros o acesso às regras de representação e aos critérios de personificação dos sentimentos abstratos do homem.  Ao estudarem a Physiologia das Paixões os alunos da Academia Imperial estariam mais fundamentados e seriam capazes de identificar nas pinturas da Pinacoteca da instituição a Retórica Visual proposta por cada personagem pintada.  A título de exemplo vale citar a descrição do verbete tranquilidade: “Quando a alma está n'hum socego perfeito, as feições do semblante ficão no seu estado natural. Hum aspecto de satisfação pode exprimir esta situação tranquilla”.  No caso do horror, Taunay ressalta: “A sobrancelha se franze, e se abaixa muito mais do que na paixão antecedente [o desprezo e o ódio]. A pupilla desce e fica meio escondida detraz da pálpebra inferior. A boca semi-aberta, mais apertada no meio do que nas extremidades, forma rugas nas faces. O semblante é pallido, os lábios lívidos, os músculos e as veias apparentes”.  Para explicar a sensação de êxtase era preciso indicar: “[...] o grão máximo da admiração. Quando a este sentimento se une a veneração, e que o seu objecto meramente intellectual não occupa senão o espírito, a cabeça se deita do lado esquerdo; as sobrancelhas e a pupilla se dirigem directamente para cima; a boca fica meio aberta, com os seus cantos hum pouco elevados. O resto do semblante se conserva no estado natural”.  Em relação à compaixão o compêndio esclarece que: “As sobrancelhas se abaixão para o meio da testa. A pupilla olha fixa para o objecto da paixão. As ventas, hum pouco elevadas do lado do nariz, formão nas faces pregas leves; a boca abre-se, e o lábio superior se eleva e sobresahe. Todos os músculos do semblante estão lesos e como dirigidos para o objecto da compaixão”.

Todo esse detalhado estudo teórico proposto pela tradução de Taunay vai complementar a fundamentação do embate entre o pintor e o fazer artístico evidenciado na prática da cópia de pinturas européias e na consulta constante de alunos e professores da Academia à Pinacoteca da instituição durante as aulas[22].

A preocupação com a Retórica na pintura não se desfez com o nascimento da Escola Nacional de Belas Artes continuando a ser ponto referencial para a edificação pictórica no âmbito institucional[23]Modesto Brocos, em seu escrito, parte da definição de Retórica pelos antigos[24] estabelecendo o paralelo entre a Retórica Literária e a dos pintores[25].  Indica ainda, de forma clara, o caminho a ser galgado pelos principiantes na arte da pintura priorizando além da assimilação de tipologias perpetuadas pela tradição dos grandes mestres a temática, e consequentemente o discurso narrativo do trabalho, ou seja, a sua Retórica Visual[26].

* Reginaldo da Rocha Leite é doutorando em Artes Visuais EBA/UFRJ e professor do Centro Universitário Bennett - Metodista do Rio.  Danilo Ribeiro Coelho é pesquisador bolsista de Iniciação Científica no Centro Universitário Bennett - Metodista do Rio.

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[1][...] toda pintura é narrativa ou icônica: representa uma história, profana ou religiosa, ou evoca a imagem de uma personagem ou de um tipo alegórico (as virtudes e os vícios, a Igreja, a Sinagoga...). Assim, ela requisita a memória e incita à meditação e à oração.- LANEYRIE-DAGEN, Nedeije. “Os gêneros pictóricos”. LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura/textos essenciais, vol.10, São Paulo: Editora 34, 2006, p.09.

[2]É o primeiro reconhecimento do valor da fala, da comunicação, da força persuasiva do discurso, da elocução: um contraste cujos vestígios também estão nas discussões sobre a arte figurativa.. ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e Persuasão, São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.34.

