Antonio Virzi, arquiteto

Maria Helena da Fonseca Hermes

HERMES, Maria Helena da Fonseca. Antonio Virzi, arquiteto. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 1, jan./mar. 2011. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte decorativa/virzi.htm>

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Originário de Palermo e nascido a 13 de maio de 1882, Antonio Virzi [Figura 1] era filho de Henrique Virzi e Maria Bruno Virzi[1], e veio para o Rio de Janeiro circa 1910. Faleceu em São Paulo em 1954, com 72 anos. A informação de que se teria formado nos estudos superiores em Turim[2] não consta da sua formação profissional descrita no manuscrito arquivado no Museu D João VI/EBA/UFRJ [Figura 2][3].

Segundo o manuscrito a formação profissional de Virzi seria bastante completa, tendo cursado arquitetura no Instituto de Belas Artes em Nápoles e no Instituto de Belas Artes de Milão. Há ainda a referência de sua participação no curso especial de arquitetura clássica no Real Politécnico de Milão, onde teria feito o exame final e obtido láurea, mas não foi possível comprovar essa afirmativa[4].

Virzi teria, segundo o manuscrito, participado de concursos na Itália obtendo o segundo lugar para o projeto do Palácio do Banco Comercial de Parma, com premio de 2500 liras e o terceiro lugar no concurso para o projeto do Palácio dos Correios e Telégrafos em Milão. Teria participado do concurso para uma “grande ponte” em cimento armado na Província de Bergamo, obtendo o terceiro lugar com premio de 500 liras. Além desses, teria obtido o primeiro lugar, com premio de 3000 liras, do projeto de um pequeno pavilhão para a casa Fontana e Cia. de Milão, construído na Exposição Nacional de Milão em 1906.

Sabe-se, sem maiores detalhes, que Antonio Virzi se casou na Itália, onde deixou um filho[5] e sabe-se que, recém chegado ao Brasil por volta de 1910, apaixonou-se por Lívia da Rocha Miranda com quem teve um filho e se casou no mesmo ano, num namoro relâmpago[6]. Como a família Rocha Miranda pertencia à elite carioca, provavelmente essa união lhe abriu as portas da sociedade e deve lhe ter trazido contatos que lhe permitiram obter projetos e obras na cidade.

Se Virzi trabalhou em Palermo antes de sua vinda para o Brasil teria sido como colaborador[7] ou aluno de Ernesto Basile[8], Mas as informações desse curriculum de Virzi se descolam ou se complementam nas informações obtidas sobre ele por outros pesquisadores sendo, no entanto, suficientes para realçar sua experiência profissional, interesses específicos e contextualizar sua atuação e sua maneira de projetar.

Seus projetos congregam as observações de formas e volumetrias de sua época, um rico período de manifestações arquitetônicas vivenciadas nas cidades mais influentes e desenvolvidas da Itália sem, entretanto, se distanciar da tradição edilícia multifacetada e repleta de influências de diferentes culturas de Palermo, sua cidade natal. Suas andanças pela Itália descritas no manuscrito demonstram um espírito ativo, livre, disposto a enfrentar desafios, como por exemplo, sua vinda para o Brasil. Sua formação como discente, deslocamentos e condicionantes profissionais estabelecem para Antonio Virzi uma diferenciação em relação às trajetórias percorridas por outros arquitetos, engenheiros ou “capomastri” italianos imigrados para o Brasil desde o final do século XIX em busca de trabalho e de outra vida profissional.

Embora seus projetos apresentem uma ornamentação singular e até rebuscada, não poderíamos insinuar que Antonio Virzi pensava sua arquitetura como Pantaleone Laudisa[9], outro arquiteto siciliano da região de Lecce, emigrado para os Estados Unidos. Laudisa projetava sob uma ornamentação profusa, onde a sucessão de motivos era regida pelas relações de simetria em rigorosos intervalos e modulações [Figura 3], enquanto Virzi propunha, com muita técnica, matéria suspensa em volumes com proporções decididamente inesperadas e ornatos imbricados na arquitetura e não apenas lhe sobrepondo.

A inquietação projetual de Antonio Virzi nos surpreende nas mais fantasiosas associações de técnica, forma, proporção e cor, deixando entrever que seria pouco para esse siciliano se ater apenas a uma dosada e alternada mistura de teoria e prática. Seus projetos são ousados e fascinantes, tanto ou mais que outros arquitetos italianos de renome. Para observar suas escolhas, estendemos nosso olhar em direção às obras de arquitetos com os quais Virzi alega ter colaborado, verdadeiros expoentes do “Liberty” na Itália, como Ernesto Basile, Gaetanno Moretti e Dario Carbone, como forma de tentar compreender melhor seu trabalho, forma de projetar, palheta e escolhas inovadoras, reveladoras do caráter do arquiteto e também, do gosto de sua seleta clientela.

