EDUARDO DIAS: VISUALIDADE ONÍRICA E PINTURA ANALFABETA

Rosangela Miranda Cherem (UDESC)

Resumo: Liberada da certeza do olho e da perspectiva matemática, emergiu pela Europa e Américas, desde meados do século XIX e começo do XX, uma estética denominada ingênua que proliferou especialmente nas pinturas de cenas e paisagens. Embora os artistas que partilharam desta sensibilidade e percepção só tenham sido reconhecidos postumamente, observa-se que possuem certas familiaridades em relação ao tipo de enquadramento e perspectiva, além de uma paleta de cores frequentemente suavizadas. Situados fora dos cânones acadêmicos e dos preceitos vanguardistas que começavam a emergir, suas afinidades temáticas e formais permitem pensar a singularidade de suas soluções e experimentações pictóricas.

É o caso de Eduardo Dias (Florianópolis-1872-1945), sapateiro, caiador de paredes e decorador de residências, além de criador de letreiros e panos de boca para peças teatrais. Embora sua pintura tenha ocupado um lugar marginal na historiografia e tenha sido produzida fora dos circuitos habituais, seu regime figurativo guarda inúmeras afinidades com artistas como Hermenegildo Bustos (México-1832– 1907), Candido Lopes (Argentina- 1840-1902), Luis Herrera Guevara (Chile- 1891-1945), Henri Rousseau (França- 1844-1914) e Horace Pippin (Estados Unidos- 1886-1946). Considerando o repertório imagético destes artistas que não se conheceram, embora tenham vivido em tempo muito aproximado, é possível tanto reconhecer uma abordagem narrativa e tratamento formal muito próximos das pinturas barrocas de caráter popular, das abordagens costumbristas e caricaturistas, como observar certas agilidades figurativas e temporais presentes nas histórias em quadrinhos.

Pelas linhas e volumes, cores e planos, os espaços da cidade natal de Eduardo Dias adquirem um caráter onírico e os marcos urbanos despontam como semelhanças deslocadas e formas visuais abreviadas. O uso recorrente e a referência aos impressos (postais, caricaturas, fotografias, imagens de jornais e revistas) permitem metamorfosear lugares conhecidos, configurando-os como imagens. Dotados de uma estranha fragilidade, seus corpos e cenas parecem interrogar uma modernidade que invade a paisagem de sua Ilha-capital, alterando a ordem alfabética do mundo e afetando o ritmo desta pequena porção meridional do Brasil. Pode-se chamar de ingênua a estética de um artista que desejou tangenciar uma parte disto com seus pincéis?