[3]O conceito de analogia entre pintura e poesia tem raízes remotas, precisamente na arte veneziana do século XVI: sabe-se que Ticiano chamava seus quadros com tema mitológico-erótico de 'poesias'. Por sua vez, essa definição remonta a Almorò Barbaro, que foi entre outras coisas o primeiro a popularizar a Retórica aristotélica”. ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e Persuasão, São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.34. Segundo a Retórica aristotélica “Nem meios nem fins, as paixões são as respostas às representações que os outros concebem de nós, são representações em segundo grau. Mais tarde, serão chamadas formas da consciência de si. Aliás, se nos debruçarmos sobre a lista das paixões elaborada por Aristóteles, veremos que nela não se encontra o que os modernos classificariam de paixões, pois entre estas deparamos com a calma e a vergonha. Seria bem estranho que  um contemporâneo se declarasse tomado pela  paixão da calma! Quais são essas paixões em Aristóteles? A lista é diferente na Ética a Nicômaco e na Retórica: há onze paixões na Ética, catorze na Retórica. E a razão disso é a ênfase diversa. Na Ética, há a alegria, o desejo ou o pesar, que são estados de alma da pessoa considerada isoladamente, por assim dizer, ou em todo o caso tomada em sua temporalidade individual. Na Retórica, ao contrário, as paixões passam por resposta a outra pessoa, e mais precisamente à representação que ela faz de nós em seu espírito. As paixões refletem, no fundo, as representações que fazemos dos outros, considerando-se o que eles são para nós, realmente ou no domínio de nossa imaginação. Poder-se-ia então dizer que há aí um jogo de imagens, talvez mesmo de imagens recíprocas, antes que a fonte das reações morais, cujo objetivo seria então o da Ética. Assim, somente na Retórica encontraremos a indignação ou a vergonha, que são na verdade paixões-respostas à imagem que formamos do outro, sobretudo do que o outro experimenta a nosso respeito. Essas catorze paixões são: cólera, calma, temor, segurança (confiança, audácia), inveja, impudência, amor, ódio, vergonha, emulação, compaixão, favor (obsequiosidade), indignação e desprezo. O que Aristóteles se dispõe explicitamente a mostrar em sua Retórica é que as paixões constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencer. Um crime horrível deverá suscitar indignação, ao passo que um delito menor, absolutamente perdoável, deverá ser julgado com compaixão. Para despertar tais sentimentos, é preciso conhecer os que existem antes de tudo no instigador do auditório. Há aí uma verdadeira dialética passional, que se enreda sempre em retórica com um ajuste  das diferenças, das contestações, o qual deve chegar, para que haja persuasão, a uma identidade, o ideal político de toda relação com outrem.”. MEYER, Michel. “As grandes paixões segundo Aristóteles”. In: ARISTÓTELES. Retórica das paixões/Aristóteles; prefácio Michel Meyer, São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp.XL-XLI.

[4] ''Foi um dos meios - e um dos mais importantes - para a pintura gozar do reconhecimento até então reservado às artes da linguagem, isto é, ter acesso à dignidade de atividade liberal, pois questionava uma hierarquia metafísica e social, que pesava sobre a pintura a séculos. Por um lado, desagravava a pintura da suspeita platônica, demonstrando que ela não é essa prática ilusória e sofística, mas sim um saber, talvez até a forma mais perfeita do saber. Por outro lado, desfazia o vínculo social que, desde a Idade Média, a prendia às chamadas artes mecânicas, provando que ela não era um ofício, uma ocupação servil, mas uma arte liberal, isto é, uma atividade digna de um homem livre. Portanto, Ut pictura poesis é a peça essencial de um imenso empreendimento de legitimação social e teórica da pintura. Sua finalidade é estabelecer que a pintura provém da Idéia e não da matéria, do intelecto e não da sensibilidade, da teoria e não da prática. Tal objetivo não poderia ser alcançado sem uma ligação constitutiva entre as artes da imagem e as da linguagem, pois a linguagem gozava, desde a Antiguidade, do privilégio de ser ao mesmo tempo a ordem do discurso e a da razão. A exigência da legitimidade só pode ser obtida pela pintura estabelecendo sua relação com o discurso. Com essa comparação, a pintura reintegra finalmente o universo do Logos e o pintor passa a ter acesso à condição do orador ou do poeta.. LICHTENSTEIN, Jacqueline. “O paralelo das artes”. In: A Pintura/Textos Essenciais, vol. 07, São Paulo: Editora 34, 2005, pp.11-12.

[5]Não se contesta que na arte barroca prevalecem os motivos religiosos e morais; nem que ela foi amplamente utilizada - exatamente por sua força de persuasão - pela Igreja católica para os seus fins de propaganda.. ARGAN, Giulio Carlo. Op. Cit., p.37.

