Arquiteturas modernas: A fugacidade como espírito [1]

Odete Dourado [2]

DOURADO, Odete. Arquiteturas modernas: A fugacidade como espírito. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 3, jul. 2010. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_odete.htm>.

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O encanto da Londres moderna é ser construída não para durar, é ser construída para passar. Sua fragilidade, sua transparência, seus ornamentos de estuque colorido causam um prazer diferente e atingem um objetivo diferente do desejado e tentado pelos velhos construtores e seus patronos - a nobreza da Inglaterra. Seu orgulho exigiu a ilusão da permanência. O nosso, pelo contrário, parece deleitar-se em provar que podemos tornar a pedra e o tijolo tão transitórios quanto nossos próprios desejos.

Virginia Woolf

                     1.            Em 1931, às vésperas da segunda Grande Guerra, a aristocrata escritora inglesa Virginia Woolf, registra de maneira lírica e impressionista em seis curtas narrativas[3] os “encantos” da capital da maior potencia industrial do seu tempo.

                     2.            Seus “passeios” têm inicio nas docas do East side, subindo o rio Tâmisa até o cais do Tilbury, fervilhante de agitação comercial e burburinho. “Dificilmente há um navio que cedo ou tarde não ancore no porto de Londres”, lembra a orgulhosa autora. Ali, tudo é mercantilismo, tudo é severamente utilitarista, nada escapa à meticulosa e estrita medida do valor de uso. Esse é o seu espírito.

                     3.                                                  Entre os círculos de presas de elefante no chão, vê-se uma pilha de presas maiores e de cor mais acentuada do que o resto. Não é à toa que são marrons, pois são presas de mamutes congelados no gelo siberiano por 50 mil anos; mas 50 mil anos é algo suspeito aos olhos do especialista em marfim. Marfim de mamute tende a se deformar; não se podem fazer bolas de bilhar de presas de mamutes, mas apenas cabos de guarda-chuvas e a parte de trás dos espelhos de mão mais baratos. Assim, se compramos um guarda chuva ou um espelho que não seja da melhor qualidade, é provável que estejamos comprando a presa de um animal que vagava pelas florestas asiáticas antes de a Inglaterra ser uma ilha. (WOOLF, 2006, p.26)

                     4.            As exigências do uso, ou melhor, do consumo, ou melhor ainda, do consumismo engendrado pela maquinaria da produção e lucro, fez nascer e crescer sem cessar, de maneira cada vez mais vertiginosa, “novos” objetos para os mesmos usos assim como “novas necessidades”  que vêm acarretar impensáveis e novíssimos objetos. “O comércio nos observa ansiosamente para ver quais novos desejos começamos a desenvolver, que novas aversões”, observa Virginia, agora tomando a direção de Oxford Street, reduto da pequena burguesia, sempre empenhada, segundo a autora, na busca frenética de ascensão econômica e social.

                     5.            Oxford Street, é um solo de procriação, uma usina de sensações.

                     6.                                                  As noticias brotam mais rapidamente do que em qualquer outra parte de Londres. A multidão ondulante parece apagar a tinta dos cartazes, consumi-los mais e exigir suplementos frescos de segundas edições com mais rapidez do que em outra parte. A mente se torna uma lousa perpetuamente mutante na forma, nos sons e nos movimentos; e Oxford Street desenrola nela uma contínua fita de visões, sons e movimentos mutáveis. (WOLFF, 2006, p. 33).

                     7.            A consciência da fugacidade do tempo, própria do mundo moderno, leva inevitavelmente e em consonância com ela, à produção de objetos materialmente fugazes, onde a atualidade do “novo” cede rapidamente espaço ao seu contrário, o “não-mais-novo”, o descartável, por já obsoleto. Nesse mundo, nada pode ser feito para durar, nem mesmo as arquiteturas cuja tradição fincou na solidez ou duração uma de suas bases mais tradicionais.

                     8.            Os palácios de Oxford Street descritos por Virginia Woolf, apesar da sua aparente solidez de construções em pedra, como a própria rua e por extensão a cidade onde estão situados são, no entanto e por natureza, construções tão frágeis que até se pode antever,

                     9.                                                  [...] em qualquer dia da semana, Oxford Street desaparecendo na picadinha da picareta de um trabalhador enquanto se equilibra perigosamente num pináculo empoeirado derrubando paredes e fachadas tão levemente como se fossem feitas de cartolina amarela e cubos de açúcar. (WOLFF, 2006, p.36)

                  10.            O fenômeno flagrado pela autora de Cenas Londrinas em 1931 tem suas raízes plantadas em épocas bem mais longínquas daquela por ela vivida, ou melhor dizendo, nos meados do século XVIII com a invenção em 1764 pelo inglês James Hargreaves da jenny, a primeira máquina de fiar algodão “sucessivamente aperfeiçoada, de tal modo que as máquinas se tornavam rapidamente antiquadas precisando mesmo, serem transformadas ou mesmo abandonadas” (ENGELS,1985, p.16), o que vem a por em moto o fenômeno que Marx denominou com o sentido e complexidade que entendemos hoje de Revolução Industrial (MARX, 1998, p.578). A importância de todas as máquinas até então e com ela todas as implicações políticas, sociais e econômicos que reconhecemos como produtos da Revolução Industrial vai ocorrer em 1785, exatos 21 anos depois da jenny, com a utilização do vapor como força motriz inicialmente na fiação de algodão, para alcançar rapidamente os meios de transportes - barcos e trens, eles próprios aprimorados sucessiva e rapidamente.