Assim, observamos as características de uma das primeiras construções “Liberty” da cidade de Palermo, o Villino Florio de Ernesto Basile [Figura 4a e Figura 4b], datado de 1899, quando Virzi teria 17 anos e provavelmente já possuía ao menos a formação profissional do Curso Ornamental na Escola Superior de Arte Industrial em Palermo[10]. Embora o Villino Favaloro, de 1891, seja citado como o primeiro exemplar do modernismo em Palermo, foi o Villino Florio que teria se transformado na construção simbólica do “Liberty” na cidade. Preservado, apesar de um incêndio, a residência foi restaurada em 2009 e é hoje utilizada como espaço de eventos e festas. Verificamos que o Villino Florio parece nos indicar o caminho para observarmos a Villa Schmit de Vasconcellos, construída por A. Virzi no Rio de Janeiro em 1915 [Figura 5], nas questões dos volumes e até nas soluções de fachada.

Ao observamos as imagens do Villino Florio notamos influência da linguagem brotada do esquema fortificado do medievo revigorada por uma aproximação Regionalista[11], como também fizeram à época outros arquitetos na Europa. Distinguimos grandes volumes dispostos de forma a fragmentar a grande construção em elementos compositivos cujas soluções arquitetônicas sugerem volumes encaixados segundo uma lógica que sugere uma opção formal menos rígida e que explicitam uma vontade de ligação entre o interior e o exterior, sublinhada pelos torreões e a disposição das aberturas de dentro para a paisagem. A planta baixa do primeiro piso da Villa carioca revela com clareza a distribuição das áreas por meio das escadas de acesso às áreas social e de serviço e a distribuição das circulações. Na solução de fachadas do Villino parmelitano a distribuição social e de serviço esclarece a distribuição interna da planta, na escolha de escadas duplas que se conjugam e se descolam a partir de um ângulo do prédio, formando graciosas curvas [Figura 4b]. O recurso de duplicar acessos a partir de um ângulo da edificação foi escolha também de Virzi para a Villa Schmidt de Vasconcellos na Av. Atlântica, determinando o acesso por duas escadas sociais ladeando o “pórtico” e outro conjunto formado por duas escadas dispostas em ângulo, para o hall e a biblioteca.

A solução de escadas duplas de acesso é novamente escolhida por Virzi no ano seguinte, para um projeto comercial, da fabrica do Elixir de Nogueira na Gloria, sendo que, desta vez, o acesso pelas escadas estão ladeados com curiosos elementos escultóricos antropomorfos, como se observa na Figura 6.

Os dois conjuntos de imagens nos permitem descobrir similaridades entre os trabalhos em Palermo e de Copacabana, inclusive em relação à ornamentação dos panos de vedação das fachadas, volumes, massas e aberturas. Outra aproximação entre os projetos se percebe na ênfase no coroamento das edificações e contornos das aberturas, dispostas segundo uma organização lógica, porém não simétrica, ostentando formas pouco usuais em ambos os casos.

O torreão do Villino Florio de Basile e o da Villa Smith de Vasconcellos de Virzi evidenciam conhecimento técnico, conferem leveza e verticalidade aos prédios, enfatizados pela adoção de pontas de agulhas. Ambos os projetos apresentam diferentes planos e soluções de volumes que, destacados, rearranjam expressivos jogos de luz e sombras e destacam ambientes que conjugam ou favorecem as trocas (ao menos visuais) entre o interior e o exterior, como balcões, pórticos, varandas e torreões, em aberturas não simétricas nas fachadas.

Mas observar as obras de Moretti, Carbone e, muito destacadamente as de Basile, pode não ser suficiente para dar conta do trabalho intenso e rico de Virzi. Foi necessário observar a riqueza, variedade e tipologias das edificações históricas de Palermo, para dar conta de seus “fogos de artifício à luz do dia”. Observando essas construções comprovamos a existência de profusa ornamental dos ambientes internos, como na Capela Palatina, Igreja de Santa Maria in Valverde [Figura 7] ou no Oratório de S. Cità [Figura 8] e externos, como nas fachadas do Duomo de Monreale ou na cúpula da Igreja do Carmo [Figura 9]. Observar essas arquiteturas quase se poderia afirmar serem daquelas paisagens construídas donde despontam, com espetacular veemência, as esculturas e elementos associados à arquitetura de Virzi.

Sabedores que Virzi, como Laudisa, era sensível e interessado pelos detalhes e pela ornamentação da arquitetura existente ao seu redor, a ponto de ter iniciado seus estudos profissionais num curso ornamental em Palermo e de, em Roma, ter frequentado um “curso de cerâmica e suas várias procedências”[12], não surpreende que os volumes e as esculturas mostrem-se com extrema espontaneidade em sua arquitetura.

