Artes do progresso: Uma história da visualidade da Exposição de Chicago de 1893

Jorge Nassar Fleury da Fonseca*

FONSECA, Jorge Nassar Fleury da. Artes do progresso: uma história da visualidade da Exposição de Chicago de 1893. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/expo_1893_chicago.htm>.

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1.       Em 1893, Julio Siza (1841-1918), fotógrafo Português, recebe uma medalha de honra e um diploma do governo dos Estados Unidos pela sua série de fotografias que ilustravam as habitações, industrias e o povo da Guiana Inglesa [Figura 1]. Em sua coleção figuravam varias raças e diferentes tipos do país. Apareciam de chineses a índios do leste, representando a classe operária importada; os negros exibiam o povo que foi tirado de suas terras para servir de escravos; a floresta savana e as tribos indígenas mostravam os nativos do país; ainda havia espaço para os colonizadores espanhóis, franceses, escoceses e ingleses. Entre crianças e adultos, Siza ia mostrando as raças, climatologia, ambiente, dentre outras coisas do país em análise, dando um passo muito importante para o entendimento dos ingleses da Guiana e de seu habitat. Tendo Júlio nascido em 1841, no distrito de Braga, em Portugal, começa a trabalhar como fotógrafo pela prima vez na cidade do Porto, com Henrique Nunes. Não tardou já estava indo para Lisboa incrementar seu trabalho com a arte fotográfica. Siza despende 12 anos de sua vida no Brasil, fazendo fotos na cidade de Belém. Lá abriu um estúdio chamado Photographia Amazônia, criando um acervo de imagens históricas importantes para a memória da cidade.

2.       Enquanto aconteciam as comemorações oficiais dos 400 anos de Descobrimento da América, Julio Siza recebe sua menção honrosa em meio ao verão de 1893 participando com sua mostra na Exposição Universal de Chicago[1]. Esta mostra, em uma área de 277 hectares, situada no Jackson Park, recebeu em seis meses 27 milhões de visitantes para observar o que era exposto em diversos pavilhões de vários países. Enquanto os países europeus exasperavam-se pela partilha da África e Ásia, os estadunidenses preocupavam-se com uma agressiva política exterior. Era a realização de uma nação em plena Revolução Industrial, objetivando confirmar sua superioridade continental, principalmente para recuperar o prestígio da cidade sede após seu grande incêndio.

3.       Nos dias 7, 8, 9 e 10 de outubro de 1871, os jornais ao redor do mundo se preocupavam com um aspecto em comum: o incêndio de Chicago[2]. Em 1870, possuindo uma população de cerca de 300 mil habitantes, esta cidade dos Estados Unidos, situada no estado de Illinois, já era a principal fornecedora de cereais, gado e madeira. Motivo pelo qual prédios, casas e muitas ruas do local eram construídas quase inteiramente por este material. Em uma temporada anormalmente seca, ventos fortes e secos espalharam um fogo que havia iniciado em um estábulo. A zona sul da cidade ficou coberta em chamas, matando 300 pessoas e desabrigando 90 mil, quase um terço da população. Este incêndio deixou marcas profundas nesta população e uma espécie de mito da cidade[3]. A cidade, porém, foi rapidamente reconstruída[4], adotando vários planos para atrair arquitetos de renome do mundo inteiro bem como indústrias, firmas e migrantes de outras partes do país.

4.       A White City se tornou o grande símbolo da Beaux-Arts dos Estados Unidos. Composta por um “paredão” branco de prédios monumentais, tornou-se a grande atração da exposição, influenciando os planos das cidades de Washington, Cleveland, São Francisco e a própria Chicago. Outra sensação foi a Ferris Wheel[5] (roda gigante) monumental que conseguia conduzir, ao mesmo tempo, dois mil passageiros atingindo uma altura de 80 metros, ficando, atualmente, entre as 15 mais altas do mundo, sendo a que atinge a maior altura e alcança 160 metros, situada na China. Infelizmente a roda panorâmica construída para esta exposição já foi demolida. Encontrava-se também exposto desde a Salsicha Vienense e de Frankfurt, que deu origem mais tarde ao famoso hot dog, até os vinhos do porto Kopke, um dos mais antigos da região, passando por varias obras de arte, literatura, planos urbanos, fotografias, edificações.