                  11.            Nesse sentido é emblemática a experiência vivida por Tocqueville em 1835 e relatada no seu A Democracia na América:

                  12.                                                  Abordo um marinheiro americano e pergunto-lhe porque as embarcações deles são construídas para durar pouco; ele responde que a arte da navegação está fazendo tais progressos que o melhor navio se tornaria quase inútil se durasse mais de uns poucos anos. (TOCQUEVILLE, 2000, p.38)

                  13.            Com a máquina a vapor, que gerava, acumulava e distribuía energia em larga escala, foi possível a potencialização da técnica, com a criação de instrumentos mecânicos que operavam analogamente ao trabalho dos braços, mãos e pernas de inúmeros artesãos. Além disso, podiam ser comandadas por pessoas que não detinham necessariamente o conhecimento dos processos necessários as produções dos objetos produzidos. Surge assim a necessária figura do projetista industrial, técnico capaz de projetar, utilizando-se da lógica maquínica, novas máquinas mais ágeis e produtivas, tornando aquelas utilizadas no seu próprio processo produtivo obsoletas; surgem também na mesma época os agora não menos imprescindíveis designers,[4] profissionais que se ocupam, obedecendo à mesma lógica, em projetar utensílios de uso cotidiano para serem produzidos por máquinas, fazendo desaparecer já em meados do século XlX qualquer possibilidade de um horizonte estável,  “outrora a razão e o consolo do efêmero”, segundo Baudelaire. (BAUDELAIRE, 1993, p.42)

                  14.            Aliada à lógica da produção industrial, a arquitetura buscará nessa mesma produção a sua viabilização construtiva e com ela a própria estética dos seus artefatos, tornando-se ela própria um produto mercantil e como tal, contingente, transitória, efêmera.  Essa adesão incondicional ficará patente e se explicitará, apontando o caminho que a partir de então trilhará, nas chamadas Exposições Universais que tiveram lugar entre 1851 e 1900,[5] onde em compasso com as novas invenções da indústria, a arquitetura se exibirá ao mundo, desempenhando papel similar aos dos produtos industriais que abriga.

                  15.            Para a primeira Grande Exposição Universal realizada em 1851 em Londres foi construído o Crystal Palace em uma área do Hyde Park cedida em caráter provisório pelo Estado aos empresários, organizadores do empreendimento. O formidável edifício em ferro fundido e vidro, com seus 564 m. de comprimento, 140 m. de largura e 33 m. de altura, perfazendo um total de 92.000 m2 de área construída foi projetada em apenas 10 dias pelo jardineiro Joseph Paxton [Figura 1]. Sua estrutura, inteiramente pré-moldada, vem atender ao mesmo tempo às gigantescas dimensões exigidas para o empreendimento, à ligeireza de prazos exigidos para a sua consecução, à transparência então fundamental para o aproveitamento da iluminação diurna, mas e, sobretudo, vem demonstrar ao mundo a força e a pujança da técnica e da indústria inglesa [Figura 2 e Figura 3].

                  16.            O impacto então produzido pelo edifício é de verdadeiro êxtase: “Seria difícil descrever o efeito produzido sobre as mentes dos espectadores, quando eles se percebiam dentro da estrutura”, observa o entusiasmado John Tallis (TALLIS, [1852?], v.1, p. 120).[6] A experiência do novo, do nunca visto, fez com que finda a exposição, o edifício viesse a ser trasladado para Sydenham Hill e porquê “não mais novo” é então atualizado figurativamente, ampliado e adaptado a novos usos - concertos e entretenimento em geral - e re-inaugurado em 1854 pela rainha Victoria. Arquitetura e lugar também em função da nova tecnologia não serão mais indissociáveis. Apesar da pouca acolhida do público - na verdade o empreendimento fracassou em virtude dos altos custos envolvidos -, o edifício aí permaneceu até 1936 quando foi destruído por um incêndio.

                  17.            Em 1855, apenas quatro anos após a exposição londrina, a França tem a sua primeira exposição universal. Entretanto, já em 1852, havia sido assinado um decreto que previa uma construção monumental nos Camps-Elysées destinada a abrigar todas as exposições nacionais francesas, antes precursoras e agora predecessores das exposições universais. O edifício de caráter permanente seria executado com estrutura mista: a grande nave transversal, transparente, proposta em ferro e vidro seguia a tendência do momento para as grandes construções, usufruindo assim de todas as possibilidade da técnica de montagem,  mas ao contrário do Crystal Palace, o edifício seria circundado por caixa muraria em alvenaria com elementos decorativos ecléticos o que viria a dar a construção uma aparência robusta, “arquitetônica”, enfim “artística”[7] [Figura 4].