[6]Quando o tema ut pictura poesis ressurge no fim do século XVI, a orientação humanista já desapareceu, e o binômio pintura-poesia se transforma no binômio pintura-eloquência. A crítica de Bellori cai como uma luva à pintura dos Carracci: é uma crítica totalmente descritiva, fundada sobre o princípio de que os valores da obra figurativa devem poder ser integralmente transcritos em valores literários, em que o substantivo é a forma, o verbo é a composição e o adjetivo é a cor.. ARGAN, Giulio Carlo. Idem, p.34.

[7] PEREIRA, Sonia Gomes. “As Tipologias da Tradição Clássica e a Pintura Brasileira do Século XIX”. In: Anais do XXVI Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, São Paulo: C/Arte, 2006, p.540. A pesquisadora complementa citando palavras de Du Bos: “Como o quadro que representa uma ação nos permite ver apenas um instante da sua duração... o pintor... pinta seus personagens uma única vez e não pode empregar senão um traço para exprimir uma paixão em cada parte do rosto na qual essa paixão deve ser ressaltada..”.

[8] PEREIRA, Sonia Gomes. Idem, p.540.

[9]Entretanto, assim como nas peças de teatro a fábula só será perfeita se tiver começo, meio e fim de modo que se compreenda todo o tema da peça, também nas grandes obras da pintura, para melhor instruir os que as verão, é possível dispor as figuras e todo seu ordenamento de tal forma que se possa imaginar inclusive o que precedeu a ação que se representa.” - FÉLIBIEN, André. “A Hierarquia Clássica dos Gêneros”. LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura/Textos Essenciais, Vol. 10, São Paulo: Editora 34, 2006, p.42.

[10][...] Mas, em vez de me deter em tamanho detalhe, creio ser melhor falar de modo geral sobre a composição de um quadro em que se pretende representar alguma fábula, alguma história ou alguma alegoria, que são os temas mais sublimes e que, sendo os mais excelentes, compreendem todos os outros. Por isso direi que há duas partes principais a considerar: uma que diz respeito ao raciocínio ou à teoria, e outra que diz respeito à mão ou à prática. As partes pertencentes à teoria são as que fazem conhecer o tema e servem para torná-lo grande, nobre e verossímel, como a história ou a fábula; aquilo que se chama de costume, que é a conveniência necessária para exprimir essa história ou essa fábula, e a beleza dos pensamentos na disposição de todas as coisas. [...] aquilo que num quadro se chama de história ou fábula é uma imitação de alguma ação que ocorreu ou que pode ter ocorrido entre várias pessoas. Mas é preciso notar que, num quadro, só pode haver um único tema; e, ainda que ele esteja repleto de um grande número de figuras, é preciso que todas tenham relação com a principal.” - FÉLIBIEN, André. “A Hierarquia Clássica dos Gêneros”. LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura/Textos Essenciais, vol. 10, São Paulo: Editora 34, 2006, p.41.

[11]É preciso ainda que se perceba a possibilidade em todas as ações e em todos os movimentos das figuras, assim como na expressão geral do tema principal, a fim de que em tudo se encontre a verossimilhança, por ser uma parte muito necessária e que atinge o espírito de todos. [...] O mais importante para a perfeição da fábula ou da história são as diversas expressões de alegria ou de dor, e todas as outras paixões que convêm às pessoas representadas, [...] se pode acrescentar também a variedade de expressões das cabeças e das atitudes. Porque são essas belas partes as que mais tocam aqueles que observam um quadro e que, ao levá-los com deleite a um perfeito conhecimento do tema tratado, os fazem participar dos mesmos sentimentos de alegria ou de admiração que sentem as pessoas representadas.” - FÉLIBIEN, André. “A Hierarquia Clássica dos Gêneros”. LICHTENSTEIN, Jacqueline. Idem, pp.42-44.

