Fincando Estacas: a Exposição do Centenário da Independência do Brasil de 1922 nas fotografias da coleção Augusto César Malta de Campos pertencente ao Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional [1]

Thaís Rezende da Silva de Sant'Ana

SANT'ANA, Thaís Rezende da Silva de. Fincando Estacas: a Exposição do Centenário da Independência do Brasil de 1922 nas fotografias da coleção Augusto César Malta de Campos pertencente ao Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/expo_1922.htm>.

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Símbolo da modernidade na Europa do final do século XIX[2], as Exposições Universais foram eventos que também apresentaram um forte caráter de exaltação à nação e ao nacionalismo. Pavilhões, quiosques e edifícios dos mais variados eram cuidadosamente projetados e ornamentados a fim de exibir o que de melhor poderia produzir o país anfitrião bem como os países convidados a ter o seu espaço na “Rua das Nações” (denominada como tal a partir de 1878). O desejo em obter reconhecimento e status de nação símbolo de progresso, avanço e civilização se mostrava comum dentre todos expositores.

De acordo com Paul Greenhalgh[3] os franceses, visando estimular o desenvolvimento de sua indústria que rivalizava com a inglesa, foram os primeiros a estabelecer no final do século XVIII a prática de expor a produção industrial nacional. Estas feiras se transformaram em oportunidades lucrativas para empresários industriais franceses e além de consumidores, passaram a atrair centenas de visitantes que se deslocavam até ali somente para admirar o que era exposto.

No decorrer do século XIX o formato das feiras francesas recebeu algumas alterações. O evento cresceu e foi adotado por vários outros países europeus se transformando em grandes exposições de caráter universal: as Exposições Universais ou Exposições Internacionais.

Quando o contexto europeu já apontava novos rumos e outras manifestações nas primeiras duas décadas do século XX, as elites brasileiras, inebriadas por referências européias do XIX de modernidade e civilização, promovem em 1908 a primeira “Exposição Nacional” no Rio de Janeiro. Maria Inez Turazzi[4] afirma que os industriais brasileiros consideravam este tipo de evento como o melhor veículo para a troca de experiências e a familiarização com as novas conquistas da ciência.

A segunda grande Exposição e marco do período que abrange as duas primeiras décadas do século XX no Brasil ocorreu em 1922 também na cidade do Rio de Janeiro, em função do primeiro Centenário da Independência do Brasil. Foi sugerido aos responsáveis pela organização dos eventos comemorativos que se realizasse uma monumental Exposição Nacional. Esta relevaria o acontecimento da Independência do Brasil e exibiria ao mundo os avanços da nação brasileira enquanto nação republicana. No entanto, devido à grande quantidade de países estrangeiros interessados em participar das comemorações do nosso centenário[5], houve, pois, uma mudança no caráter do evento - tornando-se assim internacional.

A Exposição Internacional do Centenário da Independência foi oficialmente aberta em 7 de setembro de 1922, durante o governo do presidente Epitácio Pessoa, e o seu encerramento se deu na primeira semana de julho de 1923. O evento ocupou uma extensa área decorrente de aterramentos e intervenções diversas[6]. A área destinada à “Avenida das Nações” se estendeu do Palácio Monroe até a Ponta do Calabouço e dentre os principais pavilhões ali construídos estava o edifício que hoje abriga o Museu Histórico Nacional: o Palácio das Indústrias[7].

A Coleção Augusto César Malta de Campos e a Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922

A Coleção Fotográfica Augusto César Malta de Campos, pertencente ao Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional, constitui um importante conjunto de fontes para o estudo da primeira Exposição do Centenário da Independência do Brasil, evento ainda muito pouco explorado pela historiografia oficial nacional. São 14 cenas registradas pelo fotógrafo oficial do então Distrito Federal, o alagoano Augusto Malta, capazes de revelar com nitidez o processo de construção de diversos pavilhões e oferecer um bom panorama de como se deu o aproveitamento da área onde foi realizado o evento no Rio de Janeiro em 1922. Trata-se do momento em que foram fincadas as primeiras estacas da Exposição do Centenário da Independência de 1922.

O contexto no qual o processo de construção do evento se inseriu é caracterizado por discussões travadas entre arquitetos, engenheiros e intelectuais sobre que estilo arquitetônico melhor representaria “o nacional” na Exposição; novos materiais e técnicas eram experimentados e aplicados em projetos e construções; havia a agitação da imprensa que cobria e se manifestava incessantemente a respeito daquele que prometia ser o maior evento comemorativo do ano.

