Pondo os costumes culturais em “risco”: Félix Régamey, japonismo e educação artística nacional *

Shana Cooperstein **

COOPERSTEIN, Shana. Pondo os costumes culturais em “risco”: Félix Régamey, japonismo e educação artística nacional. 19&20, Rio de Janeiro, v. XVI, n. 2, jul.-dez. 2021. https://doi.org/10.52913/19e20.xvi2.01

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1.     En garde! Quando, em 1876, o artista e instrutor de desenho francês Félix Élie Régamey (1844-1907) teve a oportunidade de visitar o ateliê do famoso pintor japonês Kawanabe Kyōsai (1831-1889), os dois homens travaram um duelo.[1] Este não foi, porém, um duelo ordinário. Longe de um confronto arranjado entre oponentes usando plastrons e empunhando armas mortíferas, os duelistas estavam “armados” com as ferramentas de seu ofício: lápis, papel, tinta e aquarela. E, em vez de lutar até o premier sang, eles se apressaram em produzir o retrato um do outro [Figura 1 e Figura 2]. Hoje, os esboços desse “confronto” sobrevivem como reproduções em Promenades japonaises (1878, 1880), uma obra em dois volumes escrita pelo industrialista e colecionador francês Émile Guimet e ilustrado por Régamey, que narra a viagem de ambos ao Japão.[2]

2.     Régamey e Kyōsai eram adversários muito apropriados para um duelo de retratos. Ambos eram artistas profissionalmente treinados que enfatizavam o trabalho direto a partir do natural, ao invés de seguir estritamente as convenções baseadas nos precedentes artísticos de seus países. Em seus respectivos campos de atuação, cada um deu contribuições importantes para os discursos sobre pedagogia artística e, coincidentemente, ambos valorizavam expedientes de desenho baseados na formação da memória visual.[3] Tais semelhanças de posição e abordagem, no entanto, são eclipsadas pelas diferenças estilísticas entre seus respectivos retratos, o que demonstra como o desenho "do natural " era infletido por convenções e normas culturais aprendidas.

3.     O retrato de Régamey feito por Kyōsai, por exemplo, foi realizado usando manchas de aquarela - em sua maioria planas, não moduladas -, contornadas sinuosamente com ousados traços de tinta escura. Para capturar o comportamento informal de Régamey, Kyōsai o retratou sentado com as pernas estendidas diante dele, e dobradas na altura dos joelhos, para que as solas dos pés pressionassem firmemente contra o chão. Régamey está situado em um espaço indefinido, vestindo largas calças escuras e uma grande jaqueta cor de oliva, cujo tecido extra aparece agrupado atrás de suas nádegas. Seu colo inclinado funciona como uma prancheta improvisada, sustentando uma folha de papel que sua mão esquerda segura. Embora Kyōsai tenha obscurecido o trabalho feito pela mão direita de seu oponente, Régamey aparece no ato de desenhar.

4.     Régamey, como Kyōsai, representou seu oponente de uma maneira esboçada em um cenário indefinido, mas excluiu os atributos da arte de seu modelo.[4] O francês divergiu da presumida convenção japonesa de circundar planos de cor com traços grossos e evidentes de tinta aplicada livremente. Em vez disso, sua representação de Kyōsai se conforma com os padrões de retratos aceitos na tradição francesa: utilizando lápis sobre papel, Régamey apresentou o busto de Kyōsai em uma visão de três quartos, modelando cuidadosamente seu rosto com uma variação de tons de cinza. Retratos de franceses eminentes geralmente assumiam expressões faciais sóbrias para comunicar a seriedade e respeitabilidade do modelo. No entanto, Régamey representa Kyōsai com um largo sorriso, revelando sua sobremordida. Isso atesta a habilidade do francês de esboçar rapidamente um sorriso, uma expressão facial que qualquer modelo só poderia manter por um curto período de tempo.

5.     À primeira vista, o combate de artistas parece ser um gesto de respeito mútuo mais do que um ato motivado por animus. Quando Guimet relatou o evento, em seu capítulo intitulado "Um duelo," ele descreveu a competição como uma grande honra e não declarou um vencedor.[5] Seria errado presumir, porém, que a participação de cada artista no duelo foi inteiramente conciliatória. O encontro de Régamey e Kyōsai é indiscutivelmente emblemático de tensões culturais, particularmente nos domínios da arte e do design industrial, que surgiram entre França e Japão durante o Segundo Império (1852-70) e nas primeiras décadas da Terceira República (1870 até c. 1914).[6] Embora muita atenção dos investigadores tenha se concentrado na admiração francesa pela arte e cultura japonesas, especialmente na popularidade de suas gravuras, essa admiração era mais complicada do que os estudos existentes geralmente reconhecem.[7] Dentro de um contexto de rápida globalização, o receio de perder a supremacia nas belas artes e nas artes aplicadas tornou-se uma possível ameaça à superioridade ostensiva da França. Quando sua hegemonia ficou ameaçada, as trocas culturais entre França e Japão levaram muitos artistas, como Régamey, a adotar uma série de sentimentos aparentemente incompatíveis em relação à produção cultural japonesa, que iam da admiração e respeito à rivalidade e antagonismo. Embora, ao longo de sua vida, Régamey tenha conquistado a reputação de japonista - i.e., de um entusiasta da cultura japonesa - ele também alertou contra a apropriação de procedimentos técnicos “importados.”[8] neste sentido, o duelo em questão pode ser entendido como uma provocativa metáfora, que incorpora a complexa relação de Régamey (e da França, de modo mais amplo) com o Japão, uma relação baseada na estima mútua e na competição.

6.     Essa controvérsia emergiu com bastante clareza quando, na virada para o séc. XX, Régamey sistematizou um método de desenho em uma tentativa fracassada de substituir o Méthode Guillaume (o primeiro programa de desenho instituído nas escolas primárias francesas na década de 1880). Na segunda metade do séc. XIX, o desenho servia como teste de tornassol para a força de uma nação em um mercado de design industrial que se globalizava rapidamente; como evidência do bom gosto e educação de seu povo; e, no caso da França, de seu estatuto de cultura líder nas belas artes e nas artes aplicadas. Eu argumento que Régamey tentou conciliar compromissos pessoais e profissionais conflitantes quando desenvolveu seu novo sistema de desenho: de um lado, havia sua admiração pela arte japonesa e, de outro, a necessidade de proteger e cultivar uma identidade nacional francesa. Simultaneamente, ele atribuía aos esboços japoneses as próprias qualidades que procurava ensinar aos artistas franceses - notadamente, a velocidade de execução, a economia visual e a habilidade de representar momentos fugidios -, enquanto conspicuamente excluía as práticas “japonesas” de seu método de ensino. Este artigo, como resultado, traça as contribuições de Régamey para o japonismo e a educação artística, dando especial atenção aos momentos em que sua experiência em cada domínio convergiu e foi complicada por agendas artísticas e políticas incompatíveis.

7.     No entanto, o que está em jogo em minha investigação não se limita às políticas de intercâmbio cultural. Recuperar as ideias de Régamey sobre a pedagogia artística nacional e os perigos da transferência de conhecimento entre "escolas nacionais" tem implicações que se estendem à história da arte como uma prática disciplinar. O projeto de Régamey para reformar a pedagogia do desenho não era apenas motivado por sua análise dos métodos japoneses, mas era também informado por um desejo de cultivar uma sensibilidade estética compartilhada, exclusivamente adaptada para apoiar a identidade nacional francesa. Como tal, ele compartilhava preocupações com os proponentes da Kunstwollen, um conceito teorizado por historiadores da arte na década de 1890 e no início do século XX para explicar desenvolvimentos estilísticos culturalmente contingentes. Em 1901, por exemplo, Alois Riegl propôs uma teoria evolutiva da arte que conectava mudanças estilísticas a leis supraindividuais que operam independentemente da estética formulada de forma consciente. As ideias de Régamey sobre intercâmbio cultural e educação oferecem uma alternativa contemporânea a, mais do que uma reação contra, o modelo de Riegl. A articulação de um modelo distinto pode ser atribuída à identidade profissional de Régamey: como pedagogo, a sua posição era baseada na ideia de que, por meio do esforço consciente (que se desdobra em predisposições inconscientes), os artistas podem intervir nos desenvolvimentos estéticos. Ao fazer isso, o trabalho de Régamey articula uma postura formalista de mudança estilística para intervenções mecanicistas sancionadas pelo Estado, explicitamente projetadas para impulsionar a civilização “para a frente." Além disso, suas contribuições para esse discurso defendem uma abordagem “habitual” da história da arte, ou seja, a ideia de que o estudo de ações realizadas inconscientemente e repetidas ao longo do tempo poderia teorizar a geração de um estilo compartilhado.[9] O artigo é, portanto, parte de um projeto maior que examina o que significava ser um desenhista proficiente na era moderna e o papel da aquisição de hábitos nesses discursos.

8.     O artigo começa discutindo as realizações profissionais de Régamey, que permanece ausente na maioria dos estudos de língua não-francesa. Em seguida, atendo-me à complicada recepção crítica da arte japonesa nos discursos franceses de meados ao final do século XIX, examino como as práticas caligráficas e pedagogias japonesas moldaram a abordagem de Régamey para a educação de desenhistas. Depois de delinear como o próprio programa pedagógico de Régamey se baseava - e divergia - de sua avaliação dos modelos japoneses, contextualizo suas ideias frente a concepções mais amplas de mudança estilística. Para concluir, me volto para o significado historiográfico do trabalho de Régamey, especialmente como uma alternativa ao modelo de mudança estilística derivado da ideia de Kunstwollen.

Régamey: artista, japonista, instrutor de desenho

9.     Ao longo de sua vida, Régamey não apenas adquiriu a reputação de japonista, mas também se dedicou à educação artística. Ele inicialmente se tornou professor de desenho na École Spéciale de Dessin et de Mathématiques (então apelidada de Petite École, e hoje conhecida como École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs), entre 1868 e 1870.[10] A Guerra Franco-Prussiana e a turbulência política que se seguiu interromperam brevemente seu trabalho como educador. Durante l’année terrible, ele estabeleceu Le Salut public, um jornal revolucionário de curta duração dedicado ao Comitê de Segurança Pública da Comuna de Paris.[11] Após o colapso da Comuna em 1871, o estatuto de Régamey como communard levou ao seu exílio forçado da França. Ele buscou asilo político primeiro em Londres e depois nos Estados Unidos, onde, em 1873, ajudou a reconstruir a Academy of Design, agora conhecida como Art Institute of Chicago, após o Grande Incêndio de Chicago, em 1871.⁠‍[12]

10.   Enquanto residia nos Estados Unidos, Régamey viajou para a Filadélfia por ocasião da Centennial Exhibition de 1876. Lá, ele conheceu Guimet, que também visitava a exposição mundial antes de embarcar em uma viagem para pesquisar as religiões asiáticas em nome do ministro francês da Instrução Pública. Guimet convidou Régamey para participar da excursão e documentar suas viagens pelo Japão para cidades como Yokohama, Kamakura, Nikkô e Tóquio, as ilhas de Enoshima, Kyoto, Ise (uma cidade costeira com santuários xintoístas), bem como uma curta viagem para Osaka e Kobe (na Baía de Osaka), antes de viajar para a China, Sri Lanka e Índia.‍[13]

11.   Após sua viagem, Guimet e Régamey publicaram extensivamente sobre a cultura japonesa, sobretudo as artes, o teatro e a vida cotidiana.[14] Para cumprir o mandato original de Guimet, que era mapear as religiões no Leste Asiático, eles também participaram das exposições realizadas no Palais du Trocadéro em conjunto com a Exposition Universelle de 1878. O Palais du Trocadéro, também conhecido então como Musée Ethnographique des Missions Scientifique, foi construído naquele ano sob a supervisão do Ministério da Educação Pública como um museu antropológico. Em 1878, três salas do Trocadéro foram dedicadas à Exposition historique de l'art ancien et de l'ethnographie des peuples étrangers à l'Europe.[15] De acordo com um artigo publicado em L'Illustration, uma dessas salas justapunha objetos religiosos asiáticos adquiridos por Guimet (como esculturas de Buda) com pinturas de Régamey que documentavam a excursão dos dois para o leste asiático.[16] Isso incluía pinturas que documentavam ritos e locais religiosos da Ásia [Figura 3] e estudos desenhados de “tipos” japoneses (bustos sem nome) [Figura 4 e Figura 5].

12.   Pouco depois de sua viagem ao exterior, Régamey também expôs seus métodos de desenho e contribuições para o japonismo, organizando populares soirées de dessin na década de 1880. Soirées de dessin eram palestras públicas que aconteciam na casa de Madame Edmond Adam e no Conservatoire des Arts et Métiers, que foram muitas vezes dedicadas a suas memórias do teatro japonês décadas após sua viagem a Japão.[17] Hoje, poucas evidências documentais sobrevivem sobre o conteúdo de cada reunião. Dos vestígios que permanecem, parece que, nas soirées, Régamey executava desenhos etnográficos sem o auxílio de modelos vivos (habilidade que adquiriu durante seu treinamento sob a supervisão de Horace Lecoq de Boisbaudran, um instrutor conhecido por seu sistema de treinamento da memória visual), enquanto Guimet fornecia comentários.[18]

13.   Naquela época, ele também trabalhava como Inspecteur de l’Enseignement du Dessin em Paris (1881 a 1904).[19] No final da década de 1890, Régamey estava entre as principais figuras que propunham a reforma do Méthode Guillaume, uma técnica de desenho geométrico criada pelo acadêmico Eugène Guillaume e empregada nas escolas públicas francesas para apoiar a industrialização. A crença de que o desenho era tão importante para a educação quanto a leitura, a escrita e a aritmética era quase onipresente e, como resultado, levou a debates contenciosos sobre a natureza e o escopo de sua pedagogia.[20] Quando a administração republicana de Jules Ferry promulgou reformas voltadas para escolas primárias e secundárias, entre 1878 e 1881, elas incluíam disposições para adotar o regime de desenho que Guillaume sistematizou na pedagogia oficial. Os procedimentos de Guillaume, também conhecidos como Méthode Guillaume ou méthode géométrique, privilegiavam a geometria descritiva e incorporavam cláusulas que estipulavam o desenho de formas geométricas e de ornamentos antes do da figura humana. O desejo de Guillaume de abandonar o domínio do estudo das figuras em favor da geometria era contra as práticas que outros instrutores, como Félix Ravaisson, recomendavam. Enquanto Ravaisson sustentava que uma educação artística baseada na estatuária clássica beneficiaria os alunos nas artes plásticas e aplicadas, Guillaume se opunha a essa perspectiva, afirmando a primazia e a necessidade de modelos industriais geométricos para cultivar une langue universelle.[21] O sistema de Guillaume foi efetivado em escolas públicas francesas em todo o país por trinta anos, mas sua hegemonia sobre o currículo de desenho foi questionada logo após sua introdução.