                  18.            Por suas próprias características construtivas o edifício recém construído e já tornado obsoleto, veio a trazer grandes dificuldades aos organizadores da exposição de 1855: ainda que viesse a ser incorporado à nova exposição como pavilhão setorial, como abrigar o avassalador número de novas invenções, produtos e serviços de maneira coerente e “educativa” em uma estrutura tão pouco flexível, incapaz, portanto de atender a novas demandas?

                  19.                                                  Em primeiro lugar, a grande dificuldade das Exposições universais, dificuldade que se fez sentir cruelmente entre nós, são as condições de espaço e de construção. Se as Exposições universais adotarem ao mesmo tempo todos os produtos, nos encontraremos diante de obstáculos quase que intransponíveis. A indústria marcha a passos de gigante. Em Londres, 75.000 metros quadrados foram considerados como um espaço imenso; o Crystal Palace, por suas proporções colossais, era uma maravilha. Em Paris, 117.000 metros quadrados foram reconhecidos como insuficientes. Quem pode prever as dimensões que deverá apresentar o edifício destinado a abrigar a próxima Exposição, se ela for feito nas mesmas condições que a precedente? (RAPPORT, 1857, p.133)

                  20.            Caberá à “arquitetura fazer novos esforços para atender às novas necessidades”, preconizará o autor do relatório final da exposição já com vistas à próxima grande mostra. E mais adiante: “O edifício deverá se apresentar de tal maneira que sua organização se combine com o sistema de classificação” por produtos expostos e por países expositores, tornando assim de fácil apreensão a leitura do que seria exposto (RAPPORT..., 1857, p. 141)

                  21.            Assim, a exposição francesa subsequente (1867)[8] tem como sede central um engenhoso edifício formado por sete anéis concêntricos à maneira de galerias, onde as cinco mais exteriores são estruturadas em ferro e as mais interiores e que dão para um jardim central, têm ossatura em madeira e cujo projeto “tem como ponto de partida uma classificação metódica e como base um duplo agrupamento de produtos pela natureza dos objetos e por nacionalidade” (RAPPORT, 1869, p.5) [Figura 5]. Atendendo a essa condição, que resultará no seu aspecto formal, são adotados dois sistemas de divisão simultâneos: o primeiro formado por zonas concêntricas, destinado a receber grupos de produtos similares de todos os países, facilitando o estudo comparativo dos produtos de um mesmo grupo; o segundo, formado por setores radiais destinados a cada país, permitindo “passar em revista” a inteira produção individual de todas as nações expositoras.

                  22.                                                  Uma questão preliminar, aquela da permanência do edifício, foi longamente debatida pelo público. Parecia imperdoável consagrar a uma pronta demolição um palácio que seria construído ao custo de tantos esforços e de tanto sacrifício. Mas, como demonstrou diante do Corpo Legislativo (seção de 29 de junho de 1865) o Ministro do Estado, a conservação desse palácio acarretava ainda maiores inconvenientes. Com efeito, um edifício permanente, que não respondia mais a necessidades igualmente permanentes, custaria mais caro do que construir um edifício provisório; acarretaria alem do mais despesas consideráveis de manutenção e de contrato de locação de terreno. Enfim, as necessidades das exposições aumentam e se transformam tão rápido, que o mesmo local dificilmente conviria a duas solenidades, mesmo que elas viessem separadas por intervalos de poucos anos. A Comissão imperial decidiu em consequência que o edifício seria construído com vista a um serviço temporário. (RAPPORT..., 1869, p. 6-7).

                  23.            A busca de uma solução dinâmica que viesse a atender a pluralidade de interesses conforme o “espírito da época” não atenuaria a percepção da transitoriedade desses mesmos interesses e em consequência da fugacidade das obras arquitetônicas. A destruição da imensa estrutura, construída para durar alguns poucos meses, se apresenta então como metáfora do seu próprio tempo. 

                  24.            Por outro lado, a mesma Exposição Universal de 1867, vem a consagrar, em virtude dos interesses de ambas, a união - essa durável até os nossos dias - das Belas Artes com a Indústria em geral já preconizada na Exposição de 1862 em Londres.

                  25.                                                  Esta união era necessária para dar a Exposição seu caráter de universalidade; além do mais, ela devia ser proveitosa aos próprios interesses dos artistas em razão do apoio mútuo que se pretendia dos diversos produtos, e da afluência considerável de visitantes que essa conciliação traria às obras de arte. (RAPPORT..., 1869, p. 7-8).

                  26.            Pela primeira vez, de maneira sistemática, ou melhor, “metódica” no dizer da época, obras de arte e artefatos industriais, agora interdependentes, são expostos lado a lado, irmanados, em um mesmo edifício.

                  27.            Ainda dentro do mesmo conceito de “universalidade” são convidados a participar da Exposição países não propriamente industrializados, mas grandes exportadores de matéria-prima, como por exemplo, o Brasil. Estes são alocados em pavilhões individuais, construídos às próprias custas dessas nações - supostamente “à sua imagem e semelhança” -, fora do edifício sede, disseminados em um parque entre restaurantes e serviços.  Aqui, apesar das suas proporções e esmero construtivo, não há discussão em relação à duração desses edifícios. Trata-se de edifícios efêmeros por excelência e que em virtude dessa condição, se valem do trabalho em estuque para a sua aparência de duração[9] [Figura 6].