5.       Em meio a isto tudo estava a comitiva brasileira, aparecendo em sua primeira representação internacional do governo republicano. Ladislau Netto (1828-1894)[6], diretor do Museu Nacional, foi nomeado vice-presidente desta comissão. Netto era um naturalista com idéias reformistas que pretendia modernizar o Museu Nacional desde 1860. Ao seu lado, estava o arquiteto brasileiro Francisco Marcelino de Souza Aguiar, que foi o responsável pela nossa representação, projetando o pavilhão que nos abrigou. Seguindo a tendência dos demais pavilhões, usando o mesmo revestimento em gesso branco, ergueu um edifício monumental e simétrico, em estilo eclético com fortes elementos clássicos. Seu exotismo ficou por conta dos pináculos de coroamento e de algumas bandeiras brasileiras estendidas pelas cúpulas, demonstrando certo orgulho nacional e espírito republicano.

6.       O governador do Pará à época era Lauro Sodré[7] (1858-1944), um engenheiro militar que teve como mestre o maçom Benjamim Constant (1836-1891), o que o fez defender a causa da República e a doutrina positiva de Comte (1789-1857), que tem como eixo o progresso. Sendo um grande incentivador de estudos, artes e ciência, patrocinou a ida de alguns trabalhos desenvolvidos por figuras ilustres da terra, da capital que era a vitrine da borracha. Estes trabalhos foram reconhecidos e publicados no livro com impressão pela The Knickerbocker press de Nova York, no ano da exposição, intitulado The state of Pará, notes for the exposition of Chicago. Este livro foi traduzido por José Coelho da Gama Abreu[8] (1832-1906), o Barão de Marajó, título que recebeu pelos bons serviços prestados à nação. Político, historiador e escritor brasileiro, Gama Abreu teve a maior parte de sua formação em Portugal, formando-se em filosofia e matemática pela Universidade de Coimbra. Como um grande cronista-viajante, ele percorreu vários lugares do mundo, observando, analisando e descrevendo-os[9].

7.       O livro traduzido pelo barão possuía em sua lista de contribuintes: Ignácio Baptista de Moura, escrevendo sobre a história do Pará e também sobre as indústrias; Alexandre V. Tavares, relatando os tipos e formas de instrução pública; Pedro da Cunha, discursando a respeito das renovações públicas e comerciarias; Alberto Torrezão, argüindo sobre agricultura; Manoel Odorico Nina Ribeiro, em um interessante comentário sobre as formas de comunicação e transportes representadas com fotos históricas e um projeto para a malha urbana de Belém feito por ele; e ainda uma grande e rica divagação e descrição feita por Henrique Santa Rosa acerca da descrição física narrada a partir de um mapa cartográfico.

8.       Se esta exposição se realizasse nos dias de hoje, provavelmente a comitiva que representaria o país teria um perfil um tanto diferente da que se apresentou à época. Iríamos observar a presença inconteste de artistas exibindo pinturas; músicas; danças típicas como o samba, carimbó, frevo e forró; mulatas exibindo seus corpos; bateria completa de escola de samba; índios; artesanato; caipirinhas de todos os sabores; e uma infinidade de elementos típicos e tradicionais e toda a etnicidade da cultura latina brasileira. Seria ressaltada a cultura miscigenada de nosso povo. Todavia, na Exposição Universal de Chicago de 1893, o Brasil queria levar e mostrar ao mundo os homens da ciência, o objetivo era mostrar a todos que em seu país também produziam o que estava sendo feito no restante do mundo, queriam mostrar a modernidade.

9.       Foi neste contexto que Santa Rosa fez uma análise em cima de uma cartografia da região do estado do Grão-Pará. Neste levantamento apareciam as cidades pontuadas e os rios que compõem a paisagem da localidade. Abordando esta geografia, precisou contrapô-la com seu conhecimento acerca da engenharia produzida à época, o que o levou a conceituar o progresso da região, retomando aqui a conexão desta palavra com o positivismo de Comte. Embasado nas contínuas obras que geravam o contexto de civilização, ele faz uso de citações e devaneios para elucidar as informações passadas na descrição do mapa. No decorrer de seu texto ele aborda os vários assuntos que envolvem o ambiente físico como sua localização, limites, população, superfície, clima, temperatura, salubridade, questão de fronteiras, topografia, o conjunto hidrográfico envolvendo canais, lagos, baías, ilhas e os vastos rios que cortam a região. Este último tópico, não por acaso, é o tema que mais se alonga, passando boa parte de seu percurso escrito criando um grande debate com suas fontes sobre o assunto.