14.   Os procedimentos baseados na geometria eram percebidos como muito rígidos e estereotipados, para não mencionar estranhos aos objetivos da arte "elevada."[22] A pressão crescente por reformas se desdobrou na capital francesa, liderada por Louis Guébin (1854-1933), um professor de desenho que se tornou o principal inspetor de desenho nas escolas municipais parisienses em 1898.[23] Guébin, ao lado de vários outros instrutores parisienses (como Régamey ), iniciaram debates em Le Moniteur du dessin, um jornal fundado em 1897 para servir como porta-voz de sua campanha. No início do século XX, a crítica estabelecida neste periódico adquiriu uma plataforma mais ampla na Exposition Universelle (1900) e em congressos dedicados especificamente à situação do desenho nas escolas públicas realizados em Paris (1900 e 1906), Berna (1904) e Londres (1908). Foi nesse cenário cultural que Régamey projetou um novo método de desenho em reação ao status quo.

15.   Já em 1890, Régamey começou a palestrar publicamente sobre a educação do desenho e, no início do século XX, dirigiu o Atelier d'Élèves que funcionava na rue Serpent n. 28, em Paris, com cursos destinados a meninos e meninas.[24] Este aspecto de sua carreira, embora descrito por seus amigos próximos como um "vasto projeto," se encontra ausente dos estudos existentes, em parte porque seu programa nunca foi incorporado a nenhum currículo oficial.[25] Em um elogio celebrativo de Regamey logo após sua morte em 1907, seu amigo íntimo, o crítico de arte Louis Vauxcelles frisou suas contribuições para a pedagogia da arte, especialmente a rejeição de Régamey aos métodos de desenho geométrico.[26] A dependência da mente, ao invés do olho, estava entre as principais queixas de Régamey com relação ao sistema de Guillaume: “O erro capital do método que hoje é muito estimado na França - o geométrico - é o de favorecer as especulações da mente em detrimento do órgão visual, o olho [...].”[27] Logo, para Régamey, em vez de cultivar o olhar, o sistema geométrico bexibia uma dependência mecânica da razão e da matemática.

16.   Embora Régamey tenha feito contribuições significativas os discursos sobre o japonismo e pedagogia da arte na segunda metade do século XIX, seu papel como japonista foi tratado separadamente de sua tentativa de reformar a educação do desenho. No entanto, a experiência de Régamey como instrutor de desenho convergiu com seu interesse pela arte e cultura japonesas em várias ocasiões. Por exemplo, ele dedicou alguma atenção ao treinamento artístico em Le Japon pratique (1891), um guia ilustrado da arte e da indústria japonesas, que também tratava do governo e costumes cerimoniais do Japão (como, por exemplo, nascimento, casamento, funerais e teatro).[28] O texto também sintetizava a transmissão de conhecimentos artesanais entre professor e aluno, neste caso, como as crianças japonesas aprendiam a escrever (uma prática que Régamey associava ao desenho). O entusiasmo de Régamey pelo que ele percebia como a onipresença das habilidades de desenho no Japão baseava-se na suposição de que os procedimentos de desenho japoneses pouco diferiam de seus hábitos de escrita, e precediam o treinamento formal.[29] Em Le Japon pratique, Régamey incluiu uma imagem suplementar para ilustrar a transmissão desse conjunto de habilidades entre mãe e filha [Figura 6].[30] Nessa imagem, a filha se senta em frente a uma mesa segurando um pincel perpendicular ao papel; em vez de trabalhar como modelo, a mãe se agacha bem atrás de sua filha, guiando seu pulso. As contribuições de Régamey para o japonismo e o ensino de desenho se cruzaram com, e possivelmente culminaram em, uma prestigiosa iniciativa patrocinada pelo Estado para avaliar as técnicas de desenho japonesas em 1899.

Régamey e a pedagogia comparativa de desenho na França de Fin-de-Siècle

17.   Mais de duas décadas após sua primeira viagem ao Japão, Régamey voltou a Tóquio pela segunda vez em 1899 por três meses (de janeiro a março) para elaborar um estudo abrangente sobre a educação do desenho japonês em nome do Estado francês, publicado como Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio (1899).[31] Durante a segunda metade do século XIX, a pedagogia comparativa de desenho - a avaliação de sistemas educacionais distintos voltados para as belas artes e artes aplicadas - tornou-se uma grande preocupação política em todo o mundo. O desenho era considerado fundamental para a produção competitiva de design industrial. O fascínio do sucesso econômico nas artes aplicadas tornou-se um grande impulso para os governos introduzirem o ensino do desenho nas escolas públicas em todo o mundo.[32] Currículos de desenho nacionalizados também tiveram destaque no cenário internacional, circulando amplamente em competições em feiras globais. O fin de siècle viu o surgimento de convenções especificamente dedicadas ao desenho e à educação artística nas escolas públicas, como o Congresso Internacional de Arte Pública em Bruxelas (1898) e o Terceiro Congresso Internacional para o Desenvolvimento do Desenho e Ensino de Arte em Londres (1908). Esses eventos tornaram-se fóruns para a França mostrar sua formação técnica e avaliar seu suposto sucesso frente aos exemplos exibidos por outras nações.

18.   Quando Régamey recebeu uma comissão para avaliar a pedagogia japonesa, ele considerou a situação do ensino de desenho nas divisões de aprendizagem formal em Tóquio, e delineou as demandas concorrentes enfrentadas por essas instituições enquanto negociavam o lugar das práticas ocidentais no currículo básico japonês. Tais demandas variavam desde melhorar o design industrial até o cultivo da identidade nacional. O incentivo para estudar os métodos de ensino de desenho do Japão surgiu depois que, no final do século XIX, esse país passou a rivalizar com as nações mais industrializadas nas artes aplicadas.

19.   O fato do desenho industrial japonês se destacar no comércio internacional durante este período foi de grande interesse para a França, que enfrentava perdas econômicas. Na segunda metade do século XIX, o Japão abandonou sua anterior política isolacionista. Para proteger seu sistema político feudal, o Japão impôs a reclusão nacional (mais tarde referida como sakoku, ou “país fechado”) por centenas de anos. Na prática, esse protocolo insular tolerava algum comércio internacional: por exemplo, o comércio com os chineses e holandeses existia, mas era estritamente regulamentado. Em 1853, uma pequena frota da marinha dos Estados Unidos, liderada pelo Comodoro Matthew Perry, entrou no porto do Japão para exigir que seu governo assinasse um acordo comercial que permitiria aos mercadores estadunidenses expandir ali suas operações. Os japoneses capitularam. Pouco tempo depois, a pressão infligida ao governo japonês por essa transação acabou contribuindo para o fim do shogunato, o sistema de governo liderado por um ditador militar que vigorou por dois séculos.

20.   Nos primeiros anos da subsequente era Meiji (1868-1912), o Japão passou por severas transformações sociais, afinadas com as características definidoras da modernidade. A modernização, que normalmente era confundida com "ocidentalização," caracterizou o novo regime do imperador. Entre as muitas mudanças anunciadas pela modernização estava a desconstrução da estrutura feudal de classes. Na verdade, o termo “Meiji” - ou “governo iluminado” - refere-se ao nome adotado pelo imperador para descrever seu reinado após a queda do “grande general,” conhecido como shogun Tokugawa. Isso levou ao investimento do país na melhora dos sistemas de transporte, maior industrialização e reformas educacionais. Como parte do compromisso do Japão de participar do comércio global, o novo governo introduziu políticas voltadas para a modernização de mercadorias comerciáveis ​​e de sua produção, incluindo a melhoria das artes aplicadas por meio da disseminação da pedagogia do desenho.[33]

21.   Essas mudanças sociais e econômicas abruptas levaram o governo e os educadores a um debate decisivo sobre o que significava ensinar e adquirir a proficiência técnica para uma carreira nas artes. Na época em que Régamey conduziu seu estudo, os métodos de desenho haviam se tornado um assunto fortemente debatido entre instrutores, políticos e artistas japoneses. Fomentando discussões similares com as que ocorreram na França, os japoneses debateram a utilidade de esquemas de desenho enraizados na geometria e o estudo de estátuas antigas e mestres da Renascença em instituições, que iam desde escolas primárias públicas a academias de arte.[34] Tais questões eram complicados pelo fato de que governos estrangeiros importaram esses sistemas para o Japão.[35] Pouco antes da primeira viagem de Régamey ao Japão em 1876, as aulas de desenho foram integradas às escolas primárias da era Meiji para melhorar a qualidade das artes aplicadas. Como as leis proclamadas por Ferry uma década depois que tornavam o ensino primário obrigatório na França (e que incluíam espaço para a instrução de desenho em seu currículo), a escola primária no Japão tornou-se obrigatória em 1872 e, da mesma forma, incorporou medidas para treinar as crianças no desenho.[36] Tornar a escola obrigatória era parte de uma tendência mais ampla, especialmente na América do Norte e na Europa, que valorizava cada vez mais a aprendizagem como um direito social e uma ferramenta crucial para a construção da nação.[37]

22.   Portanto, quase trinta anos após a formalização do ensino de desenho no Japão, Régamey conduziu uma investigação dos sistemas existentes.[38] Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio, longe de ser uma análise exaustiva das escolas de arte no Japão, focava cursos de desenho implantados em Tóquio, que se tornara a capital do Japão em 1868. A decisão de focar exclusivamente em programas de desenho em Tóquio indicava a grande mudança cultural recentemente ocorrida. O novo governo imperial transferiu a sede de poder no Japão de Kyoto para Tóquio, que também se tornou uma nova capital da produção artística. O deslocamento da capital artística foi acompanhado por novos modos de ensino; com efeito, a mudança foi acompanhada pela introdução de novas academias de arte como uma alternativa ao modelo de aprendizagem que havia sido perpetuado pela escola Kano, o estilo predominante no Japão Tokugawa (1615-1868). Historicamente, as habilidades técnicas eram transmitidas entre mestre e aluno ao longo de quase uma década de estudo no estúdio de um artista.[39] Durante a era Meiji, o treinamento profissional das artes se diversificou, com o surgimento de várias novas academias de arte. Isso inclui a inauguração da Escola Técnica de Belas Artes (Kobu Bijutsu Gakkō) de 1876 a 1883, a Escola de Belas Artes de Tóquio (Tōkyō Bijutsu Gakkō) em 1889, e a fundação do Instituto de Arte do Japão (Nihon Bijutsu-in), em 1898.

23.   De fato, foi a educação pública e as academias de arte - e não os ateliês dos artistas -, que se tornou o foco das atenções de Régamey em 1899. Ele começou sua turnê na Universidade Imperial (hoje conhecida como Universidade de Tóquio), seguindo para a École Normale (a escola primária, que era dividida por gênero) e o Lycée de Tokio, assim como a École des Nobles (também dividida por gênero). Seu estudo - no qual os títulos japoneses das instituições não foram preservados, mas traduzidos para o francês - não se limitou ao ensino geral, mas também incluiu instituições especializadas, como a École des Arts et Métiers, a École Professionnelle Libre para meninas, a École Commerciale Supérieure, a École Municipale Supérieure para meninas, e a École des Sourds-Muets et des Jeunes Aveugles. Seu estudo concluía com a École Impériale des Beaux-Arts de Tokio e a École Libre des Beaux-Arts de Tokio. Embora Régamey se concentrasse em grandes instituições em vez de ateliês dirigidos por artistas, sua investigação não excluiu os métodos japoneses de treinamento nesses espaços. Na verdade, algumas academias mantiveram as práticas favorecidas pelos pintores Kano, um grupo de artistas treinados em oficinas privadas para apoiar o gosto da elite, ou ensinadas junto com modelos ocidentais. Régamey notou as discrepâncias nos modelos de ensino que coexistiam no Japão e viam valor em vários métodos.[40] Quando Régamey estudou a educação artística japonesa, no entanto, ele expressou sua ansiedade com relação a importação de modelos estrangeiros para o Japão e, de forma mais ampla, a influência dos costumes ocidentais na cultura japonesa.

A política de intercâmbio artístico entre o Japão e o “Ocidente”

24.   Quando Régamey publicou os resultados de seu estudo de 1899 sobre programas de desenho japoneses, sua preocupação central era a negociação entre as estratégias de visualização tradicionais do Japão e aquelas importadas do "Ocidente." Tanto para japonistas como Régamey quanto para cidadãos japoneses, O fato de alguns dos procedimentos técnicos implantados nas salas de aula japonesas não serem nativos do Japão gerava ansiedade sobre a possível perda dos costumes culturais. Lembremos que a admiração francesa pela arte japonesa em parte originou-se da percepção da pureza ou autenticidade de uma cultura supostamente “intocada” pelos males associados à sociedade ocidental.