Neste sentido, observamos os grupos escultóricos que ladeiam as escadas da Fábrica do Elixir de Nogueira [Figura 6], cuja expressividade pretendia uma interação do prédio na paisagem e na vida cotidiana dos transeuntes, pois sem dúvida não passava a eles despercebido. Construído em 1916 na Rua da Glória o edifício do Elixir de Nogueira não permitia a indiferença dos passantes persuadidos pela forte presença do elemento antropomorfo com feições conturbadas e corpos em posições contorcidas associadas a ornamentos diversos, destacando e ilustrando estórias sobre os males e as fraquezas daqueles que não recorreram ao milagroso remédio a partir de uma forte e atlética figura alegórica feminina centralizada, disposta entre as duas escadas de acesso que parece trazer sob sua proteção ao menos três pessoas enquanto seu pé esmaga a cabeça de um animal fantástico que não parece mais resistir nem assustar ninguém. Na mão direita feminina erguida ao alto, uma placa com os dizeres: o trabalho de todos vence. Pagã, a composição de Virzi se reveste de um clima supranatural, dotado de volume e saliências exacerbadas, como observamos em algumas obras sacras como na representação de Jonas e a baleia num painel da Igreja de Santa Catarina em Palermo.

Sobre Basile e Virzi, convém ainda anotarmos: ambos estiveram no Brasil, em épocas diferentes é verdade e projetaram e construíram pequenos edifícios na Exposição Internacional de Milão em 1906. Basile construiu um pavilhão para a família Florio e Virzi um pavilhão para Fontana e Cia., a única obra de sua autoria na Itália que temos conhecimento até esse momento.

A produção de Virzi observada sobre o viés da arquitetura de determinados prédios na Itália sugere uma ampliação das pesquisas e na documentação existente, como modo de para enriquecer seus trabalhos e minimizar as ausências destes, em sua maior parte demolidos, na cidade carioca.

Considerações finais

Observando as imagens dos trabalhos de Virzi no Brasil, já que não foi possível, até o momento, obter imagens de trabalhos seus na Itália, nem sequer do pavilhão da Exposição de Milão, nos vem, de imediato, a reafirmação da relevância do ornato como o diferencial personalizado de sua arquitetura. Em sua curta trajetória acadêmica na ENBA, em 1911, foi possível constatar a importância da concepção e elaboração do ornato, enquanto atuou como professor.

Podemos afirmar que a escultura, o ornato, a cerâmica e a cor eram presentes em seu trabalho como arquiteto, mesclando-se à singular composição de volumes, parte do jogo de luz e sombras, observado em vários trabalhos do artista. Como professor parece ter sido tentativamente inovador e, como arquiteto, as influências da ambiência e da arquitetura dos prédios históricos de Palermo e de outras arquiteturas italianas à época mais modernas parecem ter lhe indicado certas “liberdades formais” pouco comuns, à época, ao gosto da sociedade carioca brasileira, pouco ousada e ainda acanhada. Mas, sem dúvida, sua obra era singular e destinada a poucos que podiam se dar ao luxo de possuir edificações diferenciadas e ricas, em sintonia com o que era feito de mais atual então na nova sociedade europeia. Apesar de signos da ascensão social de alguns endinheirados ou apenas expressões mais livres de novas propostas de morar e viver, foram por aqui pouco compreendidas e acabaram quase todas sendo demolidas, embora seus edifícios se destacassem da massa edilícia urbana carioca.

Estudar e reconhecer valor nos trabalhos de Virzi enriquece as arquiteturas cariocas daquela época em suas propostas, inventividade, adaptabilidade de materiais e de técnicas construtivas. Seus “fogos de artifício” iluminam o caminho traçado por um expoente da arquitetura nas suas escolhas construtivas, ornamentais, decorativas e de interiores.


[1] ARESTIZÁBAL, Irma e GRINBERG, Piedade Epstein. Antônio Virzi. Nota 3. Arquitetura Revista. n.7. Rio de Janeiro: FAU/UFRJ, 1989. p. 27

[2] Antonio Virzi. Biografia. Documento datilografado. Conselho Municipal de Tombamento. IPP. p.1.

[3] VERZI, Antonio. Documentos avulsos. n. 2988. Museu D João VI. EBA, UFRJ. Rio de Janeiro.

[4] Resposta de Stefania Fornoni à consulta da autora em 05/04/2010, as 17:56h, por email à Associazione Laureati del Politécnico di Milano. Milano, 06/04/2010 as 12;56h.

[5] Antonio Virzi. Biografia. op.cit.p.1.

[6] Antonio Virzi. Biografia. op.cit.p.1.

[7] VERZI, Antonio. Documentos avulsos. n. 2988. Museu D João VI EBA UFRJ Rio de Janeiro.

[8] ARESTIZÁBAL, Irma e GRINBERG, Piedade Epstein. Antônio Virzi. Nota 3. Arquitetura Revista. n.7. Rio de Janeiro: FAU/UFRJ, 1989.

[9] PENACH, Enrico. L’architetto Pantaleone Laudisa. L’Artista Moderno. Rivista Illustrata D’Arte Applicata. Torino: 1912. n. 5. p.79

[10] VERZI, Antonio. Documentos avulsos. n. 2988. Museu D João VI EBA UFRJ Rio de Janeiro.

[11] LOYER, François. Regionalismo. Revista Arte & Ensaios, n 8., p. 164-173

[12] VERZI, Antonio. Documentos avulsos. n. 2988. Museu D João VI. EBA, UFRJ, Rio de Janeiro.