10.    Santa Rosa fez um bom diálogo com opiniões divergentes. Umas de pessoas que viajavam pela região e a perceberam e sentiram como realmente era e outras que apenas a analisaram pela sua localização utilizando apenas sua latitude e longitude. Ele criticava aqueles que se esqueciam de analisar o mapa como um todo e averiguar a situação que cercava as cidades, informações básicas que se pode ler e perceber através da cartografia e que muitos desprezavam. Henrique Morize[10] (1860-1930), que mais tarde se tornou diretor do Observatório Nacional em 1908 e foi, também, o primeiro presidente da Academia Brasileira de Ciências em 1916, dividia o Brasil em zonas termais classificadas como equatorial, tropical, subtropical e temperada[11]. O Pará está situado na zona equatorial, então chamada de tropical, o que o deixava no mesmo grupo de boa parte dos estados do nordeste e do norte do país. Esta zona, também chamada de tórrida, englobava quase todos os lugares do Brasil que a temperatura excedia 25º Celsius.

11.    Alfred Russel Wallace (1823-1913), um naturalista, geógrafo, etnólogo e biólogo galês, que mantinha contato diretamente com Darwin, viajou pela Amazônia coletando espécies e deixou vários escritos sobre a região. Wallace deixou várias ilustrações, fotos e escritos sobre suas viagens, descobertas, opiniões e idéias de progresso e civilização[12]. Em um deles comentava que “o clima do vale Amazônico é notável pela sua uniformidade de temperatura e pela regular umidade relativa do ar”, em seu discurso dizia existir “seis meses de chuva e seis meses com estação seca”, afirmando que nenhuma dessas estações é “tão severas quanto em várias outras regiões tropicais”. Completando seu pensamento dizia ser o Pará uma exceção a esta regra equatorial sendo que o clima deste local “é tão modificado que acredito ficar entre os climas mais agradáveis do globo”[13].

12.    Referindo-se às passagens abordadas em seu texto, Santa Rosa criticava quem fazia afirmações sem examinar o mínimo que seja. Ele retrucava dizendo que, se analisassem com calma, iam perceber que algo era indicado pela presença quase diária das chuvas, a constância dos ventos modificando a ação solar, gigantes florestas purificando o ar e a infinidade de rios que cortam o imenso vale e fertilizam o solo. Poucas eram as pessoas que analisavam o conjunto dos fatos. A cartografia mal analisada pode ser capciosa e tendenciosa, mas basta um breve olhar ao mapa abordado para percebermos a presença maçante dos rios que lavavam a região.

13.    Esta enormidade de rios, em sua maioria navegáveis, e sua maior proximidade geográfica aos grandes centros comerciais mundiais em relação ao sudeste brasileiro, fizeram com que o Pará enchesse os olhos das pessoas pelo seu aspecto promissor, como Francis Castelnau[14] (1812-1880), um viajante que percorreu a América do Sul observando-a e descrevendo-a, disse que “esta linda província do Pará vai certamente, um dia, ser a mais rica na América do Sul” (SANTA ROSA, 1983: 27). Ou mesmo através de um diálogo que Santa Rosa estabelece com Herbert Smith (1862-1938), um naturalista que viajou pela região, fazendo uma recepção teórica de seus escritos sobre Belém afirmando “a cidade ter um destino: a cidade do futuro, que ainda vai enriquecer o mundo com seu comércio”, arriscando dizer até que “um dia, quem sabe, ainda vai ser a verdadeira metrópole do Brasil”. Embasava isso na idéia de o “Rio de Janeiro ser longe do mundo comercial, umas boas cinco mil milhas de Nova York e afastada da Europa” e assim o Pará seria beneficiado por ser “mais perto pelo menos meia distância” deste centro. (Herbert Smith, in SANTA ROSA, 1983:27)

14.    Santa Rosa toma um bom espaço comentando sobre os rios, seus aspectos, formas e importância. Também não é por menos, os incontáveis rios que cortam o território, os incalculáveis igarapés que possuem uma prodigiosa massa de água, que em um milionésimo de segundo é esvaziada no oceano; a grandiosidade sublime dos córregos e canais, ligando-se aos rios e aos igarapés, fazendo uma teia aquática interminável, como podemos nitidamente constatar no mapa exposto. Dentre estes se destaca o grande e imponente rio Amazonas sendo o mais largo rio do mundo. Sua nascente é discutida desde muito antes da Exposição de Chicago até o presente momento. A origem deste rio que cruza o Peru, a Colômbia e o Brasil, já foi atribuída desde ao Lago Lauriocha no Peru até, recentemente ao monte nevado Mismi, de origem vulcânica e situado nos Andes do sudoeste peruano, ganhou em 2007 o título de detentor da nascente do rio Amazonas. Situado a cinco mil metros de altitude, com esta nascente, o Amazonas passa a ser, também, o rio mais longo do mundo.