25.   Ao mesmo tempo que o Japão da era Meiji encarava a importação de costumes estadunidenses e europeus, ele também se voltou para suas ricas tradições culturais a fim de renegociar uma nova identidade dentro de uma sociedade globalizada.[41] Esse ponto foi explorado em Japanese Painting and National Identity: Okakura and His Circle (2004), de Victoria Weston, que examina como o ensino de arte japonesa do final do século XIX estava enredado em acalorados debates sobre nacionalismo e construção da nação. Uma questão importante que alimentava a discussão era se as escolas públicas japonesas deveriam ou não adotar os modelos da Europa Ocidental e dos Estados Unidos às custas de suas próprias tradições. Como explica Weston, a reforma curricular ultrapassou o âmbito do ensino fundamental e teve implicações para a formação artística profissional. A possibilidade de utilizar precedentes artísticos ocidentais, como a valorização do estudo da figura humana e aulas de desenho geométrico, estavam entre os novos modos de treinamento acessíveis.[42] Foi nessa época que um novo termo foi cunhado para distinguir as práticas japonesas daquelas associadas ao Ocidente, principalmente na pintura a óleo: "Nihonga" - traduzível como "pintura de estilo japonês" - referia-se a uma diversidade de práticas artísticas tradicionais japonesas, incluindo caligrafia e desenhos a tinta que se baseavam nas convenções chinesas.[43]

26.   Todo o estudo de Régamey está conectado por uma série de anedotas que descrevem os maus efeitos da ocidentalização, que ele chamou de "l’influence européene."[44] Por exemplo, no Lycée de Tóquio, uma das cinco escolas preparatórias para a Universidade Imperial, Régamey testemunhou a prática do que chamou de desenho “científico” e “industrial” com influências europeias, “sem, no entanto, dar resultados claros.”[45] Na Universidade Imperial, a introdução de moldes de gesso europeus também levava a resultados que dificilmente eram melhores, ou como Régamey colocou, eram “desprovidos de interesse.”[46]

27.   Mas a posição de Régamey não era nova. Depois que o Japão renunciou às suas políticas isolacionistas, seus compromissos diplomáticos com a Europa e a América do Norte fomentaram os discursos sobre as vantagens e desvantagens do intercâmbio cultural, dentro e fora do país. “O Japão não tem confiança suficiente em sua própria moral; ele muito rapidamente apagou os costumes, instituições e ideias que produziram sua força e felicidade,” afirmou Guimet em 1880.[47] Guimet temia a fragilidade dos costumes nacionais, e esta não era uma perspectiva incomum. Como observou o crítico de arte Ernest Chesneau dez anos antes: " Ao introduzirmos as maneiras, usos, costumes e artes ocidentais no Japão, teria eu a ridícula pretensão de incentivar vocês a submeter a arte francesa à arte japonesa?"[48] Apesar desse debates generalizados, poucos historiadores da arte exploraram as ansiedades em torno das trocas culturais entre a França e o Japão.[49] Tasi hesitações se encaixam desconfortavelmente nas narrativas sobre a "missão civilizadora" da França, um conceito usado para legitimar o colonialismo com base na premissa de que a cultura francesa era superior a de outras sociedades, e iria "ajudar" outras nações.[50] Afinal, japonismo é um termo usado para descrever a admiração dos franceses pelas artes japonesas. Os historiadores da arte há muito enfatizam a celebração e apropriação dos efeitos visuais japoneses pelos artistas franceses, com foco nas gravuras e nos expoentes do fenômeno, notadamente Philippe Burty, Edgar Degas, James Tissot e os irmãos Goncourt, entre outros.[51]

28.   Ao longo de sua vida, Régamey foi simpático às perspectivas de Guimet e Chesneau sobre os efeitos nocivos do intercâmbio cultural. Durante sua estada de nove semanas no Japão em 1876, suas observações sobre o intercâmbio cultural com as nações americanas e europeias prenunciaram algumas das principais queixas lançadas contra a educação artística japonesa em sua avaliação de 1899: “O velho Japão está entrando em colapso, a civilização avança - como dizem -, lâmpadas de querosene, gibus e guarda-chuvas são bastante comuns,” ele lamentou.[52] Em uma carta redigida para sua mãe, Régamey expressou pesar sobre a "ocidentalização" do Japão: “estou testemunhando o fim deste mundo maravilhoso, artístico e poético que era cheio de doçura, mas que agora afunda no pântano sombrio da civilização”, temia ele.[53] Para enfatizar seu ponto, Régamey desenhou um japonês usando uma cartola gibus e escreveu: “isso é de arrepiar os cabelos do mais calvo dos rapins.”[54]

29.   A crença de que o intercâmbio com a Europa e os Estados Unidos adulterava a arte e a cultura japonesas também foi a inspiração para O Caderno Rosa de Madame Chrysanthème de Régamey, um relato publicado pela primeira vez em La Plume antes de ser reimpresso como um livro em 1894.[55] Este texto, escrito como um diário da perspectiva de Madame Chrysanthème, relata o casamento fracassado entre uma mulher japonesa e um oficial da marinha francês temporariamente estabelecido no Japão. A narrativa de Régamey era uma adaptação da muito mais famosa Madame Chrysanthème (1887-88) de Louis Marie Julien Viaud, um diário semifictício escrito sob o pseudônimo de Pierre Loti.[56] Situado em Nagasaki, o relato vagamente autobiográfico de Loti registra a história de um oficial da marinha que se casou com uma japonesa. O sucesso de Madame Chrysanthème na França levou à sua tradução em vários idiomas e inspirou uma série de adaptações, incluindo a de Régamey e óperas de André Messager e Giacomo Puccini, respectivamente intituladas Madame Chrysanthème (1893) e Madame Butterfly (1904).[57] O que distingue a adaptação de Régamey da de outros contemporâneos é seu desejo de justificar o Japão das severas críticas de Loti. Enquanto Loti se apropriou dos tropos que caracterizam as narrativas "orientalistas," como a subjugação de, e condescendência em relação a, mulheres não-brancas, Régamey escreveu da perspectiva de Chrysanthème para exonerar as mulheres japonesas dos estereótipos racistas lançados contra elas pelos europeus (embora reiterasse alguns estereótipos raciais “positivos,” como o de que as mulheres são dóceis).

30.   A refutação de Régamey à dura descrição do Japão feita por Loti complexifica nossa compreensão das atitudes francesas em relação ao intercâmbio cultural no final do século XIX. A narrativa de Régamey redireciona a avaliação crítica da "mulher japonesa" para "o francês:" nesse sentido, Régamey criou um personagem cuja vulgaridade o impedia de reconhecer as virtudes de Chrysanthème e o fascínio do Japão. Régamey reformulou o oficial da Marinha francesa como rude, como um personagem cujo preconceito racista e sexista contra os japoneses o impedia de admirar o refinamento de Chrysanthème. A vilificação da história de Loti feita por Régamey não desculpa, porém, sua própria confiança nos estereótipos dos japoneses. Conforme Christopher Reed observou na introdução de sua tradução de Madame Chrysanthème, publicada em 2010, tanto Loti como Régamey perpetuaram noções preconcebidas que essencializavam a feminilidade japonesa, e ambos descreveram a personagem feminina como mansa e submissa.[58]

31.   De todo modo, a adaptação de Madame Chrysanthème por Régamey era um fórum que minava noções preconcebidas sobre a arte japonesa. Sua adaptação, de fato, aponta para um ponto importante relativo ao objetivo central deste artigo, isto é, a conexão entre a pedagogia do desenho e os costumes nacionais coletivos. Em ambas as versões de Loti e Régamey, os autores invocam técnicas de desenho para apoiar suas respectivas afirmações sobre o Japão. Loti, que era um desenhista experiente, defendia a superioridade da “escola francesa.” Ele relata um incidente em que o treinamento do oficial francês em técnicas de desenho realista muito impressionou um público japonês mais familiarizado com convenções artísticas esquemáticas:

32.                                 Eu [...] peguei um caderno e comecei a trabalhar [...] enquanto atrás de mim as três mulheres se aglomeravam perto, muito perto, seguindo os movimentos do meu lápis com atenção espantada. Elas nunca viram ninguém desenhar de forma realista, já que a arte japonesa é completamente convencional e meu estilo as encanta. [...] as três mulheres japonesas estão extasiadas com a aparência [real] do meu esboço.[59]⁠‍

33.   Quando Régamey adaptou o texto de Loti, ele não esqueceu a distinção entre os métodos japoneses e franceses de fazer arte. Mas, como um japonista que desprezava a imposição do treinamento baseado na geometria em seu pais e no exterior, Régamey previsivelmente contradisse Loti ao notar os efeitos nocivos dos modelos europeus em sua narrativa: “Sejam essas aulas [de desenho] ​​avançadas ou intermediárias, em todos os lugares o mesmo tipo de objetos serve de modelo para essas crianças infelizes: panela, boné, carteira escolar, etc., o mesmo 'objeto cotidiano' sem vida e sem expressão, que foi tão usado na França, mas que, felizmente, estamos começando a deixar para trás,” observou Régamey.[60] Da mesma forma, ele lamentou: “O pior é que, nesses estudos, o uso do pincel - esse admirável instrumento, ao mesmo tempo flexível e tão forte, o instrumento nacional - não foi preservado. É o nosso lápis de grafite seco e o giz de cera borrado e pegajoso que são desajeitadamente empregados ​​por esses pequenos japoneses desorientados.”[61] A crítica de Régamey aqui era dupla. Ela minava a suposição de Loti de que as práticas de produção de arte japonesas diferiam daquelas implantadas na França e, ao mesmo tempo, condenava a importação de métodos de desenho que cada vez mais suplantavam as antigas técnicas japonesas.

34.   As estratégias representacionais que Régamey implementou em seu frontispício [Figura 7] amplificam ainda mais essa crítica. Enquanto esse frontispício emulava as convenções japonesas de linearidade, enfatizando contornos ousados ​​e áreas planas de cor (neste caso, preto e branco), o romance de Loti empregava um estilo realista em suas ilustrações, que se valiam de uma gama de tons graduados para representar seus temas (que incluíam paisagens, interiores e estudos de figuras). Por exemplo, no frontispício de Régamey, a figura feminina está sentada em um banco vestida com um quimono, com o cabelo puxado para longe do rosto e no topo da cabeça. Ela se inclina para frente, enquanto lê um pergaminho em suas mãos. Como Régamey, Rossi (um dos artistas que ilustrou o texto de Loti) retratou uma mulher japonesa sentada, reclinada sob um guarda-chuva que segura acima da cabeça com a mão esquerda [Figura 8]. Todavia, bem diferente da ênfase de Régamey na linearidade, o desenho de Rossi representa seu modelo ao ar livre, usando uma série de tons modulados aplicados como aguadas de aquarela.

Economia visual nos desenhos japoneses

35.   A investigação de Régamey em 1899 atribuía aos artistas japoneses habilidades que eram altamente cobiçadas por alguns artistas e críticos franceses associados ao anti-academicsmo, notavelmente uma poderosa memória visual e a capacidade de reproduzir efeitos atmosféricos efêmeros e cenas da vida moderna.[62] Régamey acreditava que essa era uma habilidade em parte fundamentada em certos valores e práticas pedagógicas que existiam no Japão. Em contraste com a ênfase colocada nos "veneráveis" temas históricos, religiosos e alegóricos dos concours organizados pela École des Beaux-Arts em Paris, Régamey relatou o exemplo de um concurso japonês na Escola Imperial de Belas Artes de Tóquio que colocava em primeiro plano um gênero que era ostensivamente mais propício para capturar efeitos variáveis, ​​não fixos. Particularmente, a academia japonesa designou, como tema de concurso, uma paisagem descrita como "La fumée de la chaumière perdue dans la vallée" (fumaça de uma cabana perdida em um vale) [Figura 9].[63] Embora este tema não refletisse as preferências da academia francesa (que se voltavam para paisagens que colocavam em primeiro plano uma narrativa mitológica ou o passado antigo), Régamey comparou a capacidade de retratar a fumaça a um teste paradigmático que provava a habilidade de desenhar e cuja formulação era atribuída a um dos mais famosos acadêmicos franceses, o pintor neoclássico Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780-1867): “Ingres, mestre do desenho e admirador entusiasta da arte japonesa, costumava dizer isso aos alunos [...] 'Você não saberá nada até que seja capaz de esboçar, durante sua queda, um homem caindo de um telhado'.”[64] Já que é difícil reproduzir de forma convincente figuras em movimento ou fenômenos atmosféricos - como uma pessoa caindo ou a fumaça - a capacidade de fazê-lo atestaria as grandes habilidades perceptivas e representacionais de um artista. Embora desenhar a fumaça fosse contra a predileção da academia francesa pelo estudo das figuras humanas, tanto Ingres quanto os mestres japoneses (na perspectiva de Régamey) privilegiavam a representação visual do efêmero como demonstração de proficiência no desenho.

36.   Régamey também argumentava que a capacidade de ver e reproduzir elementos ativos, não fixos, era uma habilidade adquirida pelos japoneses por causa de sua admiração intrínseca e sem precedentes pela observação direta. Régamey sustentava que, ao priorizar as habilidades de observação, os artistas japoneses podiam fixar ao momentâneo sem o auxílio de dispositivos de registro como a fotografia. Em Le Japon pratique, ele observa que:

37.                                 Mas não fale com [os japoneses] sobre moldagens ou fotografia. Eles jamais consentiriam considerá-los [moldes de gesso e fotografias] para sua primeira instrução; é à própria natureza, à natureza apenas que eles se aplicam. Foi em vão, para a natureza, ter aspectos tão fugidios e movimentos tão evasivos que não tínhamos sido capazes de apreendê-los até que a fotografia instantânea viesse em nosso auxílio; os japoneses - eles haviam descoberto esses aspectos há muito tempo - os arranjaram e os reproduziram para nós. Aquilo que em suas imagens censuramos como outré é simplesmente o resultado de uma habilidade maravilhosa de execução a serviço de um ingênuo poder de observação apaixonadamente clarividente e auxiliado por uma memória exercida de modo especial.[65]

38.   O relato de Régamey simultaneamente venera a arte e a cultura japonesas e essencializa a "japoneidade" ao atribuir aos japoneses uma constituição inata que se conta como força perceptiva.[66] Régamey não estava sozinho em notar essa suposta habilidade, no entanto. Segundo o arquiteto Eugène Viollet-le-Duc, os japoneses podiam fixar o transitório sem o auxílio da câmera devido à sua preferência pelo que era essencial, em vez dos detalhes.[67]

39.   Viollet-le-Duc, como Régamey, argumentava que a facilidade com que os japoneses podiam, sem esforço, reproduzir o quase imperceptível estava ligada à sua capacidade de abstrair ou reduzir o que era visto às suas linhas essenciais.[68] Como um exemplo disso, Le Japon pratique de Régamey considerou "aqueles esboços de paisagens e de animais, cujas representações são obtidas por um único traço ininterrupto" [Figura 10].[69] Ele exemplifica essa tendência em suas representações de um pássaro e de um camundongo compostas por um número mínimo de linhas desenhadas, ou seja, por uma "economia visual." Régamey admirava o que ele percebia ser no emprego da linha desenhada para construir imagens: usar menos linhas demonstrava a proficiência do artista em visualizar seu tema com um mínimo de informações ou detalhes.