[12]Tendo considerado o que diz respeito à história [...] , passarei agora à indumentária, que não é outra coisa senão a observação exata de tudo o que convém às pessoas que são representadas, as quais devem aparecer com características de grandeza ou de vulgaridade, de bondade ou de malícia, em conformidade com o que devem representar [...], e que consiste ainda na conveniência que deve ser observada em relação às idades, aos sexos, às regiões e às diferentes profissões, aos usos, às paixões e às maneiras de vestir próprias de cada nação. [...] [Essa parte] não é de menor importância, ao contrário, pode-se dizer que é uma das mais necessárias para instruir os ignorantes e uma das mais agradáveis aos olhos das pessoas cultas.. - FÉLIBIEN, André. “A Hierarquia Clássica dos Gêneros”. LICHTENSTEIN, Jacqueline. Idem, p.45.

[13]Mas podemos encontrar algumas indicações no gesto, expressão física mais convencional do sentimento e, de uma certa forma, extremamente útil para decifrar as pinturas.. BAXANDALL, Michael. O Olhar Renascente, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p.65.

[14]Tratando da mesma questão que os pregadores, e nos mesmos lugares, os pintores deixaram penetrar em suas pinturas a expressão física do sentimento segundo o estilo usado pelos pregadores.. BAXANDALL, Michael. Idem, p.68.

[15][...] mas existia normalmente um repertório tradicional de manifestações teatrais mais moderadas. Na terceira edição de Mirror of the world (O espelho do mundo), de 1520, há um breve resumo inglês dos principais gestos tradicionais:

1... quando falares de um assunto solene, fica em pé, ereto, com um leve movimento do teu corpo, mas apontando com teu dedo indicador.

2 - E quando falares de um fato cruel ou com cólera, fecha teu punho e agita teus braços.

3 -E quando falares de assuntos celestes ou divinos, eleva o olhar e aponta o céu com teu dedo.

4 - E quando falares com suavidade, doçura ou humildade, apóia tuas mãos sobre o peito.

5 - E quando falares de um assunto santo com devoção, eleva tuas mãos.

Elaborar um repertório como este na própria mente, revisá-lo e ampliá-lo a partir do exemplo das pinturas, é uma operação indispensável [...]”. BAXANDALL, Michael. Idem, p.68.

[16]Mas geralmente as pinturas religiosas se baseiam em gesticulação religiosa, extraindo bastante as histórias santas do plano da vida profana de todos os dias, estabelecendo um modo diferente, sobrenatural no acontecimento dos eventos físicos, com um estilo enfático bem distinto.. BAXANDALL, Michael. Idem, p.70.

[17]Aos alunos da Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro aqui se oferece uma versão em vulgar da obra publicada em inglês, conforme os processos de Bardwell, a qual, no ano de 1832, reimprimiu-se em Londres pela décima terceira vez, comprovando-se, assim, a grande estimação que tem merecido artista. Na presente tradução respeitou-se religiosamente o texto, até em certos lugares, onde as indicações seriam suscetíveis de dúvida, e a expressão de crítica; seja por irregular, seja por escura; defeito este que umas vezes se gera pelo mesmo excesso de amiudadas explicações. Portanto, deve-se ler com séria atenção, e ao mesmo passo com alguma reserva. O sistema em geral parece um tanto rigoroso e mecânico; porém, sempre tem a vantagem dos métodos; e como tal, pode servir de base a uma sã prática. Em todo o caso há de acautelar contra os perigos da indiscreta mistura das tintas.. - TAUNAY, Félix-Èmile. Comentário extraído da introdução da tradução feita em 1836 do original de Thomas Bardwell (pintor inglês e escritor) intitulada originalmente The Practice of Painting and Perspective made easy, editada primeiramente em 1756 na cidade de Londres.

[18] Tit.4 Art.2º - No primeiro anno, primeiro os discípulos seguirão o curso de desenho  elementar na aula de desenho, e, simultaneamente, na Academia Militar, o curso de geometria descriptiva - no segundo anno, primeiro os discípulos que se destinarem à pintura histórica e ao desenho ficarão na aula de desenho para o estudo dos gessos, e ambos estes, assim como os de esculptura e gravura frequentarão, no hospital militar, o curso de anatomia. - Ata de 10/10/1833, Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ. Não encontramos nenhum indício sobre as aulas ministradas no hospital militar, no entanto, localizamos dados da contratação do professor de anatomia que lecionaria na própria Academia Imperial das Belas Artes.