15.    Em seu percurso, o grande rio recebe águas de centenas de afluentes. Os principais afluentes no estado do Pará, pelo lado esquerdo de seu curso, são os rios Trombetas, Parú, Jary, Anauerápucú, dentre outros; pelo lado direito os rios Tapajós, Curuá, Xingu, como bem percebido no mapa [Figura 2]. Henrique Santa Rosa, em sua analise, ressalta que alguns ainda consideram como tributário do grande rio os rios Pará e Tocantins. Outro rio que se faz presença marcante no estado e rápido se observa no mapa em todo o emaranhado de rios da região, é o rio Xingu, um dos mais férteis da região, foi explorado pelo príncipe Adalberto da Prússia[15] (1811-1873), um viajante curioso e perspicaz, considerado por muitos como um naturalista, que deixou um diário de bordo sobre sua viagem, no ano de 1842, sobre a Amazônia e sua viagem pelo rio Xingu. Anos mais tarde, entre 30 de maio e 26 de outubro de 1896, o Xingu era explorado por Henri Coudreau[16] (1859-1899) e sua esposa, um casal de naturalistas franceses contratados pelo Governo do Estado do Pará para explorar os rios da região. Ferreira Pena em sua descrição deste rio, quando ressaltou sua abrupta mudança de curso no momento que este recebe o rio Iriri, comentava que o príncipe Adalberto o comparou ao mar de tão largo que ele se tornava (SANTA ROSA, 1893: 49). O rio Xingu é mais curto e menor que o Tapajós, porém sua navegabilidade é seu diferencial. O Tapajós apresenta-se fechado em seu percurso e com inúmeras cachoeiras. Santarém, uma importante cidade no Pará, se situa a margem direita deste rio.

16.    Ainda no mapa podemos observar a presença forte do rio Tocantins que, na opinião de James Orton (1830-1877)[17], naturalista que viajou pela América do Sul em 1867, era um rio magnífico que banhava a região onde se achava o clima mais delicioso do Brasil, corria por sobre uma cama de diamantes, rubis, safiras, topázios, ouro, prata e petróleo. Antonio Baena, em seu ensaio corográfico, afirmava ter este rio vinte e seis afluentes em seu curso. Santa Rosa, durante sua analise, ainda retratava uma passagem de Ferreira Pena onde dizia que para se conhecer o rio Tocantins é necessário visitá-lo em diferentes estações do ano, pois este apresentava aspectos diferentes durante verão e inverno.

17.    É exatamente sobre este aspecto, o dos rios e sua navegabilidade, que Nina Ribeiro começa seu artigo sobre meios de comunicação e transporte. “Sobrevoando” o rio Amazonas, ele o compara ao Ganges, Eufrates e Nilo, comentando terem estes, pela iniciação dos meios de transporte a vapor, marcado seus primeiros dias de um futuro promissor. Nina teve que se retratar às antigas civilizações e seus rios que se tornaram mitos como na Índia o rio Ganges, na Mesopotâmia o Eufrates e no Egito o Nilo[18], para comparar suas bases comerciais primeiras ao estilo fluvial que assumia a região amazônica.