40.   A valorização do “essencial” correspondia a uma escola particular de pensamento francês que incentivava a economia visual - deixar de lado os detalhes para ver e reproduzir a essência de um tema. Em vez de dar atenção a partes ou detalhes individuais, exercer a economia visual significava ver o “todo” e abreviar o que era visível a olho nu; implicava ver as relações ou proporções harmoniosas entre objetos em um determinado campo visual e reduzir suas figuras a contornos esquemáticos, emblemáticos de suas características mais salientes. Na teoria acadêmica francesa, essas ideias foram incorporadas pela "linha serpentinada," um contorno em forma de “S” que visava a resumir o movimento de um tema e suas características essenciais a uma linha se valendo do julgamento, da seleção e de proporções medidas.[70]

41.   Le Japon pratique não foi a única publicação em que Régamey descreveu o desenho japonês como dominando a economia visual. Oito anos antes, em 1891, Le Petit français illustré - um período para crianças impresso entre 1889 e 1905, que normalmente publicava histórias em quadrinhos - apresentou um conjunto de exercícios de desenho de Régamey intitulado Le Dessin d'après les Japonais [Figura 11].[71] Este exercício explicava como representar um tema com um número limitado de linhas. Embora a contribuição de Régamey não contenha uma dimensão narrativa, ele adotou um formato semelhante ao das histórias em quadrinhos, separando seis motivos por uma grade composta por duas colunas e três faixas. Enquanto a primeira faixa mostra dois desenhos lineares produzidos com o auxílio de um compasso - um morcego ao luar, e uma rã seguida por outra, na chuva - a segunda faixa apresenta as mesmas figuras usando uma gama maior de tons, proporcionada por aguadas de tinta. Na terceira faixa, Régamey justapõe dois esquilos comendo sementes com dois daimyos (um termo usado para descrever senhores feudais que herdaram terras no Japão até o período Meiji). Ao contrário do morcego e das rãs, as duas imagens finais foram produzidas “à main levée, sans esquisse et sans préparation” (à mão livre, sem quaisquer esboços preparatórios). Para auxiliar os jovens desenhistas, Régamey recomendava seguir os números indicados ao lado das linhas. de forma a não ultrapassar um número limitado de traços.[72]

A filosofia pedagógica de Régamey

42.   Alguns anos depois de avaliar criticamente os programas de desenho japoneses, Régamey delineou sua própria filosofia e prática pedagógica em um texto intitulado Le Problème de l’enseignement du dessin (1906).[73] Seu currículo reivindicava o conjunto de habilidades que ele projetara nos artistas japoneses - acima de tudo, acuidade visual e economia linear. Régamey, no entanto, excluiu métodos japoneses de instrução de sua prática e, em vez disso, fundiu três estratégias educacionais que adquiriram popularidade nos discursos pedagógicos na segunda metade do século XIX na França: o sistema de desenho de memória de Lecoq de Boisbaudran, o méthode géométrique de Guillaume e a ênfase de Ravaisson na imitação de precedentes artísticos de inspiração clássica. Enquanto o sistema de Lecoq se tornou popular entre os artistas praticantes, notavelmente Henri Fantin-Latour, Auguste Rodin e Alphonse Legros, Guillaume, Ravaisson e Régamey debateram medidas para o ensino público de desenho para alunos do ensino fundamental.

43.   A filosofia pedagógica de Régamey fundia os objetivos dos respectivos sistemas de Lecoq, Ravaisson e Guillaume para refinar os processos fisiológicos e psicológicos empregados na criação artística. Conceituado como “physionomie” (fisiognomia) e “mesure (medida), o método de Régamey exigia que os artistas praticassem em cada domínio para dominar a síntese (discernindo as partes mais características do "todo") e a análise (exibindo conhecimento das partes com base em leis matemáticas, em vez de o que é perceptível a olho nu).[74] Enquanto trabalhar diretamente a partir de modelos e da memória fortalecia a percepção sintética (e eram qualidades que Régamey associava aos artistas japoneses), as lições de geometria cultivavam o raciocínio analítico. A justificativa pedagógica de Régamey sustentava que essas habilidades juntas se tornariam habituais, permitindo ao artista, inconscientemente e sem esforço, reproduzir o que era visível de acordo com seus atributos mais salientes e com a verdade científica.

44.   Para desenvolver as propriedades duais de “physionomie” e “mesure” em desenhistas, Régamey argumentava que a educação do desenho dependeia de dois tipos de exercícios, os “essentiels” (essenciais) e “auxiliaires” (auxiliares), que respectivamente atendiam à fisiognomia e à medida.[75] Cópia, interpretação, desenho da memória e composição estavam entre os exercícios “essenciais” que treinavam a fisiognomia, apelando para a fisiologia por meio do treinamento sensorial. Régamey imaginava que esses exercícios apoiariam uma educação do olho por meio da aquisição de hábitos visuais e representacionais: tais hábitos, afirmava ele, treinariam o olho para discernir instantaneamente as características mais essenciais de um motivo. Quando Régamey descreveu a capacidade da fisiognomia de configurar a semelhança, ele ofereceu uma anedota que exemplificava essa crença:

45.                                 Embora você não consiga se lembrar dos detalhes dos traços faciais de um de seus amigos distantes; que não possa dizer como sua barba é aparada, nem mesmo se ele tem uma; e que, consequentemente, se você fosse um bom pintor, ser-lhe-ia impossível produzir uma imagem semelhante a ele, o “je ne sais quoi” que o distingue dos outros homens fará com que você, por mais longe que o veja, o reconheça instantaneamente. Esse é o triunfo do sentimento - da fisiognomia.‍[76]

46.   A fisiognomia representava, portanto, a habilidade de economizar, de reduzir a representação às suas características essenciais, que poderiam ser ligadas ao sistema de Lecoq de treinamento de memória visual, bem como da análise de Régamey dos desenhos japoneses e seus elogios do uso econômico da linha.[77] A capacidade de reunir os atributos mais salientes de um modelo para produzir uma semelhança convincente era essencial para a produção artística: independentemente do tema, os artistas negociavam o número mínimo de elementos visuais necessários para descrever sinteticamente o “todo.”

47.   Os exercícios “auxiliares” complementavam - ou mesmo contrabalançavam - a ênfase colocada na fisiognomia (ou representações fisiognômicas) com exercícios essenciais. Para Régamey, a arte igualmente exigia habilidades representacionais baseadas na "mesure," um termo usado para descrever análises matemáticas ou desenhos produzidos por meio da razão (em vez de a olho nu), assim como a síntese (ou a capacidade de ver rapidamente o "todo"). As práticas geométricas, como a perspectiva, ao lado da anatomia e da história da arte, eram categorizadas como disciplinas “auxiliares” que exercitavam a “mesure.” Estes eram, como defendia Régamey, exercícios psicológicos, enraizados menos no que é visto do que no que é conhecido, e eram acionados para equipar a mente com noções científicas necessárias para compreender a forma.[78]

48.   Para ilustrar como a fisiognomia e a medida (ou as habilidades essenciais e auxiliares) operavam em uníssono durante o desenho, Régamey contava uma anedota comparando os hábitos de desenho à conduta associada ao disparo de uma arma. Aprender a desenhar era como aprender a atirar com uma pistola, acreditava Régamey.[79] O olho fornece a mira, guiando a bala em direção ao alvo. A precisão necessária para atingir o alvo depende de dois pontos, começando com o cabo da arma e terminando no alvo, que configuram a linha de tiro ou linha de visão. Traçar esses pontos, da arma ao alvo, requer não apenas a visão, mas também uma compreensão de distância em relação à posição, usando planos horizontais e verticais. Ao usar uma arma de fogo, “fisiognomia” e “medida” operam em conjunto para marcar um ponto, e traçar uma linha entre pontos. Essa prática, como a de disparar uma arma, reduz o esforço e melhora a precisão. “É à custa de um trabalho persistente que o Consciente, alimentando o Inconsciente, lhe dá os reflexos necessários para aperfeiçoar a força de expressão.”[80] Através do esforço consciente, Régamey dizia, as habilidades necessárias para desenhar tornam-se inconscientes, rotinas aparentemente instintivas podem assim ser executadas sem pensar. Elas são, com efeito, baseadas inteiramente em hábitos adquiridos de ver, se mover e lembrar.

49.   O progama de Régamey colocava em primeiro plano métodos para ensinar acuidade e economia visuais, propostos pelos principais pensadores pedagógicos da França. Ao mesmo tempo, seus “exercícios essenciais” modificavam, de forma menos explícita, um formato pedagógico que ele encontrou durante sua segunda viagem ao Japão em 1899, em que o desenho era ensinado em quatro estágios principais que mesclavam a razão, o sentimento e o treinamento da memória visual. Em particular, Régamey adaptou uma prática que encontrou na École Normale para meninas, e que ele descreveu em seu estudo de 1899, Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio. A École Normale organizava o currículo de desenho de acordo com quatro exercícios-chave, cujos títulos Régamey assim traduziu: 1) exercice de pinceau (exercício com pincel); 2) calqué (traçado); 3) copié (copiado); e 4) composition (composição).[81]

50.   Para exemplificar o que essas lições ensinavam, Régamey reproduziu quatro desenhos feitos por estudantes japoneses como parte desse regime [Figura 12].[82] Com os rótulos de I, II, III e IV, cada desenho em Le Dessin et son enseignement apresenta uma planta ou animal separado de seu fundo. A imagem I, por exemplo, representa uma planta semelhante a grama produzida com longos traços de tons escuros e claros que se originam na borda inferior do papel, curvando-se para cima em direção ao topo. Este era um exercício destinado a "l’initier à sures tours de main" (para treinar a destreza manual), usando um pinceau, um pequeno pincel.[83] As imagens II e III representam respectivamente uma ave sentada em um galho e uma em voo. Ao contrário da primeira imagem, que era composta inteiramente de linhas para introduzir o manuseio do pincel pelo artista, a segunda e a terceira retratavam um assunto mais complexo, usando uma gama maior de variações tonais, e exibiam tentativas de sombreamento. Essas etapas exigiam que os alunos primeiro calqué e depois copié. Usando os mesmos modelos, esperava-se que os alunos reproduzissem o assunto inteiramente de memória. Para auxiliar nisso, o professor traçava “les lignes maîtresses” - as linhas mestres - em um quadro, a partir das quais os alunos eram obrigados a reproduzir o modelo em todos os seus detalhes. Por fim, as aulas culminavam na interpretação de objetos em relevo ou do natural. Como exemplo disso, a imagem IV mostra um rabanete próximo a uma cesta de plantas coletadas em primeiro plano, usando uma combinação de pinceladas lineares para representar a cesta e manchas de tinta para descrever o caule do rabanete.

51.   Quando Régamey sistematizou seu próprio programa de desenho, esse modelo japonês forneceu uma estrutura para o que ele delineou em seu texto de 1906. Da mesma forma, Régamey destilou os exercícios essenciais em quatro etapas, que incluíam: 1) copie rigoureuse (cópia rigorosa), a partir de gravuras; 2) interprétation (interpretação), a partir de modelos de gesso, objetos em relevo, naturezas mortas, culminando no modelo vivo; 3) dessin de mémoire (desenho de memória), que começava copiando gravuras “de cor” antes de representar de memória objetos em relevo; e 4) composition (escolha ilimitada de assuntos).[84] No entanto, o método de Régamey em certo ponto divergia de seu modelo japonês. Sua série graduada excluía o estágio inicial, exercícios com o pincel: já que o programa de Régamey não empregava pincéis, ele tinha pouca necessidade desta lição. Em vez disso, Régamey começava com a cópia de gravuras e rapidamente continuava para o segundo estágio, a interpretação (estágios II e III na École Normale). Enquanto a escola japonesa concluía com a composição, Régamey incluía o desenho de memória antes de terminar igualmente com a composição. Pode-se especular que ele incorporou o treinamento da memória visual em um sistema voltado para estudantes franceses para compensar a falta de um conjunto de habilidades que ele já atribuía - com admiração - à constituição inata dos japoneses.