                  28.            Provavelmente, entre tantas exposições universais realizadas no período compreendido ente 1851 e 1900, são as exposições ocorridas em Paris em 1889 e 1900 as mais espetaculares, as mais representativas da primeira modernidade, na sua pretensão de se apresentarem como verdadeiras enciclopédias do produzido pelo homem. Já não mais pretendem responder à pergunta, o que fabricam os homens, mas também como vivem? De que se alimentam? Como se vestem? Enfim, quais os seus costumes? Como espelhos da vida moderna, as exposições ganham em complexidade.

                  29.            Já em 1886 é lançado pelo Ministro do Comércio e Indústria francês um concurso público circunscrito a arquitetos e engenheiros franceses “tendo por objetivo provocar a manifestação de ideias gerais, de facilitar a comparação entre elas e de destacar o melhor partido a ser adotado” (PICARD, 1891, v. 2, p. 7). O alvo é a Exposição Universal a ser realizada em Paris em 1889 em comemoração ao centenário da Revolução Francesa. O edital para o concurso prevê a ocupação de uma área imensa de 314.000 metros quadrados que “poderia[10] englobar o antigo Palácio da Indústria e seus jardins”, a Esplanade des Invalides, o Champ de Mars e seu jardim, o cais e a margem esquerda do rio Sena entre a Esplanade e o Champ de Mars. A Esplanade e os jardins dos Champs-Élysées deviam ser reunidos, seja através da construção de uma ponte provisória, seja por outro meio.” [11] (PICARD, 1889, v.1, p.7). Salvo algumas poucas exigências como a obrigatoriedade do uso de estruturas em ferro em todas as edificações e a previsão da construção de uma torre com 300 metros de altura no Champ de Mars, o edital “permitia de resto aos engenheiros e arquitetos dar livre vazão a sua inspiração, empregar todos os recursos de seu gosto, da sua arte e do seu talento, realizar concepções novas e originais” (PICARD, 1891, v. 2, p. 12-13, grifo nosso).[12]

                  30.            Chama aqui atenção à ênfase dada à “novidade” e à “originalidade” das propostas como condição necessária a sua aceitação, conceitos indissociáveis à moderna noção de progresso e da competitividade que esse necessariamente engendra. Assim, a referência à “antiguidade” de uma construção mesmo que tenha muitas vezes apenas dez anos de existência, é recorrente em todos os relatórios das exposições.  Aqui, não deixa de ser interessante notar também a proposta opcional de “preservação” do Palácio da Indústria, nos Champs Élysées construído para a Exposição de 1878 e que será, no entanto quando da solução final “modernizado”, re-adequado e re-aproveitado para festas, recepções e entrega de prêmios. Já o Palácio do Trocadéro “permaneceu tal qual havia sido legado pela Exposição de 1878” (PICARD, 1891, v. 2, p. 13).[13] A exceção dos dois edifícios, nada mais restou das exposições anteriores.

                  31.            Os maiores esforços, entretanto, se concentravam no Champ de Mars :

                  32.                                                  No primeiro plano, perto do rio Sena e na direção do antigo parque de 1878, erguia-se a Torre de 300 metros de altura, facho gigantesco, arco do triunfo colossal, constituindo para a Exposição a entrada mais grandiosa que alguém pode imaginar e simbolizando de alguma maneira a força do gênio industrial do fim do século XlX. No fundo se desenvolvia a massa dos palácios, apresentando no seu conjunto a forma de um “U” ou, como se diz frequentemente, de um arco do triunfo reverso (PICARD, 1891, v. 2, p. 13).

                  33.            Dentro da organização proposta e ocupando posição de destaque estavam alocadas as artes: no braço esquerdo do “U” o Palácio das Belas Artes e do outro lado à direita “o seu irmão gêmeo”, o Palácio das Indústrias Liberais, “verdadeiras obras primas de decoração de Formigé” com suas estruturas metálicas pintadas em azul e suas cúpulas de 56 metros de altura e 33 metros de diâmetro. Belas Artes e Artes Liberais, agora definitivamente irmanadas e reconhecidas como detentoras do mesmo status, da mesma importância, simétricas em relação ao grande eixo monumental [Figura 7].

                  34.            Ao fundo, em oposição à torre que viria a ser denominada com o nome do seu construtor, estava o Domo ou Abóbada Central com seus 65 metros de altura; por fim, transversalmente a todo o conjunto, o “palácio mais maravilhoso, o Palácio das Máquinas”, com sua nave de 420 metros de comprimento e 115 de largura e com naves laterais de 15 metros por andar [Figura 8]. Acoplados e na altura das naves laterais estavam os “passadiços móveis” que permitiam aos visitantes passarem em revista rapidamente e sem sair do lugar, as máquinas exibidas no térreo, essas próprias em funcionamento.