[19] Na introdução do Epítome, Taunay descreve a obra aos alunos da Academia Imperial: “O epítome de Osteologia e Myologia tem sido composto por De Piles no princípio do último século, e publicado para o uso dos artistas debaixo do nome de Tortebat. Quaesquer que tenhão sido os progressos da anatomia desde esse tempo, e as modificações no vocabulário della, o apreço desta obra elementar não tem diminuído, visto que, como nella se trata principalmente das apparencias exteriores, logo que se dá conta destas, humas deficiências e até erros na natureza íntima das partes e differenças de nome não se fazem mui prejudiciaes. Basta conservar-se inteligível. Addicionou-se, como útil, o esboço de Physiologia das Paixões de Carlos Lebrun, primeiro pintor de Luiz XIV. As figuras desenhadas por elle dão o necessário complemento às explicações do texto. O ensaio de Millin sobre as proporções geraes, e o resumo das divisões do corpo humano por G. Audran, parece também que achão naturalmente o seu lugar n'hum folheto cujo destino he simplesmente despertar as idéias dos estudantes sobre diversos corollarios indispensáveis no exercício das bellas artes..

[20]Porém que a Academia não podia fazer a despeza da gravura das figuras e que, imprimindo-se o texto, seria sufficiente expor as ditas figuras n'huns quadros, para todos ali procurarem os nomes das partes em relação com o texto: e que fazia huma proposta nesse sentido: ao que todos anuirão, autorizando o mesmo senhor director a despender o necessário para hum e outro objecto. - Ata de 01/02/1837. Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ.

[21][...] as differentes paixões da alma tem huma influencia mui marcada sobre os musculos da cara. Estes experimentão modificações mais ou menos consideráveis, em relação com a intensidade e violência da paixão: assim acontecerá que a cólera e o desespero desfigurem todas as feições do semblante, quando a compaixão e o jubilo se limitarão a modificá-lo levemente. Hum conselho útil para os estudantes he que devem cuidar em caracterisar o temperamento e as feições de huma figura por hum modo análogo à paixão que nelle querem expressar. Seria ridículo, por exemplo, representar n'huma cólera violenta hum homem, cujos cabelos louros, estatura delgada, e feições effeminadas indicassem a molleza e falta de energia, ao mesmo passo que a doçura seria mal caracterisada por huma disposição absolutamente opposta.. - Introdução ao texto Physiologia das Paixões. Arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ. 

[22] A Pinacoteca da Academia Imperial das Belas Artes é organizada em 1837 para expor e acondicionar as obras da instituição que serviam de material didático.