18.    Manoel Odorico Nina Ribeiro exaltava a navegação gratuita do Amazonas. Exacerbava-se com a idéia do Amazonas ser o rio da bandeira de todas as nações, transportando variados produtos; com possibilidade da emancipação dos escravos; e com a pretensa ordem e o progresso na política constitucional como sendo a iniciação da grande civilização amazônica. Alexander von Humboldt[19] (1769-1859), um cientista alemão que viajou a América Latina entre 1799 e 1804, ilustra quando diz que “é lá que, um dia, cedo ou tarde, se concentrará a civilização do globo”[20]

19.    Ribeiro acreditava que esta interligação dos rios contribuía para fazer este misterioso El Dorado, uma região mais rica que a Ásia: também situada entre dois oceanos, a igual distância do Canadá, Europa central e sul da África. Por trás disso estaria a grande conexão entre os países através dos diversos rios da região. Com a Amazônia entre o Atlântico e o Pacífico, essa ligação se fazia magnífica. A Venezuela através do rio Negro; a Bolívia pelo Madeira; o Peru pelo Juruá, Purus e Javari; Nova Granada pelo Içá e Japurá; Equador através do Napo; Goiás pelo Tocantins; e Mato Grosso fazendo uso do Tapajós. Estava feita a grande teia de comunicação amazônica, exigindo cada vez mais dos portos com grandes movimentos e trânsito de mercadorias.

20.    “O trabalho multiplica sua força sem fim”, com esta passagem Nina faz a conexão do crescimento das cidades, principalmente Belém [Figura 3], com a necessidade de novos recursos para suprir a demanda (NINA RIBEIRO, 1893: 132). A Amazônia, na era das indústrias, não pôde escapar dos benefícios da ciência. Trabalho, capital, crédito, conveniência, troca, especulação, tudo isso se interpunha com a ciência em busca de uma saudável relação de produção. Eletricidade, navegação a vapor, liberdade e lei eram atuantes na transformação econômica dos grandes centros. Isso tudo se refletiu em possibilidades e acréscimos de tecnologias e meios de transportes. As ferrovias foram implantadas visando uma melhor exploração dos saudáveis centros. A locomotiva trás consigo regularidade, freqüência, rapidez e preços relativamente baixos. Neste contexto foi criada a ligação entre Belém e Bragança, o que ligava a capital ao nordeste do estado. A engenharia progrediu, fazendo uso do “discurso competente”[21], como se detivesse o poder do exercício deste progresso, sem necessitar do aval político, como diz Marilena Chauí (1941), historiadora da filosofia e professora de Filosofia Política da USP, “não exige uma submissão qualquer” (CHAUÍ, 1981: 13).

21.    Era a Engenharia anunciando a civilização e o progresso, que pode ser constatado quando é feita a referência às fotografias da cidade produzidas na época como mostram as fotografias expostas. Estas eram tiradas de ângulos e iluminação que ressaltassem estas melhorias citadinas, mostrando, em diversos planos e enquadramentos os prédios públicos, ruas pavimentadas, linhas de bondes, porto e o bem pensado paisagismo e arborização, sempre se adequando ao clima. Era uma espécie de propaganda subliminar, onde o governo mostrava as fotos para fazer com que tanto os habitantes da cidade, como a população do resto do mundo, soubesse e apreciasse o que havia de belo em sua cidade, como bem evidencia a fotografia que segue abaixo, onde aparece o porto comercial ao fundo e todo um aparato para a recepção desta carga, na foto ainda aparecem as carruagens e os cavalos bem como a estrutura urbana já supra citada, exibindo a rua pavimentada e os trilhos da linha de bonde.

22.    Mesmo quando eram produzidos mapas, como o levantado pelo próprio Nina Ribeiro, estes mostravam os avanços tecnológicos e prediais elaborados ou já projetados para a cidade. Nas fotos eram obtidos ângulos favoráveis aos elementos visíveis da cidade, como no caso de uma rua onde passa a linha de bonde e o Teatro ao fundo [Figura 4]. Como explicita a fotografia a seguir, onde em planos diversos aparecem, em uma mesma imagem, a rua pavimentada, os trilhos do trem com seu visível ponto de fuga acompanhado pelas árvores e posteamento de iluminação pública. Ao lado direito margeando o passeio público está um bem definido corredor de casas em estilo europeu, do lado oposto, a praça com seu paisagismo recém implantado e ao fundo, em outro plano, o Teatro da Paz, um templo cultural.

23.    Junto com os novos produtos vinham novos mercados; com estes, novas instalações; com estas, novas tecnologias; com toda essa somatória, um crescimento da região e das cidades e uma necessidade de planejá-la. Foi com esta intenção que Nina Ribeiro, que na época era Engenheiro da Câmara, fez um levantamento da cidade de Belém por ordem da Vereação do Quatriênio de 1883-1886. Neste trabalho, também presente na Exposição de Chicago e comentado em seu texto, encontramos elementos instituídos pela modernidade que se instalava, bem como elementos que vinham instaurados desde a época colonial. Percebemos em seu mapa, dessa herança colonial, uma valorização do espaço público com a presença de muitas praças. Algumas dessas que não mais existem e outras que nunca chegaram a ser implantadas. Nina também se preocupa em salientar os terrenos baixos e os altos, separando e definindo as áreas de várzea e terra firme, o que sempre foi uma constante no vale amazônico devido a sua uniformidade do relevo.