Fotografias do Recinto da Exposição

As imagens datadas de 15 de maio de 1922 [Figura 1, Figura 2 e Figura 3] exibem a construção de uma torre de 35 metros de altura[8] feita especialmente para a exposição. Erguida sobre o antigo Forte do Calabouço, a torre receberia em sua parte superior a instalação de serviços metereológicos e na parte inferior uma casa de chá[9]. Dentre estas mesmas imagens é também possível observar, próximos ao prédio da torre, o Pavilhão de Festas[10] e o Pavilhão do Restaurante[11] ainda em processo de construção.

Imagens panorâmicas de 15 de abril [Figura 4] e 15 de maio de 1922 [Figura 5] exibem as obras dos pavilhões da Agricultura e Viação[12], dos Estados[13], da Administração, das Pequenas Indústrias e do Pavilhão de Pesca e Jogos[14]. As imagens evidenciam a movimentação de animais de carga e trabalhadores em torno de construções que já se mostravam surpreendentemente grandiosas [Figura 6].

O Pavilhão das Pequenas Indústrias [Figura 7] [15], o Pavilhão da Administração [Figura 8] [16] e o Pavilhão da Estatística [Figura 9] [17] aparecem em destaque e com a fachada feita e ornamentada em fotos registradas por Malta em 15 de maio de 1922. Uma destas fotos oferece ainda a visão da Ilha Fiscal e da Ilha das Cobras ao fundo.

Grande movimentação cercou a construção do Pavilhão dos Estados Unidos [Figura 10 e Figura 11], fotografado quando suas obras ainda estavam no início. Era certo que em um dos prédios deste pavilhão funcionaria a sede permanente da Embaixada Americana no Brasil ao final da Exposição. Há no Guia Geral da Exposição a seguinte descrição do pavilhão norte-americano:

O edifício principal tem uma fachada de 112 pés na Av. das Nações e tem 91 pés de extensão ao longo da Rua do México (...).Tem dois andares de altura , com tetos de 16 a 15 pés de altura , respectivamente, e um pátio interno com chafariz no centro. É de estuque cinzento sobre parede de tijolo, com alicerces , arcadas e encaixes das janelas de granito indígena. O forro é de telha vermelha  e todo apoiado numa taboa de concreto reforçado de 92 por 113 pés de grossura.[18]

O interior de cada construção erguida obedeceu, em geral, ao estilo arquitetônico exposto nas fachadas. Uma imagem de 15 de maio de 1922 da Coleção Fotográfica Augusto César Malta de Campos revela o interior, ainda sem objetos expostos, do Pavilhão da Agricultura e Viação [Figura 12] - projetado em estilo definido como colonial brasileiro[19]- evidenciando as colunas ornamentadas e o teto encimado por um lanternim [20].

Alguns dos pavilhões construídos para a Exposição de 1922 tinham o caráter permanente, outros eram temporários. Os prédios dos pavilhões da Administração, das Indústrias, das Pequenas Indústrias, da Estatística e dos Estados Unidos, apesar de terem sido construídos como permanentes, não se preservaram por completo e os prédios das Pequenas Indústrias e dos Estados Unidos foram demolidos.

Malta registrou imagens que auxiliam na construção de uma visão da Exposição do Centenário de 1922 cercada de aspectos que nos levam a refletir sobre tanto o que implicou a inserção deste evento no espaço físico/urbano carioca como a sua efetiva participação e importância no cenário político/cultural que se configurava no Brasil nos anos 1920.

Referências Pendentes:

ALMEIDA, Anamaria Rego de, “Uma exposição Internacional no Rio de janeiro”, IN: Anais do Museu Histórico Nacional, v 34, RJ: Ministério da Cultura/ IPHAN, 2002.

LEVY, Ruth , A Exposição do Centenário e o Meio Arquitetônico carioca no início dos anos 1920,RJ: 2003, tese de doutorado, PPGAV/UFRJ.


[1] O presente trabalho expõe algumas das questões que venho desenvolvendo em minha tese de mestrado sobre a Exposição Internacional de 1922 no Rio de Janeiro, junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas. Agradeço ao CNPq pelo apoio financeiro para o desenvolvimento de minha pesquisa.

[2] KARL, Frederick Robert, Moderno e Modernismo: a soberania do Artista 1885-1925, RJ:Imago Editora, 1988, p.24

[3] GREENHALGH, Paul, Ephemeral Vistas – The Expositions Universelles, Great Exhibitions and World´s Fair, 1851 -1959, UK: Manchester University Press, 1988, p.3.

[4] TURAZZI, Maria Inez, A Euforia do Progresso e a Imposição da Ordem – a Engenharia, a Indústria e a Organização do Trabalho na virada do século XIX ao XX, RJ:COPPE, SP:Marco Zero,1989,p. 103.