[23]Este trabalho, que tenho a honra de apresentar ao público, é feito com a intenção de ajudar aos estudantes de pintura nos seus estudos, dando-lhes uma orientação que até agora faltava, e vem preencher uma lacuna que se fazia sentir, lacuna que eu mesmo senti quando, em Paris, e pouco tempo depois fui à Roma, pensionado pela minha província, a Corunha, ficando em Roma de 1883 até 87, em que termino na pensão. Desde que cheguei a Roma frequentava o Círculo Artístico Internacional, assistindo assiduamente a aula de modelo vivo do mesmo círculo. Uma noite, trabalhando na aula, ouvi varios socios queixarem-se de não se encontrar um só livro que guiassem os principiantes a fazer um quadro. Achei a idéia justa, e tempos depois, indo curiosear ao Campo dei Fiori, logar onde se vende toda classe de cousas velhas, parei nos alfarrabios e vendo um, folheando outro, deparei com uma velha retórica. Examinando-a, vi que as regras que estabelecia para o discurso eram aplicáveis à pintura. Fiquei verdadeiramente surpreendido de ver que até ali nenhum escritor se tivesse lembrado de fazer um livro sobre matéria tão necessária. Assaltou-me, porém, a idéia de que um escritor, por bom que fosse, não podia acometer aquêle trabalho, não sendo do ofício. Por outro lado, um livro sobre aquela matéria seria demasiado reduzido e não animaria ninguém a fazer um trabalho de pouquíssimo resultado prático. Por minha parte, tendo a franqueza de declarar, nunca me moveu o interesse e em todas as minhas emprêsas tenho tido como resultado o de viver pobre como as aranhas, tendo, sim, o prazer de satisfazer os meus mais íntimos sentimentos. Estas vistas altas e deseinteressadas plainaram sempre sobre as minhas ilusórias esperanças e me alentaram nos transes amargurados da minha existência, permitindo-me viver contente comigo mesmo. A retórica, da qual incidentalmente vou ocupar-me, foi considerada pelos antigos como a coluna  vertebral do discurso. Porém, hoje julgo tenha perdido sua antiga importancia, pois, querendo tomar algumas notas para aperfeiçoar este trabalho, não me foi possível encontrar nas livrarias uma retórica escrita nos moldes de que encontrei no Campo dei Fiori, Eu desejaria dar a este despretencioso trabalho uma feição mais artística, fazendo um  paralelo entre a literatura e as artes. Comparando os grandes templos da India, com os seus poemas, o Mahabharata e o Ramayana; a Ilíada de Homero; os Lusíadas, com o convento dos Jeronimos; seguindo depois neste paralelo, comparar o Rolando Furioso de Ariosto, com as pinturas de Miguel Angelo na capela Sixtina; a Jerusalém Libertada de Tasso, com as estanças de Rafael, etc. E, continuando neste passo, comparar os escritos célebres com as pinturas e as esculturas mais notaveis. Deixarei aqui consignada esta idéia para quem mais tarde a quizer utilizar. A publicação deste livrinho, ao qual dei o título sugestivo de 'Retórica dos Pintores', vem preencher aquela falta que citei acima. E me darei por muito feliz si os estudantes de pintura ficarem satisfeitos com as idéias aqui expressadas. O pintor, desde que se dedique à sua arte, é embargado pelo problema da côr nas suas variadas e infinitas manifestações, tendo necessidade de observar a todo instante os aspectos da natureza, que se apresenta azul, nos dias claros; cinzenta nos dias tormentosos; dourada, nos plácidos e cálidos crepúsculos; prateada, nas noites de luar. E é pela variedade das côres que as montanhas, os campos, as árvores e os animais se diferenciam. Enfim, a côr, com as suas múltiplas e variadíssimas tonalidades, vem a ser a linguagem da Natureza.”.Texto extraído do prólogo escrito por MODESTO BROCOS Y GOMEZ. Retórica dos pintores, Rio de Janeiro: Typographia d'Industria do Livro, 1933, pp.05-07.

[24]Dizem os velhos retores que a Retórica é uma arte estética, cujo objeto obedece a uma aspiração da nossa alma na sua ancia de elevar nosso coração para as cousas belas, por meio da palavra falada, se fôr literatura, ou por meio da forma desenhada, pintada ou esculpida, si fôrem as belas artes.. MODESTO BROCOS Y GOMEZ. Idem, p.08

[25]Os antigos dividiam a Retórica em quatro partes, às quais os modernos acrescentaram uma quinta. Estas se denominavam; invenção, disposição, elocução, pronunciação e o fundo, que vinha a ser a quinta parte do discurso. Na Retórica do pintor entram todos estes tratados: a invenção corresponde ao pensamento ou idéia nova que represente o quadro; a disposição é a maneira de distribuir e colocar os personagens e que o assumpto esteja bem composto; a elocução refere-se à boa execução do quadro, que, na plástica, a habilidade do pincel e o colorido vai de acôrdo com o assumpto; a pronunciação corresponde à maneira de desenhar as figuras e demais objetos que entrem no assumpto e que se achem não só bem desenhados como bem proporcionados e corretos de forma; e o fundo poderemos substituir pelo sentimento que se destaque da obra, todo em si subjetivo e que nos emociona internamente, sendo esta emoção a qualidade superior a todas as outras. E de todas as qualidades acima expressadas, quando bem executadas e harmonicamente compostas, resultará o estilo.. MODESTO BROCOS Y GOMEZ. Idem, pp.09-10.

[26]Pode ser chamado artista todo indivíduo que possua aptidões para executar bem um trabalho com consciencia e habilidade. Os meios para executar-se bem um trabalho são três: 1º) conhecer o assumpto; 2º) aplicar oportunamente as regras indicadas para bem compôr; 3º) estudar e observar as obras dos grandes artistas antigos e modernos, afim de assimilar o que Nêles encontremos, conforme o seu talento e tendências naturais.. MODESTO BROCOS Y GOMEZ. Idem, pp.10-11.