. NOTAS SOBRE ARTE. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 6 set. 1897, p. 2-3. - Egba

NOTAS SOBRE ARTE. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 6 set. 1897, p. 2-3.

De Egba

Na atual Exposição Geral de Belas Artes a obra que, como já dissemos, avulta não só pelo seu número como pelo seu valor e solidez é a do Sr. Henrique Bernardelli; e é pena que a concorrência de artistas dignos desse nome não houvesse sido maior, porque mais saliente papel essa obra faria, acreditamos, e se manteria, sem que facilmente pudesse correr o perigo de ser avantajada.

O Sr. Henrique Bernardelli há muito que afirmou os créditos de um artista consumado, possuidor de uma técnica admirável, cuja perfeição às vezes como que sacrifica, se assim se pode dizer, o efeito geral de seu trabalho.

Nos quadros expostos esse ano, é essa a impressão que se tem, e ninguém de boa fé pode negar que se está diante de um artista que se assenhoreou de todos os segredos do seu métier e que trabalha com a perseverança, com a pertinácia, com o cuidado, com a despreocupação de interesses secundários, de quem ama estremecidamente a arte que abraçou. Continuamos a pensar que o senhor Henrique Bernardelli é, não obstante a excelência de alguns dos trabalhos expostos, um grande pintor de figura , que perfila com a máxima correção, com o cuidado minucioso, com o estudo acurado, demasiado acurado às vezes, do modelo.

O senão a notar-se na maior parte dos trabalhos que expõe esse ano, será por ventura esse mesmo, em que o meticuloso apego ao modelo, dá como que certa ausência de movimento, certa falta de vida ao motivo tratado.

Outro reparo que nos parece acertado fazer, é que os quadros, nem sempre, justificam pela sua simples observação a intenção com que foram feitos, não explicam a denominação com que aparecem no catálogo, por mais perfeita que seja a maneira como são pintados.

Particularizando, a tela, que pelas suas proporções, logo chama a atenção, é a grande marinha denominada Santa Maria (n° 44), pintada com a intenção de rememorar o fato da descoberta da América, mas fato de que ninguém desprevenido cogitará ao inspecioná-la.

Representa apenas no primeiro plano uma praia de área branca, contra a qual vem se quebrar as ondas de uma mar muito esmeraldino, que se alonga pelo horizonte fora, uma nau antiga e um céu iluminado. Pintada segundo a escola moderna, que ora avassala um parte dos artistas em França, a impressão que produz é magnífica. Tem tal abundância de luz, que chega a doer os olhos.

O mar nem sempre é tratado com a mesma igualdade; não tem sempre o mesmo vigor. No lado direito do primeiro plano, porém, há uma onda flagrantemente apanha, admiravelmente pintada, cheia de movimento e de vida. É contudo uma bela pintura, que há de forçosamente impor-se à admiração.

Os quadros Heloísa, Mártir, Vestal, belos estudos com técnica, ressentem-se, como acima dissemos, da imobilidade dos modelos, bem como a pouca compreensão dos ideais do pintor.

Gostamos extraordinariamente do quadro n. 43 Monólogo, de pequenas proporções, uma reunião em uma sala, senhoras e cavalheiros em círculo, no meio do qual uma poeta de pé, encostado em uma cadeira, recita um monólogo. Feito com muito gosto artístico, com grande leveza de mão, largamente, sem demasias de técnica, palpita de vida e de interesse. O agrupamento é bem combinado, e é de extraordinária felicidade na expressão das fisionomias bem como na fidelidade com que foram apanhados os retratos de conhecidos homens de letras. A postura cômica de alguns personagens dá uma nota engraçada à tela, que é uma pequena obra prima de composição rápida e nervosa. Outra delícia artística é o retrato do Sr. Rodolpho Bernardelli, sentado sua mesa de trabalho, sobre a qual está um lampião, com um abajur verde. É uma pequena tábua de tamanho de uma mão, visivelmente pintada com prazer íntimo, febrilmente, em que o pincel em toques vigorosos e largos estampou com muita felicidade a figura do distinto escultor.

Nas aquarelas, finamente pintadas, nota-se igualmente a boa observação do moedlo e a boa técnica.

Em suma, uma obra que honra sobremodo o ilustre artista, exemplo digno de ser imitado pelos seus confrades, pela sua incansável dedicação ao trabalho, pela sua perseverança constante ao estudo e pela sua inquebrantável firmeza no exercício de sua arte, não obstante a ausência de incentivos, que o nosso meio social atualmente oferece ao trabalho artístico.

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O Sr. Coelho Netto adquriu a aquarela - Leito do Rio Soberbo (n. 33) do Sr. Henrique Bernardelli.


Digitalização de Arthur Valle

Transcrição Lucas Ferreira Paes Leite

NOTAS SOBRE ARTE. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 6 set. 1897, p. 2-3.

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