                  35.                                                  Suas tesouras ogivais em ferro venciam de um só lance, sem apoio intermediário e sem tirante, toda a abertura da nave. Jamais semelhante esforço tinha sido realizado ainda, mesmo na Inglaterra e nos Estados Unidos da América, onde os engenheiros e construtores têm uma reputação legitimamente merecida de criatividade e audácia. Todos os visitantes se extasiavam diante dessa nave de dimensões prodigiosas, diante desse monumento elevado à ciência, à arte e à metalurgia. (PICARD, 1891, v. 2, p. 13).

                  36.            Este maravilhamento diante da técnica e da indústria exibidos no Palácio das Máquinas, fazia pendant com a admiração provocada diante do então edifício mais alto do mundo, a gigantesca torre em ferro laminado com 300 metros de altura. Segundo Eiffel,[14] seu idealizador,

                  37.                                                  [...] esta obra colossal deveria constituir em uma fulgurante manifestação da pujança industrial de nosso país, atestar os imensos progressos realizados pela arte das construções metálicas, celebrar o desenvolvimento inaudito do gênio civil durante esse século, atrair numerosos visitantes e contribuir largamente ao sucesso das grandes assembleias pacificas organizadas durante o centenário da 1789. (PICARD, 1891. v. 2, p. 265).

                  38.            Essa foi a sua função primeira. O edifício também veio possibilitar ao seu construtor, através de um contrato de concessão com duração de 20 anos contados a partir da abertura da exposição, a exploração não só dos restaurantes e cafés existentes na primeira plataforma, bem como do acesso do público mediante ingresso aos três estágios da torre, no terceiro dos quais se podia desfrutar “do admirável panorama que se desenvolve sob os olhos dos espectadores”. Durante a Exposição, o jornal Le Figaro atento aos acontecimentos diários muitas vezes simultâneos que ocorriam durante o evento e cuidadoso com relação à primazia da informação no confronto com os concorrentes instalou uma tipografia no segundo nível, fechada em seguida ao evento.

                  39.            Muito mais do que a perícia exigida ao calculista e sua equipe, a montagem no local em alturas até então jamais vista de um peso total de 7.300.000 kg. de ferro laminado ou fundido - sem contar os elevadores - demandava dos engenheiros, criatividade, precisão, segurança e no caso em questão, rapidez, impensáveis até então. O número total de peças diferentes que entraram na construção estava por volta de 12.000, cada uma exigindo um desenho especial ocupando quarenta desenhistas e calculistas durante dois anos, tempo de duração da obra.[15]

                  40.            Todos os andares eram servidos por elevadores hidráulicos com exceção do último terraço de 1,80 metros de diâmetro, que se acede através de escada, e que é encimado por uma lanterna a exatos 300 metros do solo. “É lá que tremula a bandeira francesa” se orgulha Picard.

                  41.            Pintada em um tom dourado quente que se degradava na direção do cume, a Torre podia ser vista ao longe graças a um potente holofote, tornando visível a festa do monumento desde a distância de 1.500 metros [Figura 9]. Aberta ao público no dia 15 de maio de 1889 e durante os 176 dias que durou a Exposição o número médio de pessoas que a visitou foi de 11.000 por dia. Então, “a silhueta da estrutura havia se vulgarizado através de reproduções de todo o tipo”. (PICARD, 1891, v. 2, p. 228).

                  42.            Ao contrário da torre e demais edifícios oficiais de duração contingente a Exposição Universal de 1889, também previa, como as exposições também francesas de 1867 e 1878 - prática aliás, já consagrada em todos os eventos do gênero - a construção de pavilhões individuais por nações, esses de caráter provisório [Figura 10]. Nesses pavilhões as nações com vista a uma possível agregação ao “mundo moderno” buscavam apresentar ao mundo, naturalmente da maneira que lhe convinha, a sua cultura, ou as suas possibilidades.

                  43.            Em 1894, são iniciados os preparativos com vistas à grande exposição a ser realizada em 1900 na mesma Paris. Uma vez que a diversidade e quantidade de produtos haviam aumentado exponencialmente desde a exposição de 1889, considerou-se fundamental a discussão prévia para o estabelecimento dos critérios de distribuição espacial e das dimensões das seções estrangeiras.

                  44.                                                  Com relação aos monumentos situados no recinto, toda liberdade foi deixada aos concorrentes. Eles podiam propor a conservação, a modificação ou a demolição de todos ou parte dos monumentos inclusive a Torre de 300 metros. Como exceção, o Palácio do Trocadéro devia ser integralmente mantido e a única transformação essencial que ele podia sofrer consistia em uma eventual ampliação no lado do parque. (PICARD, 1902, v. 1, p. 123)

                  45.            É interessante notar que, ao contrário dos edifícios, o programa indicava que “as linhas e massas das árvores, deveriam ser escrupulosamente respeitadas e permanecerem intactas.”