[5] A Noite, “Agora, ‘Exposição Universal’ do Rio de Janeiro”, 21/07/1922  

[6] A exemplo do desmonte do Morro do Castelo

[7] O Palácio das Indústrias resultou da reconstrução do Antigo Arsenal de Guerra e da Casa do Trem - fadados até aquele momento à demolição –executada pelos arquitetos Memória e Cuchet em 1922 a pedido do prefeito Carlos César de Oliveira Sampaio e foi considerado o mais vasto edifício da Exposição ocupando uma área de 9.500 m².

[8] Guia Oficial da Exposição Internacional do Rio de Janeiro em 1922, editado pelo Bureau oficial de informações do Palácio Monroe, 1922, pg 171

[9] BELCHIOR, Elysio de Olibveira, Lembrança da Exposição Internacional do Rio de Janeiro no Centenário da Independência do Brasil 7 de setembro de 1922, RJ: Y.R. Marketing & Projetos culturais,1992, pg.18

[10] O artigo de Anamaria Rego de Almeida (2002:373) apresenta uma interessante descrição do edifício: “Uma das construções mais luxuosas, projeto eclético dos arquitetos Arquimedes memória e Francisque Cuchet, o ‘Palácio das Festas’ foi decorado, na parte de pintura exterior e interior, pelos pintores Rodolfo e Carlos Chambelland, que se encarregaram do desenho e da pintura do teto todo em motivos alegóricos. Os escultores Francisco Andrade e Modestino Kanto, esculpiram, em alto relevo, as frisas da fachada, a da esquerda representando a evolução política e a da direita, a evolução econômica. Sobre a porta única, foi erguida uma alegoria da independência, completando a estrutura do Palácio”

[11] O Pavilhão do Restaurante é pouco investigado em estudos que abordam a questão da arquitetura na Exposição do Centenário mas há indícios de que os primeiros projetos do mesmo tenham sido feitos sob a direção do prefeito do Distrito Federal, o engenheiro Carlos César de Oliveira Sampaio.

[12] Projeto do arquiteto Morales de Los Rios no estilo “colonial brasileiro” (vide Guia Oficial da Exposição Internacional do Rio de Janeiro em 1922, pg 189) composto por três pavimentos e 60 metros de fachada com 2.454 m² quadrados de área aproveitável para os expositores.

[13] De acordo com Anamaria Rego de Almeida (2002:373), o pavilhão era de “(...) traço eclético, inspirado na Renascença Francesa, (...) projeto do arquiteto Pujol Junior. Constava de cinco pavimentos e uma torre de 45 metros”. A maior parte dos produtos expostos neste pavilhão eram provenientes de São Paulo.

[14] No estudo de Ruth Levy (2003: 194; 196) temos que, projetado por Armando de Oliveira, o pavilhão foi construído sobre “estacas, dentro de uma pequena enseada, diretamente sobre as águas da baia, criando assim uma ‘porta marítima’ para a Exposição (...). Cada um dos pavilhões possuía dois pavimentos, um terraço e uma torre quadrada, esta propiciando pontos para vistas de alcance ”.

[15](...) desenhado pelos arquitetos Nestor de Figueiredo e San Juan. Constando de dois andares em estilo colonial, tinha torrões laterais e azulejos azuis e brancos como ornamentos” (vide Anamaria Rego de Almeida; 2002:373)

[16] O prédio do Pavilhão da Administração (também conhecido como Pavilhão do Distrito Federal) é onde funciona atualmente o Museu da Imagem e do Som (MIS): “projeto do arquiteto Silvino Rabecci; estilo Luis XVI com dois pavimentos e uma área aproveitável de 642 m² ” (vide Guia Oficial da Exposição Internacional do Rio de Janeiro em 1922 , pg 187)

[17] Ruth Levy (2003: 2001) afirma que o Pavilhão da Estatística foi “(...) destinado a expor a riqueza do Brasil em números”. Projetado e construído por Gastão Bahiana, obedece ao estilo Luiz XVI. Estima-se que sua cúpula tenha sido retirada em 1930. O prédio (que permanece sem a cúpula) abriga atualmente o Centro Cultural da Saúde.

[18] Guia Oficial da Exposição Internacional do Rio de Janeiro em 1922, editado pelo Bureau oficial de informações do Palácio Monroe, 1922, pg 35

[19] Vide Figuras 1, 2 e 3.

[20] Anamaria Rego de Almeida, “Uma exposição Internacional no Rio de janeiro”, IN: Anais do Museu Histórico Nacional, v 34, RJ: Ministério da Cultura/ IPHAN, 2002, pg 374.