O CRÍTICO COMO ARTISTA

Vera Lins (Faculdade de Letras da UFRJ)

Resumo: Pretende-se uma leitura dos escritos sobre arte de Gonzaga Duque como ensaios que colocam na própria forma questões estéticas como a questão da representação e o que seria a tarefa própria da crítica . Tomamos como exemplos dois textos de Contemporâneos, que podem ser lidos como reflexões sobre a inapreensibilidade do objeto e as limitações do juízo estético.

O primeiro, o artigo, “O Salão de 1905”, é um texto de crítica singular na sua composição. O crítico entra nos salões a procura de uma coisa rara: imaginação. E cria uma imagem para falar das imagens que vê, atualizando o poema de Baudelaire, “A uma passante”. O crítico, que tem como obrigação escrever sobre o salão, ao entrar depara com uma mulher desconhecida e misteriosa que o encanta e o instiga, o aturde é sua palavra.

E é buscando essa figura que desaparece e reaparece entre os quadros que vai descrevendo o que vê até que ela se vai. Isso que não encontra é personificado na desconhecida que passa e que ele vislumbra, mas não chega a conhecer. Há um ritmo no texto que alterna frases curtas que dão a rapidez do olhar de relance, com outras longas, minuciosas na descrição da figura. O texto incorpora um diálogo com um espectador que não entende nada do que vê e ironiza certas paisagens. Quando o crítico revê a mulher, depois de falar de alguns quadros, fica “desatinado, sem pensar, sem saber o que fazer”, passa para as esculturas e a política das encomendas. Lembra Schubert e destaca as telas de Visconti e Roberto Mendes. O que se passa entre ele e a desconhecida alegoriza a relação com a arte - a surpresa e o aturdimento que a desconhecida lhe causa, o aproximar-se e o afastar-se e depois a fuga, a impossibilidade de alcançá-la. É seu desejo pela figura que passa por entre os quadros e traz a dimensão do desconhecido, do inquietante e do não representável, que lhe permite uma reflexão sobre eles.

Devolver a solução à condição de enigma, diz Karl Krauss, citado por Agamben em Image et mémoire [1]. Isso saberia fazer o narrador, o pintor e o poeta. A escrita de Gonzaga Duque sugere que a crítica também é lugar de emergência, de uma imaginação produtora que acolhe o paradoxo e o enigma .

Palavras-chave: Crítica; Linguagem; Representação.

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[1] AGAMBEN, Gorgio. Image et mémoire. Paris: Hoëbeke, 1998.