                  46.            Segundo o relato de Picard, o júri, encontrou grande dificuldade no julgamento das cento e oito propostas apresentadas, considerando a variedade das concepções, o imprevisto das ideias apresentadas e a extrema liberdade deixada pelo programa, o que tornava a comparação das propostas extremamente penosa, inclusive no que se refere às questões de custo, visto que “os concorrentes estavam livres para conservar ou demolir os edifícios existentes, salvo o Trocadéro e que o partido da demolição total ou parcial custava mais caro que o partido da conservação” (PICARD, 1902, v. 1, p. 134-135).  A observação do autor do relatório oficial dos trabalhos relativos à exposição contradiz a ideia corriqueira de que as construções com estruturas em ferro teriam sido largamente utilizadas nos edifícios construídos para as exposições em função do caráter efêmero dos eventos e, em consequência, da facilidade de desmonte que as mesmas viriam permitir, para além, é claro, da possibilidade de vencer grandes vãos e da flexibilidade funcional que proporcionavam. Na época, a demolição dessas imensas estruturas requeriam extrema perícia, envolvendo altos custos. Ainda assim, citando Guadet, autor do relatório apresentado pelo júri, os concorrentes cujos projetos propunham a conservação do antigo Palácio da Indústria, o fizeram por razões eminentemente técnicas e cientificas: eram engenheiros interessados em estudar maneiras de corrigir a obliquidade que o edifício já manifestava, buscando assim o aprimoramento futuro das construções do gênero.

                  47.                                                  Vários concorrentes usando resolutamente da faculdade concedida pelo programa de fazer tabula rasa dos edifícios existentes, tiveram a ideia, certamente ousada, de suprimir o Palácio dos Champs-Élysées [Palácio da Industria], substituído em outro lugar por um edifício semelhante e de criar um amplo passeio desde a grande avenida dos Champs-Élysées até os Invalides, beneficiando-se da ponte monumental a ser construída sobre o rio Sena [...]. No pensamento de todos, esse partido deve sobreviver à Exposição como uma beleza a ser adquirida pela cidade de Paris. Incontestavelmente, [...] esta ideia seduz pela beleza artística que não pode ser negada. (GAUDET, apud. PICARD, 1902, p. 136)

                  48.            A proposta é aceita. O antigo Palácio da Indústria ou Palais des Champs-Élysées é então demolido e em seu lugar são construídos o Petit e o Grand Palais, articulados a Esplanade des Invalides através da ponte Alexandre lll, todos construídos em caráter permanente. A condição de duração destes edifícios proposta antes mesmo da suas construções está alicerçada na beleza artística a ser agregada pelo conjunto à cidade ou àquilo que Riegl em 1903 denominarou de kunstwollen[16].  A inscrição aposta no frontão do Grand Palais atesta o desejo de permanência do edifício erigido para durar no tempo enquanto monumento intencional: “Monumento consagrado pela República à gloria da arte francesa.”[17] Não é sem razão que o monumento é utilizado pela República para suas festas oficiais. Já o Petit Palais, em função da utilização a que é destinado recebe então a denominação de “Palácio das Belas Artes da cidade de Paris” [Figura 11].

                  49.            Assim, como veremos, em 1900, por não estarem em concordância com o kunstwollen da época, os edifícios das exposições anteriores - à exceção da Torre Eiffel - serão destruídos, incluídos aí todos os “maravilhosos” palácios construídos para a exposição de 1889 e comentados por Picard em seu relatório de 1891.

                  50.            Vale notar que, a Torre Eiffel foi mantida por razões de ordem prática e não por supostos méritos artísticos até então nunca admitidos, ou mesmo técnicos que já os não tinha, uma vez que a tecnologia utilizada na sua construção já se revelava superada para os padrões de 1900. Como dissemos, em 1887 havia sido assinado um contrato entre Eiffel e a cidade de Paris que facultava ao engenheiro a exploração da torre, contrato este ainda em vigor. “Devido ao interesse manifesto de englobar a torre no perímetro da Exposição de 1900, de maneira a aproveitar a afluência dos visitantes” o contrato foi rescindido (1898), por “vantajosa para o Estado” (PICARD, 1902, v. 3, p. 216). Para conservar a sua eficácia, no entanto, “seria necessário fazer a toilette da torre”, reconhece, com argúcia, Picard. O edifício foi então atualizado tanto do ponto de vista técnico/construtivo, quanto da aparência: os antigos elevadores foram substituídos - e aumentados em número - por um maquinário mais veloz; suas cabines foram substituídas por novas e maiores no sentido de aumentar ainda mais a capacidade de vazão; foi instalada em todo o edifício uma rede telefônica mais completa, permitindo comunicações constantes entre os elevadores em movimento e os pisos servidos por esses aparelhos. Do ponto de vista da sua estabilidade, “Apesar dos resultados favoráveis de uma experiência que já se prolonga por dois anos, deve-se admitir que fadigas moleculares da matéria ultrapassam, na maioria das peças, os limites ordinariamente admitidos” (PICARD, 1891, v. 2, p.310). Análises e discussões da época apontaram para a relação peso suportado/ ferro laminado utilizado na construção como responsável pelo problema. Em 1900, o ferro laminado, usado largamente na exposição de 1889, já havia sido superado pelo aço laminado, considerado mais flexível, mais resistente, possibilitando ossaturas mais leves, mais estáveis e menos custosas.[18] Daí porque, quando destruídas essas estruturas não eram reaproveitadas. No caso da Torre Eiffel, diante da sua inadequação estrutural congênita, só restou aos calculistas a diminuição da carga móvel com a supressão dos restaurantes e cafés sobre as plataformas, com evidente ganho de espaço para circulação.