24.    Nos mapas eram elucidadas as melhorias não percebidas aos meros transeuntes citadinos, ou não adequadamente percebidas por eles. Como revela a planta da cidade de Belém levantada por Nina Ribeiro a seguir [Figura 5], que mostra a complexidade e dimensão das linhas de bonde ou mesmo as benfeitorias subterrâneas, como esgotamento sanitário e rede de água. No mapa, podemos detectar a preocupação com o levantamento adequado da topografia da região, mostrando os terrenos altos e baixos, já com o pensamento no sistema de abastecimento da cidade. Na figura que segue Nina projeta várias e grandes praças onde se aplicaria muito verde, integrando um paisagismo aos ideais de boa impressão e divulgação da cidade.

25.    Ainda no mapa percebemos, também, a marca da modernidade referida por Ribeiro em seu artigo exposto através das marcações da estrada de ferro para Bragança e nas linhas de bondes de bitola larga e estreita. Os trilhos intermunicipais saiam do grande centro da cidade e seguiam cruzando-a até a completa saída da mesma. Os bondes internos quase nunca coincidiam seu trajeto com os que tomavam o rumo nordeste do estado. Apesar da grande área que estes bondes não circulavam, eles englobavam muito bem as parcelas da cidade as quais se propunham rodar, principalmente as zonas portuárias e comerciarias, onde o tráfego era mais intenso.

26.    Os trabalhos expostos mostraram a importante situação da natureza e da modernidade que se instalou na região amazônica. Em um trabalho mútuo e se complementando, estes mapas e fotografias, que se fizeram presente em solo estadunidense, levaram consigo uma grandiosidade de informações que não conseguiriam ser exprimidas apenas através de relatos escritos. Imbuídos de técnicas cartográficas e fotográficas da época, os amazônidas expunham para o mundo o conhecimento, a tecnologia e a modernidade que se instalou no norte brasileiro em fins do século XIX. Fazendo uso de todo um repertório cognitivo da época, eles embarcaram rumo ao norte para mostrar ao mundo que também faziam e viviam como o resto do globo.

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* Mestrando em História Social da Amazônia na Universidade Federal do Pará.

[1] Pode-se achar sobre este assunto uma grande variedade de literatura: BURG, David F. Chicago´s white city of 1893. Lexington: University Press of Kentucky, 1976; KNIGHT, Leonard & Co. A guide to the Columbian world´s fair. Chicago: Knight Leonard & Co, 1893.

[2] Sobre este incêndio uma vastíssima literatura e relatos percorrem o mundo como em, KOGAN, Herman and Robert Cromie. The great fire: Chicago, 1871. New York: Putnam, 1971; MILLER, Ross. American apocalypse: the great fire and the myth of Chicago. Chicago: University of Chicago Press, 1990; Boston Fire Dept. Report of the chief to the officers of the Boston fire department, in relation to his trip to Chicago after its destruction by fire October 7, 8, and 9, 1871, Boston, 1871; McKENNA, John J. Reminiscences of the Chicago fire on Sunday evening, October 9th 1871. Chicago: Clohesey & Co. Printers, 1933; GREELEY, Samuel S. Memories of the great Chicago fire of October, 1871. Chicago: s/n, 1904.

[3] Sobre a questão do mito ver em BOEHM, Lisa Krisoff. Popular culture and the enduring myth of Chicago, 1871-1968. London: Routledge, 2004.

[4] BAE, Youngsoo. Labor in retreat: class and community among the men´s clothing workers of Chicago, 1871-1929. Albany: State University of New York Press, 2001; GARB, Margaret. City of American dreams: a history of home ownership and housing reform in Chicago. Chicago: University of Chicago Press, 2005.

[5] Existem artigos especificamente sobre a roda gigante, bem como fotos da mesma em FARRAH, Ibrahim. About the ferris wheel. Discussion of the introduction of the "Eastern aesthetic" and "oriental dance" to the American public at the World's Columbian Exposition of 1893 in Chicago. New York, 1993.

[6] Sobre Ladislau Netto existe uma confusão a respeito da data de seu nascimento aparecendo em diferentes bibliografias com duas possíveis datas como em, DUARTE, Abelardo. Ladislau-Netto, 1828-1894. Maceió: Imprensa Oficial, 1950; NETTO, Ladislao, 1838-1894. Le Muséum national de Rio-de-Janeiro et son influence sur les sciences naturelles au Brésil. Paris: C. Delagrave, 1889.

[7] Sobre Lauro Sodré ver em SODRÉ, Lauro. As industrias extrativas: a função do governo. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1901; SODRÉ, Lauro. Crenças e opiniões. Belém: Diário Oficial, 1896; SODRÉ, Lauro. Palavras e atos. Belém: Diário Oficial, 1896.

[8] Vasta bibliografia sobre Barão de Marajó pode ser encontrada como em, MARAJÓ, José Coelho da Gama Abreu, barão de. A Amazonia, as provincias do Pará e Amazonas, e o governo central do Brasil. Lisboa: Livraria Antiga e Moderna, 1883; GAMA ABREU, José Coelho de. As regiões amazonicas: estudos chorographicos dos estados do Gram Pará e Amazonas. Lisboa: Imprensa de Libanio da Silva, 1895.

[9] GAMA ABREU, José Coelho. Apontamentos de Viagem, 1874-1876. Lisboa: s/d.

[10] Sobre as idéias de Henrique Charles Morize transcrição de sua Conferência no Observatório Nacional. Como se prevê o tempo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918.

[11] Acerca dos estudos climatológicos de Henrique Morize ver em, MORIZE, Henrique. Contribuição ao estudo do clima do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922.

[12] Sobre essas idéias ver em WALLACE, Alfred Russel. The progress of the century, New York, London: Harper & Brothers, 1901; WALLACE, Alfred Russel. The wonderful century: its successes and its failures. New York: Dodd, Mead, 1898; WALLACE, Alfred Russel. My life, a record of events and opinions. New York: Dodd, Mead & Company, 1905; CAMERINI, Jane R. The Alfred Russel Wallace reader: a selection of writing from the field. Baltimore: John Hopkins University Press, 2002.

[13] WALLACE, Alfred Russel. In Santa Rosa, 1893, p.21

[14] Castelnau deixou vários escritos sobre a região, entre eles, CASTELNAU, Francis. Vues et souvenirs de l'Amérique du Nord. Paris: A. Bertrand, 1842; CASTELNAU, Francis. Expédition dans les parties centrales de l'Amérique du Sud, de Rio de Janeiro à Lima, et de Lima au Para; 1843-47. Paris: 1850.

[15] PRUSSIA, Príncipe Adalberto da. Brasil: Amazonas - Xingu. Brasília: Senado Federal, 2002.

[16] Sobre esta viagem ver em COUDREAU, Henri Antole. Voyage au Xingu. Paris: A. Lahure, 1897.

[17] Sobre a viagem de James Orton ver em, ORTON, James. The Andes and the Amazon, or across the continent of South América. New York: Harper, 1876

[18] Sobre estes rios vasta bibliografia pode ser consultada como, DARIAN, Steven G. The Ganges in myth and history. Honolulu: University press of Hawaii, 1978; ROY, Tribhuvan Nath. The Ganges civilization: a critical archaeological study of the painted grey ware and northern black polished ware periods of the Ganga plains of India. New Delhi: Ramanand Vidya Bhawan, 1983; ESPINOSA, Javier. Entre el Tigris y el Eufrates. Málaga: Centro Cultural de la Generación, 2004; MONTANARELLA, Silvio. Alla conquista del Nilo. Italia: Bernasconi, 1985.

[19] Sobre a vida e idéias de Humboldt bem como sobre sua viagem pela América Latina pode-se ver em, HELFERICH, Gerard. O cosmos de humboldt. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2005; LÓPEZ SANCHEZ, José. Humboldt y su época, em homenaje al bicentenário de Alexandro de Humboldt. La Habana: Museo Histórico de las Ciências “Carlos J. Finlay”, 1969.

[20] HUMBOLDT, Alexander von, in Nina Ribeiro, 1983, p. 130.

[21] Sobre “discurso competente” ver em, CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia, o discurso competente e outras falas. São Paulo: Editora Moderna, 1981.