52.   Embora o sistema de Régamey emulasse os exercícios graduados da École Normale para meninas, ele rejeitava os modelos ali usados. Na verdade, quando Régamey revisou os programas de desenho existentes na França, ele excluiu propositalmente os modelos japoneses: “Querer substituir inteiramente a nossa arte de pintar pela dos japoneses seria um erro - eu diria um crime,” advertia Régamey.[85] O fato dele alertar contra os modelos japoneses pode parecer uma surpresa. Afinal, ele atribuía aos artistas japoneses qualidades muito positivas, que eram aproveitadas para o treinamento da memória visual. Embora Régamey não tenha recusasse totalmente o intercâmbio cultural, ele recomendava que este fosse abordado com cautela. Em seu livro Japon en images (1900), por exemplo, Régamey advertiu que “a adoção irrefletida de fórmulas novas é perniciosa, assim como é paralisante a cópia servil de obras do passado.”[86] Por isso, ele alertava que a troca de procedimentos técnicos pode estultificar a produção artística. Em Le Problème de l’enseignement du dessin, Régamey também desencorajou um recurso que qualificava como fundamental para o ensino de desenho japonês: o uso do pincel. O lápis, ele justificou, fomentava a “pesquisa,” um conjunto de habilidades que conduzia à aprendizagem, enquanto o pincel facilitava a “produção.”[87] A abordagem pedagógica de Régamey estabelecia, assim, uma relação complicada com a produção artística japonesa. Vale notar que sua aceitação ou rejeição das estratégias de produção de arte japonesas se desenvolveram a partir de uma compreensão complexa da arte e de sua história, que foi popular na segunda metade do século XIX.

A concepção de Régamey sobre a "evolução" estilística japonesa

53.   O intercâmbio cultural era problemático para Régamey. Por mais que admirasse a produção artística japonesa, ele alertava contra a introdução de estratégias de criação de arte daquele país nos programas pedagógicos franceses. A razão por trás de sua atitude aparentemente inconsistente é iluminada quando se leva em consideração suas ideias sobre tendências estilísticas e civilização, acima de tudo a interdependência entre elas. Para Régamey, os desenvolvimentos estéticos e a força de uma civilização não eram mutuamente exclusivas; ao contrário, suas trajetórias estavam intimamente ligadas. Ele resumiu essa confluência em seu texto Japon en images nos seguintes termos: “Quem fala de Arte fala de Civilização. A civilização caminha lentamente e o tempo destrói rapidamente o que foi feito sem sua ajuda. | É por meio do encadeamento do trabalho acumulado de gerações que o progresso se realiza.”[88] Essa declaração - modernista em seu desejo universalizante de conectar a mudança estilística à suposta tendência da civilização japonesa rumo ao progresso - sugere que a arte é um produto de avanços acumulados. Para Régamey, esta posição transcendia o escopo da história da arte japonesa. Com efeito, ela se tornou uma maneira popular de explicar a evolução das tendências artísticas em toda a Europa.[89]

54.   Para os historiadores da arte, parte dessa narrativa soa familiar. Existem semelhanças significativas entre a mentalidade de Régamey e os textos fundacionais da disciplina da história da arte. O trabalho de Régamey aborda a mesma questão que preocupou os primeiros estudos de história da arte e que permanece sem solução até hoje: o que determina a variação estilística? Quando historiadores da arte como Riegl e Erwin Panofsky enfrentaram essa questão, eles acharam produtivo ligar tais transformações a ideia de Kunstwollen.[90] Esse termo descreve uma força autônoma supraindividual que faz com que as tendências estéticas mudem com o tempo. Não é preciso dizer que a Kunstwollen, entre sua longa lista de deficiências, falha em identificar adequadamente as motivações concretas ou materiais que impulsionam o desenvolvimento artístico e, ao fazê-lo, se apresenta como um modelo no qual o livre arbítrio e agência individual estão ausentes.

55.   O trabalho de Régamey oferece uma explicação alternativa da mudança estilística que está enraizada em uma pedagogia do desenho sancionada pelo Estado. Entretanto, seria errado sugerir que Régamey ocupava uma posição reacionária com relação às teorias da Kunstwollen: com toda a probabilidade, ele ignorava os debates contemporâneos em língua alemã que estavam ocorrendo. Ao contrário de suas contrapartes na história da arte, Régamey propunha que os artistas tinham a capacidade de intervir nos desenvolvimentos estéticos por meio do esforço consciente, que evoluía para predisposições inconscientes. Para cultivar uma sensibilidade estética compartilhada entre os cidadãos franceses, portanto, os programas de desenho precisavam ser cuidadosamente calibrados tendo em mente as técnicas existentes (que haviam se tornado predisposições inconscientes). Isso porque o estilo, em sua linha de raciocínio, resultava de práticas acumuladas ao longo dos séculos. Régamey implicitamente argumentava que introduzir novos métodos sem respeito às convenções existentes poderia inviabilizar os “avanços” em arte.

56.   Quando Régamey caracterizava a mudança estilística como “travaux acumulés des générations” (trabalho acumulado de gerações), ele não estava sozinho. Em um artigo sobre o ensino artístico japonês antigo, publicado em 1903 com o título L’Enseignement artistique au vieux Japon, Jules Pillet traçou uma genealogia da prática do desenho japonês que remontava à caligrafia chinesa.[91] Pillet era próximo de Régamey em dois domínios: ele não apenas era um japonista (que, no artigo referido, citava uma palestra de Régamey), mas também foi um instrutor de desenho que ajudou a sistematizar o méthode géométrique. Pillet, como Régamey, acreditava que a arte funcionava de acordo com uma lei que conduzia à perfeição, defendendo uma ideia hegeliana popular na França que postulava estar toda a arte em uma "gênese perpétua," como parte de sua evolução: “A arte está sempre em perpétua gênese, muda constantemente, modifica as faturas para mantê-las em harmonia com as novas necessidades da existência; mas nada é criado do nada, como Minerva saindo totalmente armada da cabeça de Júpiter. Um estilo não pode ser inventado, só existe como resultado da evolução natural da Arte![92]

57.   Para legitimar suas ideias sobre a mudança artística, Régameu e Pillet adotaram a difundida concepção de que os procedimentos de desenho e escrita japoneses eram indistinguíveis entre si. Pillet, de fato, argumentava que a economia linear dos artistas japoneses se originou na caligrafia chinesa [Figura 13]:

58.                                 Antes de pensar no retrato fiel da natureza, os homens procuraram primeiro fixar uma silhueta simples, a memória dos seres e das coisas: o hieróglifo posteriormente se transformará e se desenvolverá em dois ramos bem distintos; simplificado excessivamente, o traço, transformado em chave ou caractere, constituirá o elemento necessário para qualquer linguagem escrita; ao contrário, embelezado, o traço se aproximará da fisiognomia do objeto natural e se tornará o arcabouço do desenho artístico como o conhecemos. O símbolo precedeu o retrato do que nos rodeia.[93]

59.   Na época em que Régamey conduziu seu estudo da formação artístico no Japão, em 1899, ele também estava convencido de que a arte japonesa derivava dos sistemas de escrita locais. Muitas de suas ideias eram baseadas nos textos de Guimet. Pouco depois de sua primeira viagem ao Japão em 1876, Guimet conectou a arte japonesa aos seus procedimentos de escrita em Promenades japonaises (1880): “Os artistas empregam em seus trabalhos, procedimentos hieróglifos, o simbolismo e a simplificação, o pensamento expresso em um traço.”[94] Não está claro se Guimet, ao vincular o desenho à palavra escrita, entendia tais sistemas de escrita como pictográficos. A escrita japonesa, com sua combinação de kanji logográfico e kana silábico, não é categorizada pelos linguistas atuais como um sistema de escrita pictográfica. Independentemente disso, a equivalência percebida entre desenho e escrita, que persistiu entre japonistas como Guimet na segunda metade do século XIX, não é apenas questão de desconhecimento. Em parte, os japonistas estavam falando sobre o uso de pinceladas para compor caracteres e a preferência por contornos bem delineados em certas práticas de desenho. As semelhanças visuais entre linhas escritas e desenhadas provavelmente eram amplificadas no caso de Régamey: ao contrário dos desenhos caligráficos japoneses, a prática artística dele era caracterizada pela supressão de linhas grossas e visíveis e, em vez disso, Régamey priorizava a cuidadosa modulação de tons. Em Le Japon pratique, ele de fato tirou conclusões semelhantes a Guimet. Régamey ali postulou que os japoneses “equipararam a arte caligráfica à arte do desenho.”[95] Foi a associação entre escrever e desenhar que levou Régamey a concluir provocativamente no seu texto que: “No Japão, todo mundo desenha.”[96]

60.   Contextualizado em relação a discursos mais amplos sobre arte e civilização, pode-se especular por que Régamey excluiu modelos artísticos japoneses de seu currículo francês. Se, para ele, a arte era entendida como o acúmulo de séculos de trabalho, sua decisão de suprimir os modelos japoneses na formação de estudantes franceses teria sido uma forma de preservar o processo histórico de mudança estilística francesa? Certamente, isso não significa que Pillet ou Régamey acreditavam que os objetivos finais da produção artística em grupos culturais distintos eram incompatíveis. Como Pillet asseverava,

61.                                 Apesar da diferença de costumes e épocas, apesar das diferenças entre as raças, o espírito humano sempre parece idêntico a si mesma; e, para representar a natureza, curvando-se às necessidades variadas e respeitando convenções muitas vezes opostas, os mestres de todos os países sempre ensinaram os mesmos bons princípios: mais do que um jovem artista, sonhando em criar uma arte ou um estilo novos, faria bem em meditar sobre e seguir as regras muitas vezes tão judiciosas dos antigos professores chineses e japoneses.[97]

62.   Apesar das convenções representacionais distintas que existiam em todo o mundo, Pillet ponderava, os procedimentos básicos para fazer arte pouco diferiam. Os escritos de Régamey sobre o Japão e a pedagogia artística adotavam uma atitude semelhante. Como Pillet, Régamey elogiava os métodos que Japão e França compartilhavam, como a ênfase no treinamento da memória visual. No entanto, ele não recomendava a apropriação estilística. Eu argumento que isso se dava porque eles acreditaram que a adoção de modelos de outras culturas interromperia a "evolução" de uma determinada escola nacional. Uma perspectiva semelhante a essa aparece em um ensaio de Guillaume intitulado De l’esthétique dans l’enseignement de l’art (1886).[98] Estudar a arte europeia ao lado da arte não-ocidental, afirmava Guillaume, ofereceria uma visão sobre verdades universais sobre a história da arte. O que diferia entre escolas de arte distintas tinha menos a ver com princípios ou ideais artísticos do que com o efeito dos temas e modelos na trajetória artística de uma determinada nação, como a França.[99]

63.   Na França do século XIX, acreditava-se que a arte era um dos muitos campos que avançavam lado a lado e em conjunção com a civilização. Ela também refletia o bem-estar físico e mental de uma determinada sociedade. Isso levou muitos filósofos, críticos de arte e políticos a conectar as histórias da arte às ideias de nação e raça. Uma tradução para o idioma inglês do Kunstgeschichtliche Grundbegriffe (Princípios de História da Arte; 1915) de Heinrich Wölfflin começa com uma passagem que lembra as próprias forças da identidade, do hábito e da educação artística discutidas entre meados e fins do séc. XIX, por filósofos, artistas, críticos e instrutores, como Régamey: “Ludwig Richter relata [...] como, certa vez, quando estava em Tivoli em sua juventude, ele e três amigos começaram a pintar a partir da paisagem, todos os quatro firmemente decididos a absolutamente não se desviar da natureza; em embora o motivo fosse o mesmo, [...] o resultado foi quatro pinturas totalmente diferentes.‍[100]

64.   Quando Régamey e Kyōsai se engajaram em seu duelo artístico, ambos trabalharam "do natural," mas os produtos finais mostram diferenças estilísticas conspícuas que exemplificam como a prática de cada artista era influenciada pelas convenções que aprenderam. No entanto, enquanto Régamey imaginava intervenções sancionadas pelo Estado no treinamento de hábitos específicos de ver para impulsionar a civilização adiante, historiadores da arte formalistas, como Riegl e Panofsky, articularam mudanças artísticas a leis evolutivas impulsionadas por suas próprias lógicas intrínsecas, em oposição a agências individuais.[101] Embora tais abordagens tenham sido fortemente criticadas como teleológicas, a concepção de estilo de Régamey oferece um modelo alternativo (embora falho) para explicar a mudança estilística na prática artística ao longo de longos períodos de tempo, que considera especialmente o papel dos hábitos adquiridos ou procedimentos técnicos (e a forma como tais procedimentos informam o efeito visual).

65.   Para Régamey, a aquisição de hábitos explicava o cultivo de estilos culturais e suas mudanças ao longo do tempo. Régamey vinculou explicitamente o desenho e os hábitos que este exigia e engendrava em uma cultura estatal. Ao fazer isso, ele essencialmente argumentava que o cultivo da identidade nacional dependia do estabelecimento de uma conexão entre hábitos corporais e um conceito correlato, o de "costumes coletivos." Diferente do hábito, o costume se refere a comportamentos ou modos de comportamento comumente aceitos, que são social e historicamente contingentes (ou específicos de uma sociedade em particular, uma definição que ressoa até hoje).[102] Nos discursos sobre o hábito no século XIX, era comum estabelecer um elemento de continuidade entre o hábito e o costume. Por exemplo, em seu Dictionnaire de la langue française (1872-77), Émile Littré distinguia entre “coutume” (costume) e “habitude” (hábito), para, em seguida, especificar como os dois conceitos convergiam:

66.                                 O costume é objetivo, isto é, indica um modo geral de ser ao qual nos conformamos. O hábito, ao contrário, é subjetivo, isto é, indica um modo de ser que nos é pessoal e que determina nossas ações. O hábito se transforma em uma necessidade; mas o costume nunca se torna isso. Porém, também se diz: Tenho o costume ou tenho o hábito de tomar café, com a nuance, porém, de que ter o costume apenas expressa o fato de que costumo tomar café, enquanto ter o hábito expressa que uma certa necessidade a isso se acrescenta.[103]

67.   Littré, portanto, explicava como os conceitos de costume e hábito eram usados ​​para entender a relação de alguém com, por exemplo, o café diário. O que distinguia esses dois conceitos era que adotar e praticar certos costumes exigia agência individual, ou seja, eram resultado do livre arbítrio, enquanto os hábitos se referiam a comportamentos que se tornavam uma necessidade, uma prática impensada que beirava a compulsão. No caso do consumo de café, no entanto, muitas vezes é difícil de determinar se esta é uma prática impulsionada por costume ou por hábito.

68.   Para Régamey, os hábitos aprendidos que eram necessários para produzir arte não podiam ser facilmente desvinculados do cultivo da identidade nacional, e vice-versa. O que começava como um costume, assim como o consumo diário de café, com o tempo se tornava um hábito, realizado de forma inconsciente e transmitido por gerações. Em jogo na sala de aula estaria, então, a doutrinação de hábitos que podiam levar uma sociedade à degeneração, em vez de contribuir para a tendência universal rumo à perfeição. Isso acontecia porque a formação artística a partir de modelos preexistentes (em vez da natureza) implicava em certas convenções representacionais e, portanto, reforçava qualidades que incorporavam períodos e lugares artísticos distintos. Por exemplo, ao exigir que os alunos copiassem esculturas antigas, a Académie francesa reforçou por dois séculos a primazia do estudo da figura humana e dos tipos ideais. Portanto, para Régamey, o material - ou “fontes” - introduzido nas salas de aula podia ter um efeito enorme sobre os indivíduos e a sociedade como um todo.

69.   A perspectiva de Régamey pode parecer uma abordagem incomum do conceito de hábito. A ideia de que leis universais eram análogas ao hábito (e à sua aquisição) permeava os discursos filosóficos e evolucionários de meados ao final do século XIX.[104] No domínio da teoria da evolução de Lamarck, por exemplo, uma série de pensadores descreveu os instintos como hábitos adquiridos: os instintos eram, nesta linha de investigação, uma série de memórias inconscientes que eram herdadas.[105] Quando Régamey atribuiu certas qualidades instintivas inatas aos japoneses, ele não considerava necessariamente que esses atributos estavam desvinculados do trabalho realizado em sala de aula. Para Régamey, os hábitos transmitidos entre indivíduos em uma determinada sociedade tinham um significado distinto: eles ganhavam um propósito teleológico e, nesse sentido, visavam a um resultado desejado.

70.   Em conclusão, as contribuições de Régamey para a pedagogia comparativa da arte e a educação do desenho não podem ser desvinculadas das discussões nacionalistas que permearam o pensamento francês no final do século XIX. Ao mesmo tempo em que o Estado francês encorajou o comércio global - como quando, por exemplo, patrocinou a viagem de Régamey ao Japão -, o cultivo e a manutenção de identidades nacionais francesas e japonesas exclusivas eram fundamentais para os discursos artísticos que floresceram na França. Isso levou Régamey a celebrar a arte japonesa e, simultaneamente, a alertar contra a apropriação de suas características estilísticas. Semelhante ao duelo artístico que introduziu este artigo, Régamey não só tinha a arte japonesa em grande estima, mas também a via como um oponente que ameaçava os hábitos artísticos franceses e o futuro de sua identidade nacional.

Tradução do inglês por Arthur Valle

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Mary Hunter e Matthew Hunter merecem um reconhecimento especial por todo o apoio e feedback que ofereceram enquanto eu realizava este projeto. Também agradeço aos revisores anônimos e aos editores de Nineteenth-Century Art Worldwide por avaliarem criticamente meu trabalho. Da mesma forma, seria negligente não reconhecer a generosidade das múltiplas instituições e oportunidades de bolsa que me permitiram realizar esta pesquisa. Isso inclui a equipe das bibliotecas da Universidade McGill e da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara; Media@McGill; o Institut Français d’Amérique; Wolfe Chair Graduate Fellowship in Scientific and Technological Literacy; e o Max Stern Museum Fellowship.

* Originalmente publicado como: COOPERSTEIN, Shana. Putting Cultural Customs on the “Line”: Félix Régamey, Japonisme, and National Art Education. Nineteenth-Century Art Worldwide, v. 19, n. 1 (primavera 2020), https://doi.org/10.29411/ncaw.2020.19.1.3

** Shana Cooperstein é especialista na arte do longo século XIX, particularmente no que diz respeito às práticas materiais de produção artística, teoria representacional e história da imagem científica. Conforme demonstrado por suas publicações em Leonardo, Nineteenth-Century Art Worldwide e Gray Room, entre outras, sua investigação interdisciplinar é motivada por questões não resolvidas sobre o papel da percepção sensorial humana no desenvolvimento de estratégias de fazer arte. “Habit’s Demise: Drawing Pedagogy in Modern France," um livro que ela está atualmente desenvolvendo a partir de sua pesquisa de doutorado, examina a esquematização, a educação do olhar e outros problemas centrais para a história do ensino de arte na era moderna.

Cooperstein é atualmente Professora Assistente de História da Arte no Anne Arundel Community College (AACC). Ela se juntou ao corpo docente da AACC depois de ocupar cargos de ensino na University of Chicago, na Villanova University, no Community College of Philadelphia e na McGill University. Sua pesquisa foi apoiada por: Osler Library of the History of Medicine, Institut Français d’Amérique, Media@McGill, Wolfe Chair Graduate Fellowship in Scientific and Technological Literacy, e Max Stern Museum Fellowship.

[1] Na época em que este episódio ocorreu, os duelos haviam se tornado um modo popular de entretenimento entre a crescente burguesia francesa. Ansiosa por se apropriar dos códigos de honra historicamente associados à nobreza, a nova classe dominante encenou tais disputas publicamente (em especial dentro dos círculos políticos e jornalísticos) para resolver disputas nas quais a glória de um homem estava em jogo. Enquanto os duelos eram praticados entre homens de igual habilidade e posição social, a ameaça de lesão passou a significar a integridade, o heroísmo e a masculinidade de um indivíduo. Os duelos exigiam coragem e autodisciplina. Os participantes eram obrigados a dominar e cumprir um conjunto de regras e protocolos codificados. Ver: NYE, Robert A.. Honor and the Duel in the Third Republic, 1860–1914. In: NYE, Robert A.. Masculinity and Male Codes of Honor in Modern France. Berkeley: University of California Press, 1998, p. 172–215; GUILLET, François. The Duel and the Bourgeoisie in 19th-Century France. Revue d’histoire du XIXe siècle, 34 (2007), p. 55–70.

[2] O primeiro volume concentra-se na excursão da dupla a Yokohama e Kamakura, enquanto o segundo resume sua viagem a Tóquio e Nikkô. Em um capítulo intitulado “Un duel,” Guimet relata a escaramuça, por assim dizer, entre os dois artistas. Ver: GUIMET, Émile; RÉGAMEY, Félix. Promenades japonaises. Paris: Charpentier, 1878; GUIMET, Émile; RÉGAMEY, Félix. Promenades japonaises: Tokio-Nikko. Paris: C. Charpentier, 1880.

[3] Sobre os métodos de educação artística de Kyōsai, ver: JORDAN, Brenda G.. Kawanabe Kyōsai’s Theory and Pedagogy: The Preeminence of Shasei. In: JORDAN, Brenda G.; WESTON, Victoria. Copying the Master and Stealing His Secrets: Talent and Training in Japanese Painting. Honolulu: University of Hawai’i Press, 2003.

[4] Promenades japonaises de Guimet apresenta, no entanto, um segundo retrato de Kyōsai em seu estúdio, feito por Régamey. Ver: GUIMET; RÉGAMEY, Promenades japonaises, p. 189.

[5] GUIMET; RÉGAMEY, Promenades japonaises: Tokio-Nikko, p. 191. O incidente não estava desvinculado de um desejo de prestígio, uma vez que beneficiava a posição social de cada artista. Para o público francês, a primeira turnê de Régamey pelo Japão fez dele uma autoridade amplamente aceita no japonismo, ao lado de Philippe Burty, dos irmãos Goncourt e de Ernest Chesneau, para citar alguns nomes. Quando Régamey e Guimet publicaram o relato de sua visita ao estúdio de Kyōsai, eles por sua vez apresentaram o pintor japonês a um público europeu ansioso por consumir a produção cultural japonesa.

[6] Nos relatos escritos, os duelos costumavam fazer alusão a batalhas travadas entre duas nações. Ver: NYE, Robert A.. Fencing, the Duel and Republican Manhood in the Third Republic. Journal of Contemporary History, 25, n. 2/3, mai.-jun. 1990, p. 372.

[7] Sobre a relação do japonismo com a identidade nacional francesa, e sobre a complexa recepção crítica da arte japonesa na França, ver: DANDONA, Jessica M., Nature and the Nation in Fin-de-Siècle France: The Art of Emile Gallé and the École de Nancy. London: Routledge, 2017.

[8] Em estudos recentes de Christopher Reed e Ting Chang, Régamey foi posicionado ao lado dos escritores, colecionadores e artistas mais comumente associados ao japonismo, como Theodore Duret, Émile Guimet e Vincent van Gogh. Ver: REED, Christopher. Introduction. In: The Chrysanthème Papers: The Pink Notebook of Madame Chrysanthème and Other Documents on French Japonisme. Honolulu: University of Hawai’i Press, 2010, p. 1-60; CHANG, Ting. The Labor of Travel: Guimet and Régamey in Asia. In: Travel, Collecting, and Museums of Asian Art in Nineteenth-Century Paris. Farnham, UK: Ashgate, 2013, p. 73-110; CHANG, Ting. Paris, Japan and Modernity: A Vexed Ratio. In: CLAYSON, Hollis; DOMBROWSKI, André (ed.). Is Paris Still the Capital of the Nineteenth Century? Essays on Art and Modernity, 1850–1900. Abingdon, UK: Routledge, 2016, p. 153-170.

[9] A ideia de que teorias sobre o hábito e as práticas habituais podem oferecer um método de análise para a história da arte foi proposta em estudos recentes por Adi Efal-Lautenschläger. Ver: EFAL-LAUTENSCHLÄGER, Adi. Habitus as Method: Revisiting a Scholastic Theory of Art. Leuven, Belgium: Peeters, 2017.

[10] KAREL, David. Dictionnaire des artistes de langue française en Amérique du Nord. Laval, France: Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 681-682. Régamey também foi contratado por um breve período como instrutor na École Spéciale d'Architecture, uma instituição privada fundada por M. Emile Trélat. Ver: Ça et la. Gil Blas, 2 jun. 1907, n.p.

[11] Cópias do jornal se encontram hoje no Musée Carnavalet. Para uma descrição de seu conteúdo, ver: MAILLARD, Firmin. Histoire des journaux publiés à Paris pendant le siège et sous la Commune: 4 septembre 1870 au 28 mai 1871. Paris: E. Dentu, 1871, p. 24-25.

[12] Art in the Cities. The Art Journal, 6 (1880), p. 62; Régamey, Félix. À Chicago il y a vingt ans. Le Tour du monde, 20 mai. 1893, p. 305-20. No entanto, o Art Institute não tem documentação conhecida que comprove isso.

[13] Para fontes detalhando esse itinerário, ver: OMOTO, Keiko; MACOUIN, Francis. Quand le Japon s’ouvrit au monde. Paris: Gallimard/Réunion des Musées Nationaux Histoire, 1990, p. 60-61, 66; e MACOUIN, Francis; CHAPPUIS, Françoise. D’Outremer et d’Orient mystique: Les Itinéraires d’Émile Guimet. Sully-la-Tour, France: Éditions Findakly, 2001.

[14] Por exemplo, ver: GUIMET, RÉGAMEY, Promenades japonaises, 1878, 1880. O interesse de Régamey no japonismo também o levou a participar da Société Franco-Japonaise em Paris.

[15] PROTH, Mario. Voyage au pays des peintres: Salon universel de 1878. Paris: Ludovic Baschet, 1879, p. 324.

[16] Les collections de M. Guimet, au Trocadéro. L’Illustration, 16 nov. 1878, p. 310. Essa também se tornou a base para o Musée Guimet, dedicado às arts asiatiques (artes asiáticas) e que foi estabelecido pela primeira vez em Lyon em 1879, mudando-se para Paris em 1889.

[17] DE TROGOFF, Christian. Courrier des Théâtres. Gil Blas, 31 mai. 1884; Le Diable Boiteux. Nouvelles & Echos. Gil Blas, 16 nov. 1880.

[18] Courrier de l’art, 30 mai. 1884, p. 270; TISSANDIER, Gaston. Les Soirées de dessin de Félix Regamey [sic]. La Nature, 4 jun. 1881.

[19] Não está claro quando exatamente Régamey foi contratado pela primeira vez. Dezenove inspetores foram contratados pelo estado em 1881. Em transcrições não publicadas de reuniões realizadas em 1876 para discutir o currículo de desenho no ensino secundário francês, um participante (Bardoux) demandou 51.000 francos para financiar a contratação de dezessete inspetores de instrução de desenho. Ver: Procès-verbaux des séances de la Commission de l’organisation de l’enseignement du dessin, 1876. In: Procès- verbaux de Commissions 1876–1883, F21 7540, Archives Nationales, Paris. Para saber se Régamey estava ou não entre os contratados naquele ano, seria necessário revisitar os arquivos. É certo que ele tinha o emprego já em 1884, pois, em um texto desse ano, um autor observa que: “M. F. Régamey a été nommé récemment inspecteur de l’enseignement du dessin dans les écoles de la ville de Paris.” Ver: Chronique. Bulletin/Société historique et Cercle Saint-Simon. 1884, p. 161.

[20] Avanços significativos na história da educação do desenho na França foram feitos. Ver: GENET-DELACROIX, Marie-Claude; TROGER, Claude. Du dessin aux arts plastiques, histoire d’un enseignement. Orléans, France: C. R. D. P. de la Région Centre, 1994; LAURENT, Stéphane. L’art utile: Les Écoles d’arts appliqués sous le Second Empire et la Troisième République. Paris: L’Harmattan, 1998; LAURENT, Stéphane. Les Arts appliqués en France: Genèse d’un enseignement. Paris: Éditions du C.T.H.S., 1999; D’ENFERT, Renaud. L’Enseignement du dessin en France: Figure humaine et dessin géométrique (1750–1850). Paris: Belin, 2003; BONNET, Alain. L’Enseignement des arts au XIXe siècle: La Réforme de l’École des Beaux-Arts de 1863 et la fin du modèle académique. Rennes, France: Presses Universitaires de Rennes, 2006; POULOT, Dominique; PIRE, Jean-Miguel; BONNET, Alain (eds.). L’Éducation artistique en France du modèle académique et scolaire aux pratiques actuelles XVIIIe-XXIe siècles. Rennes, France: Presses Universitaires de Rennes, 2010; NERLICH, France; BONNET, Alain (eds.). Apprendre à peindre: Les Ateliers privés à Paris 1780–1863. Tours, France: Presses Universitaires François-Rabelais, 2013; BONNET, Alain; LAVIE, Juliette; NOIROT, Julie; RINUY, Paul-Louis (eds.). Art et transmission: L’Atelier du XIXe au XXIe siècle. Rennes, France: Presses Universitaires de Rennes, 2014.

[21] Sobre o método de Guillaume e os notórios debates que se seguiram entre Ravaisson e Guillaume, ver: MONNIER, Gérard. L’Art et ses institutions en France: De la Révolution à nos jours. Paris: Gallimard, 1995, p. 234-235; LAURENT, Les Arts appliqués en France, p. 124-125; GENET-DELACROIX, TROGER, Du dessin aux arts plastiques, histoire d’un enseignement, p. 322-323; BONNET, Alain. L’Introduction du dessin dans le système public d’enseignement au XIXe siècle. In: BONNET, LAVIE, NOIROT, RINUY, Art et Transmission, p. 263-228; D’ENFERT, L’Enseignement du dessin en France; NESBIT, Molly. Ready-Made Originals: The Duchamp Model. October, 27 (verão 1986),  p. 53-64; NESBIT, Molly. Their Common Sense. London: Black Dog Publishing Limited, 2000; CANALES, Jimena. Movement before Cinematography: The High-Speed Qualities of Sentiment. Journal of Visual Culture, 5, n. 3, 2006, p. 275-294.

[22] L. G. [Louis Guébin]. L’Enseignement actuel du dessin: Son esprit, ses consequences. Revue des arts décoratifs, n. 13, 1892-93, p. 121; POTTIER; E.; SERVIER, M.. Conseil aux instituteurs sur les nouveaux programmes de l’enseignement du dessin. Paris: Hachette, 1909, citado em: D’ENFERT, Renaud; BOYER, Myriam. Le Dessin s’émancipe: Vers un nouvel équilibre? (1909-années 1960). In: Un Art pour tous: Le Dessin à l’école de 1800 à nos  jours. Paris: Institut National de Recherche Pédagogique, 2004, p. 66.

[23] BRUNET, O.. L’Enseignement du dessin dans le secondaire, 1852–1946: Émergence et évolution de la discipline. Mémoire de DEA en sciences de l’éducation à l’Université Paris V, p. 79, citado em: D’ENFERT, BOYER, Le dessin s’émancipe, p. 66.

[24] Association amicale des professeurs de dessin de la ville de Paris. Chronique du journal général de l’imprimerie et de la librairie. 4. jan. 1890, p. 4; Le Problème de l’enseignement du dessin (panfleto de Félix Régamey), Caixa F21 4336, Folder “Régamey, Félix,” Archives Nationales, Paris.

[25] No entanto, suas importantes contribuições para os discursos pedagógicos não passaram completamente despercebidas por seus contemporâneos. Na virada do século, estes estavam familiarizados não apenas com seu trabalho mais antigo, mas também com suas publicações mais recentes sobre filosofia e prática pedagógica, publicadas em 1906 como um manual intitulado Le Problème de l’enseignement du dessin. Ver: VAUXCELLES, Louis. Félix Régamey. Gil Blas, 7 mai. 1907, p. 1; RÉGAMEY, Félix. Le Problème de l’enseignement du dessin. Paris: Bernard, 1906.

[26] VAUXCELLES, Félix Régamey, p. 1. 

[27] “La faute capitale de la méthode qui est en honneur aujourd’hui en France - la géométrique - est de favoriser les spéculations de l’esprit au détriment de l’organe de la vision, l’œil, dont le développement importe avant tout, et exige une culture spéciale, plus nécessaire que celle de la main certainement.” Ver: RÉGAMEY, Félix. Le Dessin à l’école primaire. In: Préface, patronage, comités, adhésions, conférences préparatoire, programme, discours d’ouverture, travaux, résolutions, rapport général, ed. IIIe Congrès international de l’Art Public, p. 1- 7 (publicado em conjunto com a Exposition Universelle de Liége, 1905); Séances Plénières: Rapport sur les travaux de la première section, Préface, patronage, comités…, p. 1.

[28] RÉGAMEY, Félix. Le Japon pratique. Paris: J. Heizel et Cie, 1891. Ele também publicou um artigo sobre técnicas de desenho japonesas. Ver: RÉGAMEY, Félix. Le Dessin d’après les Japonais. Supplément au Petit français illustré: Journal des écoliers et des écolières, n. 127, 1 ago. 1891, n.p.

[29] “La mère ou le maître guide l’enfant, non en lui conduisant la main, comme chez nous, mais en tenant par le bout du manche, le pinceau qu’il dirige,” Régamey declarou. Em outra passagem, ele afirma: “On enseigne de même à dessiner; ces deux études sont simultanées.” RÉGAMEY, Le Japon pratique, p. 170.

[30] RÉGAMEY, Le Japon pratique, p. 238.

[31] RÉGAMEY, Félix. Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio. Paris: Atelier F. Régamey, 1899. Quando Régamey viajou para o Japão para desenvolver sua pedagogia comparativa de arte, não foi a primeira vez que o Estado francês o contratou para avaliar modelos de desenho estrangeiros. Por causa de seu sólido conhecimento da língua inglesa, ele também revisou programas de arte e design dos Estados Unidos duas décadas antes. Em 1879, Régamey viajou para os Estados Unidos pela segunda vez para estudar os sistemas ali existentes de instrução de desenho. Este projeto culminou com a publicação, em 1881, de L'Enseignement du dessin aux Etats-Unis: Notes et documents, um resumo dos vários sistemas de desenho implantados em escolas públicas, academias de arte e institutos técnicos em Nova York, Filadélfia, Baltimore, Saint Louis, Chicago e Washington. Régamey observa, em sua avaliação dos Estados Unidos, que o estado do ensino de desenho “est devenu pour les esprits éclairés la grande préoccupation du moment” (se tornou, para os espíritos esclarecidos, a grande preocupação do momento). Ver: RÉGAMEY, Félix. L’Enseignement du dessin aux Etats-Unis: Notes et documents. Paris: Librairie Ch. Delagrave, 1881, p. 10.

[32] MAINARDI, Patricia. The End of the Salon: Art and the State in the Early Third Republic. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.

[33] WESTON, Victoria. Japanese Painting and National Identity: Okakura and His Circle. Ann Arbor: Center for Japanese Studies, The University of Michigan, 2004.

[34] WESTON, Japanese Painting and National Identity, p. 63.

[35] O Japão não fosse uma colônia oficial de qualquer nação ocidental e a assimilação de costumes estrangeiros pelo Estado japonês foi motivada pela força. Em 1853, o Comodoro Perry ali chegou, com apoio militar, para garantir a aceitação japonesa de acordos comerciais. Sobre os estudos recentes a respeito da história política e cultural do Japão na segunda metade do século XIX, ver: RAVINA, Mark. To Stand with the Nations of the World: Japan’s Meiji Restoration in World History. Oxford: Oxford University Press, 2017. 

[36] WESTON, Japanese Painting and National Identity, p. 63.

[37] No Reino Unido, a frequência para crianças menores de dez anos tornou-se obrigatória em 1880. Nos Estados Unidos, Massachusetts promulgou a primeira legislação voltada para a instituição do ensino público universal em 1852. Alguns Estados, no entanto, somente adotaram medidas semelhantes na década de 1920.

[38] RÉGAMEY, Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio. Régamey também aproveitou a segunda viagem como oportunidade para publicar mais textos ilustrados sobre a cultura japonesa. Esses textos recenseavam a formação artística e a cultura japonesa para o público ocidental. Enquanto Régamey elaborou seu ensaio sobre pedagogia comparativa para instrutores e políticos franceses ávidos por avaliar métodos alternativos de treinamento em um mercado de arte e design industrial em rápida globalização, Le Japon en images oferecia ao público francês uma visão do cotidiano e dos costumes dos japoneses. Ver: RÉGAMEY, Félix. Japón. Paris: P. Paclot, 1900; RÉGAMEY, Félix. Le  Japon en images. Paris: Paclot, 1900. Um trecho da obra de 1899 também foi publicado como um artigo. Ver: RÉGAMEY, Félix. L'Enseignement du dessin dans les écoles de filles au Japon. Revue des arts decoratifs, 1900, p. 113-124. Há evidências que sugerem que ele também realizou uma exposição em Paris, no Cercle de la Librairie, Boulevard Saint-Germain n. 117, em conjunto com seus achados. Ver: Concours et expositions: Expositions nouvelles. La Chronique des arts et de la curiosité, 19 jul. 1902, p. 212.

[39] Para mais informações sobre o ensino de desenho no Japão do século XIX, ver: JORDAN, Brenda G.. Copying from Beginning to End? Student Life in the Kano School, Copying the Master and Stealing His Secrets, p. 31-59. 

[40] Por exemplo, anos antes, ele hesitou em apoiar a padronização dos regimes de desenho e celebrou a diversidade de métodos encontrados nos Estados Unidos. Longe de propor uma prática singular, ele acreditava que as técnicas de desenho deveriam corresponder à sua aplicação. Essa crença emergiu de forma mais evidente na conclusão de seu exame da pedagogia do desenho nos Estados Unidos, na qual Régamey discutiu seus achado em relação ao status quo na França.: “Très judicieusement on pense que le moyen d’intéresser sérieusement les villes au développement des écoles de dessin n’est pas de leur imposer un enseignement uniforme [...] Approprié aux besoins de la production locale, cet enseignement a bien plus de chance d’être apprécié” (Muito criteriosamente, acredita-se que a forma de interessar seriamente as cidades no desenvolvimento das escolas de desenho não é impor-lhes um sistema de ensino uniforme [...] Se adequada às necessidades da produção local, essa educação tem muito mais chance de ser apreciada). Ver: RÉGAMEY, L’Enseignement du dessin aux États-Unis, p. 119. Ele foi citado problematizando uma questão semelhante na publicação Commission d’enquête sur la situation des ouvriers et des industries d’art: Instituée par décret en date du 24 décembre 1881. Paris: Imprimerie de A. Quantin, 1884, p. 123: “Vous pensez bien que l’enseignement du dessin est unique; vous demandez qu’on apprenne le dessin, indépendamment de la préoccupation de la matière à laquelle on devra l’appliquer?(Vocês pensam realmente que o ensino de desenho é único? Vocês pedem que aprendamos a desenhar, independentemente da preocupação do material ao qual teremos que aplicá-lo?).

[41] RAVINA, To Stand with the Nations of the World.

[42] Ao mesmo tempo em que muitos pensadores, como Régamey e Guimet, eram oponentes declarados da importação de estilos e procedimentos ocidentais para o Japão, havia um debate acalorado nos círculos artísticos japoneses sobre a esterilidade dos tradicionais modelos de ateliê. Em reação tanto à insatisfação com os modelos ocidentais quanto os modelos japoneses antigos, uma filosofia pedagógica alternativa emergiu nos discursos artísticos japoneses, clamando por um novo sistema que pudesse melhor cultivar a identidade nacional. Começando na década de 1880, a ideia de que a arte deveria apoiar uma identidade nacional exclusivamente japonesa levou ao surgimento de novos regimes pedagógicos em todo o Japão. Um forte defensor de tais medidas foi Ernest Fenollosa (1853-1908), um estadunidense que trabalhava como professor na Universidade Imperial de Tóquio em 1878. Embora tivesse sido contratado para ensinar economia política, Fenollosa tornou-se cada vez mais preocupado com o estado da produção artística no Japão e as reformas a ela associadas. Fenollosa não apenas recomendava a recusa dos sistemas de desenho importados dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, mas também incentivava a modernização dos sistemas de desenho existentes para melhor refletir o que os japoneses viam como sua identidade nacional. Ao lado de Okakura Kakuzo, ele estabeleceu um currículo na Escola de Belas Artes de Tóquio (Tokyo Bijutsu Gakko; hoje conhecida como Universidade de Belas Artes e Música de Tóquio, Tokyo Geijutsu Daigaku). A função desta instituição era, conforme observado por Régamey, “conserver et de développer l’art caractéristisque du Japon” (conservar e desenvolver a arte característica do Japão). Ver: WESTON, Japanese Painting and National Identity, p. 59; RÉGAMEY, Le Dessin et son enseignement, p. 49.

[43] CONANT, Ellen. Nihonga Transcending the Past: Japanese-Style Painting, 1868-1968. Saint Louis, MO: The Saint Louis Art Museum, 1995, p. 6.

[44] RÉGAMEY, Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio, p. 22.

[45] “[…] sans toutefois donner de résultats bien marqués.” RÉGAMEY, Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio, p. 22.

[46] “[…] dépourvus d’intérêt.” RÉGAMEY, Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio, p. 7.

[47] GUIMET, RÉGAMEY, Promenades japonaises: Tokio-Nikko, p. 113.

[48] “Au moment nous introduisons au Japon les moeurs, les usages, les coutumes et les arts de l’Occident, aurais-je la ridicule pretention de vous engager à soumettre l’art français à l’art japonais?” Chesneau, Ernest, L’Art japonais: Conférence faite à l’Union centrale des beaux-arts appliqués à l’industrie. Paris: A. Morel, 1869, p.  27-28.

[49] Uma exceção é o livro de Dandona, Nature and Nation in Fin-de-Siècle France.

[50] Para uma breve introdução a este conceito, ver: SCHWARTZ, Vanessa. Civilization and Empire. In: Modern France: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 40-45.

[51] WEISBERG, Gabriel. Lost and Found: S. Bing’s Merchandising of Japonisme and Art Nouveau. Nineteenth-Century Art Worldwide, v. 4, no. 2 (verão 2005). Disponível em: http://www.19thc-artworldwide.org/summer05/212-lost-and-found-s-bings-merchandising-of-japonisme-and-art-nouveau- ; WEISBERG, Gabriel. Philippe Burty and Early Japonisme. In: Japonisme in Art: An International Symposium. Tokyo: Committee for the Year 2001, 1980, p. 109-25; WEISBERG, Gabriel. The Independent Critic: Philippe Burty and the Visual Arts of Mid-Nineteenth- Century France. New York: P. Lang, 1993; WEISBERG, Gabriel. et al.. Japonisme: Japanese Influence on French Art, 1854-1910. Cleveland, OH: Cleveland Museum of Art, 1975; DANDONA, Nature and the Nation in Fin-de-Siècle France.

[52]Le vieux Japon s’écroule, la civilisation marche à grand pas - comme on dit - les lampes à pétrole, les gibus, et les parapluies sévissent assez généralement.” OMOTO, MACOUIN, Quand le Japon s’ouvrit au monde, p. 66.

[53]J’assiste à la fin de ce monde merveilleux, artistique, poétique, plein de douceur qui s’en va sombrer dans le sombre fatras de la civilization.” OMOTO, MACOUIN, Quand le Japon s’ouvrit au monde, p. 68.

[54]C’est à faire dresser les cheveux sur la tête du plus chauve des rapins.” OMOTO, MACOUIN, Quand le Japon s’ouvrit au monde, p. 68.

[55] Este texto foi publicado pela primeira vez em La Plume em outubro de 1893.

[56] O texto de Loti foi publicado pela primeira vez, em forma de série, em Le Figaro, em 1887, e depois como um livro, em 1888.

[57] REED, Introduction, p. 1.

[58] REED, Introduction, p. 31.

[59] RÉGAMEY, The Chrysanthème Papers, p. 153.

[60] RÉGAMEY, The Chrysanthème Papers, p. 68-69.

[61] RÉGAMEY, The Chrysanthème Papers, p. 68-69.

[62] Não é por acaso que essas habilidades eram as mesmas defendidas pelo próprio instrutor de Régamey, Horace Lecoq de Boisbaudran. Cerca de quarenta anos depois de se matricular no ateliê de Lecoq na Petite École, Régamey escreveu a primeira e única biografia dedicada exclusivamente à vida e ao legado de seu professor. Ver: RÉGAMEY, Félix. Horace Lecoq de Boisbaudran et ses élèves, notes et souvenirs. Paris: H. Champion, 1903.

[63] RÉGAMEY, Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio, p. 40.

[64] RÉGAMEY, Félix. Japan in Art and Industry: With a Glance at Japanese Manners and Customs. Tradução M. French Sheldon e Eli Lemon Sheldon. London: G. P. Putnam Sons, 1893, p. 22-23.

[65] RÉGAMEY, Japan in Art and Industry, p. 21-22; RÉGAMEY, Félix. Le Japon vu par un artista. Revue politique et littéraire: Revue bleu, 1890, p. 652.

[66] Na segunda metade do século XIX, essa perspectiva tornou-se muito comum entre artistas conhecidos pelo seu "primitivismo", mais notoriamente nas descrições do Taiti feitas por Paul Gauguin.

[67] RÉGAMEY, Japan in Art and Industry, p. 24.

[68] RÉGAMEY, Japan in Art and Industry, p. 23-24.

[69] RÉGAMEY, Japan in Art and Industry, p. 25.

[70] Um grande defensor da “linha serpentinada” na segunda metade do século XIX foi o filósofo e teórico pedagógico Félix Ravaisson. Ver: VIOLA, Tullio. The Serpentine Life of Félix Ravaisson: Art, Drawing, Scholarship, and Philosophy. In: RATH, Markus; FEIST, Ulrike (ed.). Et in Imagine Ego: Facetten von Bildakt und Verkörperung, Berlin: Akademie Verlag, 2012, p. 155-174.

[71] RÉGAMEY, Le Dessin d’après les Japonais, n.p.

[72] RÉGAMEY, Le Dessin d’après les Japonais, n.p.

[73] RÉGAMEY, Le Problème de l’enseignement du dessin.

[74] RÉGAMEY, Le Problème de l’enseignement du dessin, p. 12; RÉGAMEY, Le dessin à l’école primaire, p. 1-7.

[75] RÉGAMEY, Le Problème de l’enseignement du dessin, p. 16.

[76]Alors que vous ne sauriez-vous remémorer le détail des traits du visage d’un de vos amis éloignés; que vous ne pourriez dire comment il a la barbe taillé et même s’il en a; que, par conséquent, fussiez-vous bon peintre, il vous serait impossible d’en donner une image ressemblante, le ‘je ne sais quoi’ qui distingue cet homme des autres hommes fera, que, du plus loin que vous l’apercevrez, vous le reconnaîtrez instantanément. C’est le triomphe du sentiment - de la physionomie.” RÉGAMEY, Le Problème de l’enseignement du dessin, p. 20.

[77] Sobre as maneiras como a memória visual pode abstrair, ver: CHU, Petra Ten-Doesschate, Eye, Memory, Hand: The Nineteenth-Century Debate about the Role of Visual Memory in the Creative Process. Groningen, Netherlands: The Gerson Lectures Foundation, 2011.

[78] RÉGAMEY, Le Problème de l’enseignement du dessin, p. 16-17.

[79] RÉGAMEY, Le Problème de l’enseignement du dessin, p. 22

[80]C’est aux prix d’un travail persistant que le Conscient, alimentant l’Inconscient, lui fournit les réflexes nécessaires au perfectionnement du pouvoir d’expression.” RÉGAMEY, Le Problème de l’enseignement du dessin, p. 22-23.

[81] RÉGAMEY, Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio, p. 19.

[82] RÉGAMEY, Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio, p. 19.

[83] RÉGAMEY, Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio, p. 18.

[84] RÉGAMEY, Le Problème de l’enseignement du dessin; Ch. L… L’Enseignement du dessin (Ce qu’il est, ce qu’il doit être). La Construction moderne, 29 mar. 29, 1902, p. 307–308.

[85]Vouloir substituer de toutes pièces notre art de peindre à celui des japonais, serait une faute, - j’allais dire un crime.” RÉGAMEY, Le Dessin et son enseignement dans les écoles de Tokio, p. 48.

[86]Il ne suffit pas de s’en tenir à la superficie des choses, et l’adoption irréfléchie de formules neuves est tout aussi pernicieuses qu’est paralysante la copie servile des oeuvres du passé.” RÉGAMEY, Le Japon en images, n.p.

[87] Na página 37 de Le Problème de l’enseignement du dessin, Régamey escreveu: “Frappés des résultats surprenants obtenus par les aquarellistes japonais, quelques personnes ne sont demandé s’il n’y aurait pas avantage à appliquer le pinceau à l’étude. Vaine illusion. Ce procédé favorise la production, il ne convient pas à la recherche. Ces deux actes bien distincts, sont trop souvent confondus. C’est pour n’avoir pas tenu un compte suffisant de cette distinction que la plupart des méthodes d’enseignement actuelles pêchent par la base” (Impressionados pelos resultados surpreendentes obtidos pelos aquarelistas japoneses, algumas pessoas se perguntam se não seria benéfico aplicar o pincel no estudo. Ilusão vã. Esse processo favorece a produção, não é adequado para pesquisa. Esses dois atos muito distintos são frequentemente confundidos. É por não ter levado suficientemente em conta esta distinção que a maioria dos métodos de ensino atuais são falhos desde sua base).

[88]Qui dit Art dit Civilisation. La civilisation marche à pas lents et le temps détruit rapidement ce qu’on a fait sans lui. | C’est par l’enchaînement des travaux accumulés des générations que le progrès s’achève.” RÉGAMEY, Japon en images, n.p.

[89] Como notou Dandona, “A ideia de uma arte em contínuo desenvolvimento também era particularmente atraente para os críticos franceses, que acreditavam que o historicismo havia interrompido a evolução natural dos estilos e, assim, impedido o desenvolvimento de um estilo moderno que respondesse às necessidades contemporâneas.” DANDONA, Nature and Nation in Fin-de-Siècle France, p. 63.

[90] No final do século XIX e no início do século XX, ideias semelhantes surgiram nas discussões sobre Kunstwollen e volição artística de Alois Riegl (1858-1905) e Erwin Panofsky (1892-1968). Ver: RIEGL, Alois. Late Roman Art Industry. Tradução Rolf Winkes. Roma: G. Bretschneider, 1985; PANOFSKY, Erwin. The Concept of Artistic Volition. Tradução Kenneth J. Northcott e Joel Snyder, Critical Inquiry, v. 8, n. 1, 1981, p. 17–33. Analogamente, isso informou a interpretação de Ernst Gombrich sobre a mudança estilística na história da arte. Ver: GOMBRICH, Ernst. Art and Illusion: A Study in the Psychology of Pictorial Representation. New York: Pantheon Books, 1960. Obviamente, algumas dessas ideias remetem a outras anteriores à popularidade de Kunstwollen. Ver: HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. The Philosophy of Fine Art. Tradução F. P. B. Osmaston. New York: Hacker Art Books, 1975, 4 v.

[91] PILLET, Jules. L’Enseignement artistique au vieux Japon. L’art pour tous: Encyclopédie de l’art industriel et décoratif, jun. 1903, n.p.

[92]L’art est toujours en perpétuelle genèse, il se transforme sans cesse, il modifie les factures pour les maintenir en harmonie avec les nécessités nouvelles de l’existence; mais il ne se crée pas de toute pièce telle Minerve sortant tout armée du front de Jupiter. Un style ne s’invente pas, il n’existe que par une suite de l’évolution naturelle de l’Art!” PILLET, L’Enseignement Artistique au vieux Japon, n.p.

[93] “Avant de songer au portrait fidèle de la nature, les hommes ont cherché tout d’abord à fixer une silhouette simple, le souvenir des êtres et des choses: l’hiéroglyphe se transformera par la suite et fera souche en deux branches bien distinctes; simplifié à l’excès, le linéament transformé en clé ou en lettre constituera l’élément nécessaire à tout langage écrit, enjolivé au contraire, il se rapprochera mieux de la physionomie de l’objet naturel et deviendra la charpente du dessin artistique tel que nous le connaissons. Le symbole a précédé le portrait de ce qui nous entoure.” PILLET, L’Enseignement Artistique au vieux Japon, n.p.

[94] GUIMET, RÉGAMEY, Promenades japonaises: Tokio-Nikko, p. 169.

[95] “[…] ont assimilé l’art calligraphique à l’art du dessin.” RÉGAMEY, Le Japon pratique, p. 165.

[96] “Au Japon tout le monde dessine.” RÉGAMEY, Le Japon pratique, p. 26-27.

[97] “Malgré la différence des mœurs et des époques, malgré les divergences de races, l’esprit humain semble toujours identique à lui-même; et, pour représenter la nature, tout en se pliant à des nécessités diverses, en respectant des conventions souvent opposées, les maîtres de tous les pays ont toujours enseignés les mêmes bons principes: aussi plus d’un jeune artiste, rêvant de créer un art nouveau ou un nouveau style, ferait bien de méditer et de respecter les règles souvent si judicieuses des vieux professeurs chinois et japonais.” PILLET, L’Enseignement Artistique au vieux Japon, n.p.

[98] GUILLAUME, Eugène. De l’esthétique dans l’enseignement de l’art. Gazette des beaux-arts, 1886, p. 280-298.

[99] GUILLAUME, De l’esthétique dans l’enseignement de l’art, p. 280-298.

[100] WÖLFFLIN, Heinrich. Principles of Art History: The Problem of the Development of Style in Later Art (1915). Tradução M. D. Hottinger. New York: Dover Publications, 1950.

[101] Agradeço a Matthew Hunter por chamar minha atenção para esta passagem de Wölfflin e por ajudar a esclarecer a distinção entre a abordagem de Régamey e as abordagens formalistas da história da arte.

[102] CARLISLE, Clare. On Habit: Thinking in Action. New York: Routledge, 2014.

[103]Coutume est objectif, c’est-à-dire indique une manière d’être générale à laquelle nous nous conformons. Au contraire, habitude est subjectif, c’est-à-dire indique une manière d’être qui nous est personnelle et qui détermine nos actions. L’habitude devient un besoin; mais la coutume ne le devient jamais. Cependant on dira également: j’ai la coutume ou j’ai l’habitude de prendre du café, avec cette nuance cependant que avoir la coutume exprime seulement le fait que je prends ordinairement du café, tandis que avoir l’habitude exprime qu’un certain besoin s’y join.” LITTRÉ, Émile. Coutume. In: Dictionnaire de la langue française. - 2. ed. - Paris: Hachette, 1872-77.

[104] Por exemplo, uma dessas teorias foi escrita pelo psicólogo e filósofo francês Léon Dumont (1837-1877) e publicada como "De l'habitude" na Revue philosophique de la France et de l'étranger em 1876.

[105] Estes incluem Hering, Butler, Haeckle, entre outros. Ver: MATSUDA, Matt. The Memory of the Modern. New York: Oxford University Press, 1996, p. 9; GOULD, Stephen Jay. Ontogeny and Phylogeny. Cambridge, MA: Belknap, 1977, p. 96-97; Para um histórico relacionado a isso, ver: OTIS, Laura. Organic Memory: History and the Body in the Late Nineteenth and Early Twentieth Centuries. Lincoln: University of Nebraska Press, 1995. Do final do século XIX até meados do século XX, também foi comum a adoção do vocabulário da evolução para descrever a mudança estilística nas artes. Muitos acharam produtivo descrever tais transformações como traços "herdados" ou "adquiridos," como um tipo de "seleção natural" que ocorria entre as convenções representacionais existentes.