                  51.            Finalmente, no caso da aparência, “uma repintura se impunha absolutamente”, segundo Picard. Foi então escolhido

                  52.                                                  um tom ocre amarelado, que devia dar ao metal, sob os raios do sol, um brilho vivo e reflexos dourados [...] Escura nas partes inferiores, a pintura se degradava dos pilares de sustentação até o cume. Esta redução de intensidade da cor correspondia à diminuição progressiva da massa metálica: ela viria a acentuar a leveza e elevação produzida pelo monumento. (PICARD, 1903, v. 3, p. 218-219).

                  53.            A modernização, ou melhor, o revigoramento da “antiga” estrutura não foi, entretanto suficiente para auferir ao Estado as vantagens desejadas: observou-se uma queda da afluência do público da ordem de 48% em relação à exposição de 1889. Para o sempre sagaz Picard “essa diminuição se deve ao fato de que a torre não tinha mais o atrativo da novidade e, por outro lado, a variedade de atrações em 1900 era maior do que as oferecidas em 1889”.

                  54.            Exemplo notável da vertigem em que estão imersos os chamados “tempos modernos” pode ser flagrada nas vicissitudes experimentadas pela Gare d’Orleans,na mesma Paris [Figura 12]. Para atender as necessidades de fluxo dos visitantes durante a exposição de 1900, a Companhia d’Orléans decide construir uma estação ferroviária no Quai d’Orsay nas imediações do Louvre. O local escolhido foi aquele antes ocupado pelo monumental edifício construído entre 1810 e 1840 para acolher o Conselho de Estado, incendiado durante a Comuna em 1871. O edifício incendiado é então destruído para a construção da moderníssima Gare, destinada a receber o que então havia de mais moderno em transporte ferroviário. No entanto, muito cedo as suas plataformas se mostraram estreitas ante os ainda mais novos trens oferecidos pela indústria. Em 1937, portanto há apenas trinta e sete anos após sua construção a Gare, por obsoleta, é abandonada, passando a ser utilizada de forma episódica por companhias teatrais, triagens de prisioneiros de guerra etc, terminando por ser completamente abandonada em 1961, quando Le Corbusier propõe então a sua destruição com a construção no seu lugar de um Centro de Cultura, imenso paralelepípedo em altura sobre pilotis, projeto felizmente não aceito [Figura 13]. Somente em 1978, reconhecido o seu valor artístico, decide-se pela restauração do prédio que hoje abriga o Museu d’Orsay [Figura 14].

                  55.            Como se pode já intuir, não será a condição constitutiva de fragilidade construtiva e nem mesmo a instabilidade funcional inerentes aos edifícios modernos que irão ditar a sua duração no tempo. Se é verdade que o chamado Movimento Moderno é fruto desse caldeirão cultural, é também verdade, e cabe aqui insistir, que dele emergirá a necessidade imperiosa de preservar ou de fazer escapar da voracidade e fluidez do tempo especiais produtos da atividade humana a que atribuímos valor de arte e de história.

                  56.            De fato, será na mesma França cuja capital se modernizava à custa da demolição de inteiros quarteirões que surgem os primeiros inventários, as primeiras posturas relativas à proteção e conservação dos já então denominados “bens patrimoniais” ou “monumentos”. São dessa mesma época as primeiras formulações de políticas preservacionistas, as primeiras estruturas técnicas e administrativas encarregadas da preservação desses bens, assim como a primeira teoria da conservação e restauro proposta em 1854, três anos depois da primeira Exposição Universal em Londres, um ano antes da primeira Exposição Universal em Paris.

Referências bibliográficas

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[1] Texto apresentado com pequenas alterações para publicação no Cadernos do PPG - AU, revista editada pela Pós- Graduação da FAUFBA, sob o título: Contingência e transitoriedade das construções modernas.

[2] Doutora em Conservação e Restauro pela Università degli Studi di Roma; Professora Associada da Universidade Federal da Bahia.

[3] As seis pequenas narrativas que compõem Cenas Londrinas são: As docas de Londres; Maré da Oxford Street; Casas de grandes homens; Abadias e catedrais; Esta é a Câmara dos Comuns e finalmente Retrato de uma londrina.

[4] Em 1859, o critico de arte inglês, John Ruskin, realizou em Bradford e Manchester, uma série de palestras para alunos de escolas de design. Ruskin, ferrenho critico da industrialização, sobretudo pelos seus rebatimentos sociais, dirigirá palavras extremamente irônicas aos futuros profissionais do desenho industrial. A palavra design vinha sendo empregada para se referir à configuração e ao projeto de artefatos industriais, já há pelo menos duas décadas, segundo Rafael Cardoso. Cf. RUSKIN, John. A manufatura moderna e o design. In: A economia política da arte. Tradução e apresentação Rafael Cardoso. Rio de Janeiro: Record, 2004.

[5] As exposições universais, embora com outras características, continuam a ser realizadas até os nossos dias. Refiro-me aqui especificamente aquelas no período citado.

[6] Tradução da autora. Doravante todas as citações a partir de textos que não foram publicados em português terão aqui tradução nossa.

[7] Apesar de todo o impacto causado, o Crystal Palace nunca mereceu da critica de então o status de arte.

[8] Não é aqui nosso intuito abordar sistematicamente todas as exposições universais ocorridas entre 1851 e 1900, o que ultrapassaria em muito o alcance do formato aqui proposto. Basta lembrar que foram inúmeras as exposições universais ocorridas no período, entre elas: 1851 (Londres); 1855 (Paris); 1863 (Londres); 1867 (Paris); 1873 (Viena); 1876 (Filadélfia); 1878 (Paris); 1879 (Sidney); 1880 (Melbourne); 1883 (Amsterdã); 1885 (Antuérpia); 1885 (Nova Orléans); 1888 (Barcelona); 1888 (Copenhague); 1889 (Paris); 1900 (Paris) e que elas se realizam ou se “renovam” em períodos cada vez mais exíguos de tempo, algumas vezes duas em um só ano ou em mesmo ano.

[9] Caso interessante e que de alguma forma vem a contradizer de algum modo essa condição de efemeridade constitutiva dos pavilhões nacionais é aquele do Pavilhão do Brasil para a Exposição Universal de St Louis realizada em 1904, em comemoração a incorporação da Louisiana aos EEUU. Em 1903, foi constituída uma comissão - nenhum dos seus membros era arquiteto - para elaboração do projeto para o pavilhão nacional, com a recomendação explicita de que “na construção do pavilhão se terá em vista aproveitar toda a estrutura [...] para reconstruí-lo nessa capital”. Construído o edifício, o júri da Exposição lhe conferiu o grande prêmio. Finda a exposição, em 1906, o edifício é reconstruído na Cinelândia, Rio de Janeiro, onde recebeu o nome de Palácio Monroe, vindo a se inserir no plano de modernização da então Capital Federal (1904), onde permaneceu até a década 1970 quando foi destruído em função da construção do metrô. Na ocasião o IPHAN recusou o pedido de tombamento do edifício, primeira sede do nosso senado ,por não lhe reconhecer “mérito artístico”. Cf. SANTOS, Paulo F. Arquitetura e Urbanismo na Avenida Central. In: FERREZ, Gilberto. A Avenida Central e seu Álbum. Rio de Janeiro: João Forte Engenharia/ Ex Libris, 1983.

[10] Grifo nosso. “Poderia englobar o antigo Palácio da Indústria e seus jardins”, não necessariamente deveria. Assim, o aproveitamento do Palácio se apresenta como opcional.

[11] Entende-se aqui, a necessidade de uma ponte no sentido de articular o recinto da Exposição à cidade, facilitando o fluxo e o controle de entrada do público.

[12] Trata-se de um concurso de ideias com distribuição e prêmios aos primeiros colocados, mas sem a obrigatoriedade de execução de nenhum projeto particularmente. Ao contrário, aproveitando-se as melhores ideias, vários projetos poderiam ser fundidos no projeto final, o que de fato aconteceu.

[13] O Palácio do Trocadéro seria então o único remanescente da Exposição de 1878; finda esta exposição o edifico irá abrigar entre outros, o Museu dos Monumentos Franceses, que aí permaneceu até 1937, quando, em virtude da Exposição daquele ano, foi então destruído e construído no seu lugar o atual Palais du Chaillot. As razões da permanência, e da longa duração do velho edifício não são explicitadas em nenhum dos relatórios referentes as exposições de  1878 e 1889.

[14]  O escritório Eiffel foi encarregado da execução dos trabalhos na sequência de um concurso; os cálculos são obra de Seyrig, então engenheiro do referido escritório.

[15] É curioso notar a existência então e em função da complexidade das construções modernas de “grandes escritórios” de engenharia - caso da “casa Eiffel”- e de arquitetura congregando muitas vezes dezenas de profissionais.

[16] A palavra kunstwollen, utilizada amplamente pelo critico austríaco Aloïs Riegl no seu O culto moderno dos monumentos, sua essência e sua gênese escrito em 1903, pode ser traduzida aproximadamente como “vontade de arte”. Para o autor, o kunstwollen, justificaria o interesse moderno por obras do passado. Cf. RIEGL, Aloïs. O culto moderno dos monumentos, sua essência e sua gênese. Tradução Elaine Ribeiro Peixoto e Albertina Vicentine. Goiana: UCG, 2006.

[17] A nave do Grand Palais foi inscrita como monumento nacional em 1975; em 2000  o edifício inteiro é inscrito nos livros de tombo.

[18] Desde a exposição de 1855 vinha-se já utilizado o concreto armado, mas foi somente na Exposição Universal de 1900, que o concreto armado, tomou importante lugar nas construções e recebeu sua consagração definitiva. O Palácio dos Costumes, construído inteiramente em concreto armado para esta exposição, foi mantido durante algum tempo após a conclusão do evento, como campo de prova experimental para